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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versión On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.10 no.1 Ribeirão Preto abr. 2014

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v10i1p-3-10 

ARTIGO ORIGINAL

DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v10i1p-3-10

 

Consumo de álcool e os resultados no controle metabólico em indivíduos com diabetes, antes e após a participação em um processo educativo

 

 

Gabriela Marsola OlivattoI; Vívian Saraiva VerasII; Gabriel Guidorizzi ZanettiIII; Ana Carolina Guidorizzi ZanettiIV; Francisco Guilherme Ribeiro RuizV; Carla Regina de Souza TeixeiraVI

IAluna do curso de graduação em Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIPhD, Professor Assistente, Centro Universitário Estácio do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
IIIEducador Físico, Academia da Força Aérea, Força Aérea Brasileira, Pirassununga, SP, Brasil
IVPhD, Professor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
VEnfermeiro
VIPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar o consumo de álcool e controle metabólico de pessoas com diabetes, antes e após processo educativo. Participaram 37 pessoas com diabetes, em duas Unidades Básicas de Saúde de Ribeirão Preto, SP. A coleta de dados ocorreu de agosto a dezembro de 2011. Predominou o sexo feminino, diabetes tipo 2 e tempo médio de doença de 14 anos. O consumo de álcool predominante foi de baixo risco antes e após o processo educativo, com pequena redução de 0,13 no escore médio do AUDIT, e discreta redução de 0,20% nos valores da hemoglobina glicada, sem significância estatística. Dessa forma, fica evidente a necessidade de outros estudos que abordem o consumo de álcool integrado ao processo educativo.

Descritores: Diabetes Mellitus; Enfermagem; Alcoolismo; Educação em Saúde.


 

INTRODUÇÃO

O Diabetes Mellitus (DM) é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que apresentam em comum a hiperglicemia. Essa hiperglicemia é o resultado de defeitos na ação da insulina, na secreção de insulina ou em ambos. O número de indivíduos com diabetes está aumentando devido ao crescimento e ao envelhecimento populacional, à maior urbanização, à crescente prevalência de obesidade e ao sedentarismo, bem como à maior sobrevida da pessoa com DM(1).

A base do tratamento do diabetes mellitus passa pela educação do indivíduo, tendo como objetivo fazer com que esse tome decisões efetivas para seu autocuidado e, em longo prazo, pretende-se reduzir ou prevenir as complicações crônicas(1). Dessa maneira, a educação continuada em diabetes implica em mudanças importantes de comportamento dos indivíduos, como esquemas terapêuticos farmacológicos, automonitorização da glicemia capilar, alterações nos padrões dietéticos, a partir de reeducação alimentar, e realização de atividades físicas programadas e informações acerca da prevenção e tratamento das complicações crônicas e agudas, no sentido de manter os níveis glicêmicos dentro dos parâmetros normais(2).

A abordagem educativa deve apreender também os aspectos subjetivos e emocionais que influenciam na adesão ao tratamento e no autocuidado. Enfim, é fundamental que a educação em saúde leve em consideração a realidade e a vivência dos indivíduos(3). A forma e a maneira com que os indivíduos com diabetes reagem diante da doença interferem direta e indiretamente no desempenho dos papéis de autocuidado, cabendo ao enfermeiro o papel de mediador da relação entre a reação emocional e o desempenho das ações de autocuidado(4). Essas reações emocionais diante da condição crônica do diabetes podem contribuir para outra questão que tem influenciado na adesão ao tratamento e nas atividades de autocuidado, concomitantemente ao não uso de antidiabéticos orais e omissões de doses de insulina, que é o consumo de álcool.

Um conjunto de expectativas surge paralelamente ao consumo de álcool. Essas expectativas influenciam a decisão de beber, como a de recompensa ou prazer, a remoção de algum desconforto ou sofrimento, fuga, entretenimento, relaxamento e desinibição. Ainda, as expectativas de confiança e bem-estar podem ser confirmadas pela experiência com o álcool e fortalecer as expectativas previamente existentes(5).

