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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.11 no.4 Ribeirão Preto dez. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v11i4p217-224 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v11i4p217-224

 

Repercussões neonatais decorrentes da exposição ao crack durante a gestação

 

Repercusiones neonatales de la exposición al crack durante el embarazo

 

 

Fernando Teixeira ReisI; Rubens José LoureiroII

IEspecialista, Enfermeiro, Hospital Santa Rita de Cássia, Vitória, ES, Brasil
IIMSc, Enfermeiro, Hospital da Polícia Militar, Vitória, ES, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: o objetivo neste estudo foi identificar as repercussões neonatais decorrentes da exposição ao crack durante a gestação, segundo a prática clínica dos médicos e enfermeiras e analisar o protocolo de atendimento a esses pacientes.
MÉTODOS: trata-se de estudo do tipo descritivo com abordagem qualiquantitativa, realizada por meio de entrevistas.
RESULTADOS: verificou-se que não existe protocolo de atendimento e que a maioria dos neonatos é pequena para a idade gestacional, prematura, e apresenta reflexos anormais dentre outras complicações.
CONCLUSÃO: os resultados encontrados neste estudo assemelham-se aos descritos na literatura e reforçam a necessidade de estratégias holísticas de abordagem e intervenção nessa população.

Descritores: Cocaína Crack; Drogas de Abuso; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Gravidez; Síndrome de Abstinência Neonatal.


RESUMEN

OBJETIVO: el objetivo en este estudio fue identificar las repercusiones neonatales de la exposición al crack durante el embarazo, según la práctica clínica de los médicos y enfermeras y analizar el protocolo de atención a esos pacientes.
MÉTODOS: se trata de estudio del tipo descriptivo con aproximación cuali-cuantitativa, desarrollado mediante entrevistas.
RESULTADOS: fue verificado que no existe protocolo de atención y que la mayoría de los neonatos es pequeña para la edad gestacional, prematura, y presenta reflejos anormales entre otras complicaciones.
CONCLUSIÓN: los resultados encontrados en este estudio son semejantes a aquellos descritos en la literatura y refuerzan la necesidad de estrategias holísticas de aproximación e intervención en esa población.

Descriptores: Cocaína Crack; Drogas Ilícitas; Trastornos Relacionados con Sustancias; Embarazo; Síndrome de Abstinencia Neonatal.


 

 

Introdução

O uso de drogas é um grande problema de saúde pública, repercutindo de maneira preocupante na nossa sociedade, pois seu consumo exerce influência agressiva na vida da pessoa, modificando seu estado mental, comportamentos e atitudes. Esse mesmo problema se torna mais grave nas gestantes, pois a exposição dessas pacientes às drogas psicotrópicas pode resultar em comprometimento irreversível da integridade do binômio mãe/feto(1).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), drogas psicotrópicas são drogas que atuam no Sistema Nervoso Central (SNC), gerando alterações comportamentais, cognitivas e de humor, devido à capacidade de gerar hábitos e comportamentos relacionados ao seu uso, sendo tal fenômeno conhecido como dependência química(2). A literatura disponível explica a dependência química como a geração de um estado de má adaptação, que resulta em prejuízo ou sofrimento significativo, tanto para a gestante quanto para o concepto(3).

O presente estudo teve como foco estudar as repercussões neonatais do uso de drogas estimulantes durante a gravidez, em especial o crack, que é a base livre da cocaína e atua ativando o SNC, aumentando o estado de vigília, a atividade motora e outras diversas alterações(4). Consequentemente, o consumo de crack pela gestante pode repercutir de forma trágica no desenvolvimento intrauterino do concepto e nas suas condições ao nascimento(5).

Dados estatísticos comprovam que a prevalência do uso do crack tem aumentado consideravelmente na população obstétrica, nas últimas décadas. Estima-se que até 10% das mulheres norte-americanas já fizeram uso dessa droga durante a gravidez e, como consequência, ocorreu, na maioria dessas pacientes, partos pré-termo ou descolamento prematuro de placenta, além de outras complicações maternas e também perinatais(1).

De acordo com pesquisas sobre a temática, é conhecido também o risco do uso de drogas psicotrópicas durante a gravidez resultar no surgimento de sintomas relacionados à intoxicação ou à abstinência no Recém-Nascido (RN), pois essas substâncias atravessam com facilidade a barreira placentária, podendo desencadear uma série de alterações no feto. A literatura ainda cita alguns dos possíveis efeitos danosos do crack, destacando-se dentre eles o Crescimento Intrauterino Retardado (CIUR), microcefalia e prematuridade(5-7).

