SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número1Padrão de consumo de álcool e outras drogas entre profissionais de saúde: retrato de alunos de cursos lato sensu de uma instituição pública índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.11 no.1 Ribeirão Preto mar. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v11i1p49-58 

ORIGINAL ARTICLE
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v11i1p49-58

Espiritualidade e religião como protetores ao uso de drogas em adolescente

 

 

Adriana Olimpia Barbosa FelipeI; Ana Maria Pimenta CarvalhoII; Claudia Umbelina Baptista AndradeI

IDoutoranda, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIIDoutoranda, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Professor Titular, Universidade José do Rosário Vellano, Alfenas, MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

 


RESUMO

OBJETIVO: o estudo teve como objetivo identificar as evidências disponíveis na literatura sobre a importância da religião/espiritualidade como protetores ao uso de drogas.
MATERIAL E MÉTODOS: trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Utilizaram-se como descritores: “espiritualidade”, “religião”, “adolescente”, drogas ilícitas”, “alcoolismo” AND “tabagismo”. As bases de dados foram: LILACS, PubMed e CINAHL.
RESULTADOS: constatou-se efeito protetor da religiosidade e espiritualidade na prevenção ao uso de drogas, sendo justificado pela menor interação dos adolescentes com os pares desviantes, atitudes conservadora dos amigos e níveis elevados de bem-estar.
CONCLUSÕES: trazer à luz o efeito positivo da religiosidade e da espiritualidade poderá contribuir para que os profissionais envolvidos com os adolescentes lancem intervenções com vistas a reduzir o consumo de drogas nesse grupo.

Descritores: Religião; Espiritualidade; Adolescente; Drogas Ilícitas; Alcoolismo; Hábito de Fumar.


 

 

Introdução

A adolescência é um dos períodos mais importantes do desenvolvimento humano, mas é nessa fase que o sujeito se encontra vulnerável a situações de risco, tanto no âmbito biológico como psicológico e social(1). Nesse período, pode ocorrer a experimentação e o consumo de substâncias psicoativas, o que está ocorrendo em idade cada vez mais precoce(2).

O consumo de substâncias psicoativas é considerado como grave problema para a saúde pública, e traz grande prejuízo para o crescimento e desenvolvimento desses adolescentes(3-4). São vários os fatores indutores para a gênese dessa problemática, como vulnerabilidade genética, problemas familiares, depressão, baixa autoestima, falta de perspectiva de vida, busca por prazer e a curiosidade e influência de amigos(5).

Para promover a resiliência e o desenvolvimento saudável do adolescente, existem evidências na literatura científica da importância do mesmo estar inserido em práticas religiosas e espirituais(6).

Mediante esse cenário, objetivou-se, aqui, identificar na literatura a importância da religião/espiritualidade na vida do adolescente, como fator protetor à prevenção do uso de drogas lícitas e ilícitas.

Este estudo reveste-se de grande relevância científica e social, em decorrência do número crescente de adolescentes que consome drogas, com consequências negativas para si mesmo, para a família e para a sociedade. O estudo deve contribuir para elucidar o mecanismo que a religiosidade e espiritualidade contribuem na prevenção ao uso de drogas entre os adolescentes. Portanto, o mesmo poderá ser um referencial teórico aos profissionais de saúde e de educação sobre a necessidade de realizar programas sociais que fortaleçam as práticas religiosas e espirituais.

 

Metodologia

O referencial teórico-metodológico utilizado foi a Prática Baseada em Evidências. Dessa forma, utilizou-se o método da revisão integrativa para se estabelecer um percurso metodológico. Para guiar a presente revisão integrativa, formulou-se a seguinte pergunta: a religião/espiritualidade na vida do adolescente é um fator protetor à prevenção do uso de drogas lícitas e ilícitas em adolescentes?

Para o levantamento dos artigos na literatura realizou-se uma busca nas seguintes bases de dados on-line: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e PubMed. Como estratégias de busca, utilizaram-se os descritores controlados, a saber: “espiritualidade”, “religião”, “adolescente”, drogas ilícitas”, “drogas lícitas”, “alcoolismo” AND “tabagismo”.

