SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número1Expectativas sobre os efeitos do uso de álcool e padrão de beber em alunos de ensino médioUso da criatividade e da tecnologia no ensino da crise em enfermagem psiquiátrica e saúde mental índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.6 n.1 Ribeirão Preto  2010

 

Assistência de enfermagem aos familiares cuidadores de alcoolistas

 

Atención de enfermería a familiares cuidadores de pacientes alcohólicos

 

Nursing care to family members who are caregivers of alcoholics

 

 

Ana Paula Sparapan PenaI; Jurema Ribeiro Luiz GonçalvesII

IEnfermeira Assistencial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, paulapenax@hotmail.com
IIDoutora em Enfermagem Psiquiátrica, junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Professora junto ao Departamento de Ciências Biológicas e da Saúde do Centro Universitário de Araraquara - UNIARA, juremaluiz@ig.com.br

 

 


RESUMO

O alcoolismo é considerado doença e um problema de saúde pública. Sua presença ocasiona, no grupo familiar, alteração no relacionamento entre os membros que o compõem. O objetivo deste estudo foi oferecer treinamento aos familiares cuidadores de pacientes alcoolistas, através da técnica de solução de problemas e avaliar o treinamento. Trata-se de estudo qualitativo descritivo. Três participantes do estudo expuseram sentimentos de raiva, indignação, dificuldade de convívio, tristeza e impotência. Acredita-se que investimentos em atendimento e apoio aos familiares cuidadores de alcoolistas são fundamentais para a prática de assistência de qualidade à saúde e bem-estar dessas pessoas.

Palavras-chave: Alcoolista, Familiar-cuidador, Solução de problemas.


RESUMEN

El alcoholismo es considerado enfermedad y un problema de salud pública. Su presencia causa alteraciones en la relación entre los miembros del grupo familiar. Este estudio cualitativo y descriptivo tuvo como objetivo ofrecer y evaluar el entrenamiento a familiares cuidadores de pacientes alcohólicos, a través de la técnica de solución de problemas. Tres participantes del estudio  expusieron sentimientos de rabia, indignación, dificultad de vivir en conjunto, tristeza e impotencia. Se acredita que inversiones en atención y apoyo a los familiares cuidadores de alcohólicos son fundamentales para la práctica de una atención de calidad para la salud y bien-estar de esas personas.

Palabras clave: Alcohólico, Familiar-cuidador, Solución de problemas.


ABSTRACT

Alcoholism is considered a disease and a public health issue. It causes changes in the relationships of the members within the family group. This qualitative and descriptive study aimed to provide and evaluate proper training to family caregivers who take care of alcoholic patients, through the problem-solving technique. Three study participants reported feelings of rage, anger, difficulty of living together, sadness and helplessness. It is believed that investments in care and support to family members who are caregivers of alcoholic patients are essential to provide quality health care and well-being to these people.

Keywords: Alcoholic, Family member - caregiver, Problem solution.


 

 

INTRODUÇÃO

O alcoolismo tem sido considerado como problema de saúde pública, acarretando consequências em todos os setores da vida, sendo uma droga lícita, acessível, subestimada e também considerada psicotrópica. Seu abuso acarreta transtornos físicos e psíquicos, alterando o comportamento e causando prejuízos aos consumidores, sendo esses prejuízos individuais e sociais(1).

O alcoolismo é o terceiro maior problema de saúde pública nos Estados Unidos (EUA). Atualmente, quase 14 milhões de americanos, um em cada 13 adultos, abusam ou são dependentes do álcool e, ainda, aproximadamente 53% dos homens e mulheres nos EUA relatam que um ou mais de seus parentes próximos têm problemas com a bebida(2-3).

No Brasil, a prevalência de alcoolismo é de aproximadamente 13% da população, existindo 18 milhões de alcoolistas. No Estado de São Paulo, estima-se que, no mínimo, 2 milhões de pessoas são dependentes do álcool(2-3).

