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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.6 no.1 Ribeirão Preto  2010

 

Uso da criatividade e da tecnologia no ensino da crise em enfermagem psiquiátrica e saúde mental*

 

Utilización de la creatividad y de la tecnología en la enseñanza de la crisis en enfermería psiquiátrica y salud mental

 

Use of creativity and technology in teaching the crisis in mental health and psychiatric nursing

 

 

Jeferson RodriguesI; Leandro Barbosa de PinhoII; Jonas Salomão SpricigoIII; Silvia Maria Azevedo dos SantosIV

IEnfermeiro. Doutorando da PEN/UFSC, bolsista CAPES. e-mail jef_rod@hotmail.com
IIDoutor em Enfermagem Psiquiátrica pela EERP-USP. Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas
IIIProfessor Doutor do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina
IVProfessora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

Trata-se de estudo de atualização, no qual se pretendeu apresentar possibilidades de ensino sobre crise em saúde mental nos cursos de graduação em enfermagem. É possível dividir o processo de ensino da crise em dois eixos: o primeiro estaria relacionado à postura profissional frente à crise nos serviços de saúde e, o segundo, às estratégias de ensino-aprendizagem para o conhecimento, a intervenção e a problematização da crise na universidade. Espera-se que este estudo sirva de subsídio para a prática pedagógica e para profissionais de saúde, de modo a poder problematizar as diferentes profissões, seus saberes, suas práticas, suas tecnologias e as diferentes (e enriquecidas) possibilidades de intervenção.

Palavras-chave: Ensino, Enfermagem Psiquiátrica, Saúde Mental.


RESUMEN

Se trata de un estudio de actualización, en lo que se pretendió presentar algunas de las posibilidades de enseñanza de la crisis en salud mental en la carrera de pregrado en enfermería. Es posible dividir el proceso de enseñanza de la crisis en dos ejes: uno sobre la postura profesional frente a la crisis en los servicios de salud y el otro sobre las estrategias de enseñanza-aprendizaje para el conocimiento, la intervención y la problematización de la crisis en la universidad. Se espera que ese estudio sea un apoyo para la práctica pedagógica y para los profesionales de salud, para poder problematizar las diferentes profesiones, sus saberes, sus prácticas, sus tecnologías y las diferentes (y enriquecidas) posibilidades de intervención.

Palabras clave: Enseñanza, Enfermería Psiquiátrica, Salud Mental.


ABSTRACT

This knowledge update study aimed to present teaching opportunities about crisis in mental health in nursing undergraduate courses. The teaching process of crisis can be divided into two axes: the first is related to the professional attitude towards the crisis in the health services and the second to the teaching-learning strategies for knowledge, intervention and problem-solving abilities in crisis at the university. This study can support the pedagogical practice and the health professionals, enabling the discussion of the different professions, their knowledge, practices, technologies and different (and rich) possibilities for intervention.

Keywords: Teaching, Psychiatric Nursing, Mental Health.


 

 

INTRODUÇÃO

A Reforma Psiquiátrica (RP) pode ser considerada como processo social complexo, articulado por diferentes dimensões que buscam a reorientação de serviços de saúde mental e o redimensionamento do olhar dos profissionais da saúde para o fenômeno da loucura. Também tem por objetivo promover a ressignificação do senso comum que ainda pensa a loucura como problema, a qual precisa ser afastada, desviada da sociedade e impedida de estabelecer convívios, vínculos e relações sociais. Assim, a Reforma Psiquiátrica preconiza a reinclusão do sujeito em sofrimento psíquico na sociedade, o qual foi, durante séculos, trancado em instituições especializadas, pouco centradas na singularidade do sofrimento(1).

O modelo de atendimento que subsidiava a exclusão, chamado Modelo Asilar, sustentou toda uma trama diversificada de discursos, saberes e práticas psiquiátricas da loucura como "doença mental", responsáveis também pela expropriação do sujeito de si mesmo ao elevar a condição da doença sobre o próprio indivíduo. Com a transição do Modelo Asilar para o Modelo Psicossocial, novos desafios se impõem no contexto da saúde, onde a exclusão dá lugar à reinclusão, o tratamento dá lugar ao cuidado e a expropriação do sujeito pela condição da "doença mental" dá lugar à emancipação do indivíduo em condição de sofrimento mental(2).