Foram utilizados como critérios de inclusão: artigos em português, inglês e espanhol, disponíveis na íntegra e produzidos no período entre 2003 e 2013. Artigos que reportassem a religiosidade/espiritualidade dos adolescentes, a idade dos sujeitos entre 10 e 19 anos na realização do estudo, mesmos os estudos longitudinais. Conforme descrito, selecionaram-se artigos em que os sujeitos eram adolescentes com idade entre 10 e 19 anos.

Foram excluídas da pesquisa as teses e dissertações, revisão da literatura, artigos que não abordavam a temática proposta, e que não determinassem a idade cronológica dos sujeitos.

Inicialmente, identificaram-se 3.793 artigos nas bases de dados selecionadas. Desses, 70 artigos foram pré-selecionados para a inclusão no estudo. Posteriormente, realizou-se uma leitura minuciosa dos artigos, e os estudos que não respondiam à pergunta norteadora e aos critérios de exclusão ou que se repetissem na base de dados foram excluídos, no total de 58 artigos.

As principais causas de exclusão dos artigos analisados foram: idade, 24 (41,4%) dos artigos abordavam sujeitos com idade superior a 19 anos e 10 (17,2%) dos artigos não incluíram no estudo a idade dos sujeitos, apenas o período escolar do adolescente (Tabela 1).

 

 

De posse dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados doze artigos. Após essa analise foi realizada a avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa, utilizando-se o instrumento que foi construído e validado no Brasil(7).

 

Resultados

O corpus literário foi constituído por doze artigos os quais atenderam os critérios de inclusão, sendo (8,3%) do LILACS, (58,3%) da PubMed e (33,4%) da CINALH.

Constatou-se que apenas um (8,4%) dos artigos era de contexto nacional e 96,6% internacionais. Em relação ao idioma de divulgação dos estudos, 11 (96,6%) foram publicados em inglês e apenas um (8,4%) em português.

Em relação ao ano de publicação, verificou-se predomínio de estudos em 2012 e 2010 com três (25%) estudos, respectivamente, seguido pelo ano 2011 com dois (16,6%) estudos e os anos 2009, 2007, 2006 e 2005 em que houve apenas uma (8,4%) publicação.

Constatou-se que os artigos foram publicados nos mais diversos periódicos, havendo apenas dois (16,6%) artigos publicados em um mesmo periódico, denominado Health Education & Behavior (Figura 1).

Quanto ao fator de impacto, observou-se que três (25%) artigos foram publicados em periódicos com fator de impacto maior que 2 e quatro (33,3%) artigos foram divulgados em periódicos com fator de impacto menor que 1 (Figura 1).

Em relação ao delineamento das pesquisas, identificou-se que 12 (100%) eram de natureza descritiva e utilizaram a abordagem metodológica quantitativa, quanto ao aspecto epidemiológico apenas três estudos (25 %) eram longitudinais. Os principais cenários de investigação foram a residência dos sujeitos em sete (58,3) e nas escolas em quatro (33,3%) dos artigos analisados.

Ao se analisar os instrumentos utilizados para avaliar o uso de drogas lícitas e ilícitas e a religiosidade/espiritualidade dos adolescentes, identificou-se que os estudos utilizaram diferentes instrumentos.

Em relação à religiosidade e à espiritualidade, os estudos avaliaram a religiosidade interna e externa, de acordo com as questões descritas na Tabela 2. Observou-se que a pergunta mais utilizada nos artigos foi: qual a importância da crença religiosa para o adolescente? em cinco dos (41,6%) artigos. Em todos os estudos as respostas eram graduadas conforme o modelo de Likert, exceto a questão sobre a filiação religiosa do adolescente.

