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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.7 no.3 Ribeirão Preto Dec. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Adequação da alimentação ao perfil dos dependentes químicos em uma comunidade terapêutica: um estudo de caso

 

Adecuación de la alimentación al perfil de los adictos en una comunidad terapéutica: un estudio de caso

 

 

Carla Rosane Paz Arruda TeoI; Luana BaldisseraII; Francielle Rodrigues da Fonseca RechII

IDoutor em Ciências de Alimentos, Professor, Universidade Comunitária da Região de Chapecó, SC, Brasil. E-mail: carlateo@unochapeco.edu.br
IIAlunas do curso de Graduação em Nutrição, Universidade Comunitária da Região de Chapecó, SC, Brasil. E-mail: Luana - luanab@unochapeco.edu.br, Francielle - franciellerfrech@hotmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivou-se avaliar a adequação da alimentação ao perfil dos dependentes institucionalizados em uma comunidade terapêutica. Os dependentes (33) responderam questionário semiestruturado para identificação do perfil e tiveram peso e altura aferidos. Foram avaliados 56 cardápios almoço. Constatou-se baixo nível socioeconômico (66,7%), baixa escolaridade (42,4%), abuso de álcool (93,9%) e excesso de peso (45,5%). Os cardápios almoço foram ricos em folhosos (75%), legumes (57%), frutas (82,1%), apresentando também elevado índice de carboidratos complexos (44,6%) e frituras (35,7%). Concluiu-se que a alimentação na instituição contribui para o excesso de peso, reforçando-se a importância da inserção do profissional nutricionista na equipe terapêutica da dependência química.

Descritores: Alimentação Coletiva; Nutrição em Saúde Pública; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias.


RESUMEN

El objetivo fue evaluar la adecuación de la alimentación en una comunidad terapéutica al perfil de los adictos. Dependientes (33) respondieron a un cuestionario de perfil; peso y altura fueron medidos. Se evaluaron 56 menús de almuerzo. Se encontró bajo nivel socioeconómico (66,7%) y educativo (42,4%), abuso de alcohol (93,9%), sobrepeso (45,5%). Los menús fueron ricos en verduras (75,0%), hortalizas (57,0%), frutas (82,1%), con altos niveles de hidratos de carbono complejos (44,6%) y frituras (35,7 %). Se concluyó que la alimentación evaluada contribuye al sobrepeso, lo que refuerza la importancia de los nutricionistas en el tratamiento de la adicción.

Descriptores: Alimentación Colectiva; Nutrición en Salud Pública; Trastornos Relacionados con Sustancias.


 

 

Introdução

O abuso de drogas é problema de saúde pública, cujas consequências vêm se tornando cada vez mais alarmantes, com grande impacto social(1). Atualmente, é premente a reorganização de serviços que atendam os usuários de substâncias psicoativas, no sentido da inclusão de ações efetivas de recuperação e promoção da saúde(2). Em termos de políticas públicas, apenas em 2003 surgiu no Brasil a Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas(3). Em virtude desse atraso histórico na definição de políticas direcionadas aos dependentes químicos, a sociedade se organizou a fim de suprir a lacuna deixada pelo poder público, constituindo diversidade de clínicas e comunidades terapêuticas.

Nesses espaços, as equipes multidisciplinares normalmente não incluem o profissional nutricionista, embora seja reconhecida a interferência do uso abusivo de substâncias psicoativas no comportamento alimentar, estando muitas drogas associadas a alterações nos hábitos alimentares e no estado nutricional do usuário por afetarem o apetite e a ingestão dos alimentos e/ou por agirem diretamente sobre a absorção e o metabolismo de nutrientes especíûcos(4). Assume-se, portanto, como relevante, o desenvolvimento de pesquisas sobre a alimentação e a nutrição de dependentes químicos, de forma a produzir conhecimento que reverta em qualificação do atendimento, melhoria do autocuidado e, consequentemente, maior adesão e sucesso do tratamento. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi conhecer o nível de adequação da alimentação distribuída, em uma comunidade terapêutica, ao perfil de um grupo de dependentes químicos institucionalizados no local.

