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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.7 no.2 Ribeirão Preto ago. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Qualidade de vida de mulheres com incontinência urinária

 

Quality of life of women with urinary incontinence

 

Calidad de vida de mujeres con incontinencia urinaria

 

 

Alana Fernandes PedroI; Juliana RibeiroII; Zaida Aurora Sperli Geraldes SolerIII; Ana Paula BugdanIV

IAluna do curso de Graduação em Enfermagem, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil. Bolsista de Iniciação Científica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil. E- mail: alanaenf@yahoo.com.br
IIFisioterapeuta, Enfermeira, Mestre em Enfermagem. E-mail: juliana.fisenf@gmail.com
IIIEnfermeira Obstetra, Livre-Docente, Professor Associado, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva e Orientação Profissional, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil. E-mail: zaida@famerp.br
IVMédica, Doutor em Clínica Cirúrgica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Ambulatório de Incontinência Urinária, Hospital de Base, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Correspondencia

 

 


RESUMO

A incontinência urinária (IU) representa problema comum entre mulheres, comprometendo sua qualidade de vida. Teve-se, aqui, o objetivo de investigar a qualidade de vida de mulheres com queixa de incontinência urinária que buscaram atendimento médico em ambulatório de urologia, de um hospital de ensino. Foram entrevistadas 43 mulheres com queixa de IU, preservando-se os aspetos éticos de pesquisa em seres humanos. Obteve-se, como resultados, que a idade média foi de 50,7 anos, 62,8% referiram perda de urina entre 5 e 9 anos. Houve muitos relatos de danos físicos e psicológicos decorrentes da IU: 33,5% na interação psicossocial, 23,3% na vida sexual, 41,9% depressão e isolamento social, 27,9% alterações do sono, 76,7% relataram constrangimento por perda de urina. Conclui-se que os dados obtidos permitem o desenvolvimento de ações amplas no atendimento e orientação a mulheres com IU.

Descritores: Incontinência Urinária; Qualidade de Vida; Morbidade Referida.


ABSTRACT

Introduction: Urinary incontinence (UI) represents a common problem among women, and compromises their quality of life. The aim was to measure the quality of life of women with complaints of urinary incontinence. These women received medical care at the Urology Outpatient Care Center of a teaching hospital. Forty-three women who had complaints of UI were interviewed. All ethical principles for research involving human beings were respected. The average age was 50.7 years. 62.5% reported urinary leakage for 5-9 years. There were several allusions to physical and psychological damages caused by urinary incontinence: 33.5% to psychosocial interactions, 23.3% to sex life, 41.9% reported depression and social isolation, 27.9% sleep disorders and 76.7% embarrassment due to urine leakage. The obtained data permit amplified actions for treatment and counseling of women with urinary incontinence.

Descriptors: Urinary Incontinence; Quality of Life; Referred Morbidity.


RESUMEN

La incontinencia urinaria (IU) es un problema común, afectando principalmente a las mujeres, y perjudica su calidad de vida. La finalidad fue investigar la calidad de vida de mujeres con quejas de incontinencia urinaria que buscaron atendimiento médico en ambulatorio de urología de un hospital escuela. Se entrevistó a 43 mujeres con queja de IU y se cumplieron todos los aspectos éticos de la investigación en seres humanos. La media de edad fue de 50,7 años; 62,8% relataron pérdida de orina entre 5 y 9 anos. Hubo muchos relatos de daños físicos y psicológicos causados por la incontinencia urinaria: un 33,5% en la interacción psicosocial; un 23,3% en la vida sexual; 41,9% depresión y aislamiento social; 27,9% alteraciones del sueño; 76,7% vergüenza debido a la pérdida de orina. Los datos obtenidos permiten acciones ampliadas para el atendimiento médico y la orientación de mujeres con incontinencia urinaria.

Descriptores: Incontinencia Urinaria; Calidad de Vida; Morbilidad Referida.