Vale ressaltar que, em três artigos analisados, os questionamentos sobre a religiosidade e espiritualidade foram diferentes das questões descritas na Tabela 2. O primeiro artigo teve como objetivo avaliar o coping religioso do adolescente do sexo masculino, portanto, esses sujeitos responderam as seguintes questões: quando você tem um problema, você ora?, quando você tem um problema, você experimenta o amor e o cuidado de Deus?, quando você tem um problema, você acredita que é uma lição de Deus?, quando você tem um problema, você assume o controle sobre o que você pode fazer e o resto você entrega a Deus? e quando você tem um problema, você aceita que a situação não está nas suas mãos, mas nas mãos de Deus?

 

Clique para ampliar

 

O outro artigo teve como objetivo avaliar a crença e a prática espiritual do adolescente e de seus pais, dentro dos preceitos budistas. Solicitou-se aos sujeitos que respondessem à primeira pergunta descrita na Tabela 2 e, posteriormente, questionou-se: você crê que a oração religiosa ou a meditação pode ajudar?, você crê no Carma e na reencarnação? Quanto às práticas espirituais incluiu: você realiza oração ou medita regularmente?, e foram questionados, quando a vida estivesse estressante, se os mesmos realizavam as práticas da doação ou da oferta de comida aos monges e se os mesmos observavavam os cinco preceitos (abstinência de matar, de roubar, de conduta sexual inadequada, de mentir e de usar substâncias psicoativas).

O último artigo utilizou duas escalas para avaliar a religiosidade e espiritualidade, a Brief Multidimensional Measure of Religiousness/Spirituality (BMMRS) e Spiritual Connectedness Scale, ambas usam resposta do tipo Likert.

Quanto aos instrumentos para avaliar o uso de substancia lícita e ilícita, 6 (50%) dos artigos utilizaram questões com respostas dicotômicas, não citando o referencial usado. Verificou-se que em 4 artigos os instrumentos que utilizaram foram descritos: o DUSI, The National Institute of Mental Health’s Diagnostic Interview drogas ilícitas Schedule (DIS), Global School-Based Student Health Survey (OMS), a 90-day Time line Follow back Calendar (TLFB). Constatou-se que esses instrumentos não se repetiram nos artigos.

Destaca-se nos estudos que 5 (41,6%) artigos analisaram concomitantemente o uso do tabaco, a ingestão de bebidas alcóolicas e drogas ílicitas, 2 (16,6%) artigos estudaram o uso do tabaco e a ingestão de bebidas alcóolicas, 2 (16,6%) artigos investigaram apenas a ingestão de alcóol, 1 (8,4%) artigo observou o uso de álcool e maconha, 1 (8,4%) artigo observou apenas o uso de drogas ilícitas, e 1 (8,4%) artigo avaliou o uso de tabaco.

No tocante à relação entre gênero do adolescente e uso de drogas, seis (50%) artigos investigaram e, desses, apenas um observou que não houve diferença de gênero em relação ao uso de drogas. Os demais estudos evidenciaram que a proporção de sujeitos expostos ao consumo de bebidas alcoólicas, tabaco e maconha é maior entre os rapazes que entre as moças. Somado a esse fato, indivíduos do sexo masculino começam a usar as drogas lícitas e ilícitas mais precocemente em comparação ao sexo feminino. É pertinente mencionar que o sexo feminino tem maior chance para o uso de medicamentos sem prescrição médica.

Há consenso entre os artigos analisados sobre o efeito protetor e modulador da religiosidade e da espiritualidade na prevenção do uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas, de que esse efeito ocorre independente da filiação religiosa que o adolescente participa. O diagrama a seguir (Figura 3) descreve a relação da religiosidade e espiritualidade na prevenção do uso de substância.

 

 

Discussão

Observou-se que, a partir do ano 2005, houve interesse em relação a essa temática, e que nos anos 2010, 2011 e 2012 houve mais de uma publicação anual. Nessa perspectiva, consta que os estudiosos estão tendo interesse em pesquisa que delineiam as estratégias preventivas em relação ao uso de substâncias psicoativas, com enfoque psicossocial na religiosidade e espiritualidade(20).

