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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versión On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.9 no.1 Ribeirão Preto abr. 2013

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Consumo de crack e a tuberculose: uma revisão integrativa

 

Consumo de crack y la tisis: una revisión integrativa

 

 

Vania Dias CruzI; Jenifer HarterII; Michele Mandagará de OliveiraIII; Roxana Isabel Cardozo GonzalesIV; Poliana Farias AlvesV

IDoutoranda, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil
IIDoutoranda, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
IIIPhD, Professor Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
IVPhD, Professor, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
VMestranda, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo teve por objetivo verificar a produção científica quanto ao consumo de crack e seu favorecimento na ocorrência de tuberculose, identificando o principal enfoque adotado nessas publicações e descrevendo os principais resultados dos estudos encontrados. Trata-se de revisão integrativa nas bases de dados PubMed, LILACS e do portal SciELO. Os artigos encontrados têm como principais enfoques: o perfil e comportamento dos usuários; a relação entre a tuberculose e o uso da droga, e as estratégias de saúde apresentadas para o controle da tuberculose nesses indivíduos.

Descritores: Tuberculose; Cocaína Crack; Usuários de Drogas.


RESUMEN

Este artículo tuvo por objetivo verificar la producción científica en cuanto al consumo de crack y su favorecimiento en la ocurrencia de tisis (TB), identificando el principal enfoque adoptado en estas publicaciones y describiendo los principales resultados de los estudios encontrados. Se trata de una revisión integrativa en las bases de datos PUBMED, LILACS y el portal SCIELO. Los artículos encontrados tienen como principales enfoques: el perfil y comportamiento de los usuarios; la relación entre la TB y el uso de la droga; y las estrategias de salud presentadas para el control de la TB en esos individuos.

Descriptores: Tuberculosis; Cocaína Crack; Consumidores de Drogas.


 

 

Introdução

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 10% das populações, que habitam grandes centros urbanos no mundo, consomem substâncias psicoativas independente de sexo, idade, nível de escolaridade ou posição social. Esse dado é equivalente nos grandes centros urbanos do Brasil(1).

O consumo dessas substâncias vem trazendo inúmeros desafios às políticas públicas. O potencial que as drogas têm de influenciar e transformar a estrutura das pessoas criam obstáculos para a unidade familiar e repercutem no cotidiano dos serviços de saúde que precisam se adaptar às necessidades evidenciadas na comunidade(2).

O crack é consumido por menos de 1% da população brasileira, porém, seu uso vem sendo considerado um problema de saúde pública, devido ao crescimento progressivo entre crianças e adolescentes moradores de rua, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil(3).

O consumo de crack contribui para transmissão e contaminação de doenças entre os usuários, por diminuir as defesas imunitárias e por expor as pessoas a diversas situações e comportamentos de risco. Dentre as doenças que podem ser disseminadas, a partir do uso da droga, destaca-se a Tuberculose (TB). O estilo de vida arriscado dos usuários, as condições de moradia, o acúmulo de pessoas em ambientes fechados e isolados para o consumo, o compartilhamento de materiais como o cachimbo e a desnutrição causada pela droga favorecem a progressão para a doença ativa(4).

Perante esse panorama, é relevante ampliar o olhar a essa população específica, para compreender seus comportamentos e conhecer suas opiniões, possibilitando, assim, maior intervenção em saúde no cotidiano desses usuários, além de fortalecer estratégias de prevenção e controle da TB.

Ações e estratégias vêm sendo implementadas a fim de reduzir o risco de contágio e/ou agravamento da doença para os indivíduos usuários de drogas portadores de TB. As estratégias de redução de danos, implementada pela Portaria nº1.028, de 1º de julho de 2005, tem como objetivos: estimular formas de prevenção às infecções por HIV/Aids, hepatites e tuberculose por meio de informação, educação e aconselhamento; divulgar os serviços públicos de assistência à saúde e garantir o cuidado integral aos usuários de drogas(5).

Apesar das medidas de proteção e ações de educação ofertadas aos usuários de crack, considera-se que esses apresentam maior risco de se contaminarem com a TB devido à sua vulnerabilidade social, psicológica e clínica. Diante disso, pretendeu-se, através de uma revisão integrativa, verificar a produção científica quanto ao consumo de crack e seu favorecimento na ocorrência de TB, identificando o principal enfoque adotado nessas publicações e descrevendo os principais resultados dos estudos encontrados.