Os profissionais de saúde, atualmente, não têm voltado seu olhar apenas para o paciente, mas também para família como foco central do cuidado, pois a família tem papel significante no estabelecimento e na manutenção da saúde(4).

Observa-se, nos dias atuais, inversão na prática assistencial, onde a família passa a ter importância primordial na efetivação do tratamento, pois dependerá do seu apoio ou rejeição a melhora ou a piora do paciente(5).

Dessa forma, o profissional da saúde percebe a família como um elo entre o tratamento e o paciente. Contudo, o contexto de mudanças do cotidiano imposto pela presença do usuário de álcool no grupo estabelece alteração nas rotinas de vida, ocasionando sofrimento e angústia aos familiares.

Refletindo sobre a questão da família como suporte ao tratamento, não se pode deixar de observar que a doença no âmbito familiar traz, de certa forma, desequilíbrio no funcionamento habitual das pessoas que integram o grupo.

Pode-se observar que o envolvimento com a família é importante para a recuperação do paciente. Atualmente, muitos programas oferecem aconselhamento conjugal e terapia familiar como parte do processo de tratamento. Alguns desses programas podem oferecer para os dependentes recursos vitais da comunidade como assistência legal, treinamento de trabalho, creches e aulas para os pais(3).

Em quase todos os programas de tratamento do alcoolismo são incluídos, também, os encontros de Alcoólicos Anônimos, que é reconhecido como programa eficiente de autoajuda para recuperar dependentes de álcool(3).

Diante do exposto, acredita-se, aqui, que atendimento voltado para o familiar configura-se como uma das possibilidades de intervenção, visando não só o bem-estar do usuário de álcool como também o bem-estar da família.

 

REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO

A terapia de solução de problemas sociais é definida como: "O processo metacognitivo pelo qual os indivíduos compreendem a natureza dos problemas da vida e dirigem seus objetivos em direção à modificação do caráter problemático da situação ou mesmo de suas reações a ela"(6). Dessa maneira, o problema é visualizado como situações vivenciadas ou que estão em curso e que necessitam de respostas para que ocorra a adaptação.

Diante dessa definição, o problema não se configura como característica nem do ambiente nem da pessoa trata-se de um tipo individualizado de relação pessoa-ambiente que reflete desequilíbrio, ou discordância, percebido entre as demandas e a disponibilidade de resposta adaptativa. A solução nesse modelo refere-se a qualquer resposta com característica de afrontamento com a intenção de modificar a natureza da problemática, bem como as reações emocionais negativas, ou ambas(7).

A terapia de solução de problemas tem sido utilizada como intervenção de tratamento nos mais variados problemas de transtornos clínicos e subclínicos tais como: depressão, estresse, ansiedade, agorafobia, obesidade, problemas conjugais, alcoolismo, tabagismo entre outros; podendo até mesmo ser utilizada em pacientes psiquiátricos internados, no intuito de aumentar a competência social(8).

Como corpo teórico de suporte científico, a TSP (terapia de solução de problemas) tem sido bastante utilizada entre equipes clínicas, as quais treinam os familiares de alcoolistas com manual desenvolvido a partir de embasamento teórico e cuja aplicação tem sido feita nos casos de pessoas com depressão, problemas interpessoais e no enfrentamento de doenças crônicas(7).

Em síntese, a solução de problemas é o processo no qual se procura encontrar solução eficaz para uma situação considerada problema. Porém, colocar em prática a solução supõe a realização da solução escolhida.

Nessa perspectiva, as soluções eficazes são aquelas em que o indivíduo não só consegue alcançar seus objetivos como também aumentam a possibilidade de resultados positivos, caracterizando, dessa forma, os benefícios que se têm com o afrontamento(9).

A eficácia ou a adequação de qualquer solução de problemas dependerá de como o indivíduo enfrenta seus problemas, qual o valor deles para sua vida e para as pessoas com quem vive, ou seja, cada indivíduo reage de uma maneira diferente ao mesmo estímulo, considerando como estímulo tantos fatores intrapessoais quanto os inerentes ao exterior.