Em decorrência da incidência relevante do uso de substância psicoativa entre os adolescentes, é necessário aprofundar as investigações sobre o consumo de drogas centradas nessa população, o que permite o planejamento de políticas públicas e programas preventivos(20-21). Em relação à religiosidade e à espiritualidade, não é diferente, uma vez que é um campo de pesquisa bastante amplo, exigindo estudos que permitem compreender o mecanismo da ação religiosa e espiritual na prevenção do consumo de drogas(22).

Quanto ao fator de impacto, observou-se que 33,3% dos artigos foram divulgados em periódicos com fator de impacto menor que um. É necessário que os pesquisadores publiquem seus resultados em periódicos nacionais e internacionais com maior fator de impacto(23).

Verificou-se que a maioria dos estudos teve delineamento transversal, consequentemente não podem ser determinadas as relações causais entre a religiosidade e o uso de droga. E nesse tipo de estudo pode ser coletado dado apenas de um momento na vida do sujeito(24). Esse aspecto foi sinalizado como uma das limitações em cinco dos artigos que compuseram o presente estudo(8- 9,13, 15-16).

A residência e a escola foram os principais cenários de investigação. A realização de estudo na escola facilita o processo de coleta de dados, mas apresenta o inconveniente de excluir os adolescentes que estão fora do ambiente escolar, sendo que a evasão escolar está relacionada a fatores como consumo de álcool e uso de drogas(25-27).

O consumo de drogas lícitas e ilícitas é mais prevalente entre indivíduos do sexo masculino, associado a esse fato o sexo masculino inicia precocemente a utilização dessas substâncias. No que toca ao início do consumo de drogas lícitas e ilícitas, constatou-se que a idade média dos adolescentes para o consumo de tabaco e álcool é, em media, aos 11,5 anos e que esse contato normalmente ocorre na presença dos familiares e amigos, e para o consumo de drogas encontrou-se, em média, início do consumo aos 12 anos, fato que confirma que o início do uso de drogas atualmente é bastante precoce(21,28).

Em estudos realizados no âmbito nacional encontrou-se situação divergente em relação ao gênero e ao uso de drogas. Em Pernambuco, pesquisa com adolescentes mostrou que os rapazes são expostos ao consumo de álcool, tabaco e drogas significativamente maior que as moças(29). Contudo, estudo conduzido no Estado de São Paulo detectou que não houve diferença significativa entre o consumo de drogas lícitas e ilícitas entre os gêneros(30).

Corroborando outras pesquisas, identificou-se que o uso não médico de medicamentos foi prevalente em adolescentes do sexo feminino, as quais têm o hábito de consumir ansiolíticos e anfetamínicos. Realizar atividades educativas entre os adolescentes para prevenir o consumo desses medicamentos deve, portanto, ser incluída na agenda de promoção de saúde no contexto escolar(31).

Salienta-se que os estudos que compuseram o presente artigo utilizaram divergentes formas de questionamentos sobre a religiosidade e espiritualidade. Tal achado é descrito em outro estudo ao apontar que são muitas as variáveis relacionadas à religião, o que se torna difícil comparar os estudos e mesmo identificar qual a dimensão da experiência religiosa é mais significativa para a modulação do uso de substâncias psicoativas(24).

Há de se comentar, também, que a maioria dos estudos analisados avaliou a religiosidade dos adolescentes e o consumo de drogas. Faz-se necessário também que seja investigada a dimensão da espiritualidade na vida do adolescente.

É importante ressaltar que existem diferenças entre os construtos religião, religiosidade e espiritualidade. A religião é o sistema organizado de crenças, rituais e símbolos que facilita o acesso ao sagrado, a religiosidade se refere a quanto o indivíduo acredita e segue uma religião, e a espiritualidade refere-se à busca pessoal de compreensão, relacionada a questões existenciais e suas relações com o sagrado(32).

Os estudos evidenciaram efeito protetor e modulador da religiosidade ao uso e abuso de álcool, tabaco e drogas ilícitas em adolescentes. O que não difere de outros estudos que encontraram que a religiosidade e a participação religiosa dos adolescentes estão associadas a comportamentos mais saudáveis e menos arriscados como o uso de drogas(33-34).