Essas transformações vêm ao encontro das orientações preconizadas pelas políticas de saúde mental no Brasil nas últimas décadas. Destacam-se as Portarias GM/MS 189/91 e 224/92, que regulamentam a constituição de equipes multidisciplinares, a regulamentação dos padrões mínimos de funcionamento de serviços de acordo com o Sistema Único de Saúde (SUS) e a remuneração de procedimentos extrapsiquiátricos no âmbito do SUS, como acolhimento, atendimento em grupos, visitas domiciliares e oficinas terapêuticas. Também é importante mencionar a Lei 10216/2001, que dispõe sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais no país e a Portaria GM/MS 336/2002, que instituiu os centros de atenção psicossocial(3).

Dentre as questões que envolvem a reestruturação da assistência psiquiátrica brasileira, uma das mais conflituosas e intrigantes está no atendimento à crise. Em um estudo(4), por exemplo, destaca-se que a própria definição conceitual do atendimento da emergência psiquiátrica é algo subjetivo, pois depende de como o profissional interpreta o fenômeno, de como ele constrói seu arsenal de concepções e práticas a partir dele. Ainda assim, os profissionais de saúde acreditam que as dificuldades vão além da simples significação da emergência. Ela ultrapassa as fronteiras da prática, já que uma agitação, ou agressividade, pode não ser tão "grave" quanto uma situação de silêncio, lentidão e passividade.

Os desafios impostos pelas transformações recentes na assistência psiquiátrica recaem sobre sujeitos em sofrimento, profissionais de saúde, serviços de saúde e, também, sobre as universidades. Nesse caso, entende-se universidade como o espaço singular de trocas e novas conformações, fazendo parte do rol de suas atribuições a formação dos profissionais que serão os responsáveis pela assistência em saúde e, mais especificamente, do atendimento à crise na área da saúde mental e atenção psicossocial.

Diante dessa constatação, surge um questionamento: como ensinar os estudantes de enfermagem a lidar com a crise no campo da saúde mental na perspectiva de Reforma Psiquiátrica? Pretende-se, com este ensaio teórico, apresentar algumas possibilidades de ensino da crise no contexto da enfermagem psiquiátrica e saúde mental, com o uso da criatividade e da tecnologia como instrumentos pedagógicos para a discussão, problematização e reflexão sobre o assunto.

Contextualizando a emergência da crise em saúde mental

Cerca de 4% dos atendimentos em serviços de emergência em geral, nos Estados Unidos, são devidos a problemas no campo de saúde mental (3/4 deles com alteração do estado mental e agitação e 1/4 por lesões autoinfligidas). Cerca de 10% dos atendimentos em serviços de urgências psiquiátricas são devidos a quadros de agitação psicomotora graves, com ou sem agressividade. Numa razão de 6:1, os profissionais de enfermagem sofrem agressões em relação aos médicos, principalmente por estarem mais expostos aos procedimentos de contenção(5).

Nesse sentido, antes de se falar das ações, é preciso rever os conceitos mais clássicos de urgência e emergência do modelo biomédico. Esse, quando contextualiza as crises, remete a certa sociologia da (des)adaptação social e da perturbação da ordem pública. Nesse modelo, a pessoa/paciente é vista como objeto de intervenção, isolada de seus laços sociais, apenas vista como um corpo biológico. A urgência e emergência seriam vistas como disfunção, ameaça ou ruptura das faculdades biológicas ou das funções psíquicas. As respostas devem ser padronizadas, rápidas e eficazes, sendo necessário restabelecer o equilíbrio, reduzir ou zerar o sintoma, visando a adaptação e conformidade social de acordo com a norma(5).

Dentro do contexto da Reforma Psiquiátrica, a crise** surge como um dos muitos desafios no atendimento ao sofrimento mental e na definição das estratégias de intervenção. Qualquer tentativa de defini-la deve, em todo caso, considerar a organização psiquiátrica existente naquela área e naquele momento histórico particular. Existe, de fato, um valor-limite, relativo a essas duas contingências, além do qual os problemas emocionais, psicológicos, de relações sociais e as vicissitudes da vida assumem as características de crise, tornando-se de interesse psiquiátrico específico(7).

Nesse sentido, em saúde mental, o sofrimento intenso pode ser interpretado como fenômeno complexo, que pode estar relacionado à sintomatologia grave ou aguda, a uma ruptura das relações familiares ou sociais e à recusa do tratamento ou de não o necessitar. Também pode ser entendido como a recusa obstinada de contato com as equipes de tratamento psiquiátrico ou como qualquer indício de incapacidade de antever ou enfrentar a experiência da crise, singular ou coletivamente(7).

