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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.8 no.3 Ribeirão Preto dez. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estratégias de enfrentamento às cargas de trabalho de enfermeiros de unidade de emergência

 

Estrategias de enfrentamiento a las cargas de trabajo de enfermeros de unidad de emergencia

 

 

Júlia Trevisan MartinsI; Maria Cristina Cescatto BobroffI; Renata Perfeito RibeiroII; Vanessa Monique Luiz CostaIII; Alexandrina Aparecida Maciel CardelliIV; Mara Lúcia GaranhaniIV

IPhD, Professor Adjunto, Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
IIPhD, Professor, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
IIIEnfermeira
IVPhD, Professor Associado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de pesquisa descritiva, exploratória e qualitativa com o objetivo de identificar as estratégias de enfrentamento às cargas do trabalho de enfermeiros de uma unidade de emergência. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada com 12 enfermeiros de um hospital de ensino do norte do Paraná, em novembro de 2010. Os dados foram analisados conforme a técnica de Análise de Conteúdo. Como resultados identificaram-se três categorias analíticas com subcategorias temáticas. Concluiu-se que os enfermeiros utilizam estratégias defensivas individuais e as mesmas estão relacionadas com ações de confronto direto, confronto indireto e aquelas referentes ao estado emocional.

Descritores: Saúde do Trabalhador; Trabalho; Enfermeiras; Carga de Trabalho.


RESUMEN

Investigación descriptiva, exploratoria y cualitativa con el objetivo de identificar las estrategias de enfrentamiento, a las cargas del trabajo, de enfermeros de una unidad de emergencia. La recogida de datos fue realizada por medio de entrevista semi-estructurada con 12 enfermeros de un hospital de enseñanza del norte de Paraná, en noviembre de 2010.  Los datos fueron analizados conforme la técnica de Análisis de Contenido. Como resultados se identificaron tres categorías analíticas con subcategorías temáticas. Se concluyó que los enfermeros utilizan estrategias defensivas individuales y las mismas están relacionadas con acciones de confrontación directa, confrontación indirecta y aquellas referentes al estado emocional.

Descriptores: Salud Laboral; Trabajo; Enfermeras; Carga de Trabajo.


 

 

Introdução

O processo de trabalho da equipe de enfermagem hospitalar é influenciado pela organização e desenvolvimento de atividades multiprofissionais e pluridisciplinares e por certas particularidades que contribuem com as cargas de trabalho, trazendo consequências à saúde física e mental desses profissionais(1)

Sabe-se que Unidades de Emergência e Pronto-Socorro (Ueps) são ambientes com situações imprevisíveis e urgentes com intuito de salvar vidas. Esses, entre outros aspectos, exigem rapidez de raciocínio e de tomada de decisão dos profissionais de saúde. Nessas unidades são atendidos pacientes de diversas faixas etárias e com diferentes afecções.

Assim, compreender o processo de trabalho dos profissionais de saúde de Ueps e seu sofrimento/adoecimento em consequência desse contexto, bem como reconhecer as estratégias de defesa utilizadas, são fundamentais para implementar ações de prevenção e promoção à saúde desses trabalhadores. Além disso, é importante conhecer como ocorre o cuidado de si e de sua própria saúde para proporcionar subsídios para o cuidado do outro.

O trabalho de modo geral, nesse caso específico nas Ueps, deve ser compreendido em toda sua abrangência, considerando seus aspectos econômicos, culturais e sociais. É imprescindível o entendimento de questões que envolvam a produção social da subjetividade, da saúde física e da saúde mental das pessoas, compreendendo que essas questões estão direta e indiretamente ligadas entre si e não há como separá-las(2).

Dessa forma, é necessário entender que os trabalhadores estão expostos a cargas de trabalho e que as mesmas estão relacionadas com o processo organizativo do labor. Nessa perspectiva, os elementos do processo de trabalho interatuam entre si e com o corpo do trabalhador, caracterizando uma análise diferenciada dos riscos à saúde do trabalhador(3).

