SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 issue1Use of creativity and technology in teaching the crisis in mental health and psychiatric nursingThe use of psychoactive substances among undergraduate nursing students from the Catholic University of Minas Gerais author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.6 no.1 Ribeirão Preto  2010

 

Representações sociais dos enfermeiros de unidades básicas de um distrito sanitário de Foz do Iguaçu, PR, sobre o alcoolismo*

 

Las representaciones sociales de los enfermeros de unidades básicas de salud de un distrito sanitario de Foz do Iguaçu-PR sobre el alcoholismo

 

Social representations of nurses from health care centers in a sanitary district in Foz do Iguaçu about alcoholism

 

 

Solange MeiraI; Marcos Augusto Moraes ArcoverdeII

IAcadêmica de Enfermagem do 5º ano (UNIOESTE). Programa de Iniciação Científica Voluntária. e-mail solangeunioeste@gmail.com
IIEnfermeiro, Mestre em Enfermagem, Professor da disciplina Enfermagem Psiquiátrica e em Saúde mental (UNIOESTE). Membro do Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva. e-mail marcosarcoverde@bol.com.br

 

 


RESUMO

Estudo qualitativo que objetivou identificar a atuação e a representação dos enfermeiros de unidades básicas de saúde sobre o alcoolismo. Pesquisa descritiva e exploratória, na qual se utilizou referencial teórico das Representações Sociais. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com oito enfermeiros. Dos discursos emergiram três categorias: representação do alcoolismo; atenção básica - possibilidades de atendimento frente aos usuários de álcool e fatores que contribuem para a assistência ao usuário de álcool. Os resultados apontam atitudes baseadas em percepções formadas a partir de experiências pessoais. Verificou-se falta de comprometimento do enfermeiro com a questão do alcoolismo e assistência pautada no modelo biomédico ou da doença.

Palavras-chave: Enfermeiros; Alcoolismo; Atenção Primária à Saúde.


RESUMEN

Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio que objetivó identificar la actuación y la representación de los enfermeros de unidades básicas de salud sobre el alcoholismo. Se utilizó el referencial teórico de las Representaciones Sociales. Fueron realizadas entrevistas semi-estructuradas con ocho enfermeros. De los discursos emergieron tres categorías: representación del alcoholismo; atención básica - posibilidades de atención a usuarios de alcohol y factores que contribuyen en la atención al usuario de alcohol. Los resultados señalan actitudes basadas en percepciones formadas a través de experiencias personales. Se verificó falta de comprometimiento del enfermero con la cuestión del alcoholismo y atención pautada en el modelo biomédico o de la enfermedad.

Palabras clave: Enfermeros; Alcoholismo; Atención Primaria de Salud.


ABSTRACT

This qualitative, descriptive and exploratory study aimed to identify the role and the representation of nurses from health care centers in relation to alcoholism. The theoretical framework of the Social Representations was used. Semi-structured interviews were conducted with eight nurses. The following categories emerged from the speeches: representation of alcoholism; basic care - possibilities of care to alcohol dependents, and factors that contribute for care to alcohol dependents. Results point out attitudes that are based on perceptions formed by personal experiences. Lack of the nurses' commitment to the alcoholism issue and care ruled by the biomedical or the disease model was verified.

Keywords: Alcoholism; Nurses; Primary Health Care.


 

 

INTRODUÇÃO

Doenças ou perturbações mentais são universais, ocorrendo em pessoas de ambos os sexos, em todas as idades e em todas as sociedades. Em análises feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), 450 milhões é o número de pessoas que sofrem de afecções neuropsiquiátricas e, entre elas, estão os problemas relacionados ao abuso do álcool, que é muito comum em diversas partes do mundo. Em todo o mundo, constatou-se que 70 milhões de pessoas sofrem de dependência alcoólica(1).

O álcool está entre os transtornos listados na CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Nessa mesma classificação, são vários os transtornos presentes devido ao abuso de álcool, como transtornos mentais e comportamentais, relacionados à intoxicação, à síndrome da abstinência, ao transtorno psicótico bem como à síndrome amnésica, entre outros(2).

