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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.11 no.1 Ribeirão Preto mar. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v11i1p41-48 

ORIGINAL ARTICLE
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v11i1p41-48

Padrão de consumo de álcool e outras drogas entre profissionais de saúde: retrato de alunos de cursos lato sensu de uma instituição pública

 

 

Patrícia Rodrigues da RochaI; Helena Maria Scherlowski Leal DavidII

IEnfermeira, PhD, Divisão de Atenção à Saúde do Trabalhador (DAST), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil
IIPhD, Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Pesquisa quantitativa, descritiva e exploratória, realizada com 111 alunos de cursos de Pós-Graduação lato sensu, de uma faculdade pública de enfermagem da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo foi descrever e discutir a prevalência e padrão de consumo de álcool e outras drogas entre profissionais de saúde, assim como, as formas de enfrentamento do trabalhador e das instituições empregadoras. O álcool foi a droga mais utilizada, seguido pelas substâncias psicoativas. Cerca de 67,6% concordaram que o uso de drogas por funcionários pode estar relacionado ao estresse e/ou condições de trabalho. Portanto, deve-se abordar a questão das drogas no ambiente de trabalho, promovendo programas de prevenção e qualidade de vida ao trabalhador.

Descritores: Alcoolismo; Drogas Ilícitas; Pessoal de Saúde; Saúde do Trabalhador.


 

 

Introdução

O uso abusivo e a dependência de drogas trata-se de um fenômeno que não respeita fronteiras, espaços geográficos, homens e mulheres, grupos sociais e independe da classe social, econômica, cultural, étnica e política(1).

Quando discute-se sobre as possíveis consequências deste problema para o mundo do trabalho, verifica-se que algumas empresas têm revelado preocupação com os trabalhadores, acerca do uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas, principalmente o álcool, devido ao prejuízo observado na produção(2).

Dessa forma, estudos que abarcam o uso de drogas lícitas e ilícitas por trabalhadores, a relação entre as condições de trabalho e o consumo de drogas são de extrema importância para a saúde do trabalhador, uma vez que “a compreensão sobre as relações entre trabalho e uso de drogas ainda é insuficiente no Brasil”(3). Igualmente, pesquisas acerca do uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas entre os profissionais de saúde no Brasil, e sobre os meios de enfrentamento por parte dos trabalhadores e das instituições de saúde, frente ao consumo de drogas por seus funcionários e as condições que levam a tal uso.

Diversos estudos apontam que profissionais de saúde, médicos e enfermeiros, são os mais suscetíveis ao uso e desenvolvimento de dependência a alguma substância psicotrópica, devido à maior possibilidade de autoadministração, uma vez que tem livre acesso a estas substâncias no ambiente de trabalho, por serem os responsáveis pelo armazenamento e controle(4).

Vale ressaltar que, a categoria de enfermagem é caracterizada por um grande quantitativo de trabalhadores do sexo feminino e com a crescente participação da mulher no mercado de trabalho no Brasil, rompeu-se o estereótipo cultural da “mulher comportada”. A hipótese é de que o trabalho pode ser um fator para o uso e abuso de álcool e drogas entre mulheres, pois a mulher que trabalha, ao sentir-se livre e independente, passa a adotar comportamentos diversos, já que não precisa prestar contas destes, diferentemente de mulheres que possuem dependência econômica de seus parceiros ou família. Trata-se de uma situação de atenção, uma vez que o consumo de drogas por mulheres no Brasil triplicou entre 1993 e 1998(3).

Para fins de aprofundamento sobre essa questão, foi conduzido um estudo de prevalência e padrão de uso de álcool e drogas, com profissionais de saúde, em uma universidade pública do Rio de Janeiro, buscando, também, incluir variáveis relativas à inserção profissional e de trabalho dos sujeitos. O objetivo deste estudo foi descrever e discutir a prevalência e padrão de consumo de álcool e drogas entre profissionais de saúde, assim como, as formas de enfrentamento do trabalhador e das instituições empregadoras. Esta pesquisa integrou o conjunto de estudos desenvolvidos no Grupo de Pesquisa “Configurações do Mundo do Trabalho, Saúde dos Trabalhadores e Enfermagem”, certificado pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

 

Material e Métodos

Estudo quantitativo, transversal, descritivo, exploratório, com amostra intencional, em uma faculdade pública de enfermagem, situada na cidade do Rio de Janeiro. A população (N = 172) compreendeu os alunos de seis cursos de Pós-Graduação lato sensu desta faculdade: Enfermagem do Trabalho; Gestão em Saúde da Família; Enfermagem Intensivista; Enfermagem Neonatal; Enfermagem em Estomaterapia; e Enfermagem Obstétrica. Vale ressaltar a presença de uma médica no curso de especialização em Gestão em Saúde da Família. Nos demais cursos é marcante a presença de apenas uma categoria profissional, o enfermeiro.

