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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.7 no.2 Ribeirão Preto Aug. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Adaptação cultural de instrumentos de coleta de dados para mensuração em álcool e drogas

 

Cultural adaptation of data collection instruments for alcohol and drugs measurement

 

Adaptación cultural de herramientas para la recogida de datos para medición en alcohol y drogas

 

 

Heloísa Garcia ClaroI; Márcia Aparecida Ferreira de OliveiraII; Marília Mastrocolla de AlmeidaIII; Divane de VargasIV; Heloisa Barboza PlaglioneV

IEnfermeira, Mestranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: heloisa.claro@usp.br
IIEnfermeira, Livre Docente, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: marciaap@usp.br
IIITerapeuta ocupacional, Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil.
IVEnfermeiro, Doutor em Enfermagem, Professor Doutor, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil.
VAluno do curso de Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil.

Correspondencia

 

 


RESUMO

A mensuração em álcool e drogas subsidia ações de prevenção e tratamento, e fornece informações para pesquisas nessa temática. Por meio de revisão bibliográfica, foram encontradas informações sobre as aplicações de instrumentos de coletas de dados, características desses instrumentos e desafios no processo de adaptação. Encontrou-se que os instrumentos adaptados devem considerar as necessidades do indivíduo e o uso da droga em seu aspecto biopsicossocial. Os referenciais adotados de adaptação cultural devem ser padronizados, e os métodos utilizados no processo precisam estar explícitos nos estudos publicados.

Descritores: Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool; Psicotrópicos; Estudos de Validação.


ABSTRACT

Alcohol and drugs use measurement provides prevention and treatment actions, and also information for research on this topic. Through a literature review, we found information about the applications of these tools, characteristics of these instruments and challenges in the adaptation process. It was found that appropriate tools have to consider individual needs and the biopsychosocial aspect of drugs use. The adopted references about cultural adaptation should be standardized and the methods used in the process should be made explicit in published studies.

Descriptors: Alcohol-Related Disorders; Psychotropic Drugs; Validation Studies.


RESUMEN

La medición del uso de alcohol y drogas ayuda acciones de prevención y tratamiento, y proporciona información para investigaciones sobre este tema. A través de una revisión de la literatura, encontramos informaciones sobre aplicación de herramientas para la recogida de datos, características de estos y sobre los desafíos del proceso de adaptación. Las herramientas apropiadas deben considerar las necesidades de la persona y el consumo de drogas en su aspecto biopsicosocial. Las referencias para adaptación cultural deben ser normalizadas y los métodos utilizados deben ser explícitos en los estudios publicados.

Descriptores: Trastornos Relacionados con Alcohol; Psicotrópicos; Estudios de Validación.


 

 

Introdução

O uso de álcool e outras drogas (AOD) é considerado problema de saúde pública, e exige a criação e manutenção de programas e políticas de prevenção e assistência articuladas, além da necessidade da formação permanente dos profissionais de saúde(1).

Com o aumento da procura por tratamento nesse campo, destaca-se a importância da melhoria assistencial. A atuação na assistência ao usuário de AOD é facilitada com o uso de recursos para a produção de diagnósticos diferenciais e planejamento do tratamento. Esses podem ser obtidos com informações claras e precisas sobre as necessidades individuais do paciente, uma vez que os problemas relacionados ao uso de AOD atingem cada indivíduo de maneira ímpar, sendo de fundamental importância considerar-se cada contexto psicossocial(2).

A intervenção em fases iniciais do tratamento ao usuário de AOD melhora muito o prognóstico, sendo, portanto, necessário o desenvolvimento de estratégias de detecção, mensuração e intervenção precoces. Estudos documentaram a necessidade de avaliação rápida e com boa acurácia para distúrbios relacionados ao uso de substâncias. Para isso, é necessário um instrumento apropriado, capaz de detectar esse uso, devendo ser válido, confiável e de baixo custo(3-4).