 

 

Introdução

De modo geral, o termo incontinência urinária (IU) remete à ideia de perda de urina por pessoas idosas, que necessitam usar dispositivos de continência. No entanto, de acordo com a International Continence Society (ICS), a IU é definida como qualquer perda involuntária de urina, podendo acontecer com qualquer pessoa, independente da idade e do sexo. É mais diagnosticada entre mulheres e entre aquelas mais idosas, sendo que, em mulheres em idade reprodutiva, o tipo mais comum encontrado é a denominada incontinência urinária de esforço (IUE), geralmente manifestada durante a execução de atividades como gargalhar, subir escada, caminhar ou em situações de estresse contínuo(1-6).

Estima-se que cerca de 50% das mulheres apresentam incontinência urinária, principalmente durante o ciclo gravídico puerperal e após a idade reprodutiva. A perda urinária pode ocorrer em diferentes situações no cotidiano de vida, causando incapacidades que acarretam morbidade entre as mulheres afetadas, como alterações psicossociais, exclusão do meio social, para se autoproteger dos incômodos provocados pelas perdas urinárias, além da tendência para diminuir a ingestão de líquido, podendo causar infecção urinária e dano renal(1-4). Em pesquisa realizada nos Estados Unidos da América, verificou-se que, entre 13 milhões de pessoas com IU, 11 milhões (85%) eram mulheres(3), o que se explica pelas condições anatômicas, as alterações hormonais durante o ciclo gravídico puerperal e o enfraquecimento dos músculos do períneo que ocorre com o avanço da idade, provocando disfunção da pelve(7-12).Entre os fatores que podem estar associados à incontinência urinária destacam-se a deficiência esfincteriana uretral intrínseca, aumento da pressão intra-abdominal(3), período gestacional, elevado número de partos, trauma obstétrico, obesidade, tabagismo, doenças neurológicas e respiratórias crônicas, tratamentos cirúrgicos, uso de medicamentos antialérgicos e estilo de vida(4-10).

Vários fatores podem estar relacionados à ocorrência de sintomas da IU em mulheres, com maior prevalência entre brancas, com idade avançada, obesidade, menopausa, cirurgias ginecológicas, constipação intestinal, doenças crônicas, fatores hereditários, uso de drogas, consumo de cafeína, tabagismo e exercícios físicos(11-13). Ainda, alterações anatômicas podem provocar a IU como a hipermobilidade da uretra e deficiência esfincteriana(3,14), modificações do assoalho pélvico(15), distensões nas fibras musculares da uretra(7) e instabilidade do músculo detrusor da bexiga urinária(4,16).

Até 1998, a IU era considerada apenas um sintoma e, a partir dessa data até os dias atuais, passou a ser classificada como doença (CID/OMS)(8). A nova definição de IU ocorreu a partir da valorização da baixa qualidade de vida (QV), relatada principalmente por mulheres acometidas por esse problema de saúde(11).

Na última década, tem aumentado as pesquisas e debates sobre qualidade de vida e morbidade referida, em diferentes contextos, ciclos de vida e áreas de atenção à saúde. A qualidade de vida (QV) é noção eminentemente humana, relacionada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social, ambiental e valores existenciais. Para a Organização Mundial da Saúde, a QV reflete a posição da pessoa na vida, no contexto da cultura onde vive, seu sistema de valores, objetivos, expectativas, padrões e preocupações(9).

Assim, a IU inclui-se entre uma das situações que afetam a QV das pessoas, pelo comprometimento na vida sexual, social, doméstica, ocupacional, com danos físicos, psicossociais e econômicos, deixando-a vulnerável a vários problemas pelas restrições que impõe em suas atividades de vida diária, tornando-se grande problema de saúde pública. Desse modo, torna-se relevante ampliar pesquisas nesse contexto, para desvelar os aspectos que prejudicam o cotidiano de vida de mulheres com IU e, então, propor e implementar medidas educativas e de intervenção para minimizar as consequências dessa problemática.