Outro fato que merece destaque é a filiação religiosa dos sujeitos envolvidos nos estudos, uma vez que houve diferentes tipos de filiação religiosa. Mas observou-se que o importante é o adolescente estar filiado a uma religião, uma vez que o benefício na prevenção do uso e abuso de substâncias foi positivo entre aqueles envolvidos com uma religião, independente de qual.

Em estudo desenvolvido no Panamá detectou-se que, em comparação com jovens católicos, os filiados às outras religiões tiveram menor probabilidade de se envolver com drogas. Mas os jovens que não referiam ser filiados a alguma religião tiveram de duas a três vezes mais chances de se envolverem com a maconha em relação aos jovens católicos(35).

Algumas questões se mostram relevantes para o sucesso da relação religiosidade/espiritualidade na prevenção do uso de drogas. É necessário que o adolescente, além de participar de atividades religiosas, perceba a religião como algo importante e acredite no perdão de Deus.

Outro estudo, conduzido com os pais e adolescentes sobre a religiosidade, mostrou que os sujeitos que percebiam a religião como algo importante e eram ativos nas atividades religiosas e na adoração eram menos propensos a se envolver em comportamentos de risco, e entre esses comportamentos incluem-se o uso e o consumo de tabaco, álcool e maconha(36).

Dados semelhantes também foram encontrados em outro estudo, o qual enfatiza que a participação frequente em serviços religiosos fornece proteção mais consistente ao consumo de drogas(37), o que difere do estudo, realizado no contexto brasileiro, que constatou que os estudantes que se consideravam mais religiosos apresentavam menor uso de álcool e drogas do que aqueles que participavam de culto e missas(24).

Evidências sugerem que são vários os fatores que contribuem para o efeito protetor da religiosidade ao consumo de drogas, entre eles podem ser destacadas as relações sociais e a menor associação do adolescente com pares desviantes. Em decorrência do conflito vivido nesse período, o adolescente busca se integrar a um grupo, o qual influenciará suas ações e fará com que adote atitudes, as quais serão a prova de sua aceitação(38).

Pertencer a um grupo faz com que os adolescentes modifiquem o seu comportamento de acordo com o modo de ser e de viver desse grupo, portanto, se os integrantes desse grupo forem consumidores de substâncias psicoativas, maiores serão as chances de ocorrer o uso e o abuso dessas substâncias(5).

Nesse contexto, observa-se que a religiosidade interna e externa reduz comportamentos arriscados, uma vez que fornecem aos jovens orientações morais e fortes redes sociais(33,39). A religiosidade é um fenômeno que está ligado ao sistema de valores, de regras e de conduta interpessoal adequada(34). O que vem ao encontro dos dados do presente estudo, uma vez que se detectou que a religiosidade e espiritualidade proporcionam aos adolescentes atitudes conservadoras em relação ao uso de drogas e melhor adesão às regras estabelecidas.

É relevante mencionar que um estudo conduzido com o objetivo de determinar o efeito da religiosidade em relação à moderação genética, para o consumo de álcool em adolescentes e adultos jovens, detectou que a religiosidade modera os efeitos genéticos para o consumo problemático de álcool na adolescência, mas não no início da idade adulta. Esse fato é consequência da religião, ao proporcionar na vida dos jovens maior controle social(40).

A religiosidade está correlacionada, indiretamente, ao uso de substância, sendo mediada através do autocontrole do adolescente e da rejeição de atitudes desviantes(41). Acredita-se que a religiosidade promove nesses jovens um tipo de recurso pessoal o que inibe o uso dessas substâncias(39).

Percebeu-se, também, que a religiosidade e espiritualidade suscitam nesses adolescentes níveis elevados de bem-estar, autoeficiência, autorrespeito ao corpo e à mente. Há outro estudo onde se constatou que os adolescentes com níveis mais elevados de bem-estar espiritual tiveram menos sintomas depressivos e menos comportamentos de risco(6).

A presença de um nível mais elevado de crenças e práticas religiosas em adolescentes permite melhor controle dos impulsos e maior bem-estar, o que contribui para a melhor estabilidade na saúde mental e melhor enfretamento em situações estressantes(42).

