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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.11 no.4 Ribeirão Preto dez. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v11i4p208-216 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v11i4p208-216

 

O consumo de álcool e o sentido de coerência em jovens em formação educativa

 

El consumo de alcohol y el sentido de coherencia en jóvenes en formación educativa

 

 

Lidia Susana Mendes MoutinhoI; Aida Maria de Oliveira Cruz MendesII; Manuel Jose LopesIII

IDoutoranda, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Enfermeira, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, Lisboa, Portugal
IIPhD, Professor Doutor, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal
IIIPhD, Professor Doutor, Escola Superior de Enfermagem de Évora, Évora, Portugal

 

 


RESUMO

O consumo de bebidas alcoólicas tem sofrido alterações assim como os fatores que o influenciam. Com o objetivo de perceber o papel do sentido no padrão de consumo de bebidas alcoólicas, realizou-se estudo, numa amostra de jovens adultos (N=260) com idade entre 20 e 30 anos, em Lisboa. Os instrumentos utilizados foram o The Alcohol Use Disorder Identification Test e o Questionário do Sentido de Coerência. Os resultados mostram que 10,8% têm problemas de consumo de álcool. Os que têm sentido de coerência mais baixo, principalmente na dimensão capacidade de investimento, apresentam mais consumo nocivo e de risco. Conclui-se que a promoção de comportamentos de saúde deve incluir medidas que visem o fortalecimento do sentido de coerência.

Descritores: Consumo de Bebidas Alcoólicas; Adulto Jovem; Senso de Coerência.


RESUMEN

El consumo de bebidas alcohólicas ha sufrido alteraciones, y también los factores que lo influencian. Con objeto de percibir el papel del sentido en el estándar de consumo de bebidas alcohólicas, fue desarrollado un estudio en una muestra de jóvenes adultos (N=260) con edad entre 20 y 30 años, en Lisboa. Los instrumentos utilizados fueron el The Alcohol Use Disorder Identification Test y el Questionário do Sentido de Coerência. Los resultados muestran que el 10,8% tiene problemas de consumo de alcohol. Aquellos que poseen sentido de coherencia más bajo, principalmente en la dimensión capacidad de inversión, presentan mayor consumo nocivo y de riesgo. Se concluye que la promoción de comportamientos de salud debe incluir medidas que visen al fortalecimiento del sentido de coherencia.

Descriptores: Consumo de Bebidas Alcohólicas; Adulto Joven; Sentido de Coherencia.


 

 

Introdução

O consumo excessivo de álcool é considerado pela Organização Mundial de Saúde como importante ameaça à saúde pública mundial. A Europa é a zona do mundo com consumo mais elevado de álcool, com cerca 23 milhões de europeus (5% de homens, 1% de mulheres) dependentes do álcool(1). Esse fato torna-se mais preocupante se se levar em consideração o aumento em toda a Europa do consumo de risco na população mais jovem, não sendo Portugal exceção.

No território nacional, os estudos epidemiológicos realizados sobre o consumo de álcool colocam Portugal no grupo de países com as taxas de mortalidade ajustadas para a idade mais elevada da Europa, em ambos os sexos(2). No que diz respeita ao padrão de consumo, até alguns anos atrás, era maioritariamente masculino, sendo as bebidas de eleição o vinho e a cerveja. O seu consumo iniciava-se por volta dos 15 anos, sendo que, nos rapazes, o início era mais precoce(3). Nas últimas décadas, porém, o consumo de álcool tem sofrido alterações no que respeita à idade de experimentação, tipo de bebidas e padrão de consumo. De acordo com revisão sistemática da literatura, realizada por Barroso, Barbosa e Mendes(4), o consumo de bebidas alcoólicas aumenta progressivamente com a idade e o início do consumo é, em média, aos 12 anos, verificando-se percentagens idênticas em indivíduos de ambos os sexos(5-6). Dados revelados pelo Instituto Droga e Toxicodependência (IDT)7 referiram que no ano 2011, comparativamente a 2007, verificaram-se maiores percentagens de consumidores entre 13 e 15 anos e maior aumento de consumo de álcool entre as raparigas, comparativamente com os rapazes.

No que respeita às bebidas consumidas, constataram-se também diferenças, uma vez que, especialmente entre os mais jovens, é notória a preferência por cerveja e bebidas destiladas(7) em detrimento do vinho.