Pelo sentimento de vergonha e constrangimento que causa e dificuldade de diagnóstico, por não procurar atendimento para esse problema, a IU configura-se como uma epidemia "escondida". Da mesma forma, essa condição de saúde, especialmente de mulheres, talvez por deficiências de informação sobre o assunto, muitas vezes é negligenciada pelos profissionais de saúde, que deixam de perguntar sobre esse tópico, durante a anamnese ou exame clínico, nas diferentes áreas de atenção à saúde.

Sendo assim, este estudo teve como objetivo investigar a qualidade de vida de mulheres com queixa de incontinência urinária, que buscaram atendimento médico no ambulatório de urologia de um hospital de ensino.

 

Casuística e Método

Trata-se de pesquisa descritiva e exploratória, realizada entre mulheres com queixa de incontinência urinária, atendidas no ambulatório de urologia de um hospital de ensino de São José do Rio Preto, SP, para verificar a repercussão da IU na qualidade de vida dessas mulheres. A instituição estudada é parte de um complexo hospitalar de grande porte, localizada na região noroeste do interior paulista, com finalidade de ensino, pesquisa e assistência, sendo referência para atendimento em diferentes especialidades na área da saúde. A maioria usuários pertence ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Foram preservados os aspectos éticos sobre pesquisa envolvendo seres humanos, explicitados nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas em Seres Humanos, aprovados pela Resolução CNS 196/96. Assim, a coleta de dados foi realizada após aprovação deste projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da FAMERP (Parecer nº163/2008 – Protocolo nº3169/2008).

Para a coleta dos dados, elaborou-se um formulário, adaptado de instrumento validado(1) sobre qualidade de vida de mulheres com incontinência urinária (IU), aplicado como entrevista, entre julho e dezembro de 2008, em 43 mulheres com IU que consentiram em participar do estudo. Os dados obtidos estão apresentados em tabelas e analisados segundo índices absolutos e percentuais.

 

Resultados e discussão

Este estudo foi realizado entre mulheres, por serem mais acometidas por incontinência urinária, eram 43, atendidas no ambulatório de urologia de um hospital de ensino, com queixa de incontinência urinária, que consentiram em participar, no período definido para a coleta dos dados. Entre os dados sociodemográficos obtidos nesta pesquisa constatou-se que a idade média das mulheres era de 50,7 anos, prevalecendo a faixa etária de 60 anos ou mais (32,6%), 25 (58,1%) eram casadas, 39 (90,7%) tinham 1 ou mais filhos, 21 (48,2%) possuíam trabalho renumerado, 4 (9,30%) eram aposentadas, 1 (2,3%) estava desempregada e as restantes eram "do lar" e 29 (67,4%) tinham escolaridade de 1o grau incompleto.

Em outras pesquisas, com avaliação de dados sociodemográficos de mulheres com IU, verificou-se idade média variada, como de 49,2 anos(2), de 43 anos(11), de 67 anos(17) e entre 45 e 60 anos(18). No Brasil, a prevalência de queixa por IU é após os 41anos e entre 30 e 50% das mulheres não relatam a IU durante uma consulta médica. Em algumas pesquisas verificou-se que mulheres mais velhas tendem a aceitar a IU como normal(3,10-11). Sobre a relação escolaridade e atividade ocupacional, não se encontrou diferença significativa em estudo entre mulheres com IU(19-20). Por informes da literatura atual, de 14 a 46% das mulheres com idade entre 20 e 89 anos já apresentaram um episódio de IU(2,7), principalmente relacionado ao ciclo gravídico puerperal, cirurgias obstétricas e ginecológicas e ao climatério, quando ocorrem alterações hormonais e diminuição das fibras de colágenos e musculares. Como as estruturas do assoalho pélvico e trato urinário inferior são hormônio dependentes, é possível o surgimento da IU, que, além da desagradável perda involuntária de urina, muitas vezes acarreta problemas psicossociais e de higiene, em especial nos casos mais graves(11).