A prevalência de problemas de saúde, devido ao seu uso, é estimada em aproximadamente 1,7% no mundo, oscilando entre as diferentes regiões. Além disso, o álcool está relacionado a outros transtornos mentais, ocasionando, muitas vezes, a piora do quadro psiquiátrico. A associação do uso do álcool é muito comum em pacientes com esquizofrenia, apresentando índice entre 12 e 50%, estando seu uso, também, relacionado à maior proporção de suicídios em alguns países europeus(1).

O índice de consumo de álcool é grande na sociedade brasileira, conforme o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas, em 2005, que englobou pessoas de 12 a 65 anos, residentes em 108 cidades com mais de 200 mil habitantes. De acordo com a pesquisa, o total de 74,6% das pessoas pesquisadas faziam uso de álcool(3). Essa porcentagem foi maior, quando comparada ao ano de 2001, já que no I Levantamento feito(4), quando o uso de álcool nessa mesma faixa etária era de 68,7%. Quanto à dependência do álcool, o estudo apontou estimativa de 12,3%(3), também maior se comparado ao I Levantamento, no qual a prevalência foi de 11,2%(4).

O uso do álcool sempre tem sido abordado sob o aspecto médico ou psiquiátrico e, muitas vezes, é associado a crimes, práticas antissociais e tratamentos baseados na exclusão do indivíduo. No entanto, deve ser levado em conta o seu aspecto psicológico, social, econômico e político, para que seja melhor compreendido(5-6).

A Política do Ministério da Saúde (MS) para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas reafirma o comprometimento governamental para a prevenção, tratamento e reabilitação dos usuários de álcool, bem como de outras drogas, atendendo às exigências da III Conferência Nacional de Saúde Mental(5), que se apresenta como marco para a política de saúde mental no Brasil(6).

As diretrizes para política específica para os indivíduos que fazem uso de álcool estão em conformidade com os princípios da política de saúde mental, respaldadas pela Lei Federal 10.216, de 6/4/2001(5), que dispõe sobre a proteção e os direitos de pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, sendo privilegiado o atendimento em serviços comunitários(7).

Como uma das metas da Reforma Psiquiátrica, e em conformidade com o MS, a saúde mental está inserida na atenção básica. Assim, as equipes que atuam em unidades de saúde são um recurso para atender as demandas em saúde mental, como os problemas advindos do uso de substâncias psicoativas tais como o álcool(6).

Apesar do importante papel que os serviços em atenção básica assumem no atendimento aos usuários com transtornos psíquicos, raros são os estudos que abordam esse tema nesse nível de atenção(8).

Tal fato se repete quando se refere a pesquisas sobre a assistência de enfermagem, direcionada a esse tema. Geralmente essas pesquisas são realizadas na área hospitalar(9).

De acordo com levantamento da produção científica sobre alcoolismo, entre 1986 e 2006, com enfoque em Psiquiatria e Saúde Pública, foi possível constatar produção científica incipiente, o que reforça a preconização do MS que instituiu, em 2003, a Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, procurando incentivar ações resolutivas para esse problema(10).

O uso do álcool impõe às sociedades agravos que acometem todos os indivíduos. As consequências provenientes do seu uso persuadiram em respostas políticas para o seu enfrentamento, corroborando a importância do assunto num contexto de saúde pública mundial(5).

O diagnóstico e tratamento precoces da dependência do álcool influenciam no seu prognóstico, e isso deve ser ampliado através da promoção da saúde e prevenção de agravos através da atenção primária, ou seja, por mediação das unidades básicas de saúde (UBS). No entanto, há despreparo e desinformação por parte dos profissionais que lidam com o problema. Muitos dos pacientes que recebem algum tipo de tratamento na rede primária consomem álcool em níveis considerados como fator de risco para sua saúde e, quando têm o primeiro contato com esses serviços de saúde, são atendidos por profissionais que desconhecem o assunto e se detêm nas doenças secundárias ao abuso de álcool(5).

Muitas vezes os profissionais não reconhecem quanto os problemas clínicos podem estar associados ao uso de álcool(11). O erro em não perceber o alcoolismo como doença, mas sim como fraqueza de caráter, acarreta preconceito(12) e, consequentemente, no tratamento do problema sem conhecimento de causas subjacentes. Portanto, o alcoolismo deve ser visto como doença crônica, assim como tantas outras e que pode ser controlada desde que seja estabelecido o correto tratamento(11-12).