O padrão de consumo de bebidas alcoólicas sofreu também alterações, sendo frequente o binge drinking, ou seja, o consumo de cinco ou mais bebidas alcoólicas na mesma ocasião em pelo menos um dia, nos últimos 30 dias. Em estudo realizado em Portugal concluiu-se que 27,7% dos jovens com idade compreendida entre 13 e 19 anos adotaram essa forma de beber(8). Dados revelados pelo Inquérito Europeu sobre o Consumo de Álcool e Outras Drogas(7) mostram que, comparativamente ao ano 2007, verifica-se aumento significativo dos padrões de consumo intensivos de binge drinking nos alunos dos 16 aos 18 anos.

Em Portugal, o álcool é responsável por 60% das doenças, sendo as de maior impacto a cirrose alcoólica e mortes por acidente de viação, em particular nos mais jovens(9). É também sabido que as pessoas que iniciam o consumo de álcool durante a adolescência têm maior probabilidade de desenvolver dependência(10), assim como de sofrer consequências diretas em nível do sistema nervoso central, tais como défices cognitivos, de memória e limitações de aprendizagem(11).

São, assim, conhecidas as consequências do consumo de álcool na saúde individual, o seu impacto na saúde pública e as alterações verificadas no padrão de consumo entre os mais jovens. Desconhece-se, no entanto, o que influencia essa alteração, ou seja, o que está a condicionar a escolha de cada indivíduo na adoção de estilos de vida saudáveis ou de comportamentos de risco.

Se se considerar que o estado de saúde individual depende da forma como cada um interpreta a vida, do ponto de vista cognitivo, afetivo e motivacional e mobiliza os recursos disponíveis para manter a saúde e o bem-estar(12), conhecer o modo como os indivíduos enfrentam os acontecimentos de vida, de acordo com as suas características intrínsecas e extrínsecas, pode ser útil para integrar intervenções bem-sucedidas. Um exemplo de uma característica intrínseca é o Sentido de Coerência (SC)(13). Esse assume caráter cognitivo, afetivo e motivacional que permitirá ao indivíduo negar a desordem da sua vida, recuperando a ordem e a coerência ao integrar esse acontecimento na sua experiência de vida. Engloba três dimensões: a compreensibilidade ou capacidade de compreensão - que se refere à capacidade com que o indivíduo apreende os estímulos emanados dos meios internos ou externos da sua existência, a manejabilidade ou capacidade de gestão, que diz respeito à perceção que o indivíduo desenvolve sobre os seus recursos pessoais ou sociais para satisfazer as exigências colocadas por esses estímulos e a capacidade de investimento ou significabilidade que diz respeito à capacidade que o indivíduo tem de retirar sentido dos acontecimentos da sua vida e, por isso, encontrar razão para investir a sua energia e interesse. O sentido de coerência desenvolve-se fundamentalmente durante as primeiras décadas da vida, sendo relativamente estável ao longo dessa, principalmente após os 30 anos(14).

A existência de relação entre a perceção de saúde, nomeadamente nos componentes saúde mental e sentido de coerência está bem documentada sendo esse considerado um bom preditor da adoção de comportamentos de saúde(15). Trabalhos já realizados apontam a existência de relação entre os comportamentos de saúde e o sentido de coerência, sendo, no entanto, pouco frequentes os que analisam a sua ligação com o consumo de álcool. De modo a perceber qual o papel do sentido de coerência no consumo de álcool, desenvolveu-se este estudo na população estudantil de Lisboa, a partir da questão de investigação: "Qual a influência do sentido de coerência nos consumos de álcool de jovens em formação educativa, com idade compreendida entre 20 e 30 anos?".

 

Metodologia

O estudo é descritivo correlacional de natureza quantitativa. Para a sua realização, os participantes foram selecionados em estabelecimentos de educação, do ensino superior e de formação profissional, utilizando a técnica de amostragem por conveniência. A amostra foi constituída por 260 indivíduos de ambos os sexos, com idade compreendida entre 20 e 30 anos, do concelho de Lisboa. Procedeu-se ao pedido de autorização aos diretores das diferentes instituições e o estudo foi aprovado por uma comissão de avaliação da Universidade de Lisboa. Após a resposta positiva, efetuou-se uma reunião com os coordenadores dos cursos, quando foi definido o contexto mais adequado para a realização da recolha de dados. Em sala de aula, nos momentos previamente agendados, foi dado a conhecer aos participantes os objectivos do estudo. Após a explicação do direito individual de recusar a participação a qualquer momento e sem consequências e de terem sido dadas garantias de confidencialidade dos dados recolhidos, bem como de anonimato dos respondentes, cada um dos participantes leu e assinou os Termos do Consentimento Informado antes da distribuição e preenchimento dos questionários. Nesses, incluía-se um campo opcional para a colocação do número de celular, para o caso de se verificar indicação e aceitação de futuros contactos. Aos participantes com escore superior a 8 noThe Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) e que tinham facultado o contacto telefônico foram seguidas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), no que respeita à sensibilização e ao ensino sobre as consequências do consumo. Após a recolha dos questionários, procedeu-se à sua codificação. Para o tratamento estatístico dos dados utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.