Das seis turmas de especialização, a pesquisa foi realizada em cinco, pois os alunos da turma de Enfermagem Obstétrica encontravam-se em aula prática em várias instituições de saúde, dificultando a coleta de dados.

O tamanho amostral calculado foi de 120 sujeitos, sendo considerada uma precisão de 95%, erro amostral de 5% e prevalência do fenômeno de 50%. A escolha dos sujeitos ocorreu em função da disponibilidade em responder ao questionário, aplicado aos alunos que estavam presentes em sala de aula nos momentos disponibilizados pelo professor, totalizando 111 participantes.

Foi utilizado um questionário autoaplicável, a fim de manter o sigilo e o anonimato do trabalhador, propiciando respostas mais fidedignas. O questionário foi desenvolvido a partir de revisão bibliográfica, acerca de instrumentos e pesquisas sobre drogas, como as realizadas pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foi utilizada a escala AUDIT – Teste para Identificação de Problemas Relacionados ao Uso de Álcool, já validada(5) no Brasil para autoaplicação e utilizada em diversos estudos para detecção de dependência do álcool e problemas associados ao seu uso.

As variáveis do questionário foram organizadas em: sociodemográficas; ocupacionais; sobre o consumo de álcool e outras drogas; e sobre a realização de programa de prevenção ao uso e abuso de álcool e outras drogas pela instituição de saúde onde o sujeito trabalhava.

Ressalta-se que, o questionário elaborado destaca o uso do álcool, por ser uma droga culturalmente difundida na sociedade e, por isso, considerada uma questão de saúde pública, devido a sua dimensão epidemiológica e por acarretar altos custos sociais e econômicos despendidos pelo governo (acidentes de trânsito, atendimento e internação hospitalar)(6).

A coleta de dados foi realizada de setembro a outubro de 2009, em sala de aula, após contato prévio com o professor. Os participantes foram orientados sobre a voluntariedade na participação da pesquisa, assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, manutenção do sigilo e do anonimato e a desistência em qualquer momento da pesquisa, sem ônus, conforme a Resolução nº 196/96(7). O tratamento estatístico foi realizado no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®).

 

Resultados

Destaca-se que, cerca de 89% dos participantes eram do sexo feminino, característica predominante da categoria de enfermagem; e a média de idade foi de 29 anos. Em relação ao estado civil, 60% eram solteiros e 31% casados. Em torno de 64,9% possuíam certificação em outro curso de especialização, 7,2% mestrado e 27,9% apenas o ensino superior completo. A média salarial familiar mensal foi de R$ 5.529,00 e a média salarial individual mensal girou em torno de R$2.834,00. Quanto à quantidade de horas trabalhadas por semana, a média foi de 50 horas semanais. 

 

 

A quantidade de tempo, em anos, que cada participante exerce sua atividade laboral em instituição de saúde variou entre: um e dois anos, 29,7%; há menos de um ano,  21,6%; e de seis a 10 anos, 18,9%. Constatou-se que, 36,8% são servidores públicos e 21,1% são empregados com carteira assinada.

Em relação à experimentação ou uso de drogas alguma vez na vida, 83% dos participantes já experimentaram ou usaram drogas, sendo em maior proporção a bebida alcoólica (51,4%), seguida pelos derivados do tabaco (17,9%) e ansiolíticos e sedativos (10,4%). A idade média de experimentação foi de 16,8 anos.

Quanto ao uso regular de drogas (pessoa que usa drogas em três ou mais dias por semana), apenas 9% (8) assinalaram positivamente. Dentre estes, duas pessoas fazem uso há 10 anos, enquanto, outras duas, entre 20 e 30 anos. As drogas mais consumidas foram o álcool (21,7%) e derivados do tabaco (17,4%). A idade média de início do uso regular de drogas foi de 16,3 anos.