Entende-se "mensuração em álcool e outras drogas" como o ato de medir e avaliar aspectos relacionados ao uso de substâncias. A coleta e mensuração desses dados, desde que realizadas com instrumentos de qualidade, fornecem informações que auxiliam no diagnóstico do uso abusivo, caracterizam os aspectos relacionados ao uso (ambiente, quantidade, rede social, tipo da droga, fatores de risco para outras doenças) e os sentimentos do usuário relacionados à droga e seu ambiente social. Esses fatores são particulares e devem ser mensurados e avaliados segundo esse princípio. Dentre as ações que uma boa coleta de dados subsidia, destacam-se a prevenção primária e, sobretudo, a secundária do uso abusivo, bem como suporte a pesquisas, criando-se novas maneiras de cuidar e subsidiando-se novas políticas(5-7).

As ações nos serviços de atenção primária devem ser adequadas às características e cultura locais, para aumentar a eficácia da intervenção. Além disso, o uso de instrumentos padronizados pode facilitar a avaliação das intervenções e tratamentos oferecidos. Os programas de prevenção secundária se propõem a detectar, precocemente, aqueles que não tenham atingido estágios avançados dos transtornos de uso de substâncias psicoativas, mas que apresentam uso potencial de risco. Podem visar também o aumento da consciência dos pacientes a respeito do problema e incentivar mudanças de comportamento(5-7).

Apesar do acima exposto, muitas vezes o instrumento que se deseja, com informações específicas a serem mensuradas, não é encontrado na literatura nacional. Quando se percebe a necessidade de uso de um instrumento de coleta de dados para determinada ação em saúde, com propriedades que nenhum instrumento disponível é capaz de explorar, esse novo instrumento pode ser obtido de duas formas: pelo desenvolvimento de um novo instrumento, ou por meio da tradução e adaptação cultural de um instrumento previamente validado em outro idioma(8).

A primeira opção demanda consumo maior de tempo e recursos, pois a criação de novo instrumento demanda a adequação de novos conceitos, seleção de itens e teste de sua validade. Além disso, deve-se avaliar a necessidade real de se criar uma nova ferramenta, quando já existe outra preparada anteriormente com o mesmo intuito e de boa qualidade. Já em relação à segunda opção, não basta que o instrumento seja simplesmente traduzido, é necessário que se faça avaliação rigorosa de sua tradução e adaptação cultural, bem como avaliação de suas propriedades de medida após esse processo(8).

Considerando-se a importância dos dispositivos de coleta de dados em álcool e drogas para a detecção, prevenção e planejamento do tratamento, pretende-se, no presente estudo, realizar um levantamento de artigos científicos disponibilizados nas bases de dados PubMed, SciELO e LILACS, sobre o processo de adaptação cultural dos instrumentos de coleta de dados, em AOD, com o objetivo de fornecer bases metodológicas para a realização desse processo.

 

Métodos

A revisão bibliográfica foi realizada nas bases de dados PubMed, LILACS e SciELO e definiram-se, como limite, os artigos publicados nos últimos 10 anos (1999 a 2009), cruzando os seguintes descritores: na base PubMed – "alcohol and cultural adaptation" (retorno de 33 resultados); "drugs and cultural adaptation" (retorno de 29 resultados); descritores "alcohol and cultural adaptation" (retorno de 0 resultados); na base LILACS – "drugs and cultural adaptation" (retorno de 0 resultados); na base de dados SciELO, com os descritores "drugs and alcohol and cultural adaptation" (retorno de 1 resultado).

Do total de 63 artigos, 47 foram excluídos da amostra, por não abordarem a temática da adaptação cultural dos instrumentos para coleta de dados em AOD, ou por se tratar de estudos indexados mais de uma vez nas diferentes bases de dados, ou, ainda, por serem textos indisponíveis. A amostra de artigos final foi, portanto, composta por 16 itens. Esses artigos foram analisados e as informações relevantes, extraídas de cada um deles, foram separadas em fichas. Após elaboração das fichas, emergiram dessas informações 4 categorias empíricas: aplicações do instrumento, características importantes dos instrumentos, desafios do processo de adaptação de instrumentos e processo de adaptação de instrumentos de coleta de dados.