 

Metodologia

A revisão integrativa é um método de pesquisa que permite a busca, a avaliação crítica e a síntese das evidências disponíveis do tema investigado. Esse método tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado. O produto final consiste na identificação do estado atual acerca da temática abordada, a implementação de intervenções efetivas na assistência à saúde e a redução de custos, bem como a identificação de lacunas que direcionam para o desenvolvimento de futuras pesquisas(6).

 Para a elaboração da presente revisão integrativa, as seguintes etapas foram percorridas: estabelecimento da questão e objetivos da revisão integrativa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão de artigos (seleção da amostra); definição das informações a serem extraídas dos artigos selecionados; análise dos resultados; discussão e apresentação dos resultados e a última etapa consistiu na apresentação da revisão.

Assim, para guiar a revisão integrativa, utilizou-se a seguinte questão: qual o enfoque e os principais resultados das publicações, quanto ao consumo do crack e seu favorecimento na ocorrência de tuberculose?

Como descritores controlados utilizou-se "cocaína crack" e "tuberculose" com suas traduções para o inglês, definidos com referência ao MeSH e DECS. As bases utilizadas foram o Public Medical (PubMed), Literatura Latino-americana em Ciências da Saúde (LILACS) e o portal Scientific Electronic Librery Online (SciELO).

Os limites de busca utilizados foram: artigos publicados em português, espanhol e inglês. Não foi utilizado recorte temporal na consulta da base de dados. O resultado inicial da busca foram 13 artigos, 11 no PubMed, apenas 1 no LILACS e 1 no SciELO.

Foi realizada leitura flutuante de todos os artigos, resultando em 12 selecionados para análise, uma vez que uma das publicações não abordava a temática em estudo, sendo excluído. Após leitura das publicações, elaborou-se quadro sinóptico (Figura 1) para síntese das publicações selecionadas, e foram contemplados os seguintes aspectos: base de dados, título da pesquisa, nome dos autores, ano de publicação, país do estudo, tipo de estudo, amostra e enfoque da publicação. Após a organização dos dados, procedeu-se à análise descritiva dos principais resultados dos estudos alocados em três categorias, de acordo com a semelhança e proximidade dos objetivos e resultados encontrados.

 

Resultados e discussão

Verificou-se, com este estudo, a escassez de publicações que envolvam TB e o consumo de crack nessas bases de dados. Entretanto, ainda que pontuais, as publicações acerca da temática permitiram a visualização de aspectos relevantes para o tema, percebidos ao se analisar o enfoque.

Identificou-se predominância de publicações de origem norte-americana, sendo que 66,7% são dos Estados Unidos da América (EUA), o que pode ser justificado pela droga ter se tornado popular nesse país, no Estado de Nova Iorque, em Miami e em Los Angeles, a partir da década de 80(7), e apenas ter registros do crack no Brasil em 1988, no Estado de São Paulo(8).

Consideraram-se recentes as publicações acerca da temática, uma vez que o artigo mais antigo, encontrado nesta revisão, data de 1994. Nos anos seguintes, houve, em média, uma publicação/ano sobre o tema TB e crack/cocaína. Tal fato pode ser explicado porque, até o ano 1989, os levantamentos epidemiológicos nacionais não detectavam a presença do crack. No entanto, no ano 1993, o uso atingiu 36% da população e em 1997 esse número passou para 46%. Os serviços especializados para tratamento de dependência sentiram o impacto quando em alguns centros a proporção de usuários de crack foi de 17% (1990) para 64% (1994)(9).

Ao se verificar o enfoque principal das publicações, identificou-se que cinco tinham enfoque clínico ou experimental, três baseavam-se em estratégias de controle da TB em usuários da droga e quatro fundamentavam-se no comportamento e no perfil dos usuários de crack com TB.

Com base no enfoque central das publicações, criaram-se as seguintes categorias de análise dos resultados: relação clínica da TB com o consumo de crack, perfil e comportamento dos usuários e estratégias de saúde apresentadas para o controle da TB, nessa população específica.