Dentre os participantes que fazem uso regular de drogas, as justificativas mencionadas foram: relaxar quando está tenso (12%), celebrar situações especiais (12%), tirar ansiedade (10%) e alegrar-se quando está triste (8%).

Um quarto dos usuários regulares relatou que nos três meses anteriores à pesquisa pessoas demonstraram preocupação ou sugeriram que parassem com o consumo de drogas. Quando questionados se já tentaram controlar, diminuir ou parar com o uso de drogas, 30% dos usuários regulares disseram que não e 10% relataram que nos últimos três meses tentaram reduzir ou parar, mas não obtiveram sucesso.

Os participantes que usam bebidas alcoólicas de forma regular ou não, geralmente consomem maiores quantidades em festas (22,5%), bar/balada (20,8%), em casa (13,3%) e em casa de amigos (12,5%). Quando indagados se o consumo de álcool e outras drogas afetava o desenvolvimento no trabalho, verificou-se que 33,3% dos usuários discordaram fortemente, enquanto, 10,6% concordaram.

As razões para nunca ter ingerido bebida alcoólica foram: religião (5,4%), razões de saúde (3,6%) e outros (7,2%), como não gostar e nunca ter vontade. Quanto às razões que levaram o usuário de álcool a parar o uso, as mais citadas foram: religião (7,9%), razões de saúde (4,5%) e outros (9,0%), como não gostar do sabor da bebida alcoólica.

Na escala AUDIT, o somatório dos pontos referentes a cada opção marcada equivale ao escore total, que varia de zero a 40. Uma maior pontuação significa mais consumo de álcool, dependência e dano. Foi verificado que, a maioria dos participantes não apresentou problemas relacionados ao álcool. Entretanto, 6,3% apresentaram escores totais entre oito e 15 pontos, significando nível médio de problemas relacionados ao álcool; e 1,8% apresentaram escores acima de 16 pontos, indicando alto nível de problemas relacionados ao uso de álcool.

Verificou-se que, 30,6% dos participantes apresentaram escore igual a um ou acima, no somatório dos pontos das questões dois e três, indicando um consumo arriscado de álcool; 7,2% tiveram um escore maior que zero nas questões de quatro a seis, indicando início ou presença de dependência em relação ao álcool; e 19,8% apresentaram algum ponto marcado nas questões de sete a 10, sugerindo que o indivíduo já experimentou algum dano relacionado ao uso de álcool.

A maioria dos participantes (62,2%) declarou que a instituição de saúde em que trabalham não desenvolve programas de prevenção ao uso de álcool e outras drogas, enquanto, 18,9% relataram que existe algum programa de prevenção, sendo as atividades mais frequentes: prevenção contra o uso de tabaco (20%), grupos de apoio (16,7%), encaminhamento para atendimento especializado (13,3%) e palestras (13,3%).

Em referência ao uso de álcool e/ou outras drogas por funcionários relacionar-se a algum estresse no trabalho e/ou condições de trabalho, 67,6% dos participantes concordaram. Os trabalhadores que sofreram com problemas relacionados às drogas buscaram apoio na família (30,4%), igreja (26,8%) e outros (15,2%), como instituições especializadas (Alcoólicos Anônimos e Centros de Atenção Psicossocial), amigos, colegas de trabalho (14,5%) e profissionais de saúde (13,0%).

Procurou-se saber quais mudanças poderiam ajudar na diminuição do uso de álcool e outras drogas pelos trabalhadores. Neste caso, 18,7% marcaram “melhorias no ambiente de trabalho”, seguida da opção “alteração da carga horária de trabalho” (15,9%).

Em relação ao desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de álcool e outras drogas, 82% dos participantes gostariam que fossem desenvolvidos pela instituição de saúde em que trabalham. As atividades mais sinalizadas foram: “distribuição de materiais educativos” (11,1%); “palestras” (10,4%); “apresentação de relatos pessoais” (9,2%); “realização de fóruns e seminários sobre drogas” (8,5%); e “articulação com empresas para incentivo à promoção de ações de prevenção ao uso indevido de drogas” (8,5%).