Os enfermeiros são os profissionais que mantêm contato mais próximo com os usuários e têm potencial para reconhecer os problemas relacionados ao uso de drogas e desenvolver ações voltadas para sua assistência. No entanto, a forma como o enfermeiro compreende o problema afeta no modo de agir frente ao paciente usuário de drogas(13).

Tendo em vista o exposto, esta pesquisa objetivou identificar as representações sociais do enfermeiro em relação ao álcool, alcoolista e alcoolismo.

 

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de pesquisa com abordagem qualitativa, fundamentada na teoria das Representações Sociais e realizada por meio de entrevistas com perguntas abertas, semiestruturadas, com oito enfermeiros do Distrito Sanitário Sul do Município de Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná. Esse Distrito conta com sete postos de saúde ao todo. Os enfermeiros aceitaram participar da pesquisa após serem contactados e informados do objetivo do estudo. Em seguida, foi lido e assinado um termo de consentimento livre e esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Para a análise dos discursos utilizou-se o referencial teórico das Representações Sociais, visto que a representação sempre envolve um objeto e um sujeito, ou seja, é a representação do objeto por um indivíduo(14). Estudos com Representações Sociais propiciam forma mais flexível e fiel da realidade, possibilitando a valorização do saber popular e o conhecimento de práticas do cotidiano não visíveis objetivamente(15).

As perguntas norteadoras do estudo foram as seguintes: como você age quando vem até a unidade um paciente alcoolista? O que você faz para identificar que um paciente é usuário de álcool? Você consegue avaliar quando o uso do álcool é prejudicial ao paciente? E como? Qual o seu procedimento quando percebe que o hábito de beber do paciente torna-se prejudicial ao mesmo? Qual é o atendimento dado a um paciente quando vem procurar ajuda para parar de beber? O que você pensa sobre o álcool?

Os dados foram analisados conforme a metodologia da análise textual qualitativa, a fim de compreender o objeto de estudo. Essa forma de análise textual permite apreender os materiais em detalhes e possibilita designar enunciados referentes ao que fora pesquisado, a partir da fragmentação do texto, depois de várias leituras, no qual são identificados e codificados vários fragmentos, deixando emergir as unidades da análise. Após isso, as unidades são comparadas e agrupadas, conforme sua semelhança, formando então as categorias(16).

Dessa forma, a partir dos discursos dos sujeitos, foram definidas três categorias emergentes: 1) representação do alcoolismo; 2) atenção básica: possibilidades de atendimento frente aos usuários de álcool e 3) fatores que contribuem na assistência ao usuário de álcool.

 

RESULTADOS

O tempo de atuação em UBS dos oito sujeitos entrevistados é bem relativo, estando entre 2 e 10 anos, sendo que o tempo de formação variou entre 2 e 24 anos. Entre os enfermeiros, 87,5% (n=7) eram do sexo feminino, todos referiram idade entre 26 e 47 anos.

As seguir, são apresentadas as categorias emergentes dos discursos dos sujeitos.

1. Representação sobre o alcoolismo e o alcoolista

Através de suas falas, os enfermeiros atribuíram sua representação acerca do alcoolismo sob vários aspectos, sendo entendido como doença, sem deixar de atribuir valor incomensurável ao responsável por tal patologia, o álcool, e, principalmente, impondo estereótipos aos usuários de tal substância.

"... é uma doença [...] e que assim, a pessoa precisa de tratamento" (Enfermeiro B).

"... acho [...] particularmente que o álcool é uma droga..." (Enfermeiro H).

"... infelizmente na hora que chega já dá pra notar [...] o cheiro dele, é a maneira de falar..." (Enfermeiro F).

"... quando você sente o cheiro..." (Enfermeiro H).

O alcoolismo é enfocado como doença e, nesse sentido, o álcool é mencionado como droga responsável por tal doença e capaz de produzir vários efeitos. No entanto, o principal aspecto da representação que os enfermeiros possuem sobre o assunto são os estereótipos formados a respeito do alcoolista, ou seja, quando abordados em relação ao tema, instantaneamente impõem estigmas ao paciente. Dessa forma, a representação construída pelos enfermeiros está alicerçada no estigma.