As crises podem, no entanto, ser pontos de reflexão e mudança. Dessa forma, ela pode levar a readquirir a liberdade de ser quem se é, de recordar alguma qualidade humana básica, uma capacidade insuspeita de amor, solidariedade ou alguma outra parte de direito como seres humanos na vida. As crises podem ser caminhos dos quais muitas inovações emergem, onde novos modos de ação frequentemente são encontrados, após diversas tentativas de luta e persistência. Por si só, não é um estado patológico, e estar em crise não significa estar com um transtorno mental. Ela representa um conflito em busca do equilíbrio e do ajustamento, quando os problemas são percebidos sem solução. Nesse sentido, ela pode representar tanto um perigo para a desorganização da personalidade como oportunidade potencial para o crescimento do ser humano(6).

Compartilha-se, aqui, dessa ideia ao entender que a crise em saúde mental pressupõe uma experiência singular, atravessada pelos conflitos subjetivos do sujeito. Pode levar ao rompimento de suas relações ou laços sociais, possibilitar o desenvolvimento de um momento de reflexão dessa experiência, bem como ao planejamento de estratégias de enfrentamento e mudança do problema. Nesse caso, urge um desafio importante às equipes de saúde mental e ao ensino na área, num contínuo esforço para poder identificar as evidências físicas, psíquicas ou sociais que nem sempre são explícitas ou imediatas, mas que provocam rupturas ou instabilidades substantivas na vida daquele que experiencia a situação de sofrimento grave.

A crise, seja no entendimento sintomatológico de rompimento de si ou na vertente psíquica da possibilidade de superação/mudança, compreende um cenário de embates internos e externos. Nem sempre o sujeito está consciente para entender a complexidade ou a concretude dessa experiência, pois, nem sempre consegue conciliar as dores causadas pelo sofrimento grave. Nesse sentido, compreende-se que não é a crise que precisa ser acolhida e cuidada no interior dos serviços, mas o sujeito que a vivencia, uma vez que as dores internas - relacionadas ao indivíduo - ou externas - relacionadas às suas relações - são partícipes de sua vida, não podendo ser reduzidas a processos estáticos, cristalizados ou fragmentados de determinados processos de trabalho em saúde.

Alguns autores(8-9), atualmente, acreditam que a intensidade do sofrimento não se caracteriza como um problema em si. O problema seria o dia a dia da pessoa que, não sendo compatível com a normalidade, passa a ser classificada pela psiquiatria como experiência da "doença". Por isso, a psiquiatria mitifica o problema da crise, já que, para aquela, essa seria a evidência da "doença", a evidência do mal. Para contê-la, a psiquiatria descarrega toda a sua tecnologia, formada pelo remédio, pelo discurso da contenção e da disciplina. Nesse sentido, quando a crise é ampliada e entendida como fenômeno psicossocial, começa a fazer parte do cotidiano do sujeito, isto é, como repercussão natural dos tensionamentos provocados pelas forças conflitivas (subjetivas e socioculturais), inerentes ao processo de viver humano.

A crise, como experiência-intensidade-sofrimento, expressa pelos conflitos subjetivos e objetivos, oriundos da condição humana, pode e deve fazer parte das relações dos sujeitos, como um fenômeno da vida, capaz de gerar vínculos e de romper com outros. O profissional de saúde pode acolher e cuidar, não da crise do indivíduo, mas do indivíduo que a vivencia. Há que valorizar o espaço das trocas, a singularização do contato e a potência do encontro. É possível trabalhar com as limitações, as fragilidades e as vulnerabilidades do sujeito, mas também identificar as mudanças provocadas para melhor ou para pior na vida do indivíduo, assim como os mecanismos de superação e enfrentamento do sofrimento - desafio à assistência, aos serviços, aos profissionais, aos usuários e ao ensino do cuidado na área da saúde.

A enfermagem e o ensino da crise em saúde mental: a criatividade e a tecnologia como aliadas do processo

A tecnologia deriva do grego techne, que significa arte ou habilidade. Tecnologias são processos de saber, criativos por natureza, pelo fato de ajudar o indivíduo a utilizar instrumentos, recursos e sistemas para resolver problemas que se apresentam a ele. O objetivo da tecnologia é aumentar a eficiência da atividade humana, em todas as esferas, incluindo a da produção(10).

Quando se fala em tecnologia, imediatamente se reporta à temática do trabalho. E quando se fala em trabalho, é o mesmo que falar da ação intencional sobre o mundo na busca de produção de "coisas" (bens/produtos). Nesse caso, a tecnologia não está vinculada apenas a um equipamento tecnológico, mas também a certo saber/fazer operante, que dá sentido e razão ao próprio equipamento(11). Nesse sentido, entende que se estabelece reciprocidade entre criatividade e tecnologia. Uma vez que a primeira é uma habilidade para solucionar os problemas que se apresentam ao cotidiano, a segunda nasce como instrumento responsável por satisfazer as necessidades temporárias ou permanentes do homem.