O uso do crack pode causar problemas como hipertensão, taquicardia e hipertermia, tanto na gestante quanto no concepto. Por consequência de tais patologias ou possivelmente pelos efeitos da droga, pode ocorrer hipoxemia fetal, malformações, abortamento, descolamento prematuro de placenta e diminuição do comprimento médio dos RNs, além de elevar as taxas de internação em Unidades de Tratamentos Intensivos Neonatais (UTIN)(5).

Vale citar, também, que o RN exposto ao crack também pode apresentar retardo mental ou outros transtornos mentais e comportamentais que resultarão em sérias consequências sobre o seu desenvolvimento(8). Face ao exposto, este estudo teve por objetivo identificar as repercussões neonatais, decorrentes da exposição ao crack, durante a gestação, segundo a prática clínica dos profissionais médicos e enfermeiras e analisar o protocolo de atendimento ao neonato, cuja mãe fez uso de drogas, especificamente o crack, durante a gravidez.

 

Métodos

Trata-se de estudo transversal, prospectivo com abordagem qualitativa e quantitativa. O mesmo foi desenvolvido por meio de entrevistas com os profissionais médicos e enfermeiras que atendem o RN com complicações neonatais, decorrentes da exposição intraútero ao crack, na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, ES (HSCMV).

A amostra selecionada para o presente estudo limitou-se aos profissionais que faziam parte do quadro funcional da UTIN, constituindo-se do total de 14 sujeitos, sendo dividida em 7 enfermeiras e 7 médicos. Porém, devido a desfalque no quadro de enfermeiras, participaram do estudo 6 profissionais dessa categoria, correspondendo, dessa forma, a 85,71% (n=7). No entanto, foram entrevistados 8 médicos, excedendo, assim, o número de entrevistados selecionados para a categoria médica (n=7). Permitindo, assim, atingir o total proposto para este estudo.

Os critérios de inclusão foram: estar devidamente lotado no corpo clínico da UTIN; aceitar participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Como critério de exclusão, todos que se negaram a assinar o TCLE foram excluídos deste estudo.

Para a coleta dos dados, foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada, sendo essa realizada no posto de trabalho da população do presente estudo, em dias alternados, nos turnos diurno e noturno, durante os meses de setembro e outubro de 2010. As questões referentes à abordagem qualitativa focaram as complicações neonatais encontradas pelos profissionais médicos e enfermeiras e as estratégias de intervenção adotadas ante o neonato exposto ao crack. O aspecto quantitativo contemplou os parâmetros de avaliação inicial encontrados nos neonatos pelos entrevistados no exercício de suas atividades.

Antes da realização da entrevista, foi prestado esclarecimento sobre a pesquisa e, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a entrevista foi gravada com a aquiescência do entrevistado e, posteriormente, transcrita. Objetivando assegurar o sigilo da identidade dos participantes, foram adicionados códigos específicos no roteiro de entrevista para identificação da classe profissional abordada como, por exemplo, E1 a E6 para as enfermeiras e M1 a M8 para médicos.

Para a análise qualitativa dos dados, utilizou-se como referencial metodológico a técnica de análise de conteúdo(9), com o intuito de encontrar o que estava por trás de cada informação manifesta, seguindo as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Os dados resultantes das variáveis quantitativas foram armazenados em um banco de dados, através do software EPI-INFO 6.0, sendo, posteriormente, apresentados sob a forma numérica e percentual no texto e nas tabelas.

A pesquisa foi iniciada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM, sob nº115/2010.

 

Resultados

De acordo com os profissionais médicos e enfermeiras entrevistados, o principal método de identificação do neonato exposto ao crack é o levantamento da história clínica da gestante, por meio da anamnese médica ou histórico de enfermagem realizado durante a admissão da paciente.

[...] a gente não tem nenhum exame específico pra isso, o que a gente leva em consideração é a anamnese perinatal e a relação binômio mãe/filho, bem como as repercussões no recém-nascido que a gente sabe que podem ser poucas, nenhuma ou até caso mais graves como convulsão [...] mas o exame específico a gente não tem disponível [...] (M1).