Tal entendimento subsidia a superação do modelo da unicausalidade, no qual os riscos isoladamente provocam a doença(3), para o paradigma da determinação social da doença, que representa uma retomada das abordagens sociais da epidemiologia – compreensão de doença socialmente produzida e dependente da interação de vários fatores.

As cargas de trabalho que podem gerar doenças do trabalho ou profissionais são classificadas naquelas de materialidade externa ao corpo do trabalhador (físicas, químicas, biológicas e mecânicas) e nas de materialidade interna (fisiológicas e psíquicas), por se estabelecerem e interagirem com o corpo do trabalhador(3).

Pressupõe-se que os enfermeiros de Ueps realizam um trabalho fragmentado, desvalorizado socialmente e que, devido à especificidade do ambiente, estão sujeitos a várias cargas de trabalho. Portanto, buscam formas de preservar o equilíbrio psíquico, emocional e físico para minimizá-las, utilizando estratégias de enfrentamento.

As estratégias de enfrentamento podem ser individuais e coletivas, dependendo do contexto organizacional e dos recursos psicológicos mobilizados nas situações de trabalho e assumem diferentes formas de manifestações comportamentais, podendo variar entre os grupos de trabalhadores, dentro de uma mesma organização(4). A diferença entre o mecanismo de defesa individual e coletivo está no fato de que o primeiro permanece sem a presença física do objeto, já que está interiorizado e o segundo depende da presença de condições externas e se mantém no consenso de um grupo de trabalhadores(5).

As defesas individuais são fundamentais para que o indivíduo se adapte ao sofrimento, mas exercem pouca ou nenhuma influência na violência social do trabalho, pela sua característica de isolamento. Por outro lado, as estratégias coletivas contribuem para a coesão do trabalho, pois trabalhar não significa apenas ter uma tarefa a ser desenvolvida, mas também viver a experiência da pressão em coletividade, enfrentar a resistência do trabalho real, construir o sentido do trabalho, da situação, do sofrimento e do prazer, dentre outros(6).

Considerando que a identificação de estratégias defensivas propicia aos trabalhadores de enfermagem e das instituições de saúde um planejamento para intervir na organização do trabalho e na construção coletiva de soluções e de compromissos, surgiu a indagação sobre as estratégias de enfrentamento às cargas de trabalho de enfermeiros que trabalham na Ueps de um hospital público quaternário.

Nesse contexto, este estudo teve como objetivo identificar as estratégias de enfrentamento às cargas advindas do trabalho de enfermeiros de uma Ueps, na qual trabalham, em um hospital quaternário, público e de ensino, do interior do Estado do Paraná.

 

Método

Trata-se de pesquisa descritiva, exploratória e qualitativa, desenvolvida com enfermeiros de uma Ueps de um hospital quaternário, público e de ensino da cidade de Londrina, PR.

Utilizou-se como referencial teórico a Psicodinâmica Dejouriana, que considera o processo de trabalho e o homem em movimento contínuo, em equilíbrio dinâmico, livre e aberto à evolução e às transformações. Nessa abordagem, caso esse equilíbrio seja quebrado, bloqueado ou duradouro pode ocorrer a ineficiência da produção e, a qualquer instante, desencadear sua ruptura. Para manter esse equilíbrio, no ambiente de trabalho, o trabalhador utiliza estratégias de enfrentamento(7).

O trabalho dessa Ueps está organizado segundo o modelo clínico centrado no parecer/diagnóstico médico e os enfermeiros, sujeitos desta pesquisa, são os responsáveis pela organização do processo de trabalho da equipe de enfermagem (auxiliares e técnicos de enfermagem), bem como supervisionam as atividades desenvolvidas por essa equipe. Destaca-se, ainda, que há a presença constante de docentes e alunos de cursos de graduação e pós-graduação de medicina, enfermagem, fisioterapia, entre outros.