 

Casuística e Método

Características gerais do estudo

A pesquisa, exploratória de natureza quantitativa, foi realizada em uma comunidade terapêutica, instituição de assistência social, de Chapecó, SC, no período de fevereiro a março de 2009. A população do estudo compreendeu 33 dependentes químicos, homens, maiores de 18 anos e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido - TCLE. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Unochapecó (Parecer nº199/08) e atendeu à Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde - CNS.

Perfil socioeconômico, demográfico e da dependência química

Foi aplicado questionário semiestruturado com sete questões, elaborado pelas pesquisadoras. Para a avaliação socioeconômica foi empregado o Critério de Classificação Econômica Brasil(5).

Perfil nutricional e alimentar

Delineado através do índice de massa corporal (IMC) e de questionário semiestruturado específico para esse fim(4). A classificação do IMC seguiu os pontos de corte do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - Sisvan(6).

Avaliação dos cardápios

Os cardápios almoço da instituição, coletados durante 56 dias consecutivos, foram analisados por adaptação da metodologia de Avaliação Qualitativa de Preparações do Cardápio (AQPC)(7). Os critérios adaptados para este estudo foram harmonia de cores (monótona quando da oferta de preparações com até duas cores diferentes, excluídos arroz e feijão), presença de alimentos sulfurados (excessiva quando da oferta de dois ou mais alimentos ricos em enxofre, excluído o feijão), e oferta de carboidratos complexos (excessiva quando da presença de três ou mais alimentos fonte desses nutrientes na mesma refeição).

Tratamento dos dados

Foi utilizado o Statistical Package for the Social Sciences (versão 16.0), e os dados expressos por estatística descritiva e por frequências absoluta e relativa. A associação entre as variáveis foi analisada com o teste qui-quadrado de Pearson (p<0,05).

 

Resultados

Perfil socioeconômico, demográfico e da dependência química

O perfil socioeconômico e demográfico foi traçado a partir das variáveis sexo, idade, escolaridade, composição familiar e classe socioeconômica, estando detalhado na Tabela 1. A média de idade foi de 25,7 anos (+6,59), com mínima de 18 e máxima de 68 anos. O nível de escolaridade foi baixo, com 42,4% (n=14) deles não tendo completado o ensino fundamental. Categorizados segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil(5), 66,7% (n=22) dos entrevistados situavam-se nas classes C e D, conjuntamente, 30,3% (n=10) na B e 3% (n=1) na classe A2.

 

 

Para o perfil da dependência, o álcool foi indicado como a primeira droga de consumo por 60,6% (n=20) dos entrevistados e, associado à principal droga utilizada, foi citado por 93,9% (n=31) dos sujeitos da pesquisa. Além disso, 66,7% (n=22) dos entrevistados relataram já ter feito uso de tabaco, 39,4% (n=13) de maconha, 39,4% (n=13) de cocaína, 36,4% (n=12) de crack, 15,1% (n=5) de lança-perfume, 15,1% (n=5) de haxixe, 9,1% (n=3) de ecstasy, 6,1% (n=2) de cola e merla, 3% (n=1) de LSD e 3% (n=1) de cogumelo. Nesse sentido, 30,3% (n=10) dos entrevistados referiram ser dependentes de uma substância, 48,5% (n=16) de duas substâncias e 21,2% (n=7) de três substâncias.

Foi identificada variação de comportamento por faixa etária: 88,8% (n=16) dos sujeitos com mais de 40 anos iniciou o uso de drogas com álcool ou tabaco e 53,3% (n=8) dos entrevistados com menos de 40 anos iniciou com uma droga ilícita. A maioria dos entrevistados (72,7%; n=24) também referiu tratamentos anteriores e 27,3% (n=9) deles estavam em sua primeira tentativa. Quanto ao tempo de internação, 51,5% (n=17) dos sujeitos estavam na instituição há menos de um mês, 39,4 % (n=13) entre 1 e 5 meses e 9,1% (n=3) há mais de 5 meses.