O modelo de solução de problemas de saúde mental tem duas suposições, a primeira, devido às complexas capacidades cognitivas e às exigências da sociedade, as pessoas são ativas solucionadoras de problemas. A segunda suposição refere que o ajuste psicológico relaciona-se com a habilidade para solucionar problemas, levando em consideração características intra e interpessoais. Destrezas comportamentais e cognitivas medeiam tanto as reações emocionais como o ajuste psicológico.

Os indivíduos com orientação positiva tendem a visualizar os problemas como desafios ou como oportunidades para beneficiá-los de alguma maneira significativa. Eles também tendem a possuir forte crença de autoeficácia e são mais aptos a usar as habilidades adaptativas para solução de problemas. Ao contrário, uma orientação de problemas negativos pode conduzir a efeitos negativos. Há comportamento impulsivo e motivação para afastamento, os quais podem inibir ou interromper as tentativas de solução de problemas subsequentes(8).

Um estilo de solução de problemas efetivo é aquele que conduz a uma solução racional do problema. Essa abordagem envolve aplicação sistemática, planejada e habilidosa de vários princípios ou técnicas efetivas na solução de problemas. Cada tarefa nesse processo traz uma contribuição distinta em direção à descoberta de solução adaptativa e a resposta efetiva a uma situação geradora de tensão. Esses quatro domínios de habilidade incluem: a definição e formulação do problema, ou seja, a habilidade para entender a natureza do problema, identificar os obstáculos em direção às metas, delinear objetivos realísticos e perceber relações de causa e efeito; a geração de alternativas, habilidade para criar múltiplas ideias para solução; a decisão de fazer diz respeito a identificar consequências potenciais para predizer as probabilidades de tais consequências e conduzir à análise de custo x benefício a respeito do desejo desses resultados; a implementação da solução e verificação da habilidade para levar a cabo um plano de solução favoravelmente, monitorar seus efeitos, buscar assessoria, caso a solução não seja efetiva, e autovalorizar se o resultado for satisfatório(8).

Dessa maneira, acredita-se que os familiares serão beneficiados com a utilização da teoria de solução de problemas, para promover um novo olhar na dinâmica de se relacionar com seu familiar alcoolista.

 

OBJETIVO

Oferecer treinamento aos familiares cuidadores de alcoolistas através da técnica de solução de problemas e avaliar a eficácia do treinamento oferecido aos familiares desses pacientes.

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo qualitativo de natureza descritiva, realizado em março de 2007, no Grupo Familiares Al-Anon. Participaram deste estudo três familiares de alcoolistas, do sexo feminino, com idade entre vinte e seis e sessenta anos que frequentam o grupo.

Para obtenção dos dados, utilizou-se manual de instrução contendo informações a respeito dos objetivos do treinamento, tendo como embasamento cinco tipos de informações: compreensão do problema, incluindo o que é, porque acontece, quem está mais propenso a desenvolvê-lo, e o que se pode, razoavelmente, esperar ao lidar com tal problema; ter orientação otimista em relação à solução de problemas no cuidar do paciente; o que o cuidador pode fazer para lidar com o problema quando ele ocorre, assim como o que fazer para evitar que o problema ocorra; os obstáculos que podem impedir ou interferir na execução do plano e como enfrentá-los; como realizar o plano, incluindo o que fazer se o plano parece não funcionar.

Antes da coleta de dados, foi entregue aos participantes o termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com Resolução 196/96, do Ministério da Saúde, sobre pesquisa envolvendo seres humanos.

Após a coleta, os dados foram submetidos à análise de conteúdo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no trabalho estão apresentados em duas partes. A primeira refere-se aos dados de caracterização da amostra. A segunda parte, à apresentação das categorias específicas de cada reunião.

A totalidade dos sujeitos da pesquisa foi composta por três familiares cuidadores de alcoolista, do sexo feminino, casadas, faixa etária entre vinte seis e sessenta anos, sendo os sujeitos identificados pelas iniciais E1 (irmã), E2 (esposa), E3 (esposa).