Os pacientes atendidos nessa Ueps são referenciados por outros hospitais da cidade e região, pelo Serviço de Assistência Médica a Urgências e por intermédio da central de leitos. São atendidos diariamente pacientes em estado crítico de média e alta complexidade. Há, também, atendimentos de pacientes de demanda espontânea, acarretando um atendimento superior à capacidade de recursos humanos e de materiais.

A coleta de dados foi realizada em novembro de 2010, por meio de entrevista semiestruturada, com a questão norteadora: fale-me que estratégias você utiliza para enfrentar as cargas de trabalho. As entrevistas foram realizadas na própria unidade, durante o turno de trabalho e transcritas na íntegra. Para preservar o anonimato os entrevistados foram identificados com a letra E, e com o número da entrevista subsequente (E1, E2, E3).

A priori, o número de entrevistados não foi definido. Os discursos foram mantidos até o momento em houve a repetição nas falas, ocorrendo convergência suficiente para a constatação do fenômeno investigado, quando a amostra atingiu 12 profissionais enfermeiros dos turnos da manhã, tarde e noite. Os critérios de inclusão foram ser enfermeiro e ter, no mínimo, um ano de trabalho na referida unidade.

Os dados foram analisados por meio da técnica de Análise de Conteúdo(8) que compreendeu três momentos distintos: a pré-análise que se constituiu na leitura flutuante dos dados transcritos, a exploração do material com seleção das falas dos sujeitos e organização das categorias e, por fim, o tratamento dos resultados por meio da inferência e interpretação dos mesmos(8).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Londrina (UEL) sob nº002.0.268.00.09, e todos os participantes, depois de informados acerca dos objetivos e metodologia do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

Resultados e Discussão

A maioria dos participantes desta pesquisa era do sexo feminino, com idade acima de 30 anos, casados, com predominância da religião católica. A carga horária dos entrevistados era de 36 horas semanais e todos contavam com mais de quatro anos de atuação no setor de estudo e com tempo de formação superior a seis anos.

Os dados sobre as estratégias de enfrentamento resultaram em três categorias analíticas, com suas subcategorias temáticas, e são apresentadas na Figura 1.

Categoria 1 - Enfrentamento centrado em ações de confronto direto

Em relação à subcategoria compartilhar informações com a equipe, os depoimentos foram relatados, mostrados a seguir.

[...] é na conversa mesmo tentando melhorar esta comunicação que assim a gente tenta diminuir um pouco a carga de trabalho [...] algumas coisas você vai ter que conversar mesmo, ouvir o outro. Às vezes as insatisfações são coisas de toda a equipe, mas é preciso ouvir, então a gente ouve. Isso é uma maneira da gente se ajudar (E1).

É você compartilhar com os colegas ver se eles também estão sentindo a mesma coisa que você naquele determinado problema que está te afligindo. É preciso elaborar com a equipe estratégias [...], você tem que buscar formas concretas na equipe senão não vai funcionar (E6).

Discutir junto com a equipe multiprofissional para que a carga não seja tão pesada para uma única pessoa, para não gerar tanto estresse, não gerar distratores, precisamos dividir com a equipe nossas ansiedades, nossos problemas e também as medidas que tomamos em determinada situação par ver se agimos certo ou não (E12).

Para alguns autores(4), as interações pessoais saudáveis podem demonstrar diferentes pensamentos, favorecer a compreensão, a afeição, a harmonia, a cooperação e fortalecer o trabalho em equipe. Assim, ouvir é uma estratégia de defesa importante. Ao se compartilhar as dificuldades, oportuniza-se o exercício livre para opinar e desenvolver ajuda mútua, tornando as dificuldades encontradas no dia a dia do trabalhador menos "pesadas".