Perfil nutricional e alimentar

O perfil nutricional do grupo avaliado indicou eutrofia de 54,5% (n=18) dos sujeitos, sobrepeso de 36,5% (n=12) e obesidade de 9% (n=3). Para o perfil alimentar, salienta-se que 93,9% (n=31) dos entrevistados relataram alterações nos hábitos alimentares no período anterior à internação, tais como redução ou aumento do apetite, náuseas e vômitos. Dentre os que relataram alterações, 6,5% (n=2) relacionaram diretamente o tipo de droga consumida com as reações dela decorrentes, informando que o crack e a maconha provocavam, respectivamente, redução e aumento do apetite.

Avaliação dos cardápios

Na instituição onde foi desenvolvida essa pesquisa são servidas três refeições diárias (café da manhã, almoço e jantar). Justifica-se a escolha dos cardápios almoço para essa análise por ser essa a maior refeição do dia, naquele local. Os resultados da análise de 56 cardápios estão sumarizados na Tabela 2. Para além desses, são destacadas, a seguir, algumas outras observações consideradas relevantes para este estudo.

 

 

A oferta de líquidos no almoço da instituição foi observada em 100% (n=56) dos cardápios, tendo sido essa oferta representada por refrigerante em 5,4% (n=3) dos cardápios no período e por suco de laranja nos demais (94,6%; n=53). A oferta de legumes e folhosos apresentou baixa variedade, tendo sido observada a presença de alface em 71,4% (n=40) dos cardápios, tomate em 19,6 % (n=11) e repolho em 19,6% (n=11). Para as frutas, a diversidade também foi pouca, sendo disponibilizadas diariamente mexerica (uma variedade de tangerina), laranja e mamão.

Para o grupo das carnes, verificou-se que em 25% (n=14) dos cardápios mais de um alimento foi disponibilizado. Considerando o total de carnes presentes nos cardápios (n=70), foi verificada predominância de preparações à base de carne bovina e de empanados (65,7%; n=46), sendo conveniente pontuar, ainda, a elevada (37,1%; n=26) oferta de produtos cárneos formulados (empanados e salsichas). Em relação à técnica de preparo, 14,3% (n=10) das preparações de carnes foram fritas, sendo as demais (85,7%; n=60) assadas, cozidas em molho ou refogadas. Quanto à oferta de alimentos fonte de carboidratos complexos, em 96,5% (n=54) dos cardápios esteve presente o arroz e em 33,9% (n=19) a massa, em 46,4% polenta (n=26), em 33,9% mandioca (n=19), em 12,5% batata (n=7) e em 10,7% moranga (n=6), num total de 131 preparações nos 56 cardápios. Dessa forma, foi observada combinação de três a cinco desses alimentos na mesma refeição em 44,6% (n=25) dos cardápios. A fritura foi a técnica de preparo utilizada para alimentos desse grupo em 17,8% (n=10) dos cardápios.

De forma geral, a fritura foi a técnica de preparo adotada em 25 (12,4%) de todas as preparações de carnes (n=70) e de alimentos fonte de carboidratos complexos (n=131) dos 56 cardápios avaliados, havendo duas frituras por refeição em cinco (8,9%) cardápios, um no primeiro mês e quatro no segundo.

Os alimentos com maior frequência de repetição entre os cardápios avaliados foram: arroz (96,4%; n=54), feijão (87,5%; n=49), alface (71,4%; n=40), suco natural de laranja (94,6%; n=53) e frutas (91,1%; n=51).

