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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.11 no.3 Ribeirão Preto set. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v11i3p122-128 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v11i3p153-160

 

Percepção da equipe de enfermagem sobre os fatores de risco para o consumo de drogas pelas gestantes

 

 

Priscila de Meireles RodriguesI; Sonia Regina ZerbettoII; Mariane Fabiani CicciliniIII

IEnfermeira
IIPhD, Professor Adjunto, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil
IIIEnfermeira, MSc

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O consumo de substâncias psicoativas pela gestante é preocupante devido aos danos causados ao binômio mãe/filho(a). O objetivo deste estudo consistiu em identificar a percepção de profissionais de enfermagem de Unidades de Saúde da Família de uma cidade do interior paulista sobre os fatores de risco para o uso de substâncias psicoativas em gestantes. Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, realizada com cinco enfermeiros e nove auxiliares de enfermagem, no período de outubro de 2013 a março de 2014, através de entrevistas semiestruturadas, utilizando a análise de conteúdo de Bardin. Os resultados apontaram que os fatores de risco estão relacionados a questões familiares, socioeconômicas, culturais e biopsicológicas. Concluiu-se que os profissionais devem atentar ao pré-natal, condições de vida e dinâmica familiar das gestantes.

Descritores: Equipe de Enfermagem; Gestantes; Drogas Ilícitas; Fatores de Risco.


 

 

Introdução

O consumo de substâncias psicoativas é considerado um dos principais problemas de saúde pública, pois elas ocasionam alterações do estado de consciência e modificam o comportamento das pessoas que as utilizam(1).

Referente às gestantes, o uso de álcool e de outras drogas torna-se mais preocupante por representar um risco à mulher e ao feto, visto que tais substâncias podem ultrapassar a barreira transplancentária e hematoencefálica, pressupondo-se, portanto, que não há quantidades seguras para o consumo dessa bebida, ou de qualquer outra Substância Psicoativa (SPA), pela gestante(2-4).

Os danos causados pelas drogas ao recém-nascido envolvem prejuízos fisiológicos e psicossociais, tais como síndrome de abstinência fetal, síndrome fetal alcoólica, sendo essa caracterizada por danos ao sistema nervoso central, malformações congênitas, déficit cognitivo e do aprendizado, quadros psiquiátricos(5), além de baixo peso(6), irritabilidade, dificuldades comportamentais, entre outros. Em relação às gestantes, as consequências envolvem: partos prematuros, risco de aborto, alteração de característica e produção de leite materno, descolamento prematuro de placenta, problemas cardiovasculares, risco de sofrerem violência, abuso sexual, alteração de sono, depressão, irritabilidade, entre outras(7-8).

Estudo que utilizou os instrumentos de rastreamento para o álcool (Cutdown, Annoyed, Guilty e Eye-opener-CAGE, Tolerance, Cut-down, Annoyed e Eye-opener-T-ACE e Tolerance, Worry, Eye-opener, Annoyed, Cut-down-TWEAK) indicou que 40,6% das gestantes fizeram uso de álcool em algum momento da gravidez, enquanto 10,1% utilizaram essa droga até o final da gestação. Foi identificado, também, consumo exagerado de álcool por gestantes com mais de 30 anos e baixa escolaridade, sendo que muitas dessas não se declararam usuárias abusivas de SPA, por medo de serem estigmatizadas, fator que dificultou a identificação das usuárias pelos profissionais da saúde(9).

Na dimensão da dependência química, a gestação é considerada de alto risco, tanto devido à questão do uso da droga como à vulnerabilidade social e emocional das gestantes. A maioria delas não adere ao pré-natal, participa pouco dos grupos de gestantes, apresenta riscos elevados às complicações fetais e obstétricas, abandona os filhos ou é impedida pela justiça de cuidar deles(8).

Diante da revisão de literatura, observa-se que a gestante necessita de orientações dos profissionais de saúde, incluindo os da enfermagem, sobre os riscos do consumo de bebidas alcoólicas e outras drogas, nessa fase, bem como sobre os danos causados a ela e ao feto(10). Compreende-se que a Unidade de Saúde da Família (USF) constitui um espaço estratégico e importante para intervenção preventiva e terapêutica a essa população específica. Porém, para que a equipe de enfermagem possa realizar uma abordagem e aconselhamento preventivo e terapêutico, também precisa ter conhecimento sobre os fatores de risco de uso de drogas pelas gestantes.