 

Resultados e discussão

Dos 16 artigos encontrados por meio da busca bibliográfica nas bases de dados PubMed, LILACS e SciELO, 12 (75%) estavam no idioma inglês, 2 (12,5%) no idioma português e 2 (12,5%) no idioma espanhol. Quanto ao país de origem dos artigos, 5 (31%) foram realizados por pesquisadores dos Estados Unidos, 4 (25%) foram realizados por pesquisadores do Brasil, 2 (12,5%) foram realizados por pesquisadores espanhóis e 1 artigo foi realizado em cada um desses países: Finlândia, Escócia, Portugal, Taiwan e Sri-Lanka (6,25% cada). Quanto ao ano de publicação, todos os artigos foram produzidos a partir do ano 2001.

Pode-se verificar na Figura 1, de acordo com os estudos encontrados, os instrumentos que foram adaptados(3-4,9-22).

Por meio das informações coletadas nos artigos, foi possível identificar os seguintes aspectos relacionados aos instrumentos de coleta de dados na área de AOD: aplicações do instrumento, características importantes dos instrumentos, desafios do processo de adaptação de instrumentos e processo de adaptação de instrumentos de coleta de dados. Essas categorias são apresentadas e discutidas a seguir.

Aplicações de instrumentos de coleta de dados em álcool e drogas

Os artigos selecionados apresentaram diversas aplicações e potencialidades dos instrumentos de coleta de dados em AOD. A detecção dos padrões de consumo é importante, pois o uso abusivo de álcool está inserido em um espectro de consumo de risco, abuso e dependência. Os testes que detectam esses padrões de uso são importantes na prevenção secundária de usuários de pequenas quantidades de drogas, para que não desenvolvam consumo abusivo ou dependência. É também preciso diferenciar criteriosamente os indivíduos que fazem uso problemático, mas que ainda não atingiram abuso ou dependência, o que pode ser realizado por meio de uma coleta de dados clara e precisa(20-22).

A contribuição dessas ferramentas na definição do diagnóstico também foi identificada. Alguns estudos apontam que os instrumentos comumente utilizados fornecem escores para a mensuração da severidade. Esses dados são importantíssimos para a anamnese correta e exploração clínica adequada para realizar o diagnóstico, sendo de grande ajuda quando se realizam avaliações complementares de aspectos relevantes da patologia(9-10,14,16,22).

Esses aspectos auxiliam o profissional a estabelecer estratégias terapêuticas individualizadas, que permitem que o usuário diminua o seu consumo de drogas, ou até mesmo se mantenha em abstinência. Porém, os instrumentos com essa qualidade suficiente de dados podem ser muito longos para uma identificação inicial, devendo ser aplicados somente quando resultados de identificação de consumo por instrumentos mais breves de identificação forem positivos(9-10,14,22).

Características importantes dos instrumentos

Foi identificado um conjunto de características consideradas pelos autores como relevantes para que um instrumento de coleta de dados, na área de álcool e drogas, seja efetivo. A primeira delas se refere à capacidade de essa ferramenta permitir a classificação do padrão de uso, facilitando os procedimentos de intervenção ou encaminhamento. O uso de instrumentos de triagem, na rotina de unidades de atenção primária e secundária, pode também ser útil na identificação dos principais problemas de determinada comunidade, auxiliando o planejamento de políticas de saúde. Ainda dentro dessa discussão, encontrou-se que, embora os profissionais clínicos qualificados sejam necessários para conduzir a aplicação dos instrumentos, esses não têm o conhecimento suficiente para avaliar o uso de substâncias psicoativas de risco; portanto, é de extrema importância que o material de avaliação do consumo exerça esse papel, objetivando-se identificar casos de risco(3,15).

