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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.4 no.2 Ribeirão Preto Aug. 2008

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A importância da família na prevenção do uso de drogas entre crianças e adolescentes: papel materno

 

La importancia de la familia en la prevención del uso de drogas entre niños y adolescentes: papel maternal

 

The importance of family in drug use prevention among children and adolescents: mothering role

 

 

Elias Barbosa de OliveiraI; Leilane Porto BittencourtII; Aila Coelho do CarmoIII

IEnfermeiro, Professor Adjunto enfermagem em Saúde Mental e Psiquiatria da Faculdade de Enfermagem (UERJ). Doutor em Enfermagem, Pós-Doutorado na Área de Drogas. Pesquisador - Núcleo de Pesquisa Enfermagem e a Saúde do Trabalhador (NUPENST/EEAN/UFRJ). Especialista em Álcool e Drogas. EERP/USP/CICAD/OEA.
IIEnfermeira. Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ). Especializanda Hemoterapia Hematologia e Terapia de Suporte – Universidade Gama Filho (RJ).
IIIEnfermeira. Especialista em Saúde Pública pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Especializanda em Enfermagem do Trabalho pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Extensão (IBPEX).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

É um estudo qualitativo descritivo que objetivou descrever os fatores de risco e protetores para o uso e abuso de drogas referidas pela família. Utilizou-se a técnica de entrevista. Participaram do estudo 22 mães de uma comunidade situada no município do Rio de Janeiro, em 2006. Resultados: às mães relataram como fatores de risco o meio, a influência dos pares e a utilização de drogas pela família. Como fatores protetores o diálogo, a família estruturada e atividades sociais e educativas. Concluiu-se que os fatores de risco e protetores devem ser considerados no desenvolvimento de programas de prevenção dirigidos a famílias de baixa-renda.

Palavras-chave: Relações familiares, Drogas ilícitas, Comportamento do adolescente, Transtornos relacionados ao uso de substâncias.


RESUMEN

Estudio cualitativo descriptivo que objetivó describir los factores de riesgo y los protectores para el consumo de drogas referidos por las familias. Fue utilizada la técnica de entrevista. Participaron del estudio 22 madres de una comunidad localizada en Rio de Janeiro en 2006. Resultado: madres relataron como factor de riesgo el ambiente, la influencia de los pares y el uso de drogas por la familia. Como factores protectores, el dialogo, la familia estructurada y actividades sociales y educativas. Se concluyó que los factores de riesgo y los protectores deben ser considerados en el desarrollo de programas de prevención para las familias de baja renta.

Palabras clave: Relaciones familiares, Drogas ilícitas, Conducta del adolescente, Trastornos relacionados con sustancias.


ABSTRACT

Descriptive, qualitative study that aimed to describe risk and protection factors for drugs consumption referred by the family. The interview technique was used. Twenty-two mothers from a community located in Rio de Janeiro participated in the study in 2006. Results: mothers reported the environment, peer influence and drugs use by the family. Protection factors included dialogue, structured family and social and educative activities. It was concluded that risk and protection factors should be considered in the development of drug prevention programs targeting low-income families.

Keywords: Family relations, Street drugs, Adolescent behavior, Substance-related disorders.


 

 

INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas do século XX e na atualidade, o trabalho de prevenção de drogas vem passando por processo de evolução de um modelo cujas ações e diretrizes, anteriormente centradas no tratamento e na internação (um problema médico), intervencionista e repressor (um problema jurídico), para o enfoque na educação e saúde, com valorização da vida e participação da família.

Nessa perspectiva, a família, como instituição cuidadora de seus membros e responsável pela transmissão de valores éticos e morais, é de indiscutível relevância como instituição capaz de contribuir para a prevenção frente aos inúmeros problemas acarretados pelas drogas. Para desenvolver projetos de atenção à família, o ponto de partida é olhar para esse agrupamento humano como um núcleo em torno do qual as pessoas se unem, primordialmente, por razões afetivas, dentro de um projeto de vida em comum, em que compartilham cotidiano e, no decorrer das trocas intersubjetivas, transmitem tradições, planejam seu futuro, acolhem-se(1).