São poucos e relativamente novos os estudos correlacionando o consumo de álcool e incidência de diabetes, porém, a importância dessa relação vem aumentando, principalmente por se tratar de uma doença que está alcançando valores de epidemia mundial e o alcoolismo que há muitos anos é um enorme problema de saúde pública(6). O álcool etílico ou etanol é uma droga psicodepressora de caráter sedante e hipnótico, cujo consumo, altamente generalizado e até incentivado em nossa sociedade, faz com que seja parte obrigatória de muitas relações sociais, existindo enorme permissividade social em relação ao álcool. Esse é um dos motivos pelo qual ele é encarado de forma diferenciada, quando comparado com as demais drogas. O consumo de álcool pode ser advindo do estilo de vida atual, dos elevados níveis de estresse, de ansiedade, de baixa autoestima e sentimentos depressivos(7).

O II Levantamento domiciliar do Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicoativas (CEBRID), realizado nas 108 maiores cidades do país, mostrou que a prevalência de uso de álcool foi de 74,6% e a estimativa de pacientes dependentes foi de 12,3% para álcool(8). Em relação às pessoas com diabetes, a taxa do uso de álcool foi de 50,8% por adultos com diabetes, em um estudo que teve como objetivo associar o consumo de álcool com a adesão ao autocuidado em pessoas com diabetes, realizado no Kaiser Permanente Northern, Califórnia. Concluiu-se que tal consumo é um marcador de baixa adesão ao tratamento em diabetes, mesmo em pessoas com consumo moderado de álcool(9).

Muitos profissionais referem não investigar o uso de álcool por pessoas, por não saberem lidar com o problema, ou por não conhecerem instrumentos rápidos de rastreamento, ou, ainda, por não terem refletido sobre a influência do uso problemático do álcool na saúde do indivíduo(10-11). Comprova-se que o declínio nos níveis de hemoglobina glicada é estatisticamente significativo. Assim como o declínio da glicemia de jejum, do colesterol total, da pressão arterial sistólica, do peso corporal e da razão cintura/quadril. Por outro lado, conclui-se que a eficácia das intervenções educativas, em se tratando da adesão ao tratamento do DM carece de clarificação e deve ser estudada mais profundamente(12). Nesse contexto, verifica-se a importância de se analisar o consumo de álcool e os resultados no controle metabólico nos indivíduos com diabetes, antes e após a participação em um processo educativo.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional, longitudinal, comparativo do tipo antes e depois, com utilização de estratégias de coleta e análise de dados quantitativo, realizado no período de agosto de 2011 a julho de 2012.

Os locais do estudo foram duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Distrito Oeste da Secretaria Municipal de Saúde, RP – UBS Dr. Sérgio Botelho da Costa Moraes (UBS Jardim Presidente Dutra) e UBS Dr.Alberto Teixeira Andrade (UBS Vila Recreio). Os sujeitos foram os 52 usuários com DM, em seguimento no Programa de Automonitorização da Glicemia Capilar no domicílio, que participaram do grupo educativo.

Os critérios de inclusão foram possuir DM, acima de 18 anos de idade, de ambos os sexos, em seguimento no Programa de Automonitorização da Glicemia Capilar no domicílio na UBS Jardim Presidente Dutra e UBS Vila Recreio, que apresentassem condições cognitivas, possibilitando, assim, a participação, com habilidade mínima de entendimento das questões dos instrumentos de coleta de dados, e que participassem do grupo educativo. Dessa forma, 6 não concordaram em participar do estudo e 9 não completaram a segunda fase do estudo, e, dessa forma, 37 usuários com DM fizeram parte deste estudo.

Na coleta de dados, identificaram-se os sujeitos da pesquisa que atenderam os critérios de inclusão adotados para o presente estudo e a pesquisadora explicou os objetivos da pesquisa, solicitando a sua participação. Os dados foram obtidos por meio da técnica de entrevista dirigida, em tempo estimado de 10 minutos, pela pesquisadora, e foram registrados manualmente nos instrumentos de coleta de dados, antes das atividades grupais.