Os instrumentos de recolha de dados utilizados foram o The Alcohol Use Disorder Identification Test - AUDIT(16-17) e o Questionário do Sentido de Coerência – SCO(14,18).

A seleção do AUDIT baseou-se no fato de ter sido desenvolvido pela OMS com o intuito específico de screening para os problemas relacionados ao uso de álcool. Tem como objetivo identificar os bebedores de risco, avaliando o consumo, sintomas de dependência, consequências pessoais e sociais do beber nos últimos 12 meses. É composto por 10 questões que incluem três itens sobre o uso de álcool, quatro sobre a dependência e três sobre problemas decorrentes do consumo. O seu preenchimento tem duração aproximada de 5 minutos. Esse questionário poderá apresentar resultados com scores que variam entre zero e quarenta. Apresenta sensibilidade de 92% e especificidade de 93%. Uma pontuação igual ou maior a um na pergunta dois ou na pergunta três indica consumo de risco. Uma pontuação maior que zero nas perguntas quatro a seis, especialmente com sintomas diários ou semanais, implica a presença ou o início de dependência. Os pontos obtidos nas perguntas sete a dez indicam que já existem danos relacionados ao consumo de álcool(16). Possibilita, ainda, a classificação do nível de risco e, de acordo com esse, uma orientação para a intervenção que vai desde informação sobre o consumo de álcool à avaliação diagnóstica com referenciação para tratamento. Os níveis de risco são obtidos a partir dos escores apresentados. Um escore inferior a 7 corresponde à Zona I, ou seja, a consumo de baixo risco ou abstinência, os resultados compreendidos entre 8 e 15 identificam risco médio e referem-se à Zona II, os participantes da Zona III apresentam escores compreendidos entre 16 e 19, o que corresponde a risco elevado, e os resultados superiores a 20 apresentam critérios de dependência e dizem respeito à Zona IV.

O Questionário do Sentido de Coerência (SC)(14,18) é constituído por 29 itens e tem como objetivo medir o sentido interno de coerência.

A operacionalização dessa variável, com as suas três componentes, faz-se através de uma escala de 29 itens de diferencial semântico de sete pontos (tipo Likert), posicionados entre duas frases de referência(18). A pontuação de cada uma das subescalas obtém-se somando as pontuações dos itens respetivos, sendo os itens 1, 4, 5, 6, 7, 11, 13, 14, 16, 20, 23, 25, 27 a inverter. O valor SC é o resultado da soma de todos os itens, sendo que quanto mais elevado o valor maior o sentido interno de coerência do questionado. As propriedades psicométricas da escala, originalmente criada por Antonovsky(13) apresentam  elevada consistência interna, alfa de Cronbach, para a escala total, entre 0,82 e 0,95. A estabilidade temporal é também referida como sendo muito satisfatória para intervalos de 1 ano ou menos (correlação teste/reteste de 0,76 para um ano, 0,80 para seis meses e 0,91 para duas semanas de intervalo)(13,18), utilizou igualmente a versão longa no seu trabalho de operacionalização do conceito sentido de coerência. Neste estudo, o valor do coeficiente de consistência interna, alfa de Cronbach, variou entre 0,83 e 0,90.

 

Resultados

A amostra foi constituída por 260 participantes, sendo 32,7% indivíduos do sexo masculino e 67,3% do sexo feminino com média de idade de 23,87. No que respeita à origem do suporte econômico, em 20,8% dos casos esse era oriundo da ocupação laboral, em 22,7% de bolsa de estudos, em 64,2% de apoios familiares e 6,5% de outras fontes. O somatório é superior a 100%, pois há estudantes que referiram mais do que uma fonte de apoio econômico. Os participantes referiram ter amigos, sendo a média do número de amigos de 15,13, num mínimo de zero e máximo de cem. No que concerne à existência de uma relação afetiva estável conclui-se que 76,5% referem que essa existe e 21,2% diz não ter. Seis (2,3%) optaram por não responder a essa questão.

No que diz respeito à identificação de um padrão de consumo de risco ou prejudicial, verificou-se que, de acordo com os dados obtidos pelo AUDIT, 89,2% da amostra não apresenta consumo de risco. No entanto, uma percentagem de 10,8% apresentou consumo de risco ou prejudicial (Figura 1). Quando analisado o padrão de consumo nos dois sexos, verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas (t=3,78; p=0,00), sendo os participantes do sexo masculino os que apresentam maiores consumos de risco (X♂ (AUDIT)=4,99; X♀ (AUDIT)=2,71).