Ainda que mudanças sejam constantes na estrutura familiar brasileira, especialmente na última década, e, mesmo havendo mitos, valores e tabus a respeito de estruturas familiares que divergem do modelo tradicional, o uso indevido de drogas no âmbito familiar não se associa diretamente ao tipo de estrutura que a família apresenta. Assim, depreende-se que o papel da família é mais importante sob a perspectiva de prevenção às drogas, do que atribuir à estrutura familiar a relação de causa(2).

A estrutura familiar no Brasil vem sofrendo diversas alterações em sua dinâmica. A mulher assume cada vez mais o papel de provedora do lar, que outrora nas camadas médias e altas da população era papel predominantemente masculino. Por outro lado, mesmo em famílias patriarcais estruturadas, as figuras maternas são representativas e, muitas vezes, as responsáveis pela transmissão dos valores vigentes na sociedade, assim como na função de cuidadora de seus membros, os quais convivem por afetividade, assumindo compromisso de cuidado mútuo. As mães, no universo familiar, são as que permitem as trocas afetivas, marcantes para o indivíduo e decisórias no modo de ser e agir consigo mesmo e com os outros(3).

A partir desses pressupostos o artigo teve como objetivos: identificar os fatores de risco envolvidos no uso e abuso de drogas a partir da percepção materna e ratificar a importância dos fatores protetores.

Suporte teórico

No Brasil, a partir de 1987, houve aumento do consumo de substâncias psicoativas entre crianças e adolescentes e o percentual de adolescentes no país que já consumiu drogas entre 10 e 12 anos de idade é extremamente significativo: 51,2% já usaram bebidas alcoólicas; 11% tabaco; 7,8% solventes; 2% ansiolíticos e 1.8% usaram anfetamínicos(4).

Tal aumento, principalmente entre os jovens, é considerado problema de saúde pública, tendo em vista que a droga afeta o indivíduo, a família e a comunidade, com sérias repercussões à saúde devido à associação com a violência, os acidentes, a gravidez não programada e as doenças sexualmente transmissíveis, contribuindo, dessa forma, para os quadros de morbidade e mortalidade(5).

Daí a importância de programas de prevenção e assistência, pois o uso de drogas pode se iniciar em idade cada vez mais precoce, como também no começo da idade adulta, sendo as crianças e os adolescentes os principais alvos das drogas, tanto as legais e, nesse caso, o tabaco e o álcool, quanto as ilegais, com possibilidades de envolvimento com o tráfico(6).

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), entretanto, pouco se tem feito no campo da prevenção que, segundo o Ministério da Saúde, é definida como um processo de planejamento e implementação de múltiplas estratégias voltadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e riscos específicos e fortalecimento dos fatores de proteção(7).

Em face dessa realidade, tem sido responsabilidade de profissionais de saúde e educação realizar pesquisas, avançar nos conhecimentos e práticas e estabelecer alianças com a família, de modo a conhecer as tradições, os valores e os costumes, pois a família possui papel fundamental na prevenção do uso de drogas.

A prevenção, no entanto, é sempre uma atitude de ante¬cipação, de previsão do futuro e a prevenção mais eficaz é aquela em que é possível eliminar as causas. No caso das drogas, as cau¬sas do uso e abuso não estão bem estabelecidas e ao longo dos anos as estratégias de prevenção vêm sendo modificadas em função do contexto sociocultural, dos movimentos sociais e das necessidades de saúde da população(5).

As ações preventivas devem, portanto, ser direcionadas às comunidades em situação de risco e aos problemas decorrentes do uso/abuso de drogas. Dentre os fatores de risco relacionados ao uso e abuso de drogas há de se considerar: precárias condições de moradia, presença do tráfico, ausência de perspectivas de trabalho, de ascensão social e de opções de vida socialmente integradoras(6).

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), tem menor risco de uso abusivo de drogas o indivíduo pertencente a uma família bem integrada, nela mesma e na sociedade, e que conta com fatores protetores como estar bem informado, ter qualidade de vida, ter difícil acesso às drogas, conviver em um lar harmônico, receber o alerta precoce dos pais e, em especial, das mães, associado à observação direta e clara dos danos físicos e morais decorrentes do envolvimento com as drogas.