Um último aspecto a ser destacado da análise dos cardápios é a irregularidade dos resultados, ou seja, à exceção da oferta de frutas e doces, feijão e arroz, carnes de frango e suína, oferta de suco natural e presença excessiva de alimentos fonte de carboidratos complexos, todos os outros itens avaliados evidenciaram concentração de oferta maior em um dos dois meses do período de estudo.

 

Discussão

O grupo de dependentes constituiu-se exclusivamente por homens, uma vez que a instituição onde o estudo foi desenvolvido não acolhe mulheres para tratamento. Quanto à idade dos internos, foi observada semelhança com os dados de dependentes químicos institucionalizados em uma comunidade terapêutica de Maringá, PR, Brasil(4), os quais apresentaram idade entre 17 e 64 anos. Especificamente em relação ao álcool, a literatura indica que há concentração da dependência no público adulto, na faixa etária de 20 a 49 anos(8), o que é compatível com os resultados do presente estudo.

O nível de escolaridade dos entrevistados condiz com as observações de outro estudo, quando foi relatado que 38% dos dependentes possuíam baixa escolaridade, restrita ao ensino fundamental incompleto. Inclusive, é reconhecido que o envolvimento com as drogas gera evasão escolar e baixa escolaridade, acentuando a vulnerabilidade social dos dependentes(9). Referente à composição familiar, o presente estudo verificou predominância do residir sozinho. Pesquisadores da temática(10), ao descreverem experiências de dependentes químicos, referiram que a escolha pela droga implica sair de casa, situação que poderia explicar os resultados obtidos neste estudo.

O baixo nível socioeconômico do grupo de dependentes químicos nesta avaliação também condiz com as observações de estudos anteriores. Uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo, com 45 ex-dependentes de crack, identificou perfil semelhante ao deste estudo, e a amostra naquela ocasião foi constituída, na sua maioria, por homens jovens, solteiros, com baixa escolaridade, sem vínculos empregatícios formais, de baixo nível socioeconômico(11). A mesma situação foi relatada em outros estudos(9,12), os quais indicam renda mensal baixa, de forma geral. Esse cenário repercute, certamente, na aquisição e no consumo de alimentos, condição que é exacerbada entre dependentes químicos pela prioridade conferida à compra da droga sobre a de alimentos(10), e pelo fato de ser comum viverem sozinhos, o que torna o consumo de drogas um agravante da condição nutricional já comprometida dos dependentes.

Verificando o predominante uso do álcool, é relevante pontuar que, na condição de droga lícita, a substância funciona como uma espécie de iniciação que precede o consumo de outras drogas, ilícitas(13). Além disso, o abuso do álcool é causa de má nutrição por interferir com os processos de seleção, consumo e digestão de alimentos, bem como com os de absorção e metabolismo de nutrientes(4). A exemplo do que foi observado no presente trabalho, a literatura indica que o álcool, a maconha, a cocaína, os solventes, o crack e as anfetaminas são as drogas mais consumidas atualmente, utilizadas geralmente de forma associada, condição denominada como polidependência(14).

Apesar de a maioria da população estudada ser eutrófica, verificou-se alta prevalência de excesso de peso (45,5%), o que já foi relatado em outras pesquisas, com variação entre 21,1 e 79%(4,15-16). Essa constatação, provavelmente, está relacionada, entre outros fatores, a consumo alimentar compensatório durante a abstinência. Em relação às alterações percebidas nos hábitos alimentares, os dados observados na presente pesquisa são compatíveis com os achados de outro estudo, quando foi observado que 98% dos dependentes afirmaram ter percebido alterações no seu consumo alimentar em decorrência do uso de drogas(4). Os resultados ora encontrados são, ainda, condizentes com a literatura, que apresenta a maconha como um estimulador de apetite, especialmente para alimentos doces(4,15,17), e as anfetaminas e a cocaína como anorexígenas, sendo que a interrupção do consumo dessas últimas leva, também, ao aumento de apetite(18), o que pode, inclusive, contribuir para os elevados índices de excesso de peso, observados entre dependentes químicos em tratamento.

