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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.4 no.2 Ribeirão Preto Aug. 2008

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Venda de bebida alcoólica e violência: o que pensam os donos de bares

 

Venta de bebida alcohólica y violencia: lo que piensan los dueños de bares

 

Sale of alcoholic drinks and violence: what bar owners think

 

 

Diego FranchinoI; Maria do Perpétuo S. S. NóbregaII; Marcelo Eduardo Pfeiffer CastellanosIII

IEnfermeiro, Especialista em Enfermagem em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da FMUSP.
IIEnfermeira, Doutora em Ciências da Saúde UNIFESP; Docente responsável pela Disciplina de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental e o Fenômeno das Drogas FMABC - Santo André/SP.
IIISociólogo, Doutor em Saúde Coletiva pela UNICAMP; Docente responsável pela disciplina de Sociologia do Curso de Enfermagem da FMABC -Santo André/SP.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Nos últimos anos, houve crescimento significativo do fenômeno violência. O consumo abusivo de álcool representa importante fator a ser considerado para compreensão desse fenômeno. Analisa-se aqui a percepção de donos de bares sobre a relação da venda de bebida alcoólica e situação de violência. Estudo qualitativo, desenvolvido em julho de 2005. Foram realizadas entrevistas em profundidade, semi-estruturadas, com 15 donos de bares. Os depoimentos foram agrupados em seis categorias: o álcool como facilitador de ação; aprovação da venda de bebida alcoólica; saber beber; o descontrole; a não aceitação da venda de bebida alcoólica por donos de bares; A venda de bebida alcoólica e episódios de violência. Os entrevistados identificaram relação entre álcool e violência (embora nem sempre presente), regulada pela habilidade dos consumidores em “saber beber”.

Palavras-chave: Alcoolismo, Violência, Percepção, Comércio.


RESUMEN

En los últimos años, creció significativamente el fenómeno de la violencia. El consumo abusivo de alcohol representa un factor importante a ser considerado en la comprensión de ese fenómeno. Analizamos la percepción de los dueños de bares con respecto a venta de bebida alcohólica y la situación de violencia. En un estudio cualitativo, desarrollado en julio de 2005, fueron realizadas entrevistas en profundidad con 15 dueños de bares. Las transcripciones fueron clasificadas en seis categorías: el alcohol como facilitador de acción; la aprobación de la venta de bebida alcohólica; saber beber; el descontrol; la no aceptación de la venta de bebida alcohólica por los dueños de bares; la venta de bebida alcohólica y episodios de violencia. Los entrevistados identifican una relación entre el alcohol y violencia (aunque no siempre presente), regulada por la habilidad de los consumidores para "saber beber".

Palabras clave: Alcoholismo, Violencia, Percepción, Comercio.


ABSTRACT

In recent years, there has been a significant growth in the violence phenomenon. The abusive consumption of alcohol represents an important factor to understand this phenomenon. We analyze bar owners’ perception of the relation between the sale of alcoholic drinks and the violence situation. A qualitative study was carried out in July 2005. In-depth interviews, with open-ended questions, were conducted with 15 bar owners. The transcripts were classified in six categories: Alcohol as a facilitator of action; approval of alcoholic drink sales; knowing how to drink; lack of control; non acceptance of the sale of alcoholic drink by bar owners; sale of alcoholic drinks and episodes of violence. The interviewees identify a relationship between alcohol and violence (although not always present), regulated by the consumers' ability in "knowing how to drink".

Keywords: Alcoholism, Violence, Perception, Commerce.


 

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, os acidentes e a violência configuram importante problema de saúde pública, apresentando forte impacto na morbidade e mortalidade da população, especialmente nas áreas urbanas as taxas de violência e acidentes são bem maiores(1).

Da mesma forma, no contexto da saúde, sabe-se que a violência social, em virtude de suas conseqüências, enquadra-se na categoria Causas Externas (códigos: E-800 a E-999 na 9ª Revisão e V01 a Y98 na 10ª Revisão), no sistema de Classificação Internacional das Doenças (CID). Tal categoria abrange longa lista de eventos que podem ser resumidos em homicídios, suicídios e acidentes em geral.

Por meio de um estudo, constatou-se que, no Brasil, no ano de 2000, os homicídios foram responsáveis por 39% das mortes por causas externas na população de 15 a 24 anos, e por 4,7%, quando considerada a população total do País(2). Dados de outro estudo, também realizado no Brasil, apontam que 52% dos casos de violência doméstica estavam ligados ao álcool(3).

