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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versión On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.9 no.2 Ribeirão Preto ago. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Saúde Mental no Sistema Único de Saúde: mapeamento das contribuições dos Centros de Atenção Psicossocial

 

Salud Mental en el Sistema Único de Salud: Identificación de las Contribuciones de los Centros de Atención Psicosocial

 

 

Geysa Cristina Marcelino NascimentoI; Fabio Scorsolini-CominII; Rodrigo Sanches PeresIII

IAluna do curso de graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberlândia, MG, Brasil
IIPhD, Professor Adjunto, Departamento de Psicologia, Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberlândia, MG, Brasil
IIIPhD, Professor Adjunto, Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo teve como objetivo apresentar uma revisão da literatura científica sobre os Centros de Atenção Psicossocial. Por meio de uma busca nas bases de dados LILACS, SciELO-Brasil e PePSIC, foram recuperados 10 artigos. Tais artigos, em linhas gerais, revelam que os Centros de Atenção Psicossocial vêm prestando contribuições essenciais para a consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Predominam estudos qualitativos realizados com usuários, profissionais de saúde e familiares. Alguns dos desafios a serem superados se referem à necessidade de maior articulação da saúde mental com a atenção básica, além do estabelecimento de relações colaborativas entre usuários e profissionais de saúde, sendo que, para tanto, a execução de processos avaliativos e a qualificação desses profissionais revelam-se essenciais.

Descritores: Serviços de Saúde Mental; Saúde Mental; Sistema Único de Saúde; Políticas Públicas.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar una revisión de la literatura científica sobre los Centros de Atención Psicosocial (CAPS). Por medio de una busca en las bases de datos LILACS, SciELO-Brasil y PePSIC, fueron recobrados 10 artículos. Tales artículos, en líneas generales, revelan que los CAPS vienen prestando contribuciones esenciales para la consolidación de la Reforma Psiquiátrica en Brasil. Predominan estudios cualitativos realizados con usuarios, profesionales de salud y familiares. Algunos de los desafíos a ser superados se refieren a la necesidad de mayor articulación de la salud mental con la atención básica, además del establecimiento de relaciones colaborativas entre usuarios y profesionales de salud, siendo que, para tanto, la ejecución de procesos de evaluación y la calificación de eses profesionales se revelan esenciales.

Descriptores: Servicios de Salud Mental; Salud Mental; Sistema Único de Salud; Políticas Públicas.


 

 

Introdução

As atuais políticas públicas de saúde não podem ser discutidas sem uma breve incursão histórica. Deve-se destacar, nesse sentido, que a VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em março de 1986, representou um marco para o estabelecimento dos princípios da Reforma Sanitária brasileira. Houve, na época, intensa mobilização de partidos políticos, sindicatos, entidades de classe, grupos representativos de estratos da população, associações de categorias profissionais da saúde e representação de trabalhadores em prol de uma ampliação do conceito de saúde e da definição das ações institucionais correspondentes(1). Assim, em 1987, foi criado o Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde nos Estados (Suds), o qual originou, no ano seguinte, o Sistema Único de Saúde (SUS).

A Constituição Federal de 1988 estabelece, com a implementação do SUS, que a saúde é direito de todos e dever de Estado. O acesso aos serviços de saúde, portanto, deve ser universal, gratuito e público. A integralidade, a equidade e a descentralização foram definidas como os princípios doutrinários do SUS, visando compreender cada cidadão como um ser único que necessita de cuidados particulares. A observância desses princípios é realizada socialmente pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde, os quais contam com a participação de usuários, trabalhadores, prestadores, organizações da sociedade civil e instituições formadoras(2).

O SUS tem o mérito de valorizar a prevenção e a promoção da saúde, buscando reduzir a probabilidade de que certas doenças afetem uma determinada população e capacitando indivíduos e comunidades para aumentar o controle sobre determinantes da saúde, a partir do envolvimento de componentes políticos e educacionais em uma dimensão ampla de significados e sistemas que se articulam. O SUS ainda trouxe avanços importantes para a saúde pública ao estabelecer a descentralização como um de seus princípios organizativos. Contudo, entre os entraves para a descentralização ainda se destacam a ausência de uma reforma tributária, de uma política efetiva na área de medicamentos e equipamentos, de uma transformação das universidades e da participação popular nesse processo(3).