Ainda nesse contexto, alguns enfermeiros percebem o paciente alcoolista como paciente difícil, conforme as falas a seguir.

"... não fazem tratamento..." (Enfermeiro B).

"... eles são pacientes complicados, que perdem receita, perdem encaminhamento, perdem documento..." (Enfermeiro G).

"... porque não é todo mundo que aguenta né..." (Enfermeiro D).

Esse fato mostra que é necessária a atualização dos conhecimentos nesse assunto, de forma que o senso comum não seja a base de um atendimento ao usuário de álcool. As orientações e intervenções, realizadas de forma correta em nível primário, podem retardar ou mesmo impedir o desenvolvimento do alcoolismo e das suas comorbidades.

2. Atenção básica: possibilidades de atendimento frente aos usuários de álcool

A partir das entrevistas destacaram-se elementos que estão relacionados ao comprometimento dos enfermeiros com a questão do alcoolismo.

"... geralmente a gente busca [...] conscientizar [...] o paciente, a gente também pede [...] que ele venha na unidade [...] de manhã cedo, pra conseguir assim que ele esteja mais lúcido, pra ele conseguir ouvir, é [...] receber as informações que a gente passa..." (Enfermeiro G).

"... depois eles desistem, daí a gente tem que ir na casa de novo, conversar com eles..." (Enfermeiro B).

Os fragmentos dos discursos anteriores revelam que há preocupação entre alguns profissionais quanto ao atendimento a ser prestado.

Por outro lado, pôde ser observado que há dificuldade em lidar com a situação do alcoolismo. Muitos profissionais acabam sucumbindo ao encaminhamento como único meio de solucionar o problema, ou deixando a responsabilidade para outro profissional:

"... a gente não tem muito o que fazer, a gente tem orientação [...] que a gente faz, leva a assistente social pra ver a situação, a gente encaminha pro CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] ..." (Enfermeiro B).

"... a gente não tem [...] competência técnica pra fazer, a gente sabe às vezes, a gente conversa [...], mas a gente não tem competência técnica praquilo, não foi treinado vamos dizer praquilo [...] então [...] tinha que ter um psicólogo..." (Enfermeiro H).

Nesse sentido, alguns dos sujeitos demonstraram interesse em atender o paciente usuário de álcool. Em contrapartida, alguns discursos demonstram poucas possibilidades de atendimento, enfatizando pouco comprometimento profissional com a questão.

3. Fatores que contribuem na assistência ao usuário de álcool

A família e os agentes comunitários de saúde (ACS) são referidos como subsídios essenciais no acompanhamento dos pacientes alcoolistas, pois eles estão mais a par de toda a situação envolvida com quem faz uso de álcool. Dessa forma, assim como colaboradores na detecção precoce dos casos de alcoolismo, a família e o ACS também podem ser importante instrumento no decorrer do tratamento.

"... ela precisa do apoio da família, que sem o apoio da família é difícil..." (Enfermeiro B).

"... coisas que se a família não tivesse falado a gente nunca ia saber..." (Enfermeiro H).

"... a gente tem pacientes que a gente acompanha que faz uso de álcool mesmo, mas é que os agentes passaram pra gente e a gente faz visita domiciliar pra esses pacientes..." (Enfermeiro B).

"... às vezes o agente de saúde comunica [...] ele avisa que o paciente é... [alcoolista]" (Enfermeiro E).

A importância dos ACS na assistência ao alcoolista esteve evidenciada tanto no que diz respeito à detecção dos casos quanto no acompanhamento de toda a situação vivenciada pelo alcoolista e sua família.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo, os sujeitos reportaram a ideia do alcoolismo como doença e que necessita de tratamento. Não há equívoco em fazer tal consideração, visto que o alcoolismo, assim, é compreendido em estudos realizados em unidades hospitalares, onde também é representado como doença(17), além de haver concordância em relação ao assunto em unidades básicas de saúde(9). Nesse sentido, verifica-se o modelo médico ou de doença, o qual reforça a medicalização como a única solução, o qual é observado em outros estudos(13).