Dos sujeitos participantes do trabalho, apenas a entrevistada E3 participou somente da primeira reunião.

No que tange ao desenvolvimento do treinamento, serão apresentadas a seguir as temáticas e as categorias identificadas durante as reuniões. Temática: alteração do comportamento, categoria: violência versus preocupação com a segurança da família. Confirmação do comportamento alterado. Temática: esgotamento de quem cuida, categoria: perda do autocontrole. Temática: procurando ajuda, categoria: procura de ajuda especializada.

Descrição da primeira reunião -alteração do comportamento

Ao se iniciar as atividades com o grupo, obedeceu-se à sequência metodológica, apresentando a primeira parte do caso fictício com o objetivo de identificar alterações de comportamento. Durante a reunião, foi possível levantar as possibilidades de soluções de problemas de cada participante.

Categorias

Violência x preocupação com a segurança da família

"Bom, no meu caso, o que eu faria... primeira coisa... eu tiraria as crianças de casa... eu preservaria a segurança dos filhos e a minha... física..."(E1).

Nesse depoimento, a participante estava vivenciando uma recaída de seu parente alcoolista. Ao fazer o relato, a mesma deixou transparecer sentimento de raiva, revolta e decepção com o alcoolista, aproveitando o momento como um desabafo. Demonstrou insegurança quanto à permanência dela própria e dos filhos junto ao alcoolista.

"... nem que fosse o caso de chamá a polícia... chamá alguém pra contê ele fisicamente pra não ficá quebrando nada... mas eu iria também preservá a minha segurança e a segurança dos filhos..." (E2).

Durante a entrevista deste familiar cuidador, percebeu-se a frustração em seu depoimento, pois, ao elaborar alternativas de solução para o problema apresentado, relembrou vários episódios vivenciados durante sua permanência ao lado do alcoolista, concluindo sua fala com a importância de preservar a integridade física da família.

"... é se proteger se for preciso buscar ajuda policial, é manter as crianças, a família abrigada, manter a cópia de chaves e documentos se for o caso de ter que sair..."(E3).

Nesse depoimento, o familiar cuidador relatou que seu parente alcoolista não apresenta episódios de violência, porém, analisando a situação do caso em pauta, a mesma referiu que se fosse necessário tomar alguma atitude, recorreria à ajuda para manter a sua segurança e de seus filhos.

Os maus-tratos ocorrem em quase todos os lares onde reside um alcoolista, o que apenas pode variar é o grau de violência sofrida pelos familiares(10).

O uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas têm aumentado os índices de violência doméstica. Entende-se por violência doméstica qualquer tipo de abuso físico, sexual ou emocional cometido por um parceiro contra o outro, seja em um relacionamento passado ou atual(11).

O álcool causa alterações em nível de comportamento, funções cognitivas e motoras, dependendo da dose, velocidade de ingestão, sensibilidade e tolerância do indivíduo. Pode causar perda suficiente de autocontrole, levando o indivíduo a ter impulsos agressivos trazendo risco à integridade física do paciente e pessoas próximas(12).

A violência pode ser causada por diferentes fatores, entre eles: socioeconômicos, culturais, psicológicos e situacionais. Quanto à violência familiar, os autores enfatizam que suas causas podem ser divididas em dois grandes grupos: os fatores intrafamiliares, onde se localizam os relacionamentos familiares e os fatores sociais como o uso do álcool e drogas e os acontecimentos comuns da sociedade(13).

Confirmação do comportamento alterado

... quando ele acordá e encontrar tudo quebrado, arrebentado e ninguém dentro de casa, ele sozinho, ele vai acreditá que realmente ele fez aquilo..."(E1).

"... aí no dia seguinte ele veio... é mas quem que quebrô essa mesinha?... eu falei na maior das calma... foi você... como que eu quebrei essa mesinha?..."(E2).

Esses depoimentos revelam a perplexidade e a indignação dos familiares cuidadores quanto à não aceitação por parte dos alcoolistas de seu próprio comportamento alterado nos momentos de crise. Evidenciam que é necessário manter tudo desorganizado para que o alcoolista perceba suas ações, fazendo com que se lembre da situação ocorrida anteriormente.