O instrumento de coleta de dados foi composto por duas partes. A primeira com 7 questões relacionadas às variáveis sociodemográficas e com 5 questões relacionadas às variáveis clínicas. A segunda constou do instrumento AUDIT – Alcohol Use Disorder Identification Test(11).

As variáveis sociodemográficas do estudo foram: sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda familiar, ocupação. As variáveis clínicas tempo de diagnóstico, tratamento utilizado, comorbidades e a Hemoglobina Glicada (A1c) – foi considerado como bom controle metabólico o indivíduo que apresentasse A1c abaixo de 6,5%(1).

Vale destacar que o AUDIT é um instrumento de rastreamento, de uso de risco, uso nocivo ou dependência de álcool, está validado no Brasil, e avalia o padrão de consumo de álcool, sintomas de dependência e problemas relacionados ao uso de álcool(11).

De acordo com os resultados de um estudo com a finalidade de avaliar a confiabilidade e validade do AUDIT em pacientes com cuidados primários, obteve-se o índice de 0,85 para alfa de Cronbach. Foi concluído que o AUDIT é um questionário de rastreio confiável e um instrumento válido para a identificação de consumo de risco e indivíduos dependentes de álcool(13).

A coleta de dados foi realizada em 2 (duas) fases, no início do programa educativo, sendo caracterizado como P0 e, após o término do programa em 12 semanas, caracterizado como P5, descritos a seguir: 1ª FASE: foi avaliado o padrão de consumo de álcool e os resultados do controle metabólico em diabetes. Durante a execução do programa educativo, a análise dos instrumentos da 1ª fase foram apresentados e discutidos com a equipe que abordou, em suas intervenções, estratégias a fim de minimizar os déficits de autocuidado encontrados. Como, também, foram apresentados aos sujeitos da pesquisa durante cada tema educativo relacionado às questões de consumo de álcool e sua interferência na adesão ao tratamento medicamentoso, alimentação, práticas de exercício físico e monitorização da doença.

O programa educativo teve duração de 12 semanas, no período de agosto a dezembro de 2011. A ferramenta educacional utilizada foi o Mapa de Conversação TM que foi criado pela Healthy Interactions Inc (Chicago, Illinois) em colaboração com a Associação Americana de Diabetes e patrocinado pela Merck & Co. O uso dessa ferramenta de educação em grupo facilita a interação entre educadores e pessoas com DM, possibilita a mudança de atitudes da pessoa em relação ao diabetes mellitus, a melhoria da autoeficácia e aumento de resultados clínicos efetivos. O uso da ferramenta educacional Mapa de Conversação TM permite conversas significativas entre os pares. Difere dos grupos tradicionais, pois possibilita uma abordagem de grupo mais ativa e propicia que os participantes tracem metas de saúde pessoais viáveis. Na 2ª FASE foi avaliada a interferência e eficácia do grupo educativo interdisciplinar a respeito do padrão de consumo de álcool dos pacientes e o controle metabólico em diabetes.

A pesquisadora aplicou novamente os mesmos instrumentos previamente respondidos pelos sujeitos na primeira fase.

Os dados coletados foram organizados e digitados com construção do banco de dados com sua validação e dupla alimentação. O nível de significância estatística adotado foi de 5% (p<0,05). Na análise dos resultados utilizou-se o programa Statistical Analysis System(14). O projeto foi encaminhado para a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sob Protocolo nº014/2011.

 

RESULTADOS

No que diz respeito às variáveis sociodemográficas, destaca-se que, dos 37 participantes da pesquisa, houve o predomínio de 26 (70%) pessoas do sexo feminino; 10 (27%) possuíam de 55 a 59 anos e 10 (27%) de 65 a 69 anos; 29 (81%) casados ou em uma relação consensual; 14 (38%) possuíam o primário incompleto; 25 (68%) possuíam uma renda salarial de 3 a 5 salários-mínimos; 18 (49%) eram do lar; 27 (75%) com diabetes tipo 2; 13 (35%) realizavam o tratamento com antidiabético oral e com insulina; 9 (24%) possuíam, além da diabetes, hipertensão arterial e dislipidemias e 8 (22%) dos sujeitos apresentavam-se obesos, com hipertensão arterial e dislipidemias. A média do tempo de doença dos participantes era de 14 anos.