Além desses fatores, há de se ratificar o papel que a família ocupa, pois todo o grupo é afetado quando uma mudança ocorre em um de seus membros. Porém, o equilíbrio entre as mudanças e a estabilidade é uma habilidade da família, de forma que, quando ela está em ordem, todos os relacionamentos sociais da humanidade também estão(5).

 

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo descritivo com abordagem qualitativa, no qual se trabalhou com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a espaço mais profundo das relações, dos processos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis(8).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEP/HUPE/UERJ) e protocolado no Comitê Nacional de Ética em Pesquisa com o número 1550-CEP HUPE.

O campo de estudo foi uma creche comunitária, situada no bairro Cidade de Deus, no município do Rio de Janeiro. A creche tem a capacidade de atendimento para 90 crianças, sendo mantida pela própria comunidade, cujas mães, para manterem os filhos matriculados contribuem mensalmente com quantia estipulada pela direção. A escolha do campo ocorreu a partir da observação empírica de que as crianças matriculadas na creche pertenciam a famílias de baixa renda, com dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho e que residiam em área considerada de risco devido a problemas relacionados às drogas.

Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: serem mães (maiores de dezoito anos), cujos filhos estivessem freqüentando a referida creche. O recrutamento foi realizado no momento em que as mães iam buscar os filhos na creche, sendo informadas de que a participação seria voluntária e teriam o direito de desistir da pesquisa em qualquer fase. No intuito de manter o anonimato das entrevistadas, foram utilizados nomes de comunidades situadas no município do Rio de Janeiro. Foi garantido o sigilo dos dados e ratificado que os resultados do estudo seriam apresentados em eventos e publicados em revistas científicas.

Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, participaram do estudo vinte e duas mães. A coleta de dados ocorreu no segundo semestre de 2006, mediante a técnica de entrevista semi-estruturada, que permitiu a interação entre pesquisador e sujeito, favorecendo a contextualização de experiências e vivências relacionadas ao objeto de estudo(8) . Como instrumento, foi utilizado um questionário aplicado individualmente, contendo em sua primeira parte, questões fechadas sobre o perfil sociodemográfico do grupo, a composição familiar, as condições de moradia e histórico de uso de drogas pela família. A segunda parte foi composta por três questões abertas, relacionadas aos fatores de risco e protetores, cujas respostas foram gravadas em fita cassete.

Realizada a transcrição, a linguagem foi analisada mediante técnica de análise de conteúdo(10) (análise temática) que se baseia na decodificação de um texto em diversos elementos, os quais são classificados e formam agrupamentos analógicos. Em um último momento, utilizando os critérios de representatividade, homogeneidade, reclassificação e agregação dos elementos do conjunto, chegou-se aos resultados mostrados a seguir.

São apresentadas a caracterização dos sujeitos e as seguintes categorias: o entorno como fator de risco para o uso de drogas, a pressão dos pares como fator de risco para o uso de drogas, a família como fator de risco para o uso de drogas pelos filhos, o diálogo como estratégia de prevenção na família; a família estruturada: reforço positivo e as atividades socioeducativas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos sujeitos

Participaram do estudo 22 mulheres, respeitando-se os critérios de inclusão, sendo naturais do Estado do Rio de Janeiro (81,8%) e de outros Estados (18,8%); declararam-se negras (40,9%), pardas (40,9%) e brancas (18,8%). Eram solteiras (59%), residiam com companheiros (27,2%) e casadas (13,6%). As religiões referidas foram a católica (41%), evangélica (32%) e as demais não referiram religião (27%). Quanto à escolaridade, possuíam ensino médio completo (55%) e ensino fundamental (45%). Pertenciam à classe baixa, cuja renda salarial ficou em torno de um a dois salários mínimos, sendo que, em sua maioria (86%), trabalhavam fora.

Fatores de risco para o uso e abuso de drogas

O entorno como fator de risco para o uso de drogas

As famílias que participaram do estudo fazem parte de uma parcela da população que, por terem baixo poder aquisitivo e residir em área de risco, convivem com situações de exposição e vulnerabilidade diante dos problemas acarretados pelo tráfico e consumo de drogas na própria comunidade. Tais situações, relatadas pelas mães, são o retrato fiel de vivências e experiências de riscos de envolvimento dos filhos com as drogas, devido à gama de fatores que se conjugam como o ambiente, a proximidade, o fácil acesso, a influência de pares desviantes e até mesmo o uso de drogas entre os membros da família.