A psiquiatria desenvolveu durante séculos toda uma tecnologia disciplinatória, de herança pineliana, destinada a compreender a experiência da loucura como manifestação da "doença mental", a qual deveria ser contida, excluída e corrigida. O desafio que se impõe, no contexto da reforma psiquiátrica, está no reposicionamento da loucura como fenômeno da existência e/ou da condição humana, o qual não necessariamente deve ser contido, mas, principalmente, acolhida e cuidada na comunidade, e com a participação de todos. Nesse sentido, há que se desenvolver tecnologias de intervenção na crise em saúde mental que possam ampliar o próprio objeto do saber na área, redimensionando as relações entre os sujeitos, as práticas de intervenção e os sentidos atribuídos ao sofrimento. Também é possível perceber que usuários, profissionais e comunidade são parceiros nesse processo de reconhecimento e convivência com as diferenças impostas pela condição do sofrimento.

Com base no exposto acima, entende-se a universidade como laboratório vivo de produção de novas tecnologias de intervenção sobre o fenômeno da crise. Nesse caso, é possível dividir o processo de ensino da crise em saúde mental em dois grandes eixos: o primeiro estaria relacionado à postura profissional frente à evidência da crise nos serviços de saúde e o segundo quanto às estratégias de ensino-aprendizagem para o conhecimento, a intervenção e a problematização do fenômeno da crise no contexto da universidade.

Com relação ao primeiro eixo, entende-se, aqui, que faz parte do processo de atendimento da crise os itens relacionados a seguir.

1.a) Ouvir atentamente as manifestações da pessoa em crise e, principalmente, as questões colocadas pelos familiares, além de entender quais são as estratégias usadas por eles para resolver ou contornar as situações "difíceis" que acontecem no cotidiano.

1.b) Ter sempre em mente uma palavra de carinho, compreensão, de firmeza e de reconhecimento da identidade do outro. Às vezes só o nome da pessoa pronunciado pausadamente, com firmeza e clareza, é suficiente para trazê-la ao momento presente, dando início à possibilidade de iniciar uma interação.

1.c) Compreender que a manifestação de sentimentos como raiva, rancor, pavor ou medo são naturais quando se vivencia uma situação de crise e, nesse caso, respeitar o outro como um sujeito momentaneamente indefeso e que precisa de ajuda para recuperar a sua integridade. Semelhante atitude pode evitar o afastamento e produzir aproximações.

1.d) Às vezes a contenção é necessária, muitas vezes com aplicação de força física. No entanto, é possível diferenciar a contenção que cuida da contenção que pune. Essa diferença de conceitos é fundamental para a construção dos instrumentos de trabalho, posteriores ao momento da contenção.

1.e) É importante ter atitudes coerentes frente à crise. No caso da impossibilidade de manter uma conversação ou haver dúvidas em relação ao processo de intervenção, não é errado pedir ajuda ou até mesmo afastar-se daquele cuidado. Também está-se cuidando com responsabilidade quando é necessário se afastar de algo para o qual não se está preparado. No entanto, é importante que o próprio profissional assegure um meio de poder se atualizar constantemente, conhecendo mais sobre aquilo que gerou seu afastamento e sendo copartícipe nas próximas intervenções.

Já com relação ao segundo eixo, isto é, as estratégias de ensino-aprendizagem para o conhecimento, a intervenção e a problematização do fenômeno da crise no contexto da universidade, é possível conceber as possibilidades mostradas abaixo.

2.a) Problematização e pesquisa teórico-prática sobre a crise no contexto da saúde e da saúde mental. A crise é uma experiência singular, como qualquer outra situação de sofrimento no campo da saúde. Desse modo, a discussão e a problematização da crise na universidade é fundamental para estreitar conhecimentos entre os diferentes profissionais, intercambiar esforços para cuidar da crise e ressignificar o fenômeno da loucura, como sofrimento, entre os alunos e futuros trabalhadores.

2.b) Aproximação da Enfermagem com cursos relacionados ao campo da comunicação, como jornalismo, artes ou comunicação social, pensa-se ser possível a construção de algum material audiovisual sobre o tema, com situações hipotéticas mais próximas possíveis de uma situação iminente de crise e as possibilidades de intervenção que podem ser tomadas. É possível também destacar a construção de documentário, destacando o papel da enfermagem dentro da equipe, modos de intervenção e problematização do cuidado.