A Tabela 1 mostra os escores totais do AUDIT, onde 34 (91,9%) dos entrevistados obtiveram um escore de baixo risco, e 3 (8,1%) de uso de risco e, após o processo educativo, 33 (89,2%) das pessoas apresentaram escores de baixo risco e 4 (10,8%) com uso de risco, e 100% do consumo de risco foi observado no sexo masculino.

 

 

O aumento do valor no número de risco, explica-se pelo fato de o sujeito ter relatado na primeira entrevista, na questão "Algum parente, amigo ou médico já se preocupou com o fato de você beber ou sugeriu que você parasse?" que nunca havia se preocupado e que, após os cinco meses, um médico lhe fez essa sugestão. Nessa população, a prevalência do uso nocivo e de dependência foi zero.

A Tabela 2 mostra as questões que discorrem sobre o consumo de álcool antes do processo educativo. Destaca-se que 16 pessoas relataram que não faziam consumo algum de bebidas alcoólicas em nenhum momento. Antes do processo educativo, três pessoas relataram que a frequência que consumiam bebidas alcoólicas era de 4 ou mais vezes por semana. Já a Tabela 3 mostra as questões que discorrem sobre o consumo de álcool após o processo educativo e percebe-se que duas pessoas reduziram sua frequência para 2 a 3 vezes por semana. Aquela que manteve as 4 ou mais vezes por semana, ou mais, relatou que em suas doses, antes de 6 ou 7 doses consumidas, diminuiu para 4 ou 5 doses ao beber. E que também reduziu as 5 doses ou mais que consumia, toda semana de uma única vez, para uma vez por mês.

Quanto às outras duas pessoas que modificaram sua frequência de consumo de álcool, uma não alterou a dose, sendo mantidas as 4 ou 5 doses antes e após o processo educativo, enquanto a outra passou a pensar em parar de beber semanalmente e a sentir remorso menos do que uma vez por mês. Ambas reduziram as cinco doses que consumiam mensalmente de uma única vez, para menos do que uma vez por mês.

Em geral, a frequência e as doses do consumo de álcool melhoram após o processo educativo, o mesmo ocorreu com o consumo de 5 doses de uma única vez. No que se relaciona à questão sobre parar de beber, duas pessoas relataram que, após o processo educativo, ficaram com medo de não conseguir se absterem das bebidas alcoólicas.

No que se refere à hemoglobina A1c, a média obtida antes do processo educativo, foi de 8,38%, e após esse processo foi de 8,24%, com redução de 0,20% entre pré e pós, mostrando discreta melhora no controle metabólico, mas sem atingir o controle metabólico. A média da soma do AUDIT, antes e após, foi de baixo risco, com pequena redução de 0,13 no escore. Pela análise estatística não há evidências de possíveis diferenças significativas, estatisticamente, entre os tempos antes e depois da participação em grupo educativo no consumo de álcool de pessoas com diabetes.

 

DISCUSSÃO

Nos achados do presente estudo houve, aproximadamente, 90% de usuários com o consumo de baixo risco e 50% responderam nunca consumir álcool. O II Levantamento domiciliar do Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicoativas (CEBRID), realizado nas 108 maiores cidades do país, mostrou que a prevalência de uso de álcool foi de 74,6% e a estimativa de pacientes dependentes foi de 12,3% para álcool(8).