[...] a identificação é feita na hora da chegada, na história clínica, exame mesmo não tem disponível. E até na história clínica não é relatado e como a mãe está internada, a gente avalia também o comportamento [...] (M4).

Em relação à Idade Gestacional (IG) do RN exposto ao crack, encontrou-se predomínio no relato dos entrevistados da ocorrência de nascimentos pré-termo com 71,4% (n=10), seguido de nascimentos a termo que corresponderam a 28,6% (n=4).

Quanto aos parâmetros antropométricos (Perímetro Cefálico – PC – e peso ao nascer), alterações significativas podem ocorrer com o feto quando exposto ao crack, conforme mostrado na Tabela 1 , pois o seu crescimento está fortemente ligado à oferta de oxigênio e nutrientes(10).

Embora pesquisas citem a presença de anomalias congênitas, no presente estudo não houve referência a teratogenia. Vale ressaltar que, apesar do uso de crack estar associado a incidência maior de malformações congênitas em neonatos, é importante relembrar a dificuldade em definir isoladamente o crack como agente teratogênico, pois o abuso de polidrogas por essas pacientes é comum, conforme consta no relato do entrevistado.

[...] é difícil correlacionar que foi devido ao crack isoladamente, no caso, se aquela malformação não foi decorrente de outra causa ou faz parte de uma história familiar [...] (M5).

Com relação aos valores do índice de Apgar de neonatos expostos ao crack, no presente estudo, não foram referidos valores baixos de Apgar pelos profissionais entrevistados, conforme descrito na Tabela 2 .

Para melhor compreensão das informações, os entrevistados justificaram tais referências conforme relatos abaixo.

[...] pelo menos o que eu vejo na prática não é muito de regra dizer que por ter uma mãe usuária de crack, o bebê vai nascer com um Apgar baixo, mesmo que tenha um trabalho de parto prematuro. Agora se for muito prematuro aí não tem jeito, vai ser baixo mesmo [...] (E2).

[...] eles não são muito prematuros, a maioria que a gente teve aqui é de 35, 36 semanas e o Apgar também não é ruim não, geralmente o valor é acima de 7 [...] (M4).

Os profissionais entrevistados referiram prevalência de anormalidades nos reflexos neonatais com 85,7% (n=12), enquanto apenas 14,3% (n=2) relataram reflexos normais. As alterações relatadas pelos médicos e enfermeiras na avaliação dos reflexos primitivos de RN expostos ao crack foram: reflexo de Moro exacerbado, exacerbados/aguçados, hiperativo, irritabilidade, hipotonia, reflexo de sucção débil, letárgicos e tremores.

Referente às complicações neonatais, os entrevistados referiram que as intercorrências apresentadas pelos RNs expostos ao crack mais comuns são choro constante, convulsões, desconforto respiratório, taquipneia, apneia e dispneia; distúrbios do sono, sonolência, espasmos musculares, tremores, hipertonia/hipoatividade, hipoglicemia, infecções, intolerância digestiva e irritabilidade, agitação e inquietação. É importante destacar que o choro foi a complicação mais informada pelos entrevistados.

[...] eles apresentam um choro inconsolável, teve um que chorava muito, era difícil acalentar [...] (M5).

Com relação às estratégias de intervenção, os médicos e enfermeiras entrevistados referiram uma série de ações no atendimento ao neonato exposto ao crack durante a gravidez. As intervenções mais comuns referidas pelas enfermeiras são o monitoramento constante dos sinais vitais e orientações de enfermagem à família. Quanto à classe médica, as intervenções relatadas são: suspensão do aleitamento materno, monitoramento da glicemia, prescrição de anticonvulsivante e solicitação de um acompanhante para a puérpera. Vale ressaltar a existência de intervenções feitas tanto pelos médicos quanto pelas enfermeiras como a solicitação da separação do binômio mãe/filho e o apoio do serviço social.

Algumas intervenções foram justificadas pelos entrevistados conforme relatos abaixo.

[...] geralmente esse neonato é separado da mãe porque ela está em abstinência, mas ela visita e acompanha o bebê [...] Geralmente essa criança não é amamentada [...] (E4).

[...] a gente presta os cuidados básicos do RN, no caso do aleitamento que a mãe não pode amamentar, a gente fornece complemento pra ele e depois entra com o serviço social, além das orientações [...] (E1).