Entendem-se como fatores de risco as variáveis ou as condições que podem tornar a pessoa vulnerável a assumir comportamentos arriscados(11-12).

Dessa maneira, tem-se como questão de pesquisa: qual a percepção que a equipe de enfermagem de Unidades de Saúdes da Família tem sobre os fatores de risco que levam uma gestante ao uso de drogas?

Este estudo justifica-se pela sua relevância, ao se considerar os danos irreversíveis ao binômio mãe/filho(a) causados pelo consumo de substâncias psicoativas durante a gestação, requerendo da equipe de enfermagem capacitação para intervir, postura acolhedora e compreensão do contexto de vida da gestante.

 

Objetivo

O objetivo deste estudo consistiu em identificar a percepção dos profissionais de enfermagem de Unidades de Saúde da Família de uma cidade do interior paulista, sobre os fatores de risco para o uso de substâncias psicoativas em gestantes.

 

Métodos

Trata-se de pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, baseada na análise da compreensão da realidade humana vivida socialmente, buscando compreender e explicar a dinâmica das relações sociais.

O estudo foi realizado em 4 USFs de uma cidade do interior paulista, por desenvolver ações básicas à saúde da mulher de forma integral, descritas nas Normas Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS-SUS 01/02). Os sujeitos da pesquisa constituíram-se de nove auxiliares de enfermagem e cinco enfermeiras de USFs. Os critérios de inclusão consistiram em profissionais de enfermagem que trabalhavam nas USFs e atendiam as gestantes. Os critérios de exclusão consistiram em estarem em período de férias ou afastamento do trabalho por motivo de licença saúde ou gestante no momento da coleta de dados.

A coleta de dados ocorreu através da entrevista semiestruturada(13), com a questão norteadora: quais são os fatores que levam uma gestante a fazer uso de drogas?

Os encontros foram previamente agendados, de acordo com as possibilidades dos trabalhadores de saúde e pesquisadora, e foram realizados em local que melhor conviesse aos mesmos. Para que houvesse a captura de todas as informações, foi usado o recurso do gravador digital durante toda a entrevista, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos sujeitos.

Todas as entrevistas foram transcritas e analisadas posteriormente. Foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, categoria temática descrita por Bardin(14), que busca descobrir os núcleos de sentido que constituem uma comunicação. A análise consistiu em três fases, ou seja: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação(13).

A pré-análise resumiu-se na escolha, organização e leitura flutuante das entrevistas para a constituição do corpus. Na sequência, foram salientados pontos de reflexão e unidades de registro (temas), que se referiam aos elementos obtidos através da decomposição do conjunto das mensagens. Na fase de exploração do material, buscaram-se a elaboração de áreas temáticas, das categorias de análise e codificação, ou seja, agrupar ideias em torno de um conceito. A análise temática consistiu em descobrir núcleos de sentido, cuja presença ou frequência de aparição podem significar algo para o objetivo analítico escolhido(13-14).

A etapa de tratamento dos resultados obtidos e de interpretação consistiu na compilação de informações obtidas através do processo qualitativo, desvendando o conteúdo subjacente ao que foi manifesto, inferindo e interpretando de acordo com a fundamentação teórica.

As entrevistas ocorreram no período de outubro de 2013 a março de 2014, com duração média de 20 minutos. Foram identificadas com a letra “E” de entrevistados, procedidas com uma numeração, conforme sequência das entrevistas e categoria profissional, ou seja, AuxE para os auxiliares de enfermagem e Enf para enfermeiros(as).

Foram observados e respeitados todos os aspectos éticos disciplinados pela Resolução 466/12, regulamentada pelo Conselho Nacional de Saúde, e assegurados aos participantes deste estudo a desvinculação da pesquisa no momento em que desejassem, além da manutenção do sigilo quanto às informações coletadas e à privacidade dos mesmos. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, conforme Parecer n°400.945/2013.

 

Resultados

Da análise das entrevistas surgiram três grandes categorias. Os trabalhadores de enfermagem compreenderam que o uso de drogas na gestação está relacionado a fatores familiares (1), fatores socioeconômicos (2) e fatores biopsicológicos e culturais (3).