Outra característica citada se refere ao formato do instrumento; no caso, se se deve ou não considerar o anonimato, e como as questões devem ser formatadas e aplicadas. Sobre o anonimato, estudos apontam que a mensuração e avaliação de uso de substâncias têm sido feitas constantemente por meio de questionários anônimos. Essa medida de anonimato é importante, quando se objetiva facilitar a coleta de dados, para que se obtenham dados mais válidos. Entretanto, um estudo comparou adolescentes que responderam a questionários no anonimato, identificados e parcialmente identificados, e percebeu que não há relevância estatística na diferença das respostas, o que mostra que, em relação à temática das drogas, os usuários respondem igualmente, caso sejam identificados ou não(11).

Quanto à sua forma de aplicação, os instrumentos variam entre autoaplicáveis ou aplicados por profissionais treinados. Além disso, o questionário pode ser composto de questões abertas ou com alternativas a serem eleitas pelo questionado durante a entrevista. Pode-se ainda, de maneira complementar, coletar informações de materiais como prontuário, exames, relatos de familiares, entre outros. No entanto, estudos destacam a importância de um número bom de questões fechadas com alternativas feitas diretamente ao paciente, pois essas parecem possuir melhor valor estatístico e de confiabilidade(12).

Outra característica importante é que essa ferramenta de mensuração seja aplicável por qualquer profissional de saúde treinado, o que é de extremo auxílio em locais onde existem poucos profissionais com conhecimentos em álcool e drogas. Essa propriedade faz com que o instrumento sirva de auxílio aos profissionais da prática clínica, como os de unidades de atenção básica à saúde e outros serviços mais procurados pela população, para que esses realizem rastreamento de usuários que apresentem comportamentos de risco e outros problemas relacionados ao uso de substâncias. Esses usuários poderão, então, ser encaminhados para instituições especializadas nesse tipo de atenção, aumentando a possibilidade de tratamento desses indivíduos(3,18).

Alguns estudos trouxeram a discussão sobre o conteúdo que deve ser abordado, na utilização desses instrumentos. Encontrou-se a informação de que existem muitos protocolos e escalas para documentar o uso de álcool, porém, necessita-se de escalas que sejam capazes de documentar, também, o uso de outras drogas. Além disso, o material deve ser capaz de caracterizar o uso de substâncias e o grau de severidade de cada usuário, de maneira clara e precisa, como, também, qualificar as perdas e aspectos sociais do paciente(12,18).

Além de informações que quantificam e qualificam seu uso, um bom instrumento deve fornecer dados sobre a representação social do paciente frente ao AOD, uma vez que podem existir diferentes representações sobre um mesmo objeto, que são determinadas por condições socioeconômicas e sistemas de orientação diferentes(13).

Os materiais disponíveis, no entanto, atualmente, podem, muitas vezes, empenhar diversos itens em aspectos relacionados ao uso que são muito raros para a população real, e podendo disponibilizar poucas informações sobre problemas comuns, menos severos, que seriam de maior importância para a prática clínica. Portanto,  esses instrumentos devem ser constantemente avaliados(17).

Desafios do processo de adaptação de instrumentos de coleta de dados em AOD

Um dos desafios da adaptação de instrumentos de mensuração em álcool e drogas é a verificação da relevância das informações coletadas. Quando realizado um estudo de adaptação com uma parcela da população, ou com uma amostra muito específica, não se pode generalizar o instrumento para utilização com a população global. Para evitar esse limite, é extremamente necessário que a amostra eleita abarque amplo número de indivíduos, desde aquele que não consome nenhuma substância psicoativa, até aquele que possui u alto grau de dependência, a fim de não se subestimar a qualidade do instrumento de medida.

Existe, porém, um obstáculo denominado "cego de conveniência social", que é de grande relevância nesses estudos, pois se sabe que a dependência e o uso de substâncias são algo que o paciente tende a negar. É necessário considerar que a população atendida nos serviços de saúde das comunidades, muitas vezes, omite o consumo de álcool durante uma consulta, em virtude do estigma social, dos conceitos de imoralidade, agressividade, entre outros, comumente associados a esse fenômeno biopsicossocial. Portanto, um bom instrumento de mensuração em álcool e drogas deve ser capaz de prever esse fator, já que ele pode influenciar e interferir nos dados obtidos na mensuração(4,14-15).