Salienta-se, também, que os elevados percentuais observados, neste estudo, para dependentes com período de institucionalização inferior a um mês e para os que relataram tentativas anteriores de tratamento, indicam alta rotatividade na instituição avaliada, decorrente de baixa adesão ao tratamento e elevado índice de recaídas. Esse fato instiga a busca por alternativas de organização dos serviços que possam melhorar a adesão à terapêutica e do nível de autocuidado para a recuperação e a promoção da saúde dessa população.

As variáveis socioeconômicas, demográficas, de perfil nutricional e da dependência química foram testadas quanto às suas possíveis relações, não tendo sido detectadas quaisquer associações, provavelmente devido ao tamanho da amostra, o que constitui limitação deste estudo e permanece como demanda para futuras investigações.

Em relação aos cardápios, o jogo de cores das preparações que os compõem, quando harmônico, evidencia alimentação saudável e prazerosa, uma vez que diferentes cores incorporam diversidade de micronutrientes e tornam a refeição mais atrativa(19). Por esse motivo, o elevado percentual de cardápios considerados monótonos, neste estudo (64,3%; n=36), quanto às cores das preparações, considerou-se como um aspecto negativo.

No âmbito da composição do cardápio, é recomendado o consumo de três porções diárias de vegetais (legumes e folhosos) e três de frutas, preferencialmente preparados crus para minimizar as perdas nutricionais(20). Assim, a oferta de legumes, folhosos e frutas nos cardápios avaliados, e a forma de preparo, predominantemente crua, foram considerados aspectos bastante positivos, especialmente pelos nutrientes nos quais esses alimentos geralmente são ricos (vitamina C, provitamina A, vitaminas do complexo B, ferro, cálcio, potássio e magnésio)(7,21-23), os quais se encontram frequentemente em déficit em dependentes químicos(8). A adequada oferta desses alimentos também contribui para a redução do risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissiveis(23), tanto pelo aporte de micronutrientes quanto pelo de fibras. A baixa oferta de doces e refrigerantes no período é destacada como aspecto positivo, principalmente quando são considerados o estado nutricional do grupo e os altos conteúdos de açúcar, gorduras e, consequentemente, de calorias desses alimentos.

A oferta excessiva de alimentos sulfurados (ricos em enxofre), nos cardápios analisados, foi baixa. Entretanto, considera-se que poderia ser ainda bastante reduzida, visto que esses alimentos, quando consumidos em excesso em uma mesma refeição, causam desconforto intestinal e produção excessiva de gases. Por outro lado, apresentam, geralmente, propriedades anticarcinogênicas, motivo pelo qual não devem ser excluídos do planejamento de cardápios(7). Esses alimentos foram representados, neste estudo, por brócolis, couve-flor e repolho.

A oferta diária de produtos cárneos, embora positiva, foi considerada inadequada, de forma geral, devido à frequência de empanados, cujo hábito sugere preparo sob fritura, evidenciando a necessidade de ações educativas para incentivar a adoção de técnicas de preparo saudáveis. A baixa oferta de carne suína observada foi considerada negativa, em função de que a região, onde está localizada a instituição em questão, é grande produtora desse alimento, que faz parte da cultura alimentar local. Além disso, empanados e salsichas, alimentos formulados de relevante presença nos cardápios avaliados, são pobres em nutrientes em geral, especificamente em ferro, nutriente especialmente requerido por dependentes químicos, entre os quais a anemia ferropriva é achado comum(8).

Quanto ao grupo das leguminosas, observou-se baixa variabilidade. Apesar da alta aceitação da presença diária de feijão nos cardápios em geral, devido ao hábito alimentar brasileiro, sugere-se que outros alimentos do grupo das leguminosas, inseridos nos cardápios desse público, tais como lentilha, ervilha, grão-de-bico, feijão branco e soja, contribuiriam para o aporte de fibras e vitaminas do complexo B, além de ferro e cálcio(20), minerais que apresentam demanda aumentada entre dependentes químicos(8). Afora esse aspecto, a diversificação das leguminosas nos cardápios reduziria a monotonia, tornando as refeições mais diversificadas e atrativas, e poderia ser uma estratégia de educação nutricional para esse público, com reflexos sobre suas famílias.