Além disso, a literatura diz que as vítimas são na maioria jovens, do sexo masculino, de cor parda ou negra, com baixa escolaridade e pouca qualificação profissional e costumam ser mortos por acidentes de trânsito ou outros tipos de acidentes, homicídios e suicídios(4).

O crescimento da mortalidade por homicídios no Brasil, entretanto, atinge homens e mulheres, em todas as faixas etárias, fato que indica a ocorrência de disseminação das mortes por homicídio com deslocamento para as camadas mais jovens da população(5). Esse dado é particularmente importante em termos de ônus social, sendo que, em 1997, os homicídios situavam-se em primeiro lugar como causa de anos potenciais de vida perdidos em nosso país.

Levantamento sobre as cinco principais causas de morte, segundo subprefeituras do município de São Paulo, no ano de 2003, mostrou que bairros como Aricanduva, Lapa, Mooca, Pinheiros, Santana/Tucuruvi e Vila Mariana apresentaram as doenças do sistema cardiovascular e respiratório como as principais causas de morte. Entretanto, bairros como Campo Limpo, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Guaianases, Itaim Paulista, M’Boi’ Mirim, Parelheiros, São Mateus e Socorro apresentaram como causa principal de óbitos os homicídios. Assim, a ocorrência dos maiores índices de morte por homicídio, nas áreas periféricas do município de São Paulo, sugere a relação entre condições socioeconômicas e a violência urbana(6).

Na determinação dos diferentes tipos de causas externas, que corroboram as altas taxas de mortalidade e violência, o consumo de álcool é importante fator a considerar, sendo objeto de estudos em vários países. Dessa forma, trabalhos realizados entre vítimas de acidentes de transporte, agressões, afogamentos e queimaduras, entre outros, mostram níveis variáveis, porém consistentes do envolvimento com o álcool, de acordo com populações de diferentes países estudados(7).

Nesse sentido, estudos surgiram devido à preocupação com a dependência que o álcool acarreta, os dados do CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre drogas Psicotrópicas apontaram que 11% dos brasileiros, acima de 12 anos, são dependentes do álcool(8).

O alcoolismo pode levar a modificações profundas da personalidade como alteração no controle dos impulsos, baixa tolerância às frustrações, irritabilidade, hipersensibilidade e ciúme patológico que afetarão as relações do sujeito com seu entorno. Na esfera familiar, por vezes pode levar à desorganização estrutural extrema(9).

Estudo, que analisou as situações de violência, mostrou que essas situações têm mais chances de serem exercidas em determinados segmentos, locais e situações específicas, sob condições também específicas, caracterizando os diversos efeitos do álcool no complexo convívio social humano(9).

Compreende-se, com isso, que as situações de violência têm mais chances de serem exercidas em determinados locais como o bar, onde o beber aparece como prática social, relacionado a um hábito cotidiano, enfatizado pelos meios de comunicação como sendo uma atitude “boa” para a imagem, constituindo-se problema que exige reflexões acerca da complexidade do contexto social e dos fatores de personalidade e individualidade.

Estratégias efetivas que influenciam tanto a quantidade do álcool consumida quanto os comportamentos de consumo foram apresentadas no Consenso Brasileiro sobre políticas públicas do álcool em 2004(3). Tais medidas compreendem: leis que regulam o preço e taxação de bebidas alcoólicas, impondo idade mínima à compra do álcool, proibindo total ou parcialmente a propaganda de bebida alcoólica e limitando a hora e o lugar em que bebidas alcoólicas podem ser servidas ou compradas(10).

Assim, em diversas cidades brasileiras, os donos de bares são obrigados a fechar o estabelecimento em horário predeterminado, com o propósito de diminuir a criminalidade(3).

Ainda que medidas restritivas dirigidas aos consumidores e comerciantes de bebidas alcoólicas representem importante estratégia para o controle do consumo abusivo do álcool, certamente outras estratégias, menos coercitivas (e possivelmente mais efetivas), devem, também, ser adotadas pelo poder público. Conhecer mais profundamente o ponto de vista adotado pelos donos de bares a respeito do consumo de bebidas e violência representa passo importante na formulação de estratégias que visem atuar não somente “sobre”, mas, também, “por dentro” do problema. Os profissionais de saúde, historicamente, tiveram papel importante no processo de medicalização social, através do qual foram instauradas diversas linhas de atenção e formas de relacionamento com o corpo individual e social. Portanto, são atores privilegiados para conhecer e atuar sobre as diversas dimensões desse problema.

 

OBJETIVOS

Analisar a percepção de donos de bares sobre a relação da venda de bebida alcoólica e o fenômeno violência.