[...] Aqui na comunidade em cada esquina jovens, adolescentes são vistos comprando e vendendo drogas na maior naturalidade (BORÉU). [...] Vivendo com as drogas no seu local de moradia fica mais fácil o acesso, talvez a distância dificultasse mais o acesso. Morando dentro do problema, influencia sim! A criança fica mais vulnerável (PEDREIRA). [...] Tem muita influência, porque em cada esquina você tem acesso às drogas. Aqui não tem como esconder (CHATUBA).[...] Quando se mora na comunidade, que tem a boca de fumo do lado às vezes vejo os viciados que param lá e fumam na frente da criança (JORGE TURCO).

Em um contexto, onde a venda e o consumo de drogas, por alguns membros da própria comunidade, ocorrem no entorno, testemunhados por crianças e jovens, o papel da família é fundamental no que concerne ao monitoramento e à imposição de limites aos filhos. São formas ou estratégias de prevenção adotadas pelas famílias, em face da proximidade, do fácil acesso e dos riscos de envolvimento com suas conseqüências para o indivíduo, família e comunidade. Nessas circunstâncias, é de suma importância o papel dos pais, no intuito de apreender a percepção das expectativas e o cumprimento, ou não, das regras estabelecidas pela família, minimizando a oportunidade de uso/abuso de drogas(10).

A pressão dos pares como fator de risco para o uso de drogas

As trocas afetivas na família são dinâmicas e marcadas, em algumas circunstâncias, por conflitos de idéias e interesses, cabendo à família a vigilância e a imposição de limites, principalmente na adolescência, vista como momento de crise e de novas descobertas. Nessa fase, ocorre distanciamento dos pais e a possibilidade de identificação com outros grupos, podendo o adolescente, devido à vulnerabilidade e à necessidade de ser aceito pelos pares, adotar comportamentos e atitudes que se encaminham para o risco do uso e abuso de drogas.

Enquanto os filhos são menores, freqüentam creches e escolas, é possível o monitoramento pelos pais e professores. No entanto, com a chegada da adolescência, devido à necessidade de auto-afirmação e de decidir sobre a sua vida, o adolescente pode assimilar os comportamentos e atitudes dos pares desviantes, havendo o risco de envolvimento com o uso de drogas como relatado pelas mães.

[...] As crianças e adolescentes se juntam com os amigos, na rodinha e vão se incentivando (MANGUEIRA). [...] Se a minha filha for com a coleguinha para o baile funk, se todo mundo estiver fumando, ela também vai fumar, um vai na mesma onda que o outro (LAGARTIXA).

Na adolescência, o jovem ainda não tem capacidade amadurecida de abstração para refletir, avaliar e optar. Assim, se o grupo ao qual se integrou estiver experimentalmente usando drogas, pressiona-o a usar também. Por essa razão, o estudo de fatores de risco para o uso de drogas entre adolescentes pode auxiliar na detecção precoce dos grupos mais vulneráveis(11).

Por outro lado, o risco para o desenvolvimento de comportamentos desviantes se agrava quanto mais desengajada é a família em suas relações interpessoais. Os adolescentes não são cooptados por amigos anti-sociais, mas eles são atraentes, quando os pais não implementam práticas efetivas de educação que equilibram afeto, atenção e limites para os filhos(3).

A família como fator de risco para o uso de drogas pelos filhos

Diferentes são os arranjos que influenciam a convivência, os hábitos e os costumes da família. Sendo assim, é fundamental na constituição do indivíduo a forma como ele é criado pela família, estando a cargo dos pais, principalmente, a proteção contra os fatores de risco relacionados às drogas(10).

Da mesma forma que a família é o pilar da construção de vínculos saudáveis entre seus membros, as famílias disfuncionais podem conduzir normas desviantes pela forma de comportamento dos responsáveis para com seus filhos. Tais distúrbios ocorrem na maioria dos casos nos quais carecem de habilidades para a criação dos filhos, reduzindo as possibilidades de difusão de fatores protetores(3).