Apresentam-se na Tabela 1 os informes sobre antecedentes obstétricos e cirúrgicos entre as mulheres participantes da pesquisa. Verificou-se que 18 (41,9%) mulheres deste estudo realizaram procedimento cirúrgico via vaginal e 23 (53,5%) por via abdominal. A maioria (40-93%) teve gestações e partos, com média de 2,93 e 2,65, respectivamente. O número das mulheres do estudo que tiveram um ou mais partos normais foi de 31 (73%).

 

 

Entre os fatores que podem estar associados à incontinência urinária por esforço é a deficiência esfincteriana uretral intrínseca, aumento da pressão intra-abdominal, período gestacional, elevado número de partos, trauma obstétrico, obesidade, tabagismo, doenças neurológicas, doenças respiratórias crônicas e tratamentos cirúrgicos ginecológicos(12-24). A mulher incontinente, principalmente as casadas ou com vida sexual ativa, sofrem grande impacto na sua qualidade de vida, porque estão sempre com medo ou com receio de perder urina em certas situações como durante a relação sexual, quando sentem receio de interromper para urinar e desagradar o parceiro, no lazer, ficam sempre preocupadas em localizar um banheiro, têm cuidados excessivos com a higiene íntima, por medo de alguém sentir odor de urina, a qualidade do sono fica comprometida, pois se levantam por diversas vezes para urinar, o que provoca cansaço e gasto de energia, causando prejuízo no desempenho profissional e outros problemas na vida cotidiana(7).

Na Tabela 2 estão os dados de morbidade das mulheres participantes do estudo, verificando-se que 24 (55,8%) relataram procurar a assistência de saúde raramente, 33 (76,7%) referiram ter outro problema de saúde e 32 (74,4%) faziam uso de um ou mais medicamentos. A patologia associada à perda de urina que mais prevaleceu nesta pesquisa foi alteração na coluna lombar (20-46,5%), seguida de infecções urinárias de repetição (19-44,2%) e hipertensão arterial relatada por 16 (37,2) mulheres.

 

 

As infecções urinárias de repetição provocam a urgeincontinência(3). A hipertensão arterial (HA) é fator que está presente na maioria das mulheres incontinentes, relacionadas às medicações utilizadas para o seu tratamento(12).

Em estudo realizado sobre IU com 35 mulheres com queixas de perdas de urina, 16 delas relataram não buscar nenhum tipo de tratamento para IU por achar normal, e 13 foram tratadas com terapia cirúrgica(19). Muitas mulheres na pós-menopausa acreditam que a incontinência urinária é inerente à idade, não sendo passível de tratamento. Outras ficam constrangidas pela afecção e omitem seus sintomas dos familiares e dos médicos(2,9). No Brasil, entre 30 e 50% das mulheres não relatam IU durante uma consulta médica(3, 10-11). Um estudo mostrou que apenas 10,7% das mulheres procuraram consulta médica relatando IU(2).

Em relação ao tempo, circunstâncias de alteração uroginecológica pela IU e ingestão de líquidos, entre as mulheres participantes deste estudo, verificam-se, na Tabela 3: 27 (62,8%) mulheres referiram apresentar perda de urina por período compreendido entre 5 e 9 anos; 8 (18,6%) relataram conviver com esse problema por 10 anos ou mais, a maioria (27-62,8%) referiu perda de urina ao realizar atividade física, correspondendo a 15 (34,9%) ocasionalmente e 12 (27,9%) frequentemente. Quanto à ingestão hídrica diária, a maior parte das mulheres participantes desta pesquisa (26-60,5%) mencionou ingerir quantidade inferior a um litro de líquidos diariamente.

 

 

O manejo inadequado da IU, ainda com restrição prolongada de líquidos para reduzir os episódios de perda de urina, pode causar complicações como a infecção urinária, refluxo e dano renal(23).