Fatores familiares

Os trabalhadores de enfermagem compreenderam que a prevalência de uso de drogas em gestante aumenta em famílias vulneráveis, principalmente naquelas em que outros membros familiares ou companheiro são usuários de drogas e podem influenciá-la para o consumo. Outro fator identificado foi relacionado à imitação pela filha de uma situação de gravidez vivenciada pela mãe, ou seja, ambas tiveram gravidezes precoces, na fase do ciclo vital da adolescência. A inserção em um ambiente familiar em constante conflito, onde o uso de substâncias psicoativas tenha livre acesso, tornam-se fatores agravantes, expondo a mulher ao uso durante a gestação.

Acho que o meio que ela está inserida, né. Muitas vezes, ela até se propõe a parar de usar álcool e outras drogas. Mas o parceiro faz uso, o irmão faz uso, o pai faz uso, a mãe faz uso. E aí é assim, é muito difícil você conseguir parar com todo mundo usando do seu lado né. É difícil até a adesão ao pré-natal né. Então, assim, é difícil até ela vir aqui, se propor a passar com a gente, né (E12–Enf).

Eram pessoas que não levavam uma vida muito regrada, não tinha aquela definição de família, não tinham... Que não tinham interesse, não tinham uma vida cultural. Não têm noção da problemática que isso pode trazer (E2-AuxE).

Sim, a falta de estrutura familiar. A maioria dessas meninas, então o que acontece... As mães também tiveram elas, também com 14 ou 15 anos, né. Então, agora essas mães têm em torno de 35 a 40 anos e já são avós... Então, na verdade, elas reproduzem o que aconteceu com a mãe. Então, né... Uma vai reproduzindo a mesma coisa que a outra e acha isso natural, né (E4-Enf).

Fatores socioeconômicos

Os profissionais consideraram que os casos de gestantes usuárias de substâncias psicoativas tendem a ocorrer em famílias e/ou grávidas em situação de vulnerabilidade social, condição econômica instável, com poucas informações sobre a temática. No entanto, também não descartaram a ocorrência de casos de uso problemático de drogas em famílias com melhores condições sociais e financeiras. No entanto, perceberam maior prevalência do problema na situação de risco social.

Outro problema social identificado pelos trabalhadores de enfermagem relacionou-se à falta de apoio social, principalmente de gestantes adolescentes, solteiras e advindas de famílias “desestruturadas”.

Eu acho que é uma questão… bem socioeconômica. A gente percebia que a parte financeira também é prejudicada. Não tinham um bom nível cultural pra saber da problemática que isso pode trazer, né. Vem do alicerce da família, né. Eu acredito que seja. Apesar de que também em uma família bem de vida pode acontecer. Mas é bem carência. Isso pelo menos as pessoas que eu tive contato (E2-AuxE).

Tá em um lugar que o risco da vulnerabilidade, o risco é alto demais, que você, né... Tem ali o tempo todo (E4-Enf).

E aí a gente tenta trabalhar isso, a família que ela não tem... E é a dificuldade do meio e a dificuldade das redes que ela tem, né. Ela não tem apoio. Muitas vezes, são mães solteiras, adolescentes e que não escolheram estar grávidas, que vêm de uma família já desestruturada e que vai formar qualquer coisa que... Mas, que não é família. Porque elas estão sozinhas (E12-Enf).

Fatores biopsicológicos e culturais

Os fatores de risco identificados nos âmbitos psicológico e biológico foram relacionados a situações de intergeracionalidade e predisposição genética, respectivamente, sendo essa última reconhecida como uma pessoa vulnerável devido à sua personalidade, ou à idade precoce. No âmbito psicológico também foram reconhecidas situações de baixa autoestima, pais permissíveis, sentimentos de desesperança e desgosto experienciados no decorrer da vida da gestante, além de medo, insegurança e busca pelo prazer pessoal através da droga.

Então, a gente percebia que droga era devido à vulnerabilidade da pessoa (E2-AuxE).

Sabe, e eu ainda tenho drogadição na família né (E9-AuxE).

Não, porque assim... Eu tive gente com 13 e tive gente com 30. Então, essa faixa etária assim bem ampla (E12–Enf).