Para a entrevistada E2, houve a utilização de uma técnica aprendida durante os encontros do grupo Familiares Al-Anon, que evidencia a importância de evitar discussões e críticas durante o período de intoxicação.

"... esperar passar a crise, não tomar nenhuma atitude de... de facilitar as coisas porque depois ele não vai lembrar que fez tudo que fez"(E3).

O depoimento demonstra que a melhor atitude a ser tomada diante da situação é aguardar a melhora do alcoolista, enfatizando e demonstrando conhecimento acerca do momento oportuno para se fazer a abordagem do alcoolista, evitando assim agravar ou até mesmo complicar as relações e o comportamento do alcoolista.

O abuso e a dependência do álcool causam transtornos amnésicos que se caracterizam primariamente pelo único sintoma de transtorno de memória, resultando em comprometimento social ou ocupacional. Estudos revelam que a amnésia é encontrada com maior frequência devido ao uso de álcool e decorrente de traumatismos cranianos(14).

Segundo os mesmos autores, em alguns indivíduos, que utilizam o álcool abusivamente, pode ocorrer uma síndrome conhecida como apagamento. Nesse caso, o alcoolista desperta consciente, porém não se recorda de algo que aconteceu na noite anterior, enquanto estava alcoolizado.

Descrição da segunda reunião -esgotamento de quem cuida

A reunião foi iniciada através da leitura sequencial da segunda parte do caso fictício do sr. Antônio, com o objetivo de identificar atitudes de esgotamento de quem cuida.

Categoria

Perda do autocontrole

"... ele chegô uma vez em casa totalmente alcoolizado... desnorteado, falando, xingando, querendo quebrá tudo... eu reagi contra ele..."(E1).

Durante esses depoimentos, a participante reviveu momentos dolorosos de sua infância, deixando transparecer sentimentos de tristeza, rejeição e raiva devido à atitude de superproteção dos pais, frente ao irmão alcoolista, chegando a negligenciar os cuidados com os outros filhos. Foi evidenciado, nesse relato, a perda de controle emocional, que pode levar a atitudes que comprometam o convívio familiar.

"... acho que todo mundo que conviveu com alcoólico passô... de ficá desanimado, cansado de não conseguí dormí... então eu falo que a gente não tem realmente controle... fica nervoso, grita, perde a paciência..."(E2).

No depoimento dessa participante, emergiram sentimentos de arrependimento e angústia em relação aos momentos em que ficava "cuidando" de seu familiar alcoolista. Esse cuidado fez com que não tivesse a oportunidade de dar a devida atenção ao filho nos momentos em que ele mais precisava, pois estava sempre nervosa, esgotada e sem paciência.

O alcoolismo é doença que vai além dos limites individuais de quem utiliza o álcool. Acaba por repercutir de forma negativa sobre todos os membros que compõem a organização familiar. Constitui-se como fonte de estresse e esgotamento, desencadeando problemas físicos e emocionais(10).

Os familiares cuidadores de alcoolistas estão sempre em estado de alerta, pois nunca sabem qual a reação do alcoolista diante de determinado problema.

Esses familiares experimentam sentimentos de medo, confusão, raiva e culpa, decorrentes do comportamento imprevisível da pessoa alcoolista.

As famílias apresentam padrões desajustados de comportamentos, manifestações agressivas e dificuldade para conseguir soluções efetivas frente aos problemas do cotidiano, aumentando os níveis de tensão e conflito entre os membros. A comunicação é prejudicada e as falas são hostis e negativas(10).

O uso de reações mal adaptativas causará ao indivíduo um momento doloroso intensificado, levando ao aparecimento de estado de crise situacional, que gera uma resposta a acontecimentos considerados pelos indivíduos como perigosos, fazendo com que mobilize reações poderosas para aliviar o desconforto e retornar ao estado de equilíbrio. São consideradas reações adaptativas, quando surtem respostas adequadas à problemática vivenciada, então o indivíduo entra em processo de equilíbrio, ou reações mal adaptativas que geram respostas inadequadas frente aos problemas vivenciados, evitando a solução ou possibilidades de soluções dos problemas(14).