Apesar do foco do estudo não ser esse, é prudente mencionar que a literatura encontrou que a religiosidade dos pais e as práticas parentais também auxiliam na prevenção do consumo de drogas. Uma investigação realizada no Brasil detectou que a maior diferença entre adolescentes usuários e não usuários de drogas psicotrópicas foram a sua religiosidade e a sua família(22).

Portanto, os pais devem acompanhar o filho, conhecer seus amigos, impor limites e incentivá-lo a participar de atividades religiosas(43). O apoio parenteral foi destacado como fator de proteção para os adolescentes, aliado ao suporte religioso. É indiscutível a importância da família na prevenção das drogas, uma vez que é a família responsável pela transmissão de valores, monitoramento e imposição de limites ao adolescente(44).

 

Conclusão

Trazer à luz o efeito positivo da religiosidade e da espiritualidade poderá contribuir para que os profissionais envolvidos com os adolescentes lancem intervenções com vistas a reduzir o consumo de drogas nesse grupo, uma vez que existe consenso entre os pesquisadores do efeito protetor e modulador ao uso e ao abuso de drogas lícitas e ilícitas entre os adolescentes. Nesse aspecto é relevante determinar que esse processo ocorre em decorrência do comportamento dos adolescentes no enfrentamento do processo de adolescer.

Ressalta-se, também, o imperativo de pesquisadores brasileiros investirem em pesquisas longitudinais que foquem a religião e a espiritualidade como ações preventivas e interventivas nesse campo.

 

Referências

1. Pessalacia JDR, Menezes ES de, Massuia D. A vulnerabilidade do adolescente numa perspectiva das políticas de saúde pública. Rev Bioethikos. 2010;4(4):423-30.         [ Links ]

2. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte AE, Sardinha LM, Barreto SM, et al. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(1 Supl):136-46.         [ Links ]

3. Chávez LMC, Andrade D. Basic education in the prevention of alcohol consumption and smoking: a reality report. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2005;13(n.espec):784-9.         [ Links ]

4.Monteiro TMEA, Souza CMM de, Martins MCC, Silva, LLL. Adolescentes e o uso de drogas ilícitas: um estudo transversal. Rev Enferm UERJ. 2012;20(3):344-8.         [ Links ]

5.Zeitoune RCG, Ferreira VS, Silveira HS, Domingos AM, Maia AC. O conhecimento de adolescentes sobre drogas lícitas e ilícitas: uma contribuição para a enfermagem comunitária. Esc Anna Nery. 2012;16(1):57-63.         [ Links ]

6.Cotton S, Larkin E, Hoopes A, Cromer BA, Rosenthal SL. The impact of adolescent spirituality on depressive symptoms and health risk behaviors. J Adolesc Health. 2005;36 (6):529.e7–529.e14.         [ Links ]

7. Ursi ES. Prevenção de lesões de pele no perioperatório: revisão integrativa da literatura [Dissertação de mestrado em Enfermagem Fundamental]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2005. 130 p.         [ Links ]

8. Ford JA, Hill T. Religiosity and adolescent substance use: evidence from the National survey on drug use and health. Substance Use & Misuse. 2012;47(7):787-98.         [ Links ]

9. Marsiglia FF, Ayers SL, Hoffman S. Religiosity and adolescent substance use in central Mexico: exploring the influence of internal and external religiosity on cigarette and alcohol use. Am J Commun Psychol. 2012;49(1-2):87-97.         [ Links ]

10. Gryczynski J, Ward BW. Religiosity, heavy alcohol use, and vicarious learning networks among adolescents in the United States. Health Educ Behav. 2012;39(3):331-51.         [ Links ]

11. Gryczynski J, Ward BW. Social norms and the relationship between cigarette use and religiosity among adolescents in the United States. Health Educ Behav. 2011;38(1):39-48.         [ Links ]

12. Vaughan EL, Dios MA, Kratz JAS. Religiosity, alcohol use attitudes, and alcohol use in a national sample of adolescents. Psychol Addict Behav. 2011;25(3):547-53.         [ Links ]