Devido à sua formação, os enfermeiros são profissionais que se deparam, em quase todos os serviços de saúde, com a questão do alcoolismo e que, por isso, estão numa posição favorável para o diagnóstico e tratamento precoces. No entanto, quando possuem visão negativa e estereotipada a respeito do assunto, decorrentes de currículo deficitário nessa área, surgem dificuldades para intervir junto a esses pacientes, bem como para identificá-los. A formação deficiente também se reflete nos resultados de pesquisas relacionados ao assunto, pois, quando esses resultados estão relacionadas ao alcoolismo, as atitudes e crenças desses profissionais são negativas e dotadas de conteúdos morais(18).

Essas dificuldades, ou mesmo preconceitos e concepções formados, poderiam estar baseados intrinsecamente no senso comum(19).

Quando há expectativa a respeito de uma pessoa ou se atribui uma característica que se acredita estar impressa nela, pode-se estar percebendo-a equivocadamente, já que a percepção é algo subjetivo. Vê-se o que se espera ver e não o que realmente se está enxergando se se voltar a um olhar mais atento(20).

Algumas pesquisas vão ao encontro de alguns resultados deste estudo, as quais apontam que tanto o enfermeiro como o futuro enfermeiro têm dificuldade na abordagem, diálogo e relacionamento interpessoal, enxergando-o como alguém desagradável(17-19) ou, simplesmente, um caso perdido, o que remete ao fato de que as atitudes desses profissionais, pautadas sobretudo no modelo moral, pouco acrescentam, levando-se em conta que a maioria das pessoas se baseia nesse modelo(9). Essas dificuldades, ou mesmo preconceito e concepções formados, podem estar baseados intrinsecamente no senso comum(19).

Em relação ao atendimento prestado nas unidades, pode-se perceber que, embora alguns profissionais se sintam envolvidos com a questão, a grande maioria tem dificuldades com as intervenções primárias e veem como única alternativa encaminhamentos e práticas não sistematizadas. Comumente os profissionais de saúde, em geral, não atuam sistematicamente e sim intuitivamente, e isso pôde ser observado em outros estudos(21). O que se percebe, atualmente, é que o cuidado ao portador de transtorno psíquico na atenção básica tem sido medicalizado, hospitalizado e fragmentado(8).

As situações vivenciadas na rotina do enfermeiro demandam assistência que seja pautada em conhecimentos científicos, no entanto, o comprometimento profissional vai além de métodos, teorias ou conceitos preestabelecidos. O comprometimento está arraigado em todas as suas atitudes e na real importância que ele atribui à sua profissão, portanto, quando o profissional estabelece sentido ao que faz, automaticamente se empenha em fazer o melhor, de forma que o atendimento prestado resulte somente em benefícios ao paciente que está sendo assistido.

Percebe-se, então, a necessidade de melhor preparo para os profissionais, pois não somente os especializados em psiquiatria, mas toda a equipe lida constantemente com os problemas gerados pelo alcoolismo, em todos os níveis de assistência(22).

No que diz respeito aos fatores que auxiliam os enfermeiros na assistência ao usuário de álcool, destaca-se a família e os ACSs. Os ACSs também foram citados em outras pesquisas, já que possuem papel fundamental na prevenção de problemas relacionados às drogas em geral, principalmente por serem um elo entre as famílias e a unidade de saúde(23).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A repercussão que o álcool trouxe para a saúde pública acarreta não somente maiores custos para o setor saúde como baixa qualidade de vida para os usuários de álcool. Portanto, atenção maior e mais cautelosa deve ser dada ao uso dessa substância psicoativa, já que implica questões sociais, políticas e econômicas, além de prejudicar consideravelmente a saúde de quem a utiliza.

Com este estudo, é possível verificar que a assistência prestada pelos enfermeiros centraliza o alcoolismo como doença e que, portanto, necessita de tratamento médico, enfatizando que a única solução para tal doença é encaminhar para outros serviços de saúde até que atinja o principal objetivo, a abstinência. No entanto, é imperativo um olhar mais crítico para essa questão. A atenção primária é responsável pelo atendimento básico à população. Todavia, é questionável a posição dos profissionais, que não reconhecem que esse transtorno poderia ser amenizado, tratado, cuidado e até mesmo evitado nesse nível de atenção.