Na Tabela 4 mostram-se as respostas das mulheres deste estudo quanto ao comprometimento da qualidade de vida, pelas limitações de atividades diárias e ocupacionais, constatando-se que a maioria das mulheres relatou que a IU provoca impacto da IU no seu cotidiano de vida e, dessa forma, na sua qualidade de vida. Sobre limitação na realização de tarefas, 30 (69,8%) mencionaram ter pouco (9-20,9%), regular (8-18,6%) e muito (13-30,2%), enquanto as restantes, 13 (30,2%) mulheres, não acham que a IU prejudica o desempenho das atividades diárias. Quanto ao prejuízo na interação familiar, social e conjugal, a maior parte referiu não ter problemas na vida sexual (23–53,5%), com o companheiro (23-53,5%) e com familiares (31-72,1%). Já quanto à sua percepção íntima sobre a IU, 33 (76,7%) manifestaram ter problemas emocionais como depressão, sendo 18 (41,9%) muitas vezes, 9 (20,9%) regular e 6 (14%) pouco. O prejuízo do sono e repouso, devido à IU, não foi relatado por 18 (41,9%) mulheres, enquanto as restantes referiram ter prejuízo do descanso sempre (12-27,9), várias vezes (8-18,6%) e às vezes (5-11,6%). Por fim, 30 (69,8%) referiram não ter problema de cansaço relacionado à IU, mas 30 (69,8%) referiram maior dispêndio de energia, sempre 16 (37,2%), muitas vezes 5 (11,6%) e às vezes 9 (20,9%) mulheres.

 

 

As restrições e acometimentos relatados pelas pessoas com sintomas da IU são destacados em alguns estudos, sendo os principais os comprometimentos sexuais, as alterações psicoemocionais e a diminuição da qualidade do sono/repouso, prejudicando a qualidade de vida.

Os prejuízos mais destacados nas pesquisas são aqueles ocorridos durante as atividades físicas e domésticas, o cansaço excessivo, constrangimento, nervosismo em demasia e comprometimento das atividades diárias do trabalho, revelando que as limitações e desconfortos podem causar sentimentos de tristeza e solidão nas pessoas acometidas(5,9-10).

A presença da IU em mulheres pode levá-las a praticar menos atividades físicas, considerando-se a IU como grande barreira relacionada a essa prática, pois muitas mulheres com IU abandonam as atividades físicas pelo temor da perda urinária e o constrangimento por serem percebidas com o problema(20-21).

Em pesquisa sobre o impacto da IU entre mulheres trabalhadoras, 69,3% delas com idade inferior a 50 anos, verificou-se que a IU pode causar fadiga, embaraço, alteração na concentração e estresse emocional, durante o expediente de trabalho(23). Outro estudo revelou que 15,2% referiram que a IU interferia no desempenho ocupacional porque necessitavam interromper várias vezes o trabalho para ir ao banheiro. Também ficou revelado nesse estudo que a IU causou prejuízos financeiros porque 1,2% das mulheres foi demitida e 0,6% teve que pedir demissão(19).

Outro estudo demonstrou que a restrição social foi a queixa de 33,5% das mulheres e que a IU impedia muitas mulheres de sair de casa, ir a festas e clubes, fazer viagens longas e frequentar igreja(2). As consequências psicossociais da IU, que restringem as atividades diárias, interação social e qualidade de vida, são mais devastadoras que as sequelas dessa doença sobre a saúde física(22). O estado emocional das mulheres participantes deste estudo foi o mais prejudicado, o que vai ao encontro das afirmações de vários autores quando mostram que a IU grave também está associada a sentimentos de solidão, tristeza, sintomas depressivos, acompanhados de diminuição da autoestima e aumento da ansiedade(2,7-8,21,24).