Para os adultos com DM, o uso de álcool foi relatado em 50,8% dos entrevistados em um estudo realizado na Califórnia, e 43% consumiam menos de uma dose diária, 4,6% consumiam 1-1,9 doses diária, 1,5% consumia 2-2,9 doses diárias, e somente 1,6% consumia 3 ou mais doses por dia(9). Os efeitos do uso do álcool nas pessoas que possuíam o DM são complexos e precisam de maiores estudos. Tem sido sugerido que o álcool aumenta a obesidade, induz pancreatite, gera alterações no metabolismo de carboidratos e glicose com períodos de hipoglicemia, quando o álcool é consumido excessivamente e com longos períodos de jejum. Os efeitos do álcool no DM são classificados em curto prazo como hipoglicemia, mau controle metabólico e acidose metabólica e os de longo prazo como a hipertensão arterial sistêmica, o ganho de peso e a neuropatia(15).

O consumo de álcool combinado com uma refeição, incluindo carboidratos, é inicialmente o combustível preferido, levando ao aumento da glicose no sangue e, portanto, a uma resposta insulínica. Quando o álcool é ingerido sem alimentos e as reservas de glicogênio são esgotadas, há uma chance de o indivíduo também desenvolver hipoglicemia, por inibição da gliconeogênese pelo álcool. Outro tipo de hipoglicemia descrito, em relação ao uso de álcool, é a hipoglicemia reativa, provavelmente em função da natureza das características individuais e dos diferentes tipos de carboidratos(16).

Em estudo de base populacional, com 3.953 adultos, em Xangai, encontrou-se que o consumo de álcool pode aumentar a prevalência de hipertensão arterial, hipertrigliceridemia e hiperglicemia. Por outro lado, apontou efeitos benéficos no qual o consumo de álcool foi associado à menor prevalência de síndrome metabólica, mesmo após o ajuste para idade e sexo(17).

Dessa forma, há a necessidade de elucidar, na literatura, a relação do álcool com a melhora do controle glicêmico em diabetes. Em outra pesquisa concluiu-se que a longa e moderada exposição ao álcool melhora a ação da insulina sem afetar a secreção de célula-β em pessoas com diabetes tipo 2, evitando significativas alterações agudas em sua função. Esse efeito pode ser parcialmente devido ao efeito inibitório do álcool sobre a lipólise. Essas evidências poderiam explicar os resultados que indicam que a ingestão de álcool está associada à melhora no metabolismo da glicose(18).

A Sociedade Brasileira de Diabetes, acerca do consumo de álcool, diz que se o indivíduo optar por ingerir bebidas alcoólicas, deve fazê-lo no limite de uma dose para mulheres e duas para homens. Sendo uma dose definida como 360ml de cerveja, 150ml de vinho ou 45ml de bebida destilada. Para reduzir o risco de hipoglicemia, bebidas alcoólicas devem ser consumidas com alimentos(1).

Uma população composta por 38.564 pessoas adultas com diabetes, foi avaliada quanto à associação entre o consumo de álcool e o controle glicêmico em um período de um ano pelo Kaiser Permanente Northern California Medical Care Program. Em seu resultado, também mostrou que o consumo moderado de álcool está associado ao melhor controle glicêmico, prevendo valores mais baixos de hemoglobina glicada em cerca de 0,5% por um valor de consumo de bebidas 2-2,9 doses/dia, traduzindo em benefícios na prevenção de complicações relacionadas ao diabetes. Os autores referem que essa diferença é clinicamente significativa e pode ser comparada com o mesmo efeito alcançado com o início de uma terapia intensiva com metformina(9).

Nos achados aqui, o consumo predominante foi de baixo risco, sem significância estatística nos níveis de hemoglobina glicada, que permaneceu sem o alcance do controle metabólico, apesar da redução de 0,20% nos tempos antes e depois da participação em grupo educativo, o que leva a alguns questionamentos. Nota-se dificuldade no preenchimento do questionário, já que algumas informações obtidas pelas pessoas parece terem sido omitidas, uma vez que, em grupos, elas relataram suas experiências e hábitos com bebidas alcoólicas, mas no momento de responderem as questões do AUDIT deixavam passar tais informações, mesmo com o oferecimento de um ambiente seguro, sem julgamentos ou repressões, para que a pessoa pudesse ficar à vontade para falar a verdade, mas sabe-se que esses tipos de omissões ocorrem ao responder o instrumento.