As sugestões que poderiam facilitar/melhorar o desenvolvimento da atividade laboral foram: questões organizacionais (39,9%) – redução da carga horária de trabalho, seguida de melhores condições de trabalho e vínculo empregatício com estabilidade; e no relacionamento social (14,6%) – reconhecimento, melhor relação interpessoal, com a chefia e lazer. Muitos participantes também sugeriram o aumento salarial mensal e do quantitativo de recursos humanos.

 

Discussão

A proporção de respostas sobre o uso na vida de álcool e derivados do tabaco pelos trabalhadores de saúde corrobora com os dados do levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil, de 2001 e 2005. O uso de álcool na vida foi de 68,7% e 74,6%, respectivamente. Enquanto o uso de tabaco na vida foi de 41,1% e 44%, respectivamente. Estas drogas destacam-se como as mais consumidas no Brasil e as responsáveis pelos maiores índices de problemas decorrentes de uso indevido(8-9).

Tais dados retratam a inserção do álcool e do tabaco na sociedade brasileira, socioculturalmente aceitos pela população, fato atrelado à legalização destas drogas, quanto à produção, uso e comercialização, além de estimuladas por algumas comunidades.

Estudos revelaram que as condições de trabalho podem ser um fator desencadeador ao uso de drogas pelo trabalhador de enfermagem. Verificou-se que, inadequadas condições de trabalho, sobrecarga de trabalho e facilidade de acesso às drogas são alguns dos possíveis motivos para o uso de drogas por esse profissional(10).

O trabalhador de enfermagem faz uso de substâncias psicoativas como forma de minimizar a tensão e o estresse. Este mecanismo utilizado para negar ou reduzir a percepção de sofrimento da realidade, muitas vezes está associado a condições inadequadas de trabalho, que expõe a biossegurança do trabalhador e do cliente assistido(10).

A proporção de uso na vida de benzodiazepínicos (10,4%), barbitúricos e anfetaminas (estimulantes) difere do estudo em âmbito nacional (proporção de benzodiazepínicos em 2001 de 3,3% e, em 2005 de 5,6%), uma vez que são comparadas populações com características distintas, uma referindo-se a um grupo específico, o profissional de saúde, e a outra, à população brasileira em geral(8-9).

De acordo com o I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira de 2007, a idade média de início do consumo regular de álcool entre adultos de 18 a 25 anos de idade foi de 17,3 anos(6). Vale ressaltar que, neste estudo a idade média de início do uso regular de drogas foi de 16,3 anos, ou seja, alguns profissionais de saúde iniciaram o uso regular de drogas antes dos 18 anos de idade, sendo a idade que consta na legislação brasileira considerada capaz de comprar drogas lícitas.

No levantamento domiciliar de 2005, a dependência de drogas entre os entrevistados foi maior em relação ao álcool (12,3%) e ao tabaco (10,1%) (8). Corroborando com os dados deste estudo, em que a dependência em relação ao álcool é de 21,7% e do tabaco, 17,4%.

Da aplicação do AUDIT, foi possível comparar que a média (2,47) do escore total dos participantes, em relação à média (2,85) do escore total da pesquisa realizada pelo Serviço Social da Indústria (SESI), não teve diferença significativa(11). Pode-se inferir que, as duas populações apresentaram poucos problemas relacionados ao uso de álcool e que a capacidade de mensuração, nos dois casos, foi similar.

A formação religiosa mostrou-se um fator protetor frente a um posterior consumo regular de álcool. O fato de um indivíduo não ter sido criado em lar em que a religião é relevante, aumenta a chance de consumo de álcool. Além disso, a religião atual do indivíduo, o número de vezes que frequenta atividades religiosas e atividades realizadas nas horas de lazer, também pode estar associado ao uso de drogas ilícitas(12-13). Confirma-se a inserção religiosa como uma das razões predominantes para os profissionais de saúde nunca terem bebido na vida ou terem parado de beber.

Na pesquisa de âmbito nacional sobre os padrões de consumo de álcool de 2007, o uso de maiores quantidades de bebidas alcoólicas na população brasileira, nos últimos 12 meses, foi em bar/balada (27%), em casa (23%), em festas (17%) e casa de amigos (11%)(6). Semelhante aos resultados deste estudo.

Apesar de existir discordância entre os profissionais de saúde em relação ao uso de drogas e o desenvolvimento no trabalho, 82% dos participantes gostariam que fosse desenvolvido algum programa de prevenção ao uso de drogas pela instituição de saúde em que trabalham, pois somente 18,9% relataram existir algum tipo de programa.