Em estudo realizado com trabalhadores da uma equipe de Saúde da Família de Ribeirão Preto, identificou-se que os mesmos utilizaram estratégias coletivas para aliviar as tensões do ambiente de trabalho e melhorar o relacionamento entre os membros da equipe, por meio de reuniões semanais de discussões de caso(9).

Nesse contexto, ressalta-se o papel fundamental da participação do trabalhador, bem como das instituições de saúde ao proporcionar o desenvolvimento de estratégias coletivas para o enfrentamento das cargas de trabalho.

As boas relações interpessoais favorecem a confiança, solidariedade e amizade e, desse modo, aliviam tensões do trabalho por meio de um suporte de ajuda mútua(4).

Quando os problemas são compartilhados, estabelece-se um canal de comunicação e aumentam-se as chances do crescimento coletivo por meio da reflexão e postura crítica, o desenvolvimento da criatividade a partir da liberdade e da responsabilidade. Ademais, ouvir cria vínculos afetivos. São estratégias que resultarão em mais harmonia entre a equipe, fortalecendo as responsabilidades de cada um e, por consequência, melhorando os cuidados prestados aos pacientes e familiares.

No que se refere à subcategoria buscar informações e entender a situação, tem-se o discurso a seguir.

Eu tento ver a situação que está me incomodando no momento, eu procuro resolvê-la da melhor forma possível, tendo paciência, respeitando tudo e todos, eu tento ver o trabalho como um todo, mas principalmente a situação individual daquele problema que estou enfrentando no momento, é uma coisa de cada vez (E2).

O homem é um ser singular e possui visões diferentes do mundo, assim não há como padronizar as condutas, ações e pensamentos. É fundamental respeitar as individualidades sem desconsiderar os objetivos comuns a todos(10). É imprescindível o trabalho estar pautado em estratégias que valorizem a cooperação, o respeito, a confiança, a união, dentre outros aspectos, para que ocorram a troca de experiência e as discussões coletivas acerca dos problemas vivenciados(10).

Os discursos a seguir demonstram a subcategoria procurar alternativas que auxiliem a driblar a situação.

Eu sempre vou à igreja, fico em oração por muito tempo, até nas horas que estou em sobrecarga aqui no trabalho eu peço a direção de Deus, eu procuro sempre estar com Deus o tempo todo ele é meu alento nas horas mais difíceis (E10).

Eu vou à igreja todo domingo e rezo para Deus me ajudar, mas também rezo quando estou no trabalho, pois tem situações que às vezes eu acho que não vou dar conta e para me ajudar só Deus mesmo e eu sempre encontro uma saída quando eu peço para Ele me ajudar (E12).

Em estudo realizado com enfermeiros sobre as formas de enfrentamento dos problemas ligados ao trabalho, a estratégia mais frequentemente utilizada foi o apego à religiosidade e a busca de apoio em uma "entidade" superior. Essa crença ajuda a lidar com os sentimentos advindos das situações difíceis que esses profissionais vivenciam(11). Em outro estudo com auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de equipe de Saúde da Família o apoio na religião foi citado como uma estratégia para aliviar as tensões do trabalho, por proporcionar paz interior e amparo espiritual(9).

As crenças, a fé e a esperança, atribuídas à religião, também foram citadas por outros autores como estratégias de enfrentamento por representarem equilíbrio diário face ao sofrimento advindo do trabalho(12). Portanto, é evidente a importância da religiosidade e das crenças no enfrentamento às cargas de trabalho mesmo que de forma individualizada.

A subcategoria planejar e priorizar as atividades de trabalho ficou identificada nos depoimentos abaixo.

Eu uso o meu senso de experiência [...] eu priorizo a assistência, eu tenho um olho, com dez anos de "praia" você tem um olho clínico, por exemplo, um paciente que eu vejo que não está bem, a evolução dele, e que já tem um histórico, depende da patologia, depende da história prévia dele, que eu faço? Eu monitorizo (E9).