No que diz respeito à medida do sentido de coerência, verificáou-se que a média foi de 139,74. Ao fazer a comparação entre os dois sexos, por teste t para amostras independentes, quanto ao valor total de SC, concluiu-se que não existem diferenças estatisticamente significativas (t (230)=-1,387; p=0,167). No entanto, ao analisar a diferença nas três dimensões do SC foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na "Capacidade de Investimento" (t (242)=-2,583; p=0,01) sendo a média dessa inferior nos participantes do sexo masculino (média (m)=41,77; desvio-padrão (dp)=7,94) comparativamente ao sexo feminino (m=44,63; dp=8,16).

Quando estudada a diferença entre os grupos definidos pelo AUDIT e a medida de sentido interno de coerência verificou-se que há diferenças entre grupos para o valor de SC, F(2;231)=4,62; p=0,01. As comparações post-hoc, por teste Bonferroni, indicaram que o Grupo I, o dos participantes que apresentam baixo risco ou são abstinentes, apresenta SC mais elevado (m=140,70; dp=8,89) comparativamente aos do Grupo III (m=119,42; dp=8,89), ou seja, o grupo que inclui os participantes com risco elevado e/ou dependência. Essa diferença é estatisticamente significativa para um valor de p de 0,01.

No que diz respeito à análise pelas três dimensões que fazem parte do SC, concluiu-se que existem diferenças estatisticamente significativas na dimensão Capacidade de Investimento ou Significabilidade, F(2;241)=3,91; p=0,02. O Grupo III apresenta uma significabilidade, isto é, uma capacidade de investimento que lhe permite retirar sentido dos acontecimentos da sua vida, inferior aos do Grupo I (m1=43,97/ m3=35,29; p=0,02 no teste de Bonferroni).

Figura 2

 

Discussão

A amostra agora estudada encontra-se no início da adultez, com média de idade de 24 anos e, embora ainda a frequentar o ensino, numa percentagem de 20,8% já apresentam experiência do mundo laboral. O grupo de amigos ainda é extenso, como característico da adolescência, numa média de 15 amigos que se pode estender até ao máximo de 100. Por outro lado, em conformidade com a faixa etária estudada, a maioria refere ter uma relação afetiva estável. De acordo com Erickson(19), entre 18 e 20 anos até aos 30 os indivíduos procuram a construção de relações profundas e iniciam o interesse profissional. Após uma moratória social e a resolução das tarefas da adolescência de construção de uma identidade, os jovens adultos desenvolvem as suas aptidões para a relação com o outro e o estabelecimento de compromissos, naquilo a que Erickson designou de intimidade versus isolamento. Ao mesmo tempo, essa é uma fase da vida em que a responsabilidade individual pelos seus próprios hábitos alimentares, de exercício e estilos de vida em geral está cada vez mais dependente das suas escolhas individuais. As pessoas nessa fase da vida constroem a sua autonomia e desenvolvem uma visão global dos seus objetivos de vida(20). Assim, essa é uma fase em que às condições facilitadoras para o consumo, tais como maior autonomia, pode-se contrapor a maior sentido de responsabilidade, menor influência dos pares e ação mais fundamentada nas suas próprias convicções. Essa é uma fase em que os jovens obtêm educação e treino necessário para as suas carreiras futuras(21) e em que o uso de álcool, durante essa importante fase de transição, pode impedir o sucesso das tarefas desenvolvimentais. É durante as primeiras décadas de vida que, segundo Antonovsky (1987)(14), o indivíduo começa a se posicionar na forma como vai encarar os estímulos provenientes do meio, a identificar os recursos disponíveis para lidar com os acontecimentos do dia a dia e a distinguir, desses, quais os que são merecedores do seu investimento e empenho. Para esse autor o indivíduo está num processo contínuo, no qual, ao longo da sua vida, irá defrontar-se com dois polos desse contínuo, sendo um polo a saúde e o outro a doença. Por se estar continuamente expostos a estímulos oriundos do meio no qual se está inserido é necessária a realização de escolhas que permitam permanecer mais próximo do polo saúde. A opção por comportamentos de saúde e o estabelecimento de limites a situações que a possam pôr em causa são premissas inerentes aos indivíduos com um elevado SC(12), pelo que esses apresentam menor tendência para os consumos nocivos(14). Na amostra estudada e no que respeita ao consumo de álcool, conclui-se que a maior percentagem dos participantes opta por consumos que não comprometem a sua saúde. No entanto, considerando a totalidade da amostra, verifica-se que 10,2% apresentam consumo de risco e, em cinco casos, de dependência. Esse valor corrobora os dados apresentados por Santana e Negreiros(22), numa investigação realizada em Portugal, que aponta idênticas percentagens em estudantes com idade compreendida entre 16 e 30 anos. Outros estudos realizados em território nacional, com estudantes com idade compreendida entre 13 e 19 anos, verificou-se que 68,3% dos jovens apresentavam consumo de risco(8). A diminuição do consumo de risco na amostra agora estudada pode estar relacionada à maior idade desse grupo e possível maior responsabilidade na escolha dos comportamentos que possam pôr em causa a saúde.