Não se pode deixar de mencionar a importância do alcoolismo como doença e como tal precisa ser tratada e da necessária colaboração de todas as pessoas envolvidas na situação, nesse caso, a família, os ACSs, os profissionais de saúde em geral e o próprio paciente. Isso é reconhecido pelos profissionais, e é um ponto favorável.

Quando mencionam o termo doença, no entanto, os enfermeiros devem estar aptos a determinar soluções factíveis. Nesse sentido, algumas decisões como encaminhamento a outros serviços extra-hospitalares é de extrema valia, contudo, a questão é mais complexa, não sendo resolvida apenas por essa prática, mas por todo um envolvimento com a situação. Quando a única atitude tomada pelo enfermeiro se resume em encaminhamentos, sua responsabilidade se torna ínfima, dada a complexidade da situação.

O álcool é reconhecidamente uma droga pelos profissionais, bem como seus efeitos e todo o contexto social envolvido, no entanto, ao alcoolista, lhes conferem estereótipos, o que dificulta a assistência prestada. Esse último aspecto também foi observado em pesquisas que tinham por objetivo analisar atitudes(17-19).

Cabe salientar que a presença de estereótipos possibilita uma controvérsia. Se, por um lado, o álcool é visto como droga e como tal pode causar doença, ou seja, o alcoolismo, então, "por que aquele que está acometido por tal patologia é estigmatizado e sofre julgamentos morais?"

É notório que há certo conhecimento a respeito do assunto por parte dos profissionais, no entanto, é necessário maior interesse e comprometimento nessa área, já que nenhum dos profissionais reconheceu a unidade básica como eixo importante para o atendimento do alcoolismo, assim como as possibilidades de intervenções primárias.

Os discursos dos sujeitos entrevistados pouco ou nada diferem quando analisados em conjunto, levando-se em conta as diferenças entre idade, tempo de formação e tempo de atuação em UBS. Assim, é possível inferir que há lacuna a ser preenchida ainda na formação acadêmica, o que justificaria o despreparo observado nos profissionais e o extremo apego ao senso comum.

Em relação à formação acadêmica, é urgente que esse assunto seja parte do currículo dos cursos de enfermagem, de forma que os alunos sejam levados a pensar a respeito dessa temática de forma crítica, desenvolvendo postura criativa ao prestar assistência globalizada a esses indivíduos, deixando de lado preconceitos e assistindo o doente com dignidade, assim como qualquer outro paciente(22).

É complexo o estudo das percepções de um indivíduo com uma história, conceitos formados, e com formação bastante especifica. Isso se torna ainda mais dificultoso, devido à escassez de estudos, particularmente em relação à percepção dos enfermeiros nessa temática. A percepção que o profissional tem sobre determinado assunto é o que define como irá agir na sua realidade. Nesse sentido, essa é a contribuição desta pesquisa, pois foram conhecidas as principais condutas tomadas em relação ao alcoolismo, a partir do conhecimento de suas representações.

Infelizmente, quando problemas que poderiam ser resolvidos na atenção primária são negligenciados pelos profissionais, surgem justificativas como a falta de tempo, de cursos, de instrumentos. É inegável que os enfermeiros possuem muitas atribuições e que, devido a isso, torna-se difícil o desempenho em tarefas mais complexas e que exijam mais atenção, como um simples ato de ouvir.

Uma questão ética, entretanto, deve ser levada em conta, quando se deixa de ouvir o outro, e quando as questões administrativas ou outras quaisquer que justifiquem a falta de tempo mereçam mais atenção, certamente perde-se o sentido da profissão enfermeiro, que tem entre suas principais finalidades, senão a maior, a prática do cuidado.