Como aspectos negativos dos cardápios avaliados também se destacam os elevados índices de frituras e de oferta excessiva de alimentos fonte de carboidratos complexos, por contribuírem para o excesso de peso e para o desenvolvimento de outras doenças crônicas não transmissíveis(16). Entre os pontos negativos identificados nos cardápios ainda está a baixa variedade dentro dos grupos alimentares em geral (legumes, folhosos, frutas, cereais, leguminosas), o que pode ser explicado pela utilização de alimentos provenientes de doações e da produção na horta da própria instituição. Nesse sentido, a ausência de variedade no sabor do suco, aparentemente um aspecto negativo, foi considerada superada pela alta aceitação que o suco natural de laranja apresenta pela população em geral e pelo fato de fornecer excelente aporte de vitamina C, essencial para potencializar a absorção do ferro não heme, contido nos alimentos de origem vegetal dispostos na mesma refeição(24-25 ).

Finalmente, uma última questão considerada bastante negativa nos cardápios da instituição foi a irregularidade da maior parte dos itens avaliados, com concentração de oferta maior em um dos dois meses do período de estudo. Esses dois pontos evidenciam falta de planejamento na elaboração dos cardápios, em prejuízo da satisfação das necessidades nutricionais e emocionais do público, bem como da racionalidade do uso de recursos disponíveis, em termos de matéria-prima (ingredientes) e de equipamentos e pessoal.

A dependência que a instituição apresenta de doações para sua manutenção dificulta a variedade do cardápio, certamente. Contudo, a ausência de profissional nutricionista para um planejamento de cardápios adequado à disponibilização irregular de alimentos, provenientes dessas doações, contribui para os desequilíbrios observados no conjunto de cardápios avaliados. Esses desequilíbrios, associados ao baixo fracionamento das refeições na instituição e à tendência observada entre dependentes químicos a maior consumo de alimentos de alta densidade energética em substituição às drogas(15), favorecem o ganho de peso durante o curso do tratamento.

 

Conclusão

O perfil dos dependentes químicos em tratamento na instituição avaliada se caracterizou por baixa escolaridade, baixo nível socioeconômico, prevalência da faixa etária de 40-49 anos e como droga de primeiro contato e de maior consumo o álcool. O perfil nutricional transitou entre a eutrofia e o excesso de peso, o que é compatível com o efeito das drogas de uso principal e, ainda, sugestivo de consumo aumentado de alimentos durante o tratamento, possivelmente em substituição à droga de dependência, como forma de compensação.

Nesse contexto, conclui-se que, apesar de adequado à cultura alimentar local, em linhas gerais, e ao perfil socioeconômico do grupo avaliado, o cardápio se constituiu em fator contribuinte para o excesso de peso e para o desenvolvimento de comorbidades relacionadas à alimentação, tanto pelo baixo fracionamento quanto pelos desequilíbrios entre os grupos alimentares e pela elevada oferta de frituras observada. Frente ao exposto, resta pertinente a implementação de ações que visem a recuperação e a manutenção do estado nutricional desse público, potencializando cuidado nutricional integral que inclua planejamento de cardápios adequados e promotores de saúde.

 

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Endereço para correspondência:
Carla Rosane Paz Arruda Teo
Universidade Comunitária da Região de Chapecó
Área de Ciências da Saúde
Av. Senador Attilio Francisco Xavier Fontana, 591 E
Bairro: Engenho Braun
CEP: 89809-000, Chapecó, SC, Brasil
E-mail: carlateo@unochapeco.edu.br

Recebido em: 8/4/2010
Aprovado em: 9/9/2011