Relação clínica da tuberculose com o consumo de crack

Todos os estudos encontrados referem algum tipo de relação clínica da TB com o consumo de crack, seja diretamente ao mencionar fatores fisiológicos de relação ou indiretamente ao atribuir relação clínica em decorrência de comportamentos que estimulam outros fatores diretos de associação.

Entre as pessoas com tuberculose, consumir crack favorece disseminação da doença devido à tosse induzida pelo uso da droga, pelos contatos estarem muito próximos em ambientes fechados e, ainda, a disseminação é ampliada pelo fluxo intermitente de pessoas(10). Além disso, a disseminação da infecção por HIV entre usuários de drogas e a desnutrição o tornam mais susceptível para o desenvolvimento da TB, além de propiciar a rápida progressão da doença(4).

Quanto aos exames diagnósticos da TB em usuários de crack, percebe-se que o risco relativo de baciloscopia positiva é 2,4 vezes maior em usuários de crack em comparação com não usuários de drogas; quando comparado com usuários de outras drogas o risco relativo para usuários de crack também foi maior (1,6 vezes)(11). Além disso, outro estudo, realizado nos EUA, identificou macrófagos carregados de carbono no fluido pleural de usuários de crack(12). São diversas as complicações pulmonares agudas de um usuário de crack: dor torácica, dispneia, tosse seca, ou com eliminação de escarro e febre, são alguns sinais e sintomas presentes. Nesse contexto, se o usuário consome a droga em ambiente inapropriado e com diversas pessoas, a transmissão da TB será mais prevalente quando comparada com outras drogas(9),,havendo a presença de um doente bacilífero.

Ao correlacionar o teste tuberculínico Derivado Purificado da Proteína (PPD) com o uso de crack, 30 dias antes da internação hospitalar de indivíduos com esquizofrenia, um estudo (1998) verificou significância desse item com o PPD positivo. Revelou, ainda, o risco aumentado para a TB entre usuários de crack ao apresentar um risco relativo de 3,53 vezes para PPD positivo quando comparado com não usuários de crack(13).

Em contrapartida, em um estudo realizado com 716 usuários de drogas injetáveis (UDI) e/ou de crack, foi identificado que 10,3% foram reagentes ao teste cutâneo de PPD e 34,7% eram soropositivos para Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), sendo que a infecção por TB foi mais prevalente entre os UDIs e entre aqueles com HIV positivo(14). Os UDs, devido à forma de administração da droga, apresentam maior chance de adoecimento por doenças oportunistas(15). Ser HIV positivo é considerado um potente risco para o desenvolvimento da TB, uma vez que aumenta a chance de ativação do bacilo Mycobacterium tuberculosis latente e por induzir rápida progressão da doença e reinfecções(16).

Referente ao tratamento, ainda que sem significância estatística entre uso de droga e resistência ao tuberculostático, a frequência de indivíduos que apresentam resistência a fármacos de primeira linha era maior entre usuários de ópio, heroína e crack, configurando 19,5% de 944 entrevistados(17). Com isso, percebe-se que os usuários dessas drogas têm maior risco para contrair a doença, e, possivelmente, poderão ter dificuldades relativas ao tratamento.

Um estudo de caráter informativo para a classe médica concluiu, com base em resultados semelhantes aos apresentados anteriormente, que o profissional deve atentar em sua rotina diária para as diversas manifestações clínicas de complicações pulmonares que podem ser influenciadas pelo método de administração da droga, pela dosagem, bem como pela presença de substâncias associadas, e define a faixa de jovens como principal alvo de atenção, já que a apresentação clínica clássica é mais comum entre crianças e jovens adultos(17).

Perfil e comportamento dos usuários de crack acometidos pela tuberculose

Em diversos países, como a Inglaterra e os Estados Unidos da América, os usuários geralmente são homens adultos jovens(16) e com complicados fatores sociais, como pobreza e baixa escolaridade(18) .Quanto ao tipo de droga aparecem o crack, a heroína e o ópio, e ainda o uso associado das mesmas(19). Esses achados são semelhantes a estudos brasileiros que indicam que os usuários de crack, em sua maioria, são jovens, de baixa renda e do sexo masculino(20-21). Esses dados conectam os usuários de drogas à realidade da TB, doença que acomete populações principalmente de classes econômicas baixas, considerando que essa doença ainda se apresenta como grave problema social e de saúde(22).