13.Yu M, Stiffman AR. Positive family relationships and religious affiliation as mediators between negative environment and illicit drug symptoms in American Indian adolescents. Addict Behav.2010;35(7):694-9.         [ Links ]

14. Parsai M, Marsiglia FF, Kulis S. Parental monitoring, religious involvement and drug use among latino and non-latino youth in the southwestern United States. Br J Soc Work. 2010;40(1):100-14        [ Links ]

15. Chamratrithirong A, Miller BA, Byrnes HF, Rhucharoenpornpanich O, Cupp P K,

Rosati M, et al. Spirituality within the family and the prevention of health risk behavior among adolescents in Bangkok, Thailand. Soc Sci Med. 2010;71(10):1855-63.

16. Bezerra J, Barros MVG, Tenório MCM, Tassitano RM, Barros SSH, Hallal PC. Religiosidade, consumo de bebidas alcoólicas e tabagismo em adolescentes. Rev Panam Salud Publica.2009;26(5):440-6.         [ Links ]

17. Knight JR, Sherritt L, Harris SK, Holder DW, Kulig J, Shrier LA, et al. Alcohol use and religiousness/spirituality among adolescents. South Med J. 2007;100(4):349-55.         [ Links ]

18. Brechting EH, Giancola PR. Longitudinal study of coping strategies and substance use in adolescent boys. J Child Adolesc Subst Abuse. 2006;16(2):51-67.         [ Links ]

19. Marsiglia FF, Kulis S, Nieri T, Parsai M. God Forbid! Substance use among religious and nonreligious youth. Am J Orthopsychiatry. 2005;75(4):585-98.         [ Links ]

20.Wagner MF, Oliveira MS. Habilidades sociais e abuso de drogas em adolescentes. Psicol Clin. 2007;19(2):101-16.         [ Links ]

21. Martins MC, Pillon SC. A relação entre a iniciação do uso de drogas e o primeiro ato infracional entre os adolescentes em conflito com a lei. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2008 [acesso 12 dez 2013];24(5). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008000500018&lng=en.  doi:10.1590/S0102-311X2008000500018.         [ Links ]

22. Sanchez ZVM, Oliveira LG, Nappo SA. Fatores protetores de adolescentes contra o uso de drogas com ênfase na religiosidade. Cienc Saude Coletiva. [Internet]. 2004 [acesso 12 dez 2013];9(1). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232004000100005&lng=en. doi:10.1590/S1413-81232004000100005.         [ Links ]

23. Teixeira MCTV, Mecca TP, Velloso RL, Bravo RB, Ribeiro SHB, Mercadante MT, et al . Literatura científica brasileira sobre transtornos do espectro autista. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(5):607-14.         [ Links ]

24. Dalgalarrondo P, Soldera MA, Correa Filho HR, Silva CAM. Religião e uso de drogas por adolescentes. Rev Bras Psiquiatr. [Internet]. 2004 [acesso 12 dez 2013];26(2).Português, Inglês. Disponível em:  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462004000200004&lng=en.  doi:10.1590/S1516-44462004000200004         [ Links ]

25. Leal EM, Delgado GPG, Mann R, Strike C, Brands B, Khenti A. Estudo de comorbidade: sofrimento psíquico e abuso de drogas em pessoas em centros de tratamento, Macaé - Brasil. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2012 [acesso 12 dez 2013];21(n.espec). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000500013&lng=en. doi:10.1590/S0104-07072012000500013        [ Links ]

26. Teixeira AF, Aliane PP, Ribeiro LC, Ronzani TM. Uso de substâncias psicoativas entre estudantes de Goianá, MG. Estud Psicol. [Internet]. 2009 [acesso 12 dez 2013];14(1). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2009000100007. doi:10.1590/S1413-294X2009000100007        [ Links ]

27.Andrade SSCA, Yokota RTC, Sá NNB de, Silva MMA da, Araújo WN, Mascarenhas MDM, et al. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros. Cad Saúde Pública. 2012;28(9):1725-36.         [ Links ]

28.Vieira PC, Aerts DRGC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(11):2487-98.         [ Links ]