Quando muitas questões relacionadas a uso/dependência de substâncias são realizadas, os pacientes tendem a subnotificar os seus problemas com o uso, para o entrevistador, diminuindo o rendimento dos diagnósticos e a qualidade das informações. Portanto, recomenda-se que questões relacionadas ao uso sejam "camufladas", sendo apresentadas junto a questões que digam respeito a outros aspectos do estilo de vida do entrevistado(4,15).

Uma das maiores dificuldades dos profissionais de saúde, em relação ao uso de álcool de seus pacientes, consiste na determinação dos limites, a partir dos quais o uso pode ser considerado abusivo. A construção de novos instrumentos de coleta de dados que abordem essa temática, uma vez que aqueles mais comumente utilizados não permitem identificar risco para o consumo abusivo ou dependência, poderia subsidiar intervenções breves ou outras intervenções nos serviços de saúde(3,22).

Processo de adaptação de instrumentos de coleta de dados

De acordo com o material selecionado, a adaptação cultural de um instrumento de coleta de dados, para utilização em outro idioma diferente de sua origem, requer metodologia única para que seja obtida equivalência entre a fonte original e o idioma ao qual se destina(23).

Essa adaptação transcultural consiste em um processo que trabalhe não apenas com o idioma, mas também com a cultura diferente do país para o qual se deseja validar o instrumento. Existem cinco situações a serem consideradas no processo de aplicação do material(23-25), mostradas a seguir:

- A. o instrumento será usado em uma população com a mesma cultura, idioma e origem da fonte;

- B. o instrumento será usado em imigrantes que falam o idioma e residem no local da fonte;

- C. o instrumento será usado em outro país, porém, com o mesmo idioma da fonte;

- D. o instrumento será usado em novos imigrantes, que não falam o idioma, mas residem no país da fonte e

- E. o instrumento será usado em outro país e com outro idioma que o da fonte.

Para cada uma dessas situações existe um processo adequado. Para as situações D e E é imperativo que sejam realizadas a tradução e adaptação transcultural do instrumento. A adaptação cultural de instrumentos de coleta de dados consiste, basicamente, de cinco fases: Fase 1 – tradução; Fase 2 – síntese; Fase 3 – back translation (retro tradução) tradução da versão de volta para o idioma original; Fase 4 - avaliação por um grupo de juízes; Fase 5 – pré-teste do instrumento(23-26).

Para efeito de teste, o instrumento deve ser aplicado em indivíduos com as características do público-alvo do instrumento. Durante a entrevista, deve-se realizar a análise semântica. Essa pode ser realizada convidando-se o entrevistado a, durante o questionamento dos itens, verbalizar como entende o conteúdo dos itens do instrumento, expondo suas dúvidas e sugestões de reformulações no item, para melhor entendimento(27-28).

Os dados deste estudo mostram que uma avaliação adequada e abrangente é fundamental, tanto para o planejamento de tratamento apropriado, como para o desenvolvimento de pesquisas sobre problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas e para que seja alcançada a efetividade das intervenções. O uso de instrumentos adaptados em outras culturas pode subsidiar estudos comparativos entre os países, que contribuirão para o desenvolvimento da pesquisa e, consequentemente, de práticas baseadas em evidências(29).

Na área específica de álcool e drogas, o instrumento de coleta de dados deve levar em consideração não só os aspectos diretamente relacionados ao uso de substâncias, mas, também, outros problemas – uma vez que o uso e abuso de drogas é processo que se apoia em um tripé: os aspectos biológicos, psicológicos e sociais do usuário. Isso é importante para permitir o estabelecimento de metas de curto, médio e longo prazo, adequadas à realidade de cada paciente, buscando correspondência entre necessidades e intervenções oferecidas(29).

Os métodos para adaptação cultural de instrumentos, entretanto, pautados em uma mensuração que valoriza as necessidades individuais, são escassos na literatura brasileira. A adaptação de instrumentos vem sendo realizada, tanto no Brasil, como em outros países, por meio da tradução do material original, sem o uso de uma metodologia adequada, que leve em consideração as peculiaridades da população alvo. Para que haja mudança, faz-se necessário que, além da tradução, sejam consideradas as peculiaridade locais e regionais(30-31).