Percebe-se, durante as reuniões, que as participantes familiares de alcoolistas apresentaram respostas adaptativas características de enfrentamento diante da problemática do alcoolismo.

O afrontamento é caracterizado pela combinação entre a solução de problemas com a execução da mesma, a respeito de um determinado problema, e que a prática da solução de problemas depende de vários fatores, entre eles a deficiência nas habilidades de execução, as inibições emocionais e a falta de motivação(9).

Descrição da terceira reunião

No início da reunião, prosseguiu-se com a leitura da terceira e última parte do caso fictício do Sr. Antônio, com o objetivo de identificar a maneira como os familiares cuidadores procuram ajuda.

Categoria

Procura de ajuda especializada

"... mas o que eu sempre digo é que nós temos sempre que estar difundindo o Al-Anon porque muitas das pessoas estão se desencontrando... porque não existe entendimento de que há um grupo de apoio onde eles vão se encontrar..."(E1).

"... o plano de como encontrá ajuda é colocá para a pessoa assim, todas as possibilidades que ela tem, procurar médico, psicólogo, apoio religioso, pastor, padre... dificilmente a pessoa vem direto pro Al-Anon... por isso que é importante divulgar o Al-Anon... que é onde a gente tem a experiência que dá resultado..."(E2).

Esses depoimentos revelaram a importância e a necessidade de os familiares frequentarem um grupo de autoajuda para que possam trocar experiências e receberem apoio.

Os grupos de autoajuda são compostos por indivíduos que lidam com problemas específicos, sendo que seus membros compartilham os mesmos problemas e sentimentos. Uma característica comum desses grupos é a homogeneidade. Devido aos problemas semelhantes, desenvolvem forte vínculo emocional e comportamentos adaptativos frente à problemática vivenciada(14).

Para os autores, os grupos de autoajuda estão em ascendência, pois oferecem apoio, aceitação e a superação de padrões de comportamento mal adaptativos.

Durante a reunião, uma das entrevistadas evidenciou a respeito da vergonha que acompanha os familiares dos alcoolistas através da fala mostrada a seguir.

"... ou então uma coisa que acompanha muito o procurar ajuda, ou evitar procurar ajuda... é a vergonha porque eles vão sabê que o meu marido bate em mim, que me espanca..."(E1).

Os familiares de alcoolistas adotam regras que garantem o sigilo de seu cotidiano disfuncional, adotando regras de não falar e não confiar. Essas regras podem passar de geração para geração, causando o isolamento social da família na intenção de se proteger da vergonha e da dor que experimentam no dia a dia(10).

Avaliação do treinamento

Após o término da terceira reunião, foi proposto ao grupo a avaliação do treinamento, no qual as participantes expressaram satisfação, pontuando os aspectos positivos advindos da participação do mesmo.

Esses dados podem ser conferidos partir dos relatos abaixo.

"... a família de alcoólicos, sempre esteve no lugar de causadores ou de facilitadores para as crises de seus alcoólicos (não que isso não seja verdade), mas o que nunca foi estudado a fundo é o efeito que o alcoolismo causa nos seus familiares... (E1).

"... senti que o interesse em ajudar na conscientização da importância dos familiares como coadjuvantes e não como responsáveis pela recuperação do doente alcoólico..."(E2).

 

CONSIDERAÇÕES

Quando do desenvolvimento desta pesquisa, percebeu-se como é difícil conviver com um familiar alcoolista e o quanto isso implica nas mudanças de comportamento dos membros que compõem o grupo, influenciando negativamente no bem-estar físico e psicológico de toda a família.