Questionadas sobre a influência da família no uso e abuso de drogas pelos filhos, quinze (15) das vinte e duas (22) mães entrevistadas, apontaram como fator de risco a utilização de drogas entre os membros da própria família, que banalizam o uso e se eximem das responsabilidades, na medida em que não conversam com os filhos sobre os riscos envolvidos.

[...] Se tiver alguém na família que use drogas, e a família está ali, não conversa, não explica. Realmente os filhos vão achar que aquilo é bonito e irão seguir como exemplo (CHATUBA). [...] Tem criança que entra em contato com as drogas porque os pais estão envolvidos e ninguém deu nenhuma explicação (ALEMÃO). [...] Pai, mãe e o meio em que a gente vive, se todos estiverem bebendo, fumando, influenciará sim (LAGARTIXA). [...] Se você faz seu filho também vai fazer. É um ciclo vicioso (PAVÃO-PAVÃOZINHO). [...] A mãe, se fuma na frente do filho, este vai crescendo e vendo a mãe fazer isso, entenderá que também terá que fazer (MARÉ).

Constata-se que o acesso às informações, a estrutura familiar protetora e a existência de laços afetivos entre pais e filhos são razões importantes para a negação e afastamento dos jovens das drogas. No entanto, mesmo ao se enfatizar informações completas com relação às conseqüências do uso e abuso de drogas, o consumo de drogas por algum membro da família pode predispor o uso pelos demais(1), principalmente no que se refere a crianças e adolescentes.

Assim, o risco para o consumo de drogas se agrava, quanto mais desengajada é a família em suas relações interpessoais. Como os filhos valorizam o comportamento dos responsáveis, transformando-os em espelhos para sua formação, o ambiente familiar é parte importante na determinação do uso de drogas pelas futuras gerações(12).

Fatores protetores frente ao risco de uso e abuso de drogas

O diálogo como estratégia de prevenção na família

Pais que adotam um estilo de criação centrado na autoridade, que incorporam cordialidade e vigilância, constroem adaptação positiva em diversas áreas de funcionamento da relação familiar, caracterizada por clima emocional favorável ao diálogo, à troca e à confiança mútuas. Trata-se de estilo de criação que inicia o indivíduo num sistema de reciprocidade, correlacionando-se de forma positiva com uma série de atitudes e comportamentos do jovem, incluindo-se o desempenho e o engajamento escolar, o que certamente contribui para a prevenção do uso e abuso(10).

Considerando o contexto no qual o estudo foi realizado e o risco de envolvimento de crianças e jovens em idade cada vez mais precoce com as drogas, a prevenção deve ser iniciada na própria família através do exemplo e do diálogo. No entanto, uma questão que inquietou algumas mães foi a dúvida de qual seria o momento para falar sobre drogas, pois na visão da maioria, os filhos ainda não tinham idade e entendimento necessários para a abordagem do problema, havendo tendência para postergar o assunto.

[...] Eu ainda não fiz nada não, eles ainda são pequenos (MACACOS). [...] Eu explico muito isso à minha filha de 7 anos, a de 2 anos ainda não entende. Futuramente conversarei quando ela completar 6, 7 anos. Aí sim eu vou conversar (MACACOS). [...] Quando a minha filha estiver mais idade e puder entender eu conversarei com ela dizendo que não é certo, pelo contrário, é muito ruim (MARÉ).

Como a prevenção é atitude de antecipação e de elaboração(6), infere-se que o posicionamento das mães, talvez, esteja ancorado na crença de que possuam o controle sobre os menores ao utilizarem o diálogo, o monitoramento e o afastamento de pares desviantes, o que não isenta os riscos de envolvimento dos filhos com o uso e abuso de drogas, principalmente em área considerada de risco.

Importante refletir sobre quando começar a falar sobre drogas, questão que permeia o imaginário de pais e professores ao lidarem com a prevenção. Pode-se abordar essa questão em várias ocasiões e, desde o momento em que a criança demonstra ser capaz de entender uma história, é possível falar sobre drogas com ela. Pode-se falar, nessa fase, da importância de não se consumir coisas que fazem mal à saúde(13), como referido por outras mães.