Identificou-se que os usuários de drogas acometidos pela TB possuem tempo maior de busca por um serviço de saúde quando comparado com não usuários de drogas(16). Isso pode ser atribuído à prejudicada autopercepção dos sintomas; ou para decidir procurar um serviço de saúde, seja por medo de represália ou pelo estigma; ou por viverem em países onde não há uma rede pública de atenção à saúde por falta de recursos monetários.

Após a entrada na rede de saúde, verifica-se que o diagnóstico é mais ágil em usuários quando comparado a não usuários(16), além disso, os não usuários de crack tendem a ter maior tempo entre diagnóstico e tratamento do que os usuários de crack(11). Um fator que pode repercutir nesse resultado é a suspeita ampliada em indivíduos considerados com maior risco de contrair a TB, ou, ainda, a desvalorização da tosse ou não suspeita da doença devido ao despreparo dos profissionais(23).

Além disso, um estudo verificou que é estatisticamente significativa a relação entre o uso de crack e a procura por tratamento em serviços de emergência(11). Provavelmente devido ao agravamento da doença nos usuários de drogas, já que levam maior tempo para procurar algum serviço de saúde, ocasionado por diversos fatores como os sociais, econômicos e pela autopercepção prejudicada em decorrência do uso da droga. Além disso, quando os usuários de crack necessitam de cuidados de saúde preferem a internação e possuem pouca adesão na fase posterior, ambulatorial(24).

Outro estudo com essa população demonstrou, ao acompanhar um caso de TB, que esse deixava um rastro de propagação da doença em decorrência da circulação por diferentes ambientes, e foi constatado que isso está associado à falta de acesso a serviços de saúde, ao abandono de tratamento, ao ambiente e ao próprio consumo da droga e à população sem teto(10).

Além da circulação por diferentes ambientes, chama a atenção na literatura outro comportamento de usuários de drogas que propaga a TB, a prática de shotgun. Shotgunning que é uma forma de fumar a droga em que a "fumaça" aspirada por um usuário é passada "boca a boca" para o outro usuário. Essa é uma prática frequente entre os usuários de crack e com grande potencial de transmissão de patógenos respiratórios como o agente causador da TB, o bacilo de Koch(19). Essa prática pode ser considerada como uma forma de uso de drogas com laços estreitos com os comportamentos sexuais, motivada tanto pragmaticamente como por relações interpessoais, o que, segundo o autor, ao serem combinadas em um mesmo fenômeno amplia o risco potencial direta e indiretamente de transmissão de doenças por vias sexuais, sanguíneas e respiratórias(25).

Em 1997, um estudo mostrou a frequência de shotgunning por tipo de droga e a associação com o perfil do usuário em indivíduos com TB, identificando que 59 entrevistados relataram shotgunning enquanto fumam crack (68%), maconha (41%), ou heroína (2%), ao verificar a associação, a análise multivariada revelou que beber até se embriagar (OR 2.2, IC 95% 1,1-4,3), ter se engajado em sexo de alto risco (OR 2,6, IC 95% 1,04-6,7) e uso de crack (OR 6.0,IC 95% 3,0-12) foram independentemente associados com essa prática(19).

Esses indicadores revelam a necessidade de orientação sobre os riscos do shotgunning e a constante necessidade de intervenção e controle sobre a TB entre os usuários de drogas, visto que o uso e a negligência com o autocuidado ampliam a vulnerabilidade dessa população.

Em estudo específico sobre essa prática, concluiu-se que é necessário avaliar e desenvolver possíveis intervenções de redução de risco global, que considerem a relação entre os comportamentos interpessoais e sexuais e as formas específicas de uso de drogas(25).

Estratégias de saúde para controle da tuberculose em usuários de crack

Alguns estudos estão focados no desenvolvimento de estratégias para ampliar o diagnóstico de TB em usuários de drogas(26), para aumentar os cuidados a usuários de crack(18) e para expandir o número de contatos de usuários de drogas avaliados(27). Destaca-se que todos os estudos que trabalham com testes de ações para controle da TB, em usuários de drogas, referem como necessidade aumentar os investimentos financeiros para o combate da doença.