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo qualitativo, que objetivou traduzir e reconstruir a percepção dos donos de bares em relação ao uso de bebida alcoólica e o fenômeno violência. Os participantes foram donos de estabelecimentos comerciais (bares que vendem bebida alcoólica), localizados na favela Capuava, situados no município de Santo André, ABC Paulista, que, após aceite do convite e compromisso ético quanto ao sigilo, foram entrevistados, tendo seus nomes reais substituídos por nomes fictícios para garantir o anonimato.

Para reconstruir a percepção dos donos de bares frente o uso de bebida alcoólica e violência, foi utilizada a entrevista dirigida com quatro perguntas norteadoras — Descreva o que você entende sobre violência — Descreva sua compreensão sobre uso e abuso de bebida alcoólica — Descreva sua compreensão sobre o uso e abuso de bebida alcoólica e violência — O que você pensa da venda de bebida alcoólica?.

Durante a coleta, o pesquisador foi acompanhado por um agente comunitário do Centro de Saúde Escola Parque Capuava, responsável pela área de abrangência onde se realizou este estudo. Isso serviu não apenas para garantir a segurança do entrevistador, como também para orientar o entrevistador em seu percurso pela região e em seu contato com a população. Salienta-se, no entanto, a receptividade dos sujeitos do estudo e a disponibilidade para discutir a questão da violência e o consumo de álcool.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 15 donos de bares entrevistados, 86,6% eram do sexo masculino com idade entre 21-50 anos e 13,3% do sexo feminino com idade inferior a 21 anos. O tempo de atuação como dono de bar pode ser enquadrado em três faixas, quais sejam, até 5 anos de ofício (53,3%), entre 5-10 anos (20%) e acima de 10 anos (26,6%).

Após a realização das entrevistas com os sujeitos acima descritos, realizou-se leitura intensa do conjunto de depoimentos, permitindo compreender a percepção dos entrevistados acerca do tema investigado, identificando-se seis categorias empíricas.

1 - O álcool como facilitador de ação

Negócio de bar é o seguinte, o cabra tá com problemas, com problemas pra resolver no trabalho, na família (...) ele vem e desconta na bebida (André).
Uns bebem para se divertir, outros bebem para montar no outro e outros para provocar violência (Fabrício).

O uso intencional do álcool reflete dificuldade de enfrentamento da realidade, quando o indivíduo usa desse artifício para disparar processos psicoemocionais que atuam como facilitadores de ações ou sentimentos desejados. Assim, alguns tipos de clientes consomem álcool no sentido de se desinibir em uma conversa, enquanto outros procuram “arrumar confusão” ou fazer mal a alguém.

Existe influência recíproca entre os usuários. Eles tendem a beber mais e a experimentar mais, se as conseqüências confirmatórias de suas expectativas são concretizadas, em retroalimentação positiva(11).

2– Aprovação da venda de bebida alcoólica

A venda pra mim é normal, em todo lugar tem, no Brasil, em todos os países tem (Giovani).
Eu tenho é que trabalhar de qualquer coisa, a pessoa não pode ficar parada, ela tem que trabalhar (Wilson).
Eu mesmo trabalho vendendo cachaça, porque não tenho outro emprego, eu gostaria de arrumar outra coisa para fazer (Fabrício).
O que falta é ter um limite pra fechar os bares, porque quando passa do horário da meia noite, já começa o negócio mais sério, mais perigoso (Marciano).

A venda de bebida alcoólica é vista pelos entrevistados como o único meio de sobrevivência disponível, no momento. Eles enfatizam o desejo de trocar de atividade, porém, baseados na legalidade da venda de bebida alcoólica no país, alegam que essa não representa um problema em si mesmo, sendo legitimada socialmente. Para os entrevistados, os problemas relacionados a essa atividade decorreriam da falta de conscientização dos indivíduos quanto ao uso de álcool e da falta de iniciativas do poder público, visando diminuir ou controlar a sua comercialização.

Para responder a isso, acredita-se, aqui, que a propaganda do álcool contribui muito para que se tenha uma visão rósea do comportamento de beber, relacionando-o a encontros festivos, relaxamento, poder e liberdade e, com isso, incentivando o consumo sem apresentar os riscos e evidências negativas decorrentes do uso e abuso.

3 – Saber beber

...eu acho assim, está para vender, mas só deve beber quem sabe beber (Risalva).
...o uso da bebida não é tão ruim, só que deve beber controlado (Eriberto).
...um bom bebedor sabe quando parar (Josué).

O domínio “saber beber” é apontado, pelos entrevistados, como uma habilidade individual desenvolvida por aqueles que adquirem certo poder sobre a bebida alcoólica. Isso se dá quando o cliente acredita ser capaz de se controlar e consegue efetivamente evitar situações vexatórias frente aos outros freqüentadores do bar.