Desde a criação de pai e a mãe, já usavam drogas. Alguma coisa desencadeou ela, porque uma mulher não vai entrar nas drogas. Ah! eu entrei porque gostei. Não. Sempre tem alguma causa (E11-AuxE).

Baixa estima, eu acho que elas têm aqui, é… (E4-Enf).

Ah talvez tenha sido o desgosto. Porque que nem essa gestante ela ficou desesperada porque o marido... ela não esperava que o marido dela fosse preso. E aí ela acabou mais se afundando, né (E8–AuxE).

Ah!... Eu acho que é insegurança, medo... Ah! E tem o prazer também. Bebida, né... Ah! Nem só bebida. Tudo que é errado tem certo prazer, né. Então eu acho que a gente começa... Principalmente a bebida... Todo mundo começa pelo prazer (E9-AuxE).

Na dimensão cultural, os fatores relacionaram-se ao ambiente em que as gestantes vivem, reconhecendo-o como um espaço promotor ao uso, tornando o ato de usar drogas naturalizado no bairro e elas convivem com tal situação. Outro elemento responsável envolve situações permissíveis ao uso, como festas e momentos de diversão, ou a utilização da substância psicoativa pela gestante para fins de diversão e desinibição. Outro fator consistiu na falta de atividades de lazer e culturais que podem, também, proporcionar o ócio e, portanto, levar ao consumo de drogas. Outra percepção dos trabalhadores de enfermagem consistiu na perda de perspectivas de vida que pode motivar a gestante ao uso, principalmente a adolescente, desencadeando inclusive uma gravidez que lhe dê status no bairro.

Ah! Eu acho assim, o meio que envolve essa pessoa? Ah, eu acho que é a cultura mesmo. Daqui é a cultura mesmo, não tem o que... que de 100% aqui 80% sempre mexe. Ou vende, ou... sempre ali. Eu acho que... Aqui é o ambiente mesmo, é o todo (E13-AuxE).

A maioria das meninas, elas já são... O meio faz a pessoa. Esse meio já é convidativo pra isso. Então a gente sabe que todas elas... Todas não... Mas a maioria já vem com esse “Eu vou usar droga, eu uso droga, eu vou engravidar do ‘cara’ [traficante] lá”, né. Então é um ciclo natural aqui, que eu tenho percebido nesses seis meses aqui. Pra elas é uma coisa normal, elas nasceram, conviveram com isso e talvez as mães dela usem, ou vendam. E as coisas é mais ou menos assim que funcionam (E14-AuxE).

Têm coisas que são culturais e têm coisas que vai além, pra questão da dependência. Se o uso é uma questão cultural: Ah! eu uso quando eu vou pra uma festa, né… ah! tomo de vez em quando. Ah! eu tomo num final de semana, eu tomo pra me divertir. Se eu não tomar, eu não consigo me soltar, né… se eu não tomar eu não consigo me colocar, né… não consigo me divertir (E5-Enf).

 

Discussão

Os estudos salientam fatores de risco para o uso de substâncias psicoativas na população feminina, com ausência ou pouca estrutura familiar, carência afetiva, histórico de transtorno psiquiátrico na família(1), precedente de sofrimento psíquico em mulheres dependentes de drogas, tais como ansiedade, depressão, bem como comportamentos agressivos, de impaciência e desconcentração(15). Estudo apontou que o perfil de gestantes com suspeita de uso de bebidas alcoólicas mostrou-se prevalente em mulheres em idade avançada, baixa escolaridade, tabagistas, com baixo apoio social, multigestas e com histórias de abortamento anterior(9).

Constata-se que os filhos de dependentes possuem maior predisposição para transtornos psiquiátricos, “desenvolvimento de problemas físico-emocionais e dificuldades escolares”(16). A convivência com um alcoolista não recuperado no ambiente familiar pode desencadear situações estressantes aos membros da família, como agressões físicas, morte de familiares e problemas com a polícia(16).

Detectou-se que um dos fatores de risco na dimensão familiar relacionou-se à modelagem de papéis parentais, em que a filha, na busca e construção de sua identidade, apreende, aprende e reproduz as normas e valores transmitidos pela mãe, que, nesse caso, foram identificados no referente à gravidez na adolescência. Dessa maneira, observou-se uma transmissão intergeracional, em que há padrões comportamentais repetitivos, bem como valores experienciados e repassados de geração a geração.