Segundo mapeamento realizado em instituições sobre o consumo de álcool e outras drogas no Brasil, as atividades desenvolvidas com seus funcionários, a fim de prevenir e/ou reduzir o uso indevido de álcool e outras drogas são: prevenção ao uso indevido de álcool e drogas (referido por todos); tratamento, recuperação e reinserção social (72,4%); redução de danos sociais e à saúde (39,9%); e ensino e pesquisa (4,3%)(14). Diferindo-se dos achados deste estudo, em que a maioria das atividades foi prevenção contra o uso de tabaco, grupos de apoio, encaminhamento para atendimento especializado e palestras.

É preciso analisar estes dados à luz de achados recentes, que informam que a categoria de profissionais de enfermagem está sujeita a um tipo de trabalho classificado como, segundo o modelo proposto por Georges Theorell, de alta exigência, ocorrendo quando as demandas do trabalho são consideradas desafiadoras, intensas ou capazes de gerar sobrecargas físicas e/ou psíquicas. Quando esta situação está em desajuste com a capacidade de controle do trabalhador sobre seu trabalho, ou ainda quando não há efeito mediador do apoio social, de colegas, família ou outros círculos sociais, estabelece-se uma condição de desequilíbrio, considerada de risco para a ocorrência de estresse no trabalho(15).

As mudanças no mundo do trabalho de saúde vêm determinando que boa parte dos profissionais dependa de mais de um vínculo empregatício, representando sobrecarga em termos de deslocamento físico, mudanças organizacionais, dificuldade em gerenciar o tempo pessoal e familiar, entre outros fatores.

Vale resaltar que, 11,1% dos participantes tiveram dificuldade em compreender que o termo “drogas” refere-se tanto às drogas lícitas quanto às ilícitas, sugerindo-se a especificação do termo drogas no enunciado da questão. Fato perturbador, tendo em vista uma população constituída por profissionais de saúde com nível superior.

Logo, é importante conhecer o grau de satisfação dos trabalhadores na instituição em que desenvolvem sua atividade laboral, para o reconhecimento dos fatores de risco e dos fatores protetores ao consumo de drogas, pois a insatisfação no trabalho se produz pelo desajuste entre expectativas do trabalhador e modo como devem executar suas funções laborais.

 

Conclusões

A droga com maior frequência de uso foi o álcool, fato esperado, por ser uma droga culturalmente aceita na sociedade. Excluindo-se o álcool e o tabaco, as drogas mais consumidas foram anfetaminas e benzodiazepínicos, dado que destoa da população em geral. Isto pode estar relacionado ao maior acesso destes profissionais a esses tipos de drogas, usando-as para redução do estresse laboral e cansaço advindo de longas e múltiplas jornadas de trabalho.

Houve participantes que manifestaram a expectativa do desenvolvimento de algum programa de prevenção ao uso de álcool e outras drogas na instituição em que trabalham. Sugeriram como forma de facilitar e/ou melhorar o desenvolvimento do seu trabalho: redução de carga horária, melhores condições de trabalho, sala de repouso, melhor relação interpessoal, eventos, cursos de educação continuada, melhor planta física do posto de trabalho, entre outros.

Destaca-se, ainda, o fato de que mais da metade dos participantes não consideraram álcool e tabaco como drogas, mesmo sendo profissionais de saúde com nível superior. Logo, torna-se imperativo que o tema álcool e drogas seja contemplado nas graduações da área de saúde, nos ambientes de trabalho e nos processos de educação permanente.

Em suma, as instituições/empresas precisam estar, cada vez mais, sensibilizadas à questão das drogas, superando a visão punitiva e a mitificação quanto ao uso e abuso de substâncias. Ademais, faz-se necessário que tanto trabalhadores quanto empregadores assumam o ônus de encarar esta questão, uma vez que não há como negar que os problemas decorrentes do uso abusivo, em especial do álcool, estão presentes no cotidiano de trabalho.

 

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Correspondencia:
Helena Maria Scherlowski Leal David
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem
Rua Boulevard 28 de Setembro, 157, 7º andar
Vila Isabel
CEP: 20551-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Recebido: 13.06.2013
Aceito: 03.02.2015