Notou-se que os familiares cuidadores de alcoolistas apresentaram, durante as entrevistas, respostas adaptativas frente aos problemas apresentados, evidenciando sua capacidade de afrontamento diante dos problemas do cotidiano e conhecimento sobre a patologia, pois apresentaram soluções para a problemática do alcoolismo através do resgate de sua vivência particular. Entretanto, alguns desses familiares ainda evidenciam sentimentos de raiva, angústia, indignação, tristeza e impotência.

Ao se vivenciar essa experiência, as autoras perceberam que as entrevistadas apreenderam com as reuniões do Grupo Familiares Al-Anon a assumir, de certa forma, a condição de familiares de alcoolistas, aceitando o alcoolismo como doença até mesmo como estratégia para se protegerem das agressões sofridas. Sendo assim, a participação das entrevistadas no referido grupo leva a se pensar que o contato com pessoas que compartilham dos mesmos problemas lhes traz conforto, admitindo com mais facilidade o alcoolismo do familiar e aprendendo a viver a própria vida e não a vida do alcoolista.

Acredita-se, portanto, que investimentos em atendimento e apoio aos familiares cuidadores de alcoolistas são fundamentais para a prática de assistência de qualidade à saúde e bem-estar dessas pessoas.

 

REFERÊNCIAS

1. Gonçalves AM. A mulher que cuida do doente mental em família. Belo Horizonte (MG). [Dissertação Mestrado]. Belo Horizonte: Escola de Enfermagem/UFMG; 2000.        [ Links ]

2. Ministério da Saúde (BR); Instituto para Desenvolvimento da Saúde; Universidade de São Paulo. Manual de Enfermagem. Programa da Saúde da Família. Brasília; 2002.        [ Links ]

3. SENAD. O que você precisa saber. 3 ed.Brasília, DF, 2002.        [ Links ]

4. Althoff CR, Elsen T, Laurindo AC. Família: o foco de cuidado na enfermagem. Texto & Contexto Enferm. maio-agosto 1998; 7:320-7.        [ Links ]

5. Gonçalves JRL. Atendimento ao familiar-cuidador em convívio com o doente mental através da técnica de solução de problemas. [Tese Doutorado]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 2005.        [ Links ]

6. Nezu AM. A problem solving formulation of depression: A literature review and proposal of a pluralistic model. Clin Psychol Rev. 1987; 7:122-44.        [ Links ]

7. Nezu AM, Nezu CM. Clinical decisión making in behavior therapy: a problem-solving perpective. Champaing (Il.): Research Press; 1989.        [ Links ]

8. Caballo VE. Manual de técnicas de Terapia e modificação do comportamento. São Paulo: Ed. Santos; 1996.        [ Links ]

9. D´Zurilla TJ, Nezu AM. The Heppner and krauskopf approach: A model of personal problem or social skills? Counsel Psychol. 1987; 15:463-70.        [ Links ]

10. Silva MRS. Família de Alcoolista: o retrato que emerge da literatura. Fam Saúde Desenvol. janeiro-abril 2003; 5(1):9-18.        [ Links ]

11. Zilberman ML, Blume SB. Violência doméstica, abuso de álcool e substâncias psicoativas. Rev Bras Psiquiatr. 2005; 25 (supl 2):S51-S55. [acesso em: 28 março 2007]. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/rbp/v27s2/pt_a04v27s2.pdf>.        [ Links ]

12. Scivoletto S, Andrade AG. Complicações Psiquiátricas pelo Uso de Álcool. In: Ramos SP, Bertolote JM, organizadores. Alcoolismo hoje. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.        [ Links ]

13. Melo ZM, Caldas MT, Carvalho MMC, Lima AT. Família, Álcool e Violência em uma Comunidade da Cidade do Recife. Psicol em Estudo maio-agosto 2005. 10(2): 201-8. [acesso em: 28 março 2007]. Disponível em:<www.scielo.br/pdf/pl/v10n2/v10n2a06.pdf>.        [ Links ]

14. Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 7. ed. Porto Alegre: Art Med; 2003.        [ Links ]

 

 

Recebido em: 06/2009
Aprovado em: 09/2009

Creative Commons License