O autocontrole é parte do comportamento masculino esperado, sendo o “bêbado”, então, desclassificado e neutralizado, segundo normas de evitação. Essas regras são parte da aprendizagem resultante da freqüência assídua ao bar(9).

4 – O descontrole

...Tem pessoa que abusa é porque não consegue se controlar, toma uma, duas, enquanto ela não cai, ele não pára de beber, é um vicio (Izaac).
...quando vira vício, a pessoa é dominada e não consegue se controlar (Izaac).
...tem uns que bebem e sabem se controlar, mas alguns não conseguem (Amauri).
...[a pessoa deve] saber beber pra saber o que está fazendo, porque muitas vezes você bebe, passa do limite e aí é que acontece as tragédias (Maria).

Os relatos de Maria, Amauri e, Izaac, corroboram os dados da literatura(9), quando afirmam que a alcoolização leva ao descontrole emocional em pessoas que apresentam relutância para controlar o uso, acarretando muitas vezes situações conflitantes geradas por dificuldade em tolerar frustrações depois de repetidas doses de bebida alcoólica.

Os entrevistados alegam que a alcoolização leva ao descontrole emocional, mas só em pessoas que apresentam dificuldade em controlar o seu uso. Porém, tais casos aparecem como um desvio em relação à norma ou padrão de consumo valorizado.

5 – A não aceitação da venda de bebida alcoólica por donos de bares

...o cara bebe e quer brigar com os outros, a gente fala isso porque sempre vem um bêbado de um lado e enche o saco e a gente tem que agüentar, porque eu sou um cara da paz, mas a gente fica com medo de aparecer um louco aí né (Wilson).
Muitas pessoas que bebem ficam violentas no bar (Franciene).
A gente daqui vê as coisas, tem uns que vêm beber pra procurar confusão(Josué).
Pra mim se pudesse proibir a venda de bebida alcoólica, a vida seria bem melhor, para mim o álcool é terrível(Fabrício).

Parte dos entrevistados não aceita a venda de bebida alcoólica, uma vez que a sua vivência, relacionada à venda de bebidas, mostra que o abuso do álcool está intimamente relacionado à destruição do equilíbrio familiar e a sérios agravos à saúde. Além disso, os entrevistados afirmam que episódios de violência relacionados ao uso indevido do álcool, vivenciados no dia-a-dia dos bares, leva a grande desgaste psíquico e emocional para quem trabalha nessa atividade.

Através de métodos epidemiológicos, o volume médio de consumo e os padrões de consumo do álcool podem ser correlacionados a diversas categorias de problemas de saúde. O Brasil tem no consumo do álcool o responsável por mais de 10% de seus problemas totais de saúde(12) e no aspecto violência-consumo de álcool a relação é ainda mais complexa, especialmente por não existir relação causal simples e unidirecional. Modelos teóricos apontam o uso do álcool conduzindo ao crime (devido a propriedades psicofarmacológicas); o crime conduzindo ao uso do álcool (suposição de que indivíduos que cometem crimes são provavelmente mais expostos a situações socioculturais e ambientais, onde o beber pesado é perdoado ou encorajado) e relação coincidente ou explicada por causas comuns (personalidade, antecedentes familiares de alcoolismo, fatores genéticos, características de temperamento e circunstâncias sociais que predisporiam ao crime e à bebida)(3).

6 – A venda de bebida alcoólica e episódios de violência

Tem pessoas que não podem beber, cada um tem um sistema, uns ficam violentos, outros choram (André).
Bom, a partir do momento que você bebe, você não sabe o que está fazendo, você bebe demais e chega em casa e vai bater nos filhos, tudo por causa da bebida (Giovanni).
Eu acho o seguinte, quem bebe nunca fica normal. Quando você bebe, você muda totalmente, o seu comportamento muda. Só que varia, uns ficam violentos quando tomam e outros ficam calmos (Wilson).

Os entrevistados identificam a existência de associação entre o uso de bebida alcoólica e a ocorrência de episódios de violência, decorrente seja de um descontrole psíquico e emocional, ou de uma má intenção, demonstrada pelos clientes. Esses episódios podem ocorrer tanto nos bares quanto no âmbito doméstico dos clientes, atingindo direta ou indiretamente os donos de bares.

Autores constataram que a ingestão de álcool está associada com a vitimização por agressão física, sendo essa relação aumentada conforme a quantidade ingerida por semana(13).