2.c) Utilização de videofilmagem: obedecendo rigorosamente os critérios éticos, pensa-se na criação de material gravado em DVD ou VHS, evidenciando situações reais de crise nos hospitais gerais, nos serviços de urgência e emergência - como prontos-socorros e os serviços de atendimento móvel de urgência (SAMU) - e em serviços de saúde mental na comunidade - como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Essa estratégia pode ajudar a problematizar o cuidado da crise no território, com a utilização de diferentes dispositivos articulados em rede, fundamental no contexto da reforma psiquiátrica.

2.d) Desenvolver estratégias tecnológicas à distância: em diferentes campos do conhecimento já existem projetos exitosos de educação à distância, onde vários profissionais compartilham conhecimentos, discutem situações e delineiam estratégias. O contato com pesquisadores na área da saúde mental e a discussão em conjunto de casos pode contribuir para o fortalecimento dos projetos terapêuticos e para a qualificação dos futuros profissionais de saúde.

2.e) Seminários e palestras com equipes pré-hospitalares e serviços móveis de atendimento de emergência: com o objetivo de aproximar o aluno do contexto da prática e dos serviços, onde as equipes podem trazer casos reais para discussão em sala de aula. Após, os próprios acadêmicos poderão organizar uma dramatização ou problematizar os conceitos e as intervenções da equipe entre eles e com os professores.

2.f) Organizar workshops com profissionais da saúde e usuários dos serviços: abordando como tema principal a crise e o manejo no campo da saúde mental. É importante também identificar junto aos usuários sobre o momento da crise, mostrando o quanto a pessoa em sofrimento grave pode ficar fragilizada, necessitando ser acolhida. Além de evidenciar o quanto os profissionais de saúde às vezes prejulgam o comportamento do outro, desenvolvendo pouco os recursos empáticos que o permitiriam compreender a experiência da crise, suas repercussões para o sujeito e para sua rede de relações.

As possibilidades apresentadas são apenas algumas de muitas a serem exploradas em um contexto tão complexo como é o do atendimento da crise em saúde mental. Espera-se que esta reflexão sirva de subsídio impulsionador para a prática pedagógica e para os serviços de saúde, de modo a poder problematizar as diferentes profissões, seus saberes, suas práticas, suas tecnologias e as diferentes (e enriquecidas) possibilidades de intervenção.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se, neste artigo de revisão/atualização, apresentar possibilidades de ensino sobre crise em saúde mental nos cursos de graduação em enfermagem. Ao expor as reflexões sobre o tema do ensino da enfermagem nas situações de crise nas urgências e emergências em psiquiatria e saúde mental, contando com criatividade e tecnologia, tem-se a convicção de que os laços entre acadêmicos, trabalhadores de enfermagem, sujeitos em sofrimento psíquico e seus familiares podem ser estreitados. Logo, a dissonância entre o que se ensina e o que se pratica pode ser diminuída.

Desafio interessante às escolas de enfermagem, no que tange à organização didático-pedagógica dos assuntos aqui discutidos, é a construção de tecnologias de ensino que viabilizem maior aproximação da teoria com o processo de cuidar. Muitos dos cursos estão vivenciando o processo de mudança e integração curricular, o que torna mais acessível - ao mesmo tempo mais intrigante - a associação de temas que parecem tão complexos e específicos - como a crise em saúde mental - mas que podem acontecer em diferentes fases do ciclo de vida do ser humano.

Finalmente, entende-se que o uso de estratégias tecnológicas e criativas seja fundamental para repensar a prática pedagógica e a formação dos futuros profissionais de saúde. Acredita-se que no contexto da saúde mental a abertura de espaços para a problematização, a discussão e a reflexão sobre o fenômeno da crise possa auxiliar inclusive na ressignificação da loucura pela sociedade. Considera-se, também, essa como um momento de sofrimento que pode e deve ser tratado na comunidade e não mais em instituições fechadas que reforçam o estigma, a segregação e a exclusão.

 

REFERENCIAS

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Recebido em: 06/2009
Aprovado em: 10/20091

 

 

* Texto apresentado à disciplina Arte, Criatividade e Tecnologia do Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
** A palavra crise, originária do latim krisis, ponto crucial e derivada do grego krinein, decidir, julgar, possui na sua origem indo-europeia, skeri, o significado de cortar, separar, peneirar. Na escrita chinesa, o caráter para crise é interpretado tanto como "perigo", uma situação ameaçadora que pode resultar em sérias consequências, como uma "oportunidade", na qual o indivíduo é receptivo à influência. Indecisão, relutância, resistência ou inabilidade para se realizar uma ação ou atitude é provavelmente o aspecto mais característico do fenômeno crise(6).

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