A interferência na vida sexual foi referida por 21 (48,8%) mulheres deste estudo, índice que se aproxima daquele encontrado em outra pesquisa, verificando-se que 40,9% das mulheres tinham a vida sexual prejudicada pela IU(2). Os resultados de outro estudo, que investigou a satisfação sexual e percepção de saúde em mulheres com IU, mostraram que as mulheres que convivem com IU, há muito tempo, tendem a ajustar sua prática sexual(8).

Neste estudo, a IU interferiu negativamente, em diferentes graus, no sono de 25 (58,1%) mulheres e o cansaço, como consequência, foi referido por 30 (69,8%) mulheres. Em pesquisa realizada com 54 mulheres com IU, constatou-se que o número de micções noturnas está relacionado à alteração do sono, diminuindo a energia e prejudicando as emoções das mulheres incontinentes(1).

Na Tabela 5, apresentam-se as principais queixas das mulheres deste estudo em relação ao grau de incômodo causado pela IU, sendo referido: idas frequentes ao banheiro (79,1%), perder urina ao tossir e espirrar e o conseqüente constrangimento (76,7%), ficar molhada pela perda de urina (74,4%), piora da IU na velhice e perda de urina durante percurso até o banheiro (72,1%), restrição do tempo de permanência fora de casa (65,1%), incômodo pelo odor da urina (60,5%) e controle de ingestão de líquidos.

O fato de mais de 70% das mulheres com IU deste estudo relatar que sofrem pelo constrangimento que esse problema causa, no seu cotidiano de vida, vai ao encontro de resultados obtidos por outros autores quanto aos prejuízos físicos e psíquicos importantes, além de repercussão negativa na interação social, particularmente revelados em estudos sobre qualidade de vida em mulheres com IU(1,2,5-9,17-18,20-24).

Durante o atendimento em saúde, deve-se levar em conta as queixas ou inquirir as pessoas sobre a perda urinária, abrangendo as modificações comportamentais que desenvolvem para se adaptar à inconveniência e reduzir o impacto dos sintomas, incluindo: aumento da frequência urinária, busca constante por localização de banheiros, dietas restritas, limitação da atividade física e, nos casos mais graves, limitação das atividades sociais. Isso pode resultar em isolamento secundário não permitindo a visitação de lugares de encontro, como centro de compras, igrejas e reuniões familiares. Assim, forma-se um ciclo vicioso de ansiedade e sofrimento relacionado à possível perda urinária, sentimento de vergonha que leva a importante incômodo psicológico e variado grau de isolamento social, com diferentes graus de comprometimento de sua qualidade de vida.

Pelos resultados obtidos e na análise da literatura relacionada, percebe-se a relevância do problema da IU, em especial entre mulheres, o que exige estudos mais abrangentes e melhor atuação dos profissionais de saúde no atendimento dessas mulheres, seja no aspecto educativo, de prevenção de agravos ou de intervenção para minimizar o problema.

 

Conclusão

Verificou-se, neste estudo, que a incontinência urinária (IU) afetou em muitos aspectos a qualidade de vida (QV) da maioria das mulheres participantes da pesquisa, sendo alto o grau de queixas quanto à repercussão da IU nas atividades de vida diária. De modo geral, as mulheres participantes relataram comprometimento no cotidiano de vida devido ao problema de IU, com prejuízos principalmente na interação social, evidenciando necessidade de intervenção profissional adequada na unidade urológica, campo desta pesquisa.

Os dados obtidos subsidiam propostas educativas e de intervenção quanto à IU em mulheres e outras pesquisas que vêm sendo desenvolvidas sobre IU junto ao Núcleo de Estudos sobre Morbidade Referida e Gestão do Processo de Trabalho em Saúde, na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, e outras pesquisas nesse contexto.

 

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Correspondência:
Juliana Ribeiro
Rua Lucas Mangini, 493
Vila Santa Cândida
CEP: 15091-270, São José do Rio Preto, SP, Brasil
E-mail: juliana.fisenf@gmail.com

 

 

Recebido em: 04/11/2009
Aprovado em: 15/08/2011