[...] Eu converso muito com a minha filha. Passo para ela que a droga quando ingerida faz mal à saúde (VILA DO JOÃO). [...] Na conversa sobre drogas, digo que a droga faz mal ao organismo, que a pessoa que se droga não cresce financeiramente, fica com a saúde debilitada (VILA DO JOÃO). [...] Quanto mais explicação é melhor. Você tem que falar o que é droga e o que não é, enfim conversar (ALEMÃO). [...] Tem que esclarecer a cabeça da criança, do adolescente: olha você está vendo aquilo, aquilo não é bom, e você está vendo quais os riscos que você pode correr (VINTÉM). [...] Tem que mostrar o que é certo e que é errado. Não pode tentar mostrar com violência (PAVÃO-PAVÃOZINHO).

Ao falarem sobre os efeitos nocivos das drogas, as mães, intuitivamente, trabalham sob a perspectiva da prevenção primária, que visa fornecer conhecimentos aos filhos de maneira que eles possam desenvolver hábitos saudáveis e protetores em suas vidas, evitando ou retardando a experimentação de drogas. O posicionamento assumido pelas mães reporta ao trabalho que deve ser feito junto aos alunos que ainda não experimentaram drogas, ou jovens que estão na idade que costumeiramente se inicia o uso (14).

Para a família, no entanto, responsável pela transmissão de valores e proteção dos filhos contra os riscos de envolvimento com as drogas, a prevenção é tarefa árdua, tendo em vista a influência do entorno, a proximidade com pares desviantes. Diante dessa realidade, as mães, apesar de cumprirem o seu papel na transmissão de informações e perpetuação dos valores na família, não têm a garantia de que os filhos irão transformar as informações em atitudes.

[...] Você pode ensinar, encaminhar ele, mas agora se ele não quiser (CHATUBA). [...] Eu só explico que não é legal, e se ele utilizar a droga ele vai se arrepender para o resto da vida (MACACOS). [...] Vou tentar mantê-la bem longe de pessoas que usam drogas para não ter contato e não sentir vontade de beber, de fumar de usar drogas (ANDARAÍ).

Assim, mesmo em ambientes com parcos recursos e permeados pelo trafico de drogas e violência, é possível o afastamento dos jovens da droga devido a fatores como: a disponibilidade de informações adquiridas por diálogos, observação acerca do consumo de drogas e suas complicações e boa interação familiar, decorrente do respeito e solicitude, especialmente pela figura materna(15).

A família estruturada: reforço positivo

A partir de um contato mais efetivo com as famílias e conhecendo como se estruturam, a forma como as relações se estabelecem e os valores que as sustentam é possível a aproximação das atitudes referidas diante do risco de envolvimento dos filhos com as drogas.

As mães, ao se posicionarem, refletem os valores morais, as crenças, os padrões de comportamentos e as atitudes dos pais ao perpassarem o modelo de criação, as condutas e as normas estabelecidas, que poderão funcionar como fatores protetores do uso de drogas pelos filhos evidenciados em seus depoimentos.

[...] A criança só pode vir a não usar drogas se a família estiver bem estruturada (ALEMÃO). [...] A participação da família dentro de casa, é dar bom exemplo (FUMACÊ). [...] Eu não faço certas coisas porque não quero que minha filha faça. Ela pode achar bonitinho engraçadinho e depois querer fazer a mesma coisa (MARÉ). [...] A família não pode dar mau exemplo, ficar fumando, porque dá chance aos filhos de crescerem e também fumarem (NOVA HOLANDA). [...] Eu sou muito rígida dentro de casa, não consigo, não deixo “correr frouxo”. Tem que estar tudo sobre o meu controle (JORGE TURCO). [...] Vou tentar mantê-la bem longe de pessoas que usam drogas para não ter contato e não sentir vontade de beber, de fumar de usar drogas (ANDARAÍ).

Depreende-se dos discursos que, diferentes são os arranjos que influenciam a convivência, os hábitos e os costumes da família, sendo fundamental, na constituição do indivíduo, a forma como ele é criado pela família. É na unidade familiar, espaço de convivência e de experiências; sejam elas de fracasso ou sucesso, saúde ou doença que se encontra a proteção para os filhos contra os fatores de risco relacionados às drogas(10).