O SUS representou importantíssima vitória do movimento pela Reforma Sanitária, mas ainda busca se consolidar como política de Estado ancorada em bases sociais sólidas(4). Expressivos avanços foram alcançados, apesar das ameaças que se estabelecem com as privatizações da assistência em saúde. Como destacam diversos autores, faz-se necessária a elaboração de leis complementares e ordinárias para detalhar e disciplinar princípios e diretrizes constitucionais, abrindo-se a possibilidade de constantes diálogos entre equipes, governo e sociedade na construção de políticas públicas que atendam aos anseios e às necessidades da população(5-8).

Um dos desafios que se impõem ao SUS na atualidade é a efetiva implementação da Reforma Psiquiátrica, consolidada com a Lei nº10.216/2001. Ocorre que a Reforma Psiquiátrica garante a atenção integral à saúde aos usuários de serviços de saúde mental por meio da estruturação de serviços de base comunitária que devem ser configurados em redes assistenciais capazes de – em consonância com os princípios da Reforma Sanitária – observarem a equidade no atendimento e promover a reinserção social. Dentre esses serviços, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), regulamentados em 2002, ocupam um lugar central. Em 2010, vinte e três anos após a implantação do primeiro Caps, o país registrou 1.541 Caps espalhados pelo território nacional(9).

Os Caps integram a rede do SUS e desempenham função estratégica no âmbito da assistência em saúde mental, enquanto serviços de base comunitária voltados à reabilitação psicossocial. Podem receber assistência nos Caps todas as pessoas que apresentam algum transtorno mental que justifique cuidados intensivos. Afinal, os Caps têm como objetivo oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários(1-2).

Os Caps, desse modo, foram criados na perspectiva de substituição do modelo hospitalocêntrico tradicional. Para tanto, proporcionam um ambiente continente e estruturado, no qual são essenciais consultórios para atendimentos individuais, salas para atividades em grupo, área de convivência, oficinas, refeitório, sanitários e área externa para diversas atividades de recreação e esporte(10). Além disso, os Caps devem ser inseridos nos bairros, buscando, assim, colaborar com a readaptação dos usuários à sociedade. Por essa razão, funcionam em área física específica e independente de qualquer estrutura hospitalar, muitas vezes em imóveis anteriormente utilizados como residências.

Para ser atendida em um Caps, uma pessoa pode ter passado ou não por internação psiquiátrica. O início do atendimento se dá a partir de demanda espontânea ou encaminhamento realizado pela Estratégia de Saúde da Família e/ou qualquer outro serviço de saúde(11). A pessoa deve simplesmente procurar o Caps mais próximo à sua região e, assim, receberá um acolhimento inicial, a fim de que se possa compreender em que consiste o seu sofrimento psíquico e consolidar o vínculo terapêutico com o profissional de saúde responsável. Em um momento posterior, ocorre a definição do projeto terapêutico, o qual é necessariamente personalizado face às particularidades de cada usuário.

Os Caps devem buscar integração permanente com as equipes da rede básica de saúde em seu território, pois têm papel fundamental no acompanhamento, na capacitação e no apoio para o trabalho junto a pessoas com transtornos mentais(12-14). A rede básica de saúde, vale destacar, constitui-se tanto pelos centros ou unidades de saúde locais e/ou regionais quanto pelas equipes de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde que atuam na área de abrangência. Essas equipes possuem a responsabilidade pela atenção à saúde da população daquele território(5,15-16).

Buscando maior articulação entre as políticas públicas de direitos humanos e saúde mental, o Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Direitos Humanos assinaram, em maio de 2006, a Portaria Interministerial nº1.055, que instituiu um grupo de trabalho destinado a viabilizar a constituição de um Núcleo Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental(1). Nota-se, portanto, que a Reforma Psiquiátrica ainda envolve a exploração de diversas frentes de trabalho. De qualquer forma, as ações desenvolvidas em boa parte dos Caps – em parceria com outros dispositivos extra-hospitalares, tais como os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) – têm promovido uma série de benefícios aos usuários, dentre os quais se destacam a diminuição de internações e a obtenção de maior autonomia e de melhor qualidade de vida(17). Embora tenha havido avanços na área de saúde mental, destaca-se que a mudança do antigo paradigma manicomial para o modelo de atendimento psiquiátrico comunitário não tem sido uma transição simples e nem sempre é apoiada integralmente por pacientes e seus familiares ou profissionais de saúde(18).