29.Carvalho PD, Barros MVG, Lima RA, Santos CM, Mélo EN. Condutas de risco à saúde e indicadores de estresse psicossocial em adolescentes estudantes do Ensino Médio. Cad Saúde Pública. 2011;27(11):2095-105.         [ Links ]

30. Malbergier A, Cardoso LRD, Amaral RAA, Santos VCV. Gender parity and drug use: are girls catching up with boys? Rev Bras Psiquiatr. [Internet]. 2012 [acesso 12 dez 2013]; 34(1). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462012000100005&lng=en. doi:10.1590/S1516-44462012000100005        [ Links ]

31.Pizzol TSD, Branco MMN, Carvalho RMA de, Pasqualotti A, Maciel EM, Migott AMB. Uso não-médico de medicamentos psicoativos entre escolares do ensino fundamental e médio no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):109-15.         [ Links ]

32.Koenig HG. Research on religion, spirituality, and mental health: a review. Can J Psychiatry. 2009;54(5):283-91.         [ Links ]

33.Mellor JM, Freeborn BA. Religious participation and risky health behaviors among adolescents. Health Econ. 2011;20(10):1226–40.         [ Links ]

34.Pitel L, Geckova AM, KolarciK P, Halama P, Reijneveld SA, Van Dijk JP. Gender differences in the relationship between religiosity and health-related behaviour among adolescents. J Epidemiol Community Health. 2012;66(12):1122-8.         [ Links ]

35.Chen CC, Dormitzer CM, Bejarano J, Anthony JC. Religiosity and the earliest stages of adolescent drug involvement in seven countries of Latin America. Am J Epidemiol. 2004;159(15):1180-8.         [ Links ]

36. Sinha JW, Cnaan RA, Gelles RJ. Adolescent risk behaviors and religion: Findings from a national study. J Adolesc. 2007;30(2):231-49.         [ Links ]

37. Bartkowski JP, Xu X. Religiosity and teen drug use reconsidered a social capital perspective. Am J Prev Med. 2007;32(6 supl):182-94.         [ Links ]

38. Cavalcante MBPT, Alves MDS, Barroso MGT. Adolescência, álcool e drogas: uma revisão na perspectiva da promoção da saúde. Esc Anna Nery. 2008;12(3):555-9.         [ Links ]

39. Dunn MS. The relationship between religiosity, employment, and political beliefs on substance use among high school seniors. J Alcohol Drug Educat. 2005;49(1):73-88.         [ Links ]

40.Button TMM, Hewitt JK, Rhee SH, Corley RP, Stallings MC. The moderating effect of religiosity on the genetic variance of problem alcohol use. Alcohol Clin Exp Res. 2010; 34(9):1619-24.         [ Links ]

41.Walker C, Ainette MG, Wills TA, Mendoza D. Religiosity and Substance Use: Test of an Indirect-Effect Model in Early and Middle Adolescence. Psychol Addict Behav. 2007; 21(1):84-96.         [ Links ]

42.Pajevic I, Hasanovic M, Delic A. The influence of religious moral beliefs on adolescents' mental stability. Psychiatr Danub. 2007;19(3):173-83.         [ Links ]

43. Farmer AY, Sinha JW, Gill E. The effects of family religiosity, parental limit-setting, and monitoring on adolescent substance use. J Ethn Subst Abuse. 2008;7(4):428-50.         [ Links ]

44. Oliveira EB, Bitterncourt LP, Carmo AC. A importância da família na prevenção do uso de drogas entre crianças e adolescentes: papel materno. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drog. [Internet]. 2008 [acesso 14 dez 2010];4(2). Disponível em: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38673/41520 doi: 10.1590/S1806-69762008000200003.         [ Links ]

Correspondencia:
Adriana Felipe
Rua: Padre Cornélio Hans, 2607
Bairro: Jardim Boa Esperança
CEP: 37100-000 Alfenas, MG, Brasil
E-mail: adrianaofelipe@yahoo.com.br

Recebido: 21.01.2014
Aceito: 14.08.2014