As atividades socioeducativas

Apesar de as mães utilizarem o diálogo, ratificarem a importância de uma família bem estruturada e assumirem o controle sobre os filhos como estratégias de prevenção, existe um temor que tais estratégias não sejam suficientes para afastá-los do risco de envolvimento com as drogas. Isso se deve, em parte, aos fatores de risco apontados, cujo enfrentamento requer a aliança da família com instituições de ensino e saúde que invistam em atividades socioeducativas junto às crianças e jovens.

[...] Eu tento ocupar a vida dos meus filhos com escola, eles estudam o dia todo. Tento colocá-los em todos os projetos que aparecem (SALGUEIRO). [...] Em primeiro lugar ele já está aqui numa instituição que é o dia todo. Pretendo manter ele numa instituição assim e ocupar o maior tempo que puder com curso (VIDIGAL). [...] Coloco ele em campeonato de futebol, que ele gosta muito (FUMACÊ). [...] Hoje em dia penso em colocá-lo em judô, praticar algum tipo de esporte para ocupar (LAGARTIXA). [...] Colocar eles numa atividade para a mente ficar ocupada. Porque não podem ficar desocupados. Quando crescer um pouco pôr em atividade, em esporte, não deixar largado (NOVA HOLANDA). [...] Tem que ocupar o tempo da criança. Ocupar o tempo dele para não ter tempo para pensar em besteira (FORMIGA).

Deduz-se, pelos discursos, a importância da família no fortalecimento dos fatores protetores ao uso de drogas, ao estimular a passagem do jovem para a vida adulta através de incentivos ao potencial criativo, à participação em atividades esportivas e o apoio às motivações no campo profissional(13). No entanto, dada a complexidade do problema, há necessidade do apoio das políticas governamentais, cujas ações e diretrizes possibilitem o investimento em ações de cunho socioeductivo com vistas ao suporte do grupo e minimização de riscos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As famílias que participaram do estudo, por possuírem baixa renda e residirem nas proximidades de áreas de venda e consumo de drogas, pertencem a uma parcela da população em situação de risco, portanto, vulnerável aos problemas acarretados pelas drogas como a violência, o risco de envolvimento dos filhos com pares desviantes, o fácil acesso e o uso de drogas por alguns membros do grupo. Diante dessa realidade, a importância da família na prevenção das drogas junto às crianças e adolescentes é de indiscutível relevância, por ser a responsável pela transmissão de valores, monitoramento e imposição de limites, diante dos fatores de risco apontados.

Apesar de as famílias terem ratificado a importância do diálogo no sentido de os filhos desenvolverem hábitos saudáveis e protetores em suas vidas, existe o receio do envolvimento com as drogas, principalmente na adolescência, quando ocorre o distanciamento dos pais e a identificação com os pares. A partir dessa constatação, as famílias, em seus discursos, questionaram a própria autoridade perante os filhos e o poder de intervenção, por conviverem com uma série de limitações no que tange à segurança, ao baixo poder aquisitivo e à dificuldade de acesso à educação/informação e à saúde.

Na tentativa de contornar as limitações, principalmente em termos de poder aquisitivo, as mães declararam ter que trabalhar fora de casa para ajudar no orçamento doméstico, o que dificulta o monitoramento dos filhos e aumenta o risco de envolvimento com pares desviantes. Desse modo, para que a família exerça a função de cuidadora e contribua efetivamente para a prevenção do uso de drogas entre seus membros, há necessidade do suporte de políticas públicas com vistas à inserção de crianças e jovens em atividades de cunho educativo e social.

Portanto, é na relação direta com a comunidade, onde, ao contrário dos discursos, se encontram os problemas, que os profissionais das áreas de saúde e educação, mediante parcerias firmadas com as instituições e serviços, poderão investir em ações e diretrizes de cunho preventivo e que promovam o acesso à educação, à saúde e à qualidade de vida da família, no intuito de fortalecer os fatores protetores e minimizar os fatores de risco referidos.

 

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Endereço para correspondência
Elias Barbosa de Oliveira
E-mail: eliasbo@tutopia.com.br

Leilane Porto Bittencourt
E-mail: layfenfuerj@yahoo.com.br

Aila Coelho do Carmo
E-mail: aila_coelho@yahoo.com.br

Recebido: 02/2008
Aprovado: 07/2008

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