Algumas situações se repetem e são perpetuadas através de gerações, possibilitando um eixo organizador de conteúdos emocionais, culturais e sociais para a família. Porém, o modo como essa se organiza relaciona-se ao sentido que ela atribui à própria vida e o transmite intergeracionalmente, permeando as estruturas relacionais familiares, originando os significados atribuídos às vivências e valores determinados(17).

A dependência química constitui um quadro clínico que pode ocasionar impacto intergeracional, afetar e influenciar de maneira significativa os padrões de funcionalidade da família(18).

Os principais fatores de risco para o uso de drogas entre gestantes adolescentes, na cidade de São Paulo, consistiram em baixa renda familiar, pertencerem a classes sociais de baixo poder aquisitivo, baixa escolaridade, exposição a eventos difíceis na vida(2,19) e baixo apoio social(9). Ressalta-se, também, que relações amorosas instáveis com o marido ou companheiro são considerados fatores preditores para uso de álcool e tabaco na gravidez(9), considerando-se que a gestação em mulheres solteiras muitas vezes está associada a outros fatores de risco para o uso de bebidas alcoólicas, como a baixa escolaridade, baixo nível socioeconômico e a gravidez indesejada(20).

Estudo que buscou apreender a percepção de gestantes, no que se refere ao consumo de drogas ilícitas na gestação, aponta que elas identificaram como fatores de risco problemas familiares, a falta de companheiro ou parceiro, problemas financeiros, baixa autoestima e solidão(21). A literatura também salienta que há situações familiares em que as gestantes são incentivadas por companheiros, amigos e familiares a consumirem álcool nos momentos de festividade, lazer e confraternização, independendo das condições financeiras(22). Portanto, é importante que os profissionais de enfermagem atentem ao estilo de vida e à rotina familiar, identifiquem fatores de risco para a exposição ao álcool e outras drogas durante a gravidez e realizem orientações rotineiras.

A utilização de substâncias psicoativas durante a gestação também está associada a distúrbios neurológicos, depressão e a diversas desordens afetivas. Porém, o desconhecimento dos profissionais de enfermagem sobre os fatores que levam a gestante ao uso de substâncias psicoativas impede a identificação precoce dessa problemática e da gestante, o que dificulta intervenção preventiva e terapêutica adequada para o auxílio dessa mulher(23).

 

Considerações finais

No referente aos riscos do consumo de substâncias psicoativas e gestação, a maioria dos trabalhadores de enfermagem compreende que tal uso, durante a gestação, relaciona-se a fragilidades familiares, econômicas, biopsicossociais e culturais. Esses profissionais reconhecem que os principais fatores de risco para o consumo de drogas pelas gestantes estão relacionados à inserção das gestantes em famílias consideradas “desestruturadas” e facilidade de acesso para uso de substâncias psicoativas no ambiente familiar. Assim, os profissionais de enfermagem necessitam reforçar as orientações em relação aos prejuízos causados ao binômio mãe/filho(a) quanto ao uso de substâncias nos diversos momentos que estiverem com as gestantes. Precisam estabelecer que não haja quantidade de álcool e de outras drogas que possa ser considerada segura para consumo durante essa fase, além de frisar a importância da abstemia e a necessidade de atenção e intervenção por todo o período gestacional.

É importante que a equipe de enfermagem, durante o pré-natal, esteja atenta não só às questões da evolução do processo gestacional, mas às condições econômica, estrutural e funcional da família da gestante. O objetivo é identificar possíveis fatores de risco para a exposição às drogas durante a gravidez, além de elaborar ações preventivas e/ou de intervenção para essa problemática.

Conclui-se que há necessidade de aprofundar a investigação a respeito da percepção dos profissionais de enfermagem a respeito desse tema polêmico; porém, acredita-se que os resultados encontrados possam subsidiá-los, tanto em apreensão de conhecimento da realidade da gestante usuária de drogas quanto à identificação dos fatores de risco para uma intervenção efetiva e eficaz.

 

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Correspondencia:
Priscila de Meireles Rodrigues
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Recebido: 25.11.2014
Aprovado: 19.05.2015