Logo, faz-se necessária a continuidade e o aperfeiçoamento desse trabalho, visando a efetiva aproximação dos portadores de transtornos mentais com a comunidade, na perspectiva de um compartilhamento de responsabilidades entre todos os atores sociais envolvidos nesse processo. Afinal, a descentralização do cuidado é essencial para a mudança de enfoque da doença mental para a saúde mental(19). Mapear o conhecimento acumulado até o momento, a respeito do assunto, se afigura como uma iniciativa de grande relevância para superação desse desafio. Partindo desse princípio, este estudo teve por objetivo apresentar uma revisão da literatura científica nacional sobre os Centros de Atenção Psicossocial.

 

Materiais e métodos

Tipo de estudo

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura científica. Esse tipo de estudo contribui para a ampliação do conhecimento existente, a partir de constatações acerca dos limites das pesquisas já realizadas e permite que sejam identificadas lacunas e tendências na produção científica sobre a temática(20). A fim de se obter resultados significativos, é importante iniciar a revisão com um levantamento das temáticas, estabelecer critérios para inclusão e/ou exclusão das pesquisas, análise e interpretação dos achados reportados e, por fim, a apresentação da revisão propriamente dita. Um dos pontos centrais de uma revisão é o processo de escolha das pesquisas que serão recuperadas, analisadas e discutidas, o qual envolve a definição de parâmetros sistemáticos, buscando-se favorecer uma leitura crítica de todo o material encontrado.

Bases consultadas

Foram consultadas as bases de dados Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Eletronic Library OnLine - Brasil (SciELO-Brasil) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), a partir do recurso aos seguintes descritores: CAPS, saúde mental e SUS.

Critérios de inclusão

Foram incluídos apenas artigos publicados entre 2000 e 2012, redigidos em língua portuguesa e cuja temática fosse compatível com o escopo do presente estudo.

Critérios de exclusão

Foram excluídos artigos anteriores a 2000 ou publicados em idiomas diferentes do português, assim como livros, capítulos, resenhas, notícias, monografias, dissertações e teses. A exclusão de publicações desse tipo se justifica tendo em vista que as mesmas, em contraste com os artigos, nem sempre passam por um processo rigoroso de avaliação por pares. Além disso, foram excluídos artigos que mencionavam os Caps e o SUS apenas de modo tangencial ou não os relacionando. Foram excluídos, por fim, artigos cuja temática não se relacionava diretamente à saúde mental.

Procedimento de coleta e análise dos dados

Após o levantamento inicial, os resumos localizados a partir da utilização dos referidos descritores – isoladamente ou combinados – foram lidos e analisados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão definidos. Os artigos selecionados, a partir desse procedimento inicial, foram recuperados e analisados na íntegra. A partir da leitura integral dos mesmos, uma nova seleção, mais detalhada, foi realizada, tendo culminado com a exclusão de alguns artigos. Foi feito, então, o fichamento dos artigos selecionados a partir desse procedimento complementar, a fim de organizar os dados nas seguintes categorias: título, autores, instituição dos autores, país de origem, tipo de estudo, objetivo geral, objetivo específico, participantes e principais resultados. Com base nessa organização, procedeu-se uma nova leitura do conjunto do material, visando delinear os pontos mais relevantes de cada artigo e construir eixos de análise comparativa.

 

Resultados e discussão

Os resultados obtidos a partir das buscas estão sistematizados na Tabela 1, a qual revela que, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram recuperados apenas 10 artigos. Desses, seis são estudos empíricos de natureza qualitativa e quatro são estudos teóricos, ambos de origem brasileira. O predomínio dos estudos qualitativos entre aqueles dedicados à temática já havia sido pontuado(21). Deve-se esclarecer que a drástica redução do número de artigos recuperados em relação ao número de publicações encontradas deveu-se ao emprego de critérios de inclusão/exclusão capazes de garantir que seriam contemplados, na revisão, apenas os artigos que abordassem tanto o Caps quanto o SUS. Foram excluídos, portanto, artigos que não os relacionavam de modo crítico. A identificação dos artigos recuperados está detalhada na Figura 1.