[...] na medida do possível usar o planejamento do trabalho, você tem que planejar, mas, mesmo assim, porque dentro do pronto-socorro você tem várias unidades, tem unidades que você consegue se planejar melhor e tem unidades que o fluxo é bastante grande e tem uma rotatividade muito grande de pacientes (E4).

Particularmente sempre procuro usar uma estratégia que eu julgo ser prioridade neste setor que é avaliar quem está mais grave primeiro, depois a idade, pois as pessoas com mais idade são mais propensas a ter problemas [...] (E8).

Há pesquisadores que afirmam ser função do enfermeiro articular, supervisionar e controlar as ações desenvolvidas pela equipe de enfermagem. O papel gerencial do enfermeiro inclui inúmeras atividades necessárias e indispensáveis para garantir o desenvolvimento do trabalho coletivo. Cabe a esse profissional também utilizar técnicas de gerenciamento para motivar a equipe na prestação dos serviços com qualidade(13).

Percebe-se, nas falas dos enfermeiros, que eles utilizam sua experiência profissional e técnicas de gerenciamento, como planejar e priorizar a assistência de enfermagem, para driblar as situações conflitantes diárias nesse setor de emergências constantes e de grande fluxo de pacientes e profissionais de saúde.

Categoria 2 - Enfrentamento centrado em ações de confronto indireto

A seguir, apresentam-se relatos subcategorizados como: não levar os problemas para casa.

Eu chego à minha casa, tomo banho, deito e "desmaio", eu convivo em família e tento esquecer o que vivi no trabalho "batemos papo" sobre coisas mais alegres, tudo que eu faço é para esquecer o que se passou no trabalho, senão não dá, né? (E3).

Eu sempre procuro não levar as coisas para a vida pessoal, se não você não aguenta já chega o que vivemos no trabalho e os nossos familiares não aguentam também, não é justo que eles fiquem sabendo do que se passou no ambiente de trabalho, prá que? (E5).

Eu tento me desligar totalmente quando eu vou para casa para eu não levar isso pra minha família, [...] eu me desligo daqui, não fico vendo notícia de jornal, de quem veio para cá, não gosto, entendeu? Essa é uma forma que eu uso para diminuir a carga psicológica [...], busco também atividades recreativas (E7).

Em estudo com a equipe de enfermagem de um Pronto Atendimento, outras formas de enfrentamento, classificadas como confronto indireto, foram citadas como, por exemplo, a recreação, o lazer, o "bate-papo" e as atividades socioculturais. Porém, essas estratégias foram utilizadas para aliviar o grau de tensão e não para evitá-los(12).

Sabe-se que o convívio e o suporte da família e amigos são formas de superar o estresse vivenciado no trabalho e também ficou evidenciado nesta pesquisa.

Categoria 3 - Enfrentamento em ações ligadas ao estado emocional

A subcategoria negar a situação foi revelada no depoimento abaixo.

[...] como estratégia para compensar as cargas emocionais eu não tenho nenhuma, porque eu terminei o mestrado, acabei casamento, tenho filho para cuidar então a gente acaba achando que as dificuldades do trabalho são poucas porque as de casa são maiores (E11).

O trabalhador afirma não ter estratégias para enfrentar as cargas psíquicas do trabalho. No entanto, sua fala revela que o mesmo busca uma forma de evitar o sofrimento no trabalho, negando as cargas presentes nesse ambiente devido aos problemas pessoais, sendo que não se pode separar o ser humano profissional do ser humano social e familiar.

Em estudo realizado com enfermeiros de unidade de emergência da cidade de São Paulo(14), tais profissionais foram qualificados como estressados, apesar de os autores informarem não haver comprovação científica sobre esse aspecto. O que é conclusivo é que a profissão enfermeiro, independente do foco de atuação, é uma atividade estressante.