 

REFERÊNCIAS

1 Organización Mundial de la Salud. Informe sobre la salud en el mundo 2001. Salud mental: nuevos conocimientos, nuevas esperanzas. Ginebra; October 2001.        [ Links ]

2 Ministério da Saúde (BR). Datasus. Classificação de transtornos mentais e do comportamento da CID - 10. Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas, 2008. [acesso em: 27 fevereiro 2009]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm.        [ Links ]

3 Carlini EA, Galduroz JCF. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. São Paulo: CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre drogas psicotrópicas: UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo; 2006.        [ Links ]

4 Carlini EA, Galduroz JCF, Noto AR, Nappo SA. Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo 107 cidades do país. São Paulo: CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre drogas psicotrópicas: UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo; 2002.        [ Links ]

5 Ministério da Saúde (BR). A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas. Brasília: Ministério da Saúde; 2003.        [ Links ]

6 Ministério da Saúde (BR). Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.        [ Links ]

7 Lei nº 10.216. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, 6 abril 2001.        [ Links ]

8 Brêda M, Augusto LGS. O cuidado ao portador de transtorno psíquico na atenção básica de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2001; 6(2):471-80.        [ Links ]

9 Vargas D, Luis MAV. Álcool, alcoolismo e alcoolista: concepções e atitudes de enfermeiros de unidades básicas distritais de saúde. Rev Latino-am Enfermagem 2008; 16(especial): 543-50.        [ Links ]

10 Acauan L, Donato M, Domingos AM. Alcoolismo: um novo desafio para o enfermeiro. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008; 12(3):566-70.        [ Links ]

11 Rosa AA, Gonçalves SC, SD Stefani, Martins SO, Rosa DD, Hunsche D et al. Percepção e registro de abuso de álcool e de doenças relacionadas num hospital geral universitário. Rev Ass Med Bras. 1998; 44 (4):335-9.        [ Links ]

12 Barros SGS, Galperim B. Problemas clínicos comuns do alcoolista. In: Ramos SP et al. Alcoolismo hoje. Porto Alegre: Artes Médicas; 1987.        [ Links ]

13 Spricigo JS, Alencastre MB. O enfermeiro de unidade básica de saúde e o usuário de drogas - um estudo em Biguaçu-SC. Rev Latino-am Enfermagem 2004; 12(especial): 427-32.        [ Links ]

14 Machado AL, Oliveira SB de, Silva WV da, Hupsel ZN. Representações sociais em enfermagem: comentários sobre teses e dissertações. Rev Esc Enferm USP. 1997; 31(3):486-97.        [ Links ]

15 Tavares CMM, Teixeira ER. Trabalhando com representações sociais na enfermagem. In: Gauthier JHM, et al. Pesquisa em Enfermagem: novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.        [ Links ]

16 Moraes R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciênc Educ. 2003; 9(2):191-211.        [ Links ]

17 Navarrete PR, Luis MAV. Actitud de la enfermera de um complejo hospitalario en relación al paciente alcoholico. Rev Latino-am Enfermagem 2004; 12(especial):420-6.        [ Links ]

18 Pillon SC. Atitudes dos enfermeiros com relação ao alcoolismo: uma avaliação de conhecimentos. Rev Eletr Enferm. 2005; 7(3):301-5.        [ Links ]

19 Carraro TE, Rassool GH, Luis MAV. A formação do enfermeiro e o fenômeno das drogas no Sul do Brasil: Atitudes e crenças dos estudantes de enfermagem sobre o cuidado. Rev Latino-am Enfermagem. 2005; 13(especial):863- 71.        [ Links ]

20 Weiten W. Introdução à Psicologia. Temas e variações. São Paulo: Pioneira Thomson; 2002.        [ Links ]

21 Nascimento AAM, Braga VAB. Atenção em saúde mental: a prática do enfermeiro e do médico do programa saúde da família de Caucaia-CE. Rev Cogitare Enferm. 2004; 9 (1):84-93.        [ Links ]

22 Silva SED, Souza MJ. Alcoolismo: Representações sociais de alcoolistas abstêmios. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2004; 8(3):420-7.        [ Links ]

23 Castanha AR, Araújo LF. Álcool e agentes comunitários de saúde: um estudo das representações sociais. Psico-USF 2006; 11(1):85-94.        [ Links ]

 

 

Recebido em: 06/2009
Aprovado em: 08/2009

 

 

* Este artigo foi extraído de um trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Foz do Iguaçu (UNIOESTE), em junho de 2009.

Creative Commons License