Em estudo nos EUA, em 1998, investigou-se o retorno para leitura do PPD de 1.004 usuários de drogas divididos aleatoriamente em três grupos com diferentes incentivos financeiros, verificando que 90% das pessoas que receberam US$10 retornaram para leitura do teste de pele, em comparação com 85% dos que receberam US$5 e 33% daqueles que não receberam nenhum incentivo monetário; demonstrando que o incentivo monetário nessa população pode ajudar no diagnóstico da TB. O mesmo estudo aplicou sessões de educação em saúde durante aplicação do teste de pele, embora tenha identificado que essa ação não teve impacto no retorno dos usuários para a leitura do PPD(26).

Uma vez diagnosticados, é necessário garantir a adesão ao tratamento, que implica no usuário segui-lo corretamente, isso requer fornecer aos usuários de drogas algumas alternativas para facilitar esse processo. Em Londres, foi sugerida a adição de metadona ao tratamento da TB para os etilistas, entretanto, reconhece-se que a medida de adição de fármaco toxicodependente não funciona para usuários de crack, que ainda não possuem um substituto. O mesmo autor diz que a triagem obrigatória ao entrar em abrigos é uma possibilidade e lamenta que, no Reino Unido, ainda sejam escassos os cuidados fornecidos de enfermagem e de supervisão ao tratamento(18).

No Brasil, a atuação das equipes de Saúde da Família deveriam garantir o acompanhamento dos doentes de TB de seu território, principalmente àqueles com maior risco de abandono, como usuários de crack e outras drogas, essa prática de supervisão de tratamento poderia diminuir a taxa de abandono nessa população(4). No entanto, diversas fragilidades na infraestrutura e na organização desses serviços podem dificultar o acompanhamento efetivo de usuários de drogas em tratamento para a TB.

Outro momento que requer um olhar atento é na identificação dos contatos do doente de TB, ainda mais quando se trata de um usuário de droga que, frequentemente, percorre um trajeto extenso para busca ou para o consumo da droga. Diante disso, um estudo verificou o risco relativo de TB entre os contatos nomeados pelo usuário e os contatos observados pela equipe de saúde, verificando que, em comparação com os contatos nomeados, os contatos observados tiveram 8 vezes mais chances de ter resultados positivos no teste cutâneo (RR=7,8; IC 95% = 3,8-16,1). Com isso, os autores consideraram que buscar e testar os contatos observados pode fornecer rendimento mais elevado do que o nomear tradicional dos contatos quando se trata de usuários de drogas ilícitas, ou indivíduos que frequentam locais caracterizados pelo uso de drogas ilícitas(27).

 

Considerações Finais

Identificou-se que nas bases de dados consultadas ainda é escasso o número de publicações disponíveis referentes ao uso de crack e seu favorecimento na ocorrência da TB, o que está em desacordo com a situação epidemiológica e de saúde pública atual. Além disso, as publicações estão voltadas para o perfil do usuário de crack com TB e pouco há sobre o comportamento desses indivíduos quanto aos padrões de uso da droga, repercussões psicológicas, sociais e no tratamento da TB para essa população específica. Ainda menor é o número de artigos sobre as estratégias atuais desenvolvidas para essa população no controle da TB, havendo pouca repercussão nas sugestões propostas por esses estudos, em decorrência das exigências monetárias que arrolam essas estratégias. Quanto à relação clínica entre a TB e o uso de crack há diversos aspectos de relação entre a doença e o consumo da droga, reforçando a associação entre os mesmos.

Faz-se necessário desenvolver estudos que contemplem o comportamento dos usuários para melhor compreender esses indivíduos e assim poder partir para o planejamento de estratégias de intervenção para o controle da TB, considerando as especificidades de cada sujeito.

Acredita-se que a atuação dos profissionais de saúde, por meio do acolhimento e estratégias para reduzir danos à saúde, poderia propiciar resultados favoráveis para os usuários de crack, estimulando o autocuidado à saúde e promovendo melhorias na qualidade de vida.

 

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Correspondence
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Received: Oct. 22nd 2012
Accepted: Mar. 5th 2013