Os artigos recuperados abordam, em última instância, questões referentes à assistência oferecida nos Caps não apenas aos usuários, mas também a seus familiares e/ou cuidadores. Os objetivos de cada um deles estão organizados na Figura 2. Constata-se, assim, que houve diversidade em relação a esse aspecto, uma vez que foram contempladas desde as representações sobre transtornos mentais(22), tratamentos psiquiátricos(23) e exclusão/inclusão social(24), até a implementação do Apoio Matricial enquanto estratégia para a regulação do fluxo da demanda em saúde mental(25) e o instrumental metodológico passível de utilização em processos avaliativos(26).

Em estudo semelhante, com foco na produção em saúde(21), os objetivos mais frequentes foram os seguintes: análise e avaliação da proposta assistencial em saúde mental do Caps, análise dos profissionais de saúde mental e suas expectativas quanto aos serviços, análise das práticas do Caps, identificação das relações estabelecidas entre familiares, usuários e Caps e identificação da visão do usuário quanto à doença, o tratamento e o Caps. Desse modo, os achados do referido estudo guardam similaridade com aqueles da presente revisão, sendo que as principais fontes de evidência observadas na área são os discursos de profissionais, usuários e familiares.

Os principais resultados reportados nos artigos recuperados estão sumarizados na Figura 3. Constata-se, com base nesses resultados, que os Caps vêm prestando contribuições essenciais para a consolidação da Reforma Psiquiátrica ao promover a inclusão social, na medida em que oferecem modalidades assistenciais que representam alternativas às internações psiquiátricas(24,27). Alguns dos desafios a serem superados referem-se à existência de certas instabilidades políticas(28) e à necessidade de maior articulação da saúde mental com a atenção básica(29), sendo que, para tanto, a execução de processos avaliativos(30) e a qualificação dos profissionais de saúde revelam-se essenciais(31).

A importância da família no tratamento e na qualidade de vida dos usuários foi destacada nas produções, em consonância com outros estudos(32), também com referência ao tratamento clínico(33). Em outra revisão(21), foi destacada a necessidade de mais pesquisas sobre as relações entre os familiares e a pessoa com transtorno mental. Além disso, a necessidade de maior articulação com a atenção básica(29) e o estabelecimento de relações colaborativas entre profissionais e usuários em busca da negociação sobre a modalidade de atendimento(34) oferecida podem inspirar práticas mais alinhadas com os pressupostos do SUS.

É preciso, também, viabilizar o funcionamento do SUS como uma rede cujas portas de entrada territorial, no que se refere à saúde mental, seriam, ao menos em tese, os Caps(19). Na constituição dessa rede têm lugar tanto outros serviços de saúde – a exemplo dos SRT(17) – quanto associações de bairro, centros culturais e esportivos e igrejas, ou seja, todos os cenários do território. Além disso, autores alertam que a saúde mental deve ser organizada de modo a evitar a fragmentação do cuidado, o que demanda a execução de ações que demonstrem coerência entre princípios e conceitos nos diversos cenários da saúde pública(18,35).

Como já mencionado, diversos autores(5-8) ainda destacam a necessidade de leis complementares – tais como a Portaria Interministerial nº1.055 – para que se cumpram as normatizações do SUS e da Reforma Psiquiátrica. Ademais, parece oportuno salientar que o SUS é permeado por contradições que ameaçam suas bases(4), na medida em que no Brasil, assim como nos demais países capitalistas, a saúde vem progressivamente se tornando uma valiosa mercadoria. Tais contradições certamente podem exercer influência no trabalho realizado nos Caps em todo o país, o que fomenta a necessidade de um atendimento psicossocial que recupere os valores da comunidade, da família e da identidade do sujeito adoecido(33). Tais pressupostos são abordados em todos os artigos recuperados(24,26).

Um dos caminhos que se apresentam à reversão desse cenário é aquele que destaca a efetivação da ESF enquanto ferramenta para a consolidação do SUS: o estabelecimento de diálogos transformadores no âmbito das equipes, os quais podem se multiplicar de modo polifônico pela comunidade em consonância com o princípio da corresponsabilidade(15). Afinal, as equipes dos Caps devem atuar de forma interdisciplinar, buscando, assim, compreensão mais ampla das demandas apresentadas pelos usuários, até porque, necessariamente, irão interagir com as equipes de atenção básica do território(10).