Dessa forma, mesmo com a pequena redução no consumo de álcool relatado neste estudo, as respostas em relação ao hábito alcoólico geram muitas dúvidas por serem vagas e imprecisas, principalmente quanto à veracidade, visto a tendência de o usuário negar o consumo abusivo de álcool para não ser rotulado como "alcoólatra", dada a conotação moralista subjacente. Esse é considerado como o principal fator que faz com que os pacientes minimizem o consumo de álcool(19).

Questiona-se em que medida a anamnese obtida sobre os hábitos de ingestão de bebidas alcoólicas de um paciente deve ser valorizada no direcionamento de hipóteses diagnósticas, já que é uma pergunta comumente formulada em ambientes clínicos, tanto ambulatoriais como hospitalares, onde, geralmente, é respondida como... "às vezes, mas só um pouco"... "uma ou duas doses por dia"... "bebo, mas não sou viciado"... "só tomo álcool como aperitivo"(19).

O uso da substância e o comportamento humano são questões complexas que requerem enfoque holístico de modo contínuo em ambos os focos: entendimento da causa do uso e sua aplicação da prática assistencial. Ao longo do tempo, autores especialistas desenvolveram diversos modelos assistenciais referentes ao entendimento das dimensões do problema do consumo de álcool e drogas. Cada enfoque se concentra exclusivamente em um subconjunto ou aspecto dos fenômenos gerais. O enfermeiro, desde que capacitado, pode contribuir efetivamente, com a sua prática, nessa área de grande relevância social. O conhecimento dos modelos explicativos pode fornecer meios que subsidiem sua atuação, de acordo com as necessidades dos usuários e das diretrizes de saúde(20).

A informação detalhada sobre a influência do padrão de consumo de álcool, incluindo o consumo excessivo, continua a ser tema importante para futuras investigações. O possível efeito protetor do consumo moderado de álcool também necessita de maior atenção, considerando a influência do tipo de bebida, a frequência de beber e de interação com outros fatores de risco como história familiar de diabetes. Dessa maneira, são necessários mais estudos clínicos para explorar as inter-relações complexas entre a ingestão de álcool e o peso corporal e obesidade, relação cintura/quadril, tabagismo, padrões alimentares, níveis socioeconômicos, educação e prática de exercício físico. Deve-se evitar recomendações acerca do consumo moderado de álcool para a prevenção do DM tipo 2, por causa de possíveis efeitos potenciais negativos associados ao consumo de álcool para a saúde, ainda não claramente elucidados na literatura.

 

CONCLUSÕES

Conclui-se que dos 37 participantes do estudo, o consumo de álcool foi de baixo risco, e a média da soma do AUDIT, antes e após a realização do grupo educativo, apresentou pequena redução de 0,13 no escore obtido. Em relação ao controle metabólico, no que se refere à hemoglobina A1c, a média obtida, antes do processo educativo, foi de 8,38%, e após esse processo foi de 8,24%, com redução de 0,20% entre pré e pós, mostrando discreta melhora no controle metabólico, sem evidências significativas, estatisticamente, entre os tempos antes e depois da participação em grupo educativo no consumo de álcool de pessoas com diabetes.

Dessa forma, para estruturar, planejar e guiar a intervenção breve torna-se necessário o uso de um modelo pedagógico na abordagem do consumo de álcool, que deve ser pesquisado e integrado nos momentos de educação. Também se faz necessário o desenvolvimento de programas educativos como este, que visem intervenções para a melhoria na condição de vida e esclarecimento de dúvidas acerca do consumo abusivo de álcool com o diabetes.

 

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CORRESPONDÊNCIA
Carla Regina de Souza Teixeira
Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
Departamento de Enfermagem Geral e Especializada
Av. Bandeirantes, 3900
Bairro: Monte Alegre
CEP: 14040-902, Ribeirão Preto, SP, Brasil
E-mail: carlarst@eerp.usp.br

Recebido: 13.8.2012
Aceito: 11.11.2013