Em recente revisão de literatura sobre o estresse do enfermeiro de Unidades de Terapia Intensiva, com algumas características de trabalho semelhantes ao setor de trabalho desta pesquisa, relata-se que o estresse do enfermeiro e o desgaste causado pelo mesmo são preocupantes já que situações de contínua insatisfação podem levar à síndrome de Burnout(15).

Nesse contexto, quando as estratégias de defesa não são utilizadas adequadamente pode-se produzir uma espécie de insensibilidade não mais percebida conscientemente pelos trabalhadores, contribuindo para a estabilização da situação e o desencadeamento de doenças e agravos à saúde física e mental desses indivíduos(16-17).

É necessária a conscientização dos profissionais de saúde sobre as cargas que enfrentam no ambiente laboral, em especial aquelas consideradas invisíveis como a psíquica, para que busquem formas de enfrentá-las e não de mascará-las, pois essas são patogênicas assim como as cargas químicas, físicas, fisiológicos, dentre outras(18).

Alguns pesquisadores afirmam ser de fundamental importância a presença do psicólogo para desenvolver atividades com enfoque na organização de trabalho, para zelar pela saúde do trabalhador com ações não somente paliativas, mas, também, para prevenir o acometimento de problemas psíquicos. Citam-se, ainda, complicações e/ou doenças que podem advir da ocupação como, por exemplo, a depressão, os transtornos afetivos, a alteração do ciclo vigília/sono, a neurastenia e a síndrome de Burnout, entre outros(19).

As questões subjetivas que permeiam o processo de trabalho são complexas e, portanto, é um desafio enfrentá-las. Entretanto, buscar o equilíbrio por meio de estratégias de defesa coletivas ou individuais é considerar que o trabalho pode ser estruturante para o indivíduo, desde que se considerem tudo e todos e, em especial, as características individuais de cada trabalhador, suas crenças, sua cultura e sua espiritualidade.

 

Conclusão

Após a análise das narrativas dos participantes, conclui-se que os enfermeiros utilizam estratégias defensivas no ambiente de trabalho para se proteger das cargas que vivenciam rotineiramente na Ueps, foco desta pesquisa.

Constatou-se que as estratégias utilizadas foram relacionadas às ações de confronto direto, de confronto indireto e ligadas ao estado emocional.

Destaca-se a importância desses profissionais buscarem alternativas para prevenir agravos e doenças, bem como para promover a saúde, melhorando a qualidade de vida no ambiente de trabalho e na vida pessoal. Porém, o estudo permitiu identificar que a maioria das estratégias foi individual. Assim, infere-se que as cargas advindas do trabalho não estão sendo discutidas coletivamente. Nesse contexto, as ações e as possíveis soluções individuais não atingem o coletivo para melhoria do processo de trabalho e da qualidade de vida e de trabalho desses profissionais.

Assim, entende-se ser necessário que os enfermeiros e a instituição busquem alternativas coletivas para o enfrentamento eficaz das cargas que estão presentes nessa unidade, pois se sabe que alternativas individuais não estimulam a cooperação, a ajuda mútua e a solidariedade. É imprescindível que não se banalize o sofrimento no trabalho, pois o mesmo pode se tornar habitual e entendido como sem solução para os trabalhadores.

Acredita-se que este estudo elucidou a importância de os enfermeiros estarem cientes principalmente sobre os problemas subjetivos vivenciados. Soluções devem ser planejadas conjuntamente para que todos tenham oportunidade de participar e assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas, contribuindo, substancialmente, para a melhoria da qualidade de vida desses próprios profissionais.

 

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Correspondence
Maria Cristina Cescatto Bobroff
Universidade Estadual de Londrinha. Departamento de Enfermagem
Rodovia Celso Garcia Cid, Pr 445 Km 380, Cx. Postal 10.011
Campus Universitário
CEP: 86057-970, Londrina, PR, Brasil
E-mail: crisbob@uel.br

Received: May 14th 2011
Accepted: Mar. 5th 2013