Na verdade, o que é possível inferir é a alta proporção de atos violentos quando o álcool ou outra droga estão presentes entre os agressores e vítimas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de sua ampla aceitação social, o consumo de bebidas alcoólicas, quando excessivo, passa a ser um problema devido a inúmeros acidentes de trânsito e episódios de violência estarem associados a episódios de embriaguez, com possíveis mudanças resultantes do uso dessas substâncias nas funções cognitivas, no estado emocional, nas alterações hormonais e fisiológicas, estando essas situações intrinsecamente relacionadas ao baixo preço do álcool como também às propagandas agressivas do seu consumo veiculadas pela mídia(14).

Nesse sentido, cabe ressaltar a importância da implementação de políticas do álcool destinadas a prevenir conseqüências deletérias do uso/abuso, em vez de punir os consumidores. No Brasil, os debates sobre políticas do álcool vêm se intensificando e apontam estratégias e medidas de intervenções que, se bem implantadas, se espera controlem os problemas relacionados ao consumo do álcool, tais como, aumento do preço e da taxação sobre bebidas resultando na diminuição do consumo, regular a disponibilidade física do álcool especialmente quanto aos pontos de venda, localização desses, distantes de igrejas e escolas; restrição quanto a dias e horários, proibição de venda a pessoas embriagadas e limite individual de compra(10).

Dentre as medidas possíveis de serem empregadas, algumas estão diretamente relacionadas ao controle da violência como o acordo entre os proprietários de bares para levantar os fatores de risco para a violência, especialmente quando os problemas nos bares estão concentrados numa região específica, manejo da agressividade e de outras alterações do comportamento que podem ser observados pelos donos de bares.

Compreende-se que a percepção da violência é diferente de uma pessoa para outra, a própria dimensão da violência ou a maneira como ela afeta ou é significada na vida das pessoas, varia socialmente.

Para muitos comerciantes a venda de bebida alcoólica não é uma opção, mas um caminho necessário para o sustento, como também para se manter competitivo no mercado. Os entrevistados identificam relação entre álcool e violência, embora nem sempre presente. Essa relação seria regulada pela habilidade dos consumidores em “saber beber”, pois o bar enquanto espaço privilegiado de produção e reprodução de convívios rotineiros entre os homens, oferece exemplos etnográficos sobre os modos de controle do consumo de álcool. Aqueles que não incorporam a “etiqueta” do saber beber passam a ser excluídos do grupo, por críticas e sanções sociais. Percebeu-se esse fenômeno quando os entrevistados enfatizam a aprovação do uso quando o indivíduo sabe se controlar, isso demonstra a ausência de crítica deles em relação à nocividade dessa substância, e remonta aos fatores de influência tais como socioculturais, econômicos ou ambientais.

Os entrevistados também responsabilizam as indústrias de bebidas alcoólicas pela grande oferta de produtos e a divulgação na mídia, levando ao incentivo do consumo do álcool. Alguns donos de bares cogitam a idéia de mudar de profissão o quanto antes, pois relatam que é uma profissão perigosa, implicando em diversas situações de conflito. Ademais, os entrevistados não referem retorno financeiro satisfatório, apontando por vezes outras atividades mais rentáveis como “abrir um mercadinho”.

Em contrapartida, alguns sujeitos desse estudo se colocam como “vítimas” da situação e não como possíveis agentes de mudança no controle de seu consumo. Portanto, as políticas públicas de redução do consumo abusivo de álcool devem estar atentas para o desafio que representa incluir o comerciante como aliado em suas estratégias de prevenção.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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11 Araújo LB, Gomes WB. Adolescência e as expectativas em relação aos efeitos do álcool. Psicol. Reflex. Crit. 1998 [acesso em 12 mar 2007]; 11(1). Disponível em: http://www.antidrogas.com.br/mostraartigo.php?c=453        [ Links ]

12 Meloni JN, Laranjeira R. Custo social e de saúde do consumo do álcool. Rev. Bras. Psiquiatr. 2004; 26(supl.1): 7-10.        [ Links ]

13 Gianini RJ, Litvoc J, Neto J.E. Agressão física e classe social. Rev. Saúde Pública 1999; 33(2): 180-6.        [ Links ]

14 Laranjeira R. Álcool, mentiras e violência. 2005 [Acesso: 28 de Outubro de 2005] Disponível: www.propagandasembebida.org.br.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Diego Franchino
E-mail: difranchino@yahoo.com.br

Maria do Perpétuo S. S. Nóbrega
E-mail: perpetuasn@terra.com.br

Marcelo Eduardo Pfeiffer
E-mail: mecpin@yahoo.com

Recebido: 02/2008
Aprovado: 06/2008

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