Tendo em consideração a equalização da idade de experimentação de álcool por indivíduos de ambos os sexos, e os resultados da amostra estudada, parece evidente que a forma como os jovens desenvolvem a relação com o álcool não progride da mesma maneira, uma vez que se verifica a predominância do sexo masculino nos participantes com risco médio e elevado de consumo de bebidas alcoólicas. Os resultados encontrados são concordantes com os de Santana e Negreiros(22), no que se refere ao predomínio do sexo masculino nesse tipo de consumo.

Na amostra estudada, não se encontram diferenças estatisticamente significativas entre os sexos no sentido de coerência, o que vai ao encontro dos pressupostos defendidos por Antonovsky (1987)(14) que refere que o sexo não interfere na constituição do sentido de coerência. Essa ideia é atestada num estudo realizado para aferição da escala para a população portuguesa onde se concluiu que ambos os sexos apresentavam distribuição idêntica em torno da mediana(18). Contudo, verificou-se diferença estatisticamente significativa na dimensão "Capacidade de Investimento ou Significabilidade" que se mostrou, de igual modo, diferenciadora dos grupos quanto aos níveis risco no consumo. De fato, os participantes com risco elevado e critérios de dependência são maioritariamente do sexo masculino e apresentam um sentido de coerência mais baixo, em particular a significabilidade ou a capacidade de investimento. Esses resultados são concordantes com os de Mattila et al.(22) que apontam relação estatisticamente significativa entre um baixo SC e o consumo de álcool. Apesar de cada componente do SC, por si só, não ter significado, Antonovsky confere centralidades diferentes a cada uma, sendo a capacidade de investimento a mais importante. Esse componente é visto como o elemento motivacional, referindo-se à forma como a pessoa sente que a sua vida faz sentido em nível cognitivo e emocional. Os valores encontrados indicam a existência de dificuldades nesses elementos da amostra em darem sentido às suas experiências de vida e, por isso, encontrarem razões para neles investirem energia e interesse.

Os resultados mostram que, na população estudantil, se encontram diferentes padrões de comportamentos de saúde no que respeita ao consumo de álcool. Apesar de a maior parte da amostra apresentar comportamentos de saúde adequados, no que diz respeito ao consumo de álcool, encontra-se uma percentagem com consumo de risco e também já situações de dependência, apesar da idade relativamente jovem do grupo estudado. Essa realidade leva a se refletir sobre o papel do álcool como obstáculo ao sucesso das tarefas desenvolvimentais esperadas e na construção do sentido de coerência para a faixa etária apresentada.

 

Conclusão

A realização deste estudo teve como objetivo perceber a influência do SC no consumo de bebidas alcoólicas, tendo-se concluído existir diferenças entre os grupos de padrão de consumo e o sentido de coerência. Os participantes com critérios de dependência são maioritariamente rapazes e apresentam SC inferior aos que não consomem bebidas alcoólicas.

A promoção de comportamentos que visem o fortalecimento do SC, nomeadamente no componente capacidade de investimento, é importante para a prevenção do consumo de bebidas alcoólicas. Assim, a promoção dos comportamentos de saúde deve incluir a disponibilização de informação sobre o consumo de álcool e suas consequências, mas, também, a sensibilização dos mais novos para a importância de se encontrar razões/atividades que mereçam o seu interesse e investimento.

Constituiu uma limitação ao estudo a desproporcionalidade da amostra no que respeita ao sexo, pois poderia permitir comparação mais rigorosa no que respeita aos padrões de consumo e sentido de coerência entre os participantes. Em investigações futuras sobre o tema será importante recolher informação que permita clarificar o fenômeno do binge drinking, assim como perceber a influência do sentido de coerência nesse tipo de consumo.

 

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Recebido: 17.10.2014
Aprovado: 24.06.2015

Correspondência
Lidia Susana Mendes Moutinho
Rua Martin Luther King 12 10ª Lisboa, AC, Portugal
E-mail: lidiamoutinho@live.com.pt

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