Cumpre assinalar, por fim, que a apreciação dos artigos recuperados nesta revisão sugere a necessidade de novos estudos voltados ao desenvolvimento de modalidades assistenciais inovadoras na perspectiva da clínica ampliada. Modalidades dessa natureza poderiam acrescentar em relação àquelas já oferecidas tradicionalmente nos Caps, tais como as oficinas terapêuticas em suas diversas vertentes, desde a expressão (corporal, verbal, musical, entre outros) até a geração de renda ou a alfabetização. Contudo, vale lembrar que os projetos terapêuticos devem ser sempre individualizados, de modo a respeitar as particularidades dos usuários(4).

A propósito: uma pesquisa realizada com mais de 300 psicólogos vinculados a Caps de diversas regiões do país elenca algumas modalidades assistenciais que, segundo a concepção dos participantes, podem ser consideradas inovadoras. Dentre elas, pode-se citar tanto a oferta de cursos de informática voltados à inclusão digital dos usuários quanto à prática de acompanhamento terapêutico com o intuito de dinamizar a integração dos mesmos ao meio social(36). Modalidades assistenciais como essas são capazes de ampliar a interlocução dos Caps com a comunidade e podem ser objeto de pesquisas futuras. No entanto, tais estratégias devem ser colocadas em prática tendo em mente que devem se articular no sentido de ampliar o diálogo entre pacientes, profissionais de saúde mental e familiares dos pacientes(9), a fim de que os Caps não reproduzam modelos anteriores de atendimentos fragmentados e sem interface com o contexto social, histórico, econômico, político e cultural que se encerram nas propostas na área de saúde mental.

É fundamental que os estudos partam do pressuposto de que as políticas públicas de saúde ainda se encontram em processo de revisão(9,21), de modo que novos achados podem disparar a adoção de diferentes posicionamentos e de maior aperfeiçoamento nas práticas em saúde mental, notadamente nos Caps. Desse modo, os Caps e o SUS devem ser inseridos na mesma discussão e devem ser refletidos de modo integrado, proporcionando a construção de uma agenda de estudo, avaliação e atualização permanente. Como apresentado, tal discussão deve estar também articulada à atenção básica(11,25,29,34,37) em busca da construção de modelos de atendimento mais colaborativos e que atendam aos pressupostos de uma atenção psicossocial, democrática e potencializadora de práticas mais adequadas em saúde, como preconizado no SUS.

 

Conclusão

Os artigos recuperados nesta revisão fornecem indicadores para a demarcação de alguns alcances e limites não apenas dos Caps, mas também do SUS. Parte dos limites é determinada pela influência do neoliberalismo nas políticas públicas de saúde no país, sendo necessários, portanto, constantes investimentos, não apenas financeiros, mas, sobretudo, mudanças que superam uma reforma administrativa e financeira e demandam transformações mais profundas. A saúde, para além da clássica definição trazida nos documentos oficiais e proclamada como palavra de ordem, deve realmente constituir um direito, sendo garantidas pelo Estado condições de vida e de acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis.

Já os alcances dos Caps se tornam evidentes a partir da constatação de que seus usuários se beneficiam, sobretudo da dialogicidade da relação terapêutica que se estabelece por meio de diversas modalidades assistenciais oferecidas e do fomento ao exercício da cidadania, promovido em função da continuidade do cuidado na perspectiva da desinstitucionalização. Porém, tais benefícios devem ser avaliados de modo mais aprofundado, o que demanda a realização de novos estudos – desenvolvidos a partir do emprego de abordagens teórico-metodológicas mais diversificadas – capazes de lançar olhares plurais para a questão da saúde mental no SUS.

A partir dos resultados da presente revisão e em consonância com a produção resgatada em outros estudos, deve-se abrir espaço para projetos desenvolvidos fora do eixo Sul e Sudeste do país, a fim de que novas experiências sejam cotejadas em termos de suas limitações e avanços. A necessidade de constante avaliação dos Caps e das políticas do SUS é premente para a construção e acompanhamento de políticas públicas de saúde que atendam as perspectivas de um atendimento mais democrático, dialógico e que leve em consideração o contexto e suas relações comunitárias de modo a fomentar transformações nos modos de cuidar, acolher, problematizar e compreender a saúde mental.

 

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Correspondence
Fabio Scorsolini-Comin
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais
Departamento de Psicologia
Av. Getúlio Guaritá, 159
Bairro: Nossa Senhora da Abadia
CEP: 38025-440, Uberaba, MG, Brasil
E-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br

Received: Jan. 7th 2013
Accepted: Apr. 5th 2013