A Organização Mundial de Saúde – OMS destaca, desde o ano 1996, a importância da adaptação cultural de instrumentos para mensuração em álcool e drogas, com o objetivo de estabelecer uma "linguagem comum" nessa temática de preocupação mundial. A OMS propõe, ainda, que seja adotada metodologia única para adaptação desses instrumentos, a fim de se operacionalizar melhor o processo e garantir a qualidade dos instrumentos adaptados. Realizando-se esses procedimentos, pode-se subsidiar informações para pesquisas comparativas de uso de drogas em nível mundial. Porém, ao analisar a literatura especializada, percebe-se que as informações sobre o processo de adaptação cultural dos instrumentos ainda são muito escassas, e que os estudos encontrados não apresentam descrição detalhada da metodologia utilizada para a realização desse processo(32).

Embora o número de estudos que realizam adaptação transcultural seguindo uma metodologia adequada ainda esteja em crescimento no país, nem todas as áreas estão sendo beneficiadas. Para os autores, há upredomínio de adaptações de instrumentos na área de saúde mental, em que escalas e testes cognitivos vêm sendo submetidos a rigoroso processo de adaptação(33).

Quando se trata de instrumentos da área de álcool e drogas, é possível observar que existe escassez dos mesmos, tanto na área da pesquisa, quanto da clínica, que possam oferecer dados sobre um bom perfil psicométrico, para a avaliação dos indivíduos que fazem uso da AOD e das diversas demandas presentes nessa população. Por meio da busca bibliográfica realizada no presente estudo, foi possível constatar esse fato, uma vez que dos 63 artigos selecionados previamente, somente 16 abordavam a temática de álcool e drogas(29).

As informações encontradas sobre instrumentos de coleta de dados nessa área foram predominantemente relacionadas às características desses instrumentos, como, por exemplo, a necessidade de que eles, entre outros aspectos, não apenas forneçam informações claras e precisas a respeito do padrão de uso de drogas, por meio de informações relatadas pelo usuário, preferencialmente em questões fechadas, como, também, permitam a realização de um escore para avaliação mais sistemática do uso de substâncias e aspectos relacionados ao uso.

É importante destacar que o material encontrado data de 2001 até 2009, sugerindo o quanto são recentes as publicações científicas sobre esse tema. Nesse sentido, os levantamentos realizados no presente estudo mostraram que a discussão sobre a importância da adequação de um instrumento de coleta de dados em álcool e drogas é relevante e recente, porém, a descrição do processo de adaptação de instrumentos nessa área ainda é algo a ser explorado.

 

Considerações finais

A mensuração em álcool e drogas é de extrema importância, o que mostra a necessidade de maior variedade de instrumentos confiáveis para uso na prática clínica e na pesquisa científica. Esses instrumentos não só podem facilitar a detecção de comportamentos de risco, uso abusivo, entre outros aspectos relacionados ao consumo de álcool e drogas, como, ainda, fornecer informações para estratégias de prevenção primária e secundária nos serviços de saúde, e auxiliar no planejamento do tratamento e de intervenções individualizadas. Porém, é importante que sejam adotados referenciais de adaptação cultural padronizados, e que os métodos utilizados no processo estejam explícitos, nos estudos publicados. Além disso, deve-se sempre ter a preocupação de buscar instrumentos que considerem o contexto biopsicossocial do uso e abuso de drogas, subsidiando intervenções e pesquisas centradas na saúde do homem, já que tais instrumentos são o maior recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como possibilitam importante dimensão da qualidade de vida, pois o homem e a droga vivem um processo de inter-relação constante, em um fenômeno dinâmico e paradoxal.

 

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Correspondência:
Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira
Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem
Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419
Bairro: Cerqueira César
CEP: 05403-000, São Paulo, SP, Brasil
E-mail: marciaap@usp.br

 

 

Recebido em: 30/12/2009
Aprovado em: 28/04/2011