[...] a gente orienta a mãe a não amamentar, a gente traz o bebê pra cá (UTIN ou Médio Risco) porque a gente sabe que essa droga passa pelo leite [...] (M3).

[...] a gente afasta da mãe pra não amamentar, sempre ter um acompanhante e a gente aciona o Conselho Tutelar [...] (M4).

Os profissionais entrevistados, tendo conhecimento da possível manifestação tardia de determinadas complicações, adotaram uma conduta específica no que se refere à alta hospitalar desses neonatos, conforme relato a seguir.

[...] a gente buscou na literatura e a gente viu que essas convulsões são tardias, então são bebês que passam das 48 horas e começam a ter essas repercussões. Diante dessas repercussões a gente adotou a prática de não dar alta com menos de 72 horas pra essas mães. Porque a gente viu que como a síndrome de abstinência ela é mais tardia, se a gente der alta com 48 horas, como é o proposto, a gente não está pegando esses bebês que venham a ter sintomatologia lá na frente [...] (M1).

 

Discussão

No Hospital onde este estudo foi realizado, não são coletados exames laboratoriais para investigação ou comprovação de exposição pré-natal ao crack. Conforme relato dos profissionais médicos e enfermeiras, são utilizados como método de reconhecimento o levantamento da história clínica da paciente e a observação do comportamento da paciente durante o período de internação. Vale ressaltar que mesmo sendo um método efetivo de reconhecimento, as informações obtidas no levantamento da história clínica podem estar subestimadas, pois é sabido que muitas gestantes podem omitir o uso de drogas(11).

Em relação à idade gestacional, prevaleceu a ocorrência de nascimentos pré-termo. Tais relatos corroboram os encontrados em outras pesquisas, onde o trabalho de parto prematuro e a ruptura prematura da bolsa ocorreram com maior frequência em gestantes usuárias de crack(1,5,8,12).

Com relação ao peso ao nascer, os resultados deste estudo são semelhantes aos encontrados em outras pesquisas, pois a prevalência de baixo peso nos RNs foi comum. No entanto, foi encontrada baixa ocorrência de microcefalia que, de acordo com a literatura disponível, é frequente a apresentação de menores circunferências cranianas nos RNs expostos ao crack(5,12).

Não foram referidas malformações em neonatos expostos ao crack no presente estudo. Todavia, vale ressaltar que mesmo estudos mencionando o crack como um teratógeno fraco(1,13), é difícil estabelecer seu potencial teratogênico isoladamente, devido ao uso concomitante de álcool e outras drogas.

Apesar de pesquisas sobre a temática demonstrarem redução do valor de Apgar(12), observou-se no presente estudo que o uso da droga durante a gestação não afetou o Apgar dos RNs expostos, pois houve maior referência do índice de Apgar igual ou superior a 7 no primeiro e quinto minuto. Vale destacar que a maior parte dos neonatos expostos ao crack não necessita de reanimação na sala de parto.

Pesquisas mostram que o uso do crack pode gerar sérios efeitos sobre o SNC e periférico do feto, podendo causar alterações estruturais, cognitivas e comportamentais do neonato(5-6,14). No presente estudo, além de reflexos exacerbados, foi encontrado reflexo de sucção débil, pior qualidade dos movimentos e tremores.

Com relação às complicações em neonatos expostos ao crack, conforme relato dos profissionais médicos e enfermeiras, os RNs comumente apresentam agitação, irritabilidade, tremores, choro agudo e convulsões, tais relatos se assemelham aos encontrados em outros estudo sobre a temática(5,14). Vale destacar que a presença de uma síndrome de abstinência, após a exposição pré-natal ao crack, não foi definida claramente na literatura, pois ainda não está esclarecido se essas alterações comportamentais resultam de possível intoxicação pelo crack(5).

Estudos mostram que a dependência química do crack é um fator determinante para a contraindicação da amamentação, pois são conhecidos os elevados riscos de complicações para o RN. No Hospital onde este estudo foi realizado, além da suspensão da amamentação por prescrição médica, de acordo com o caso o RN também é separado da mãe. Tal conduta pode ser compreendida através dos relatos presentes na literatura sobre os quadros de agressividade e irritabilidade presentes nas usuárias, tanto durante a intoxicação quanto na abstinência da droga(8,15-16).

Segundo o Ministério da Saúde(17), as altas não devem ser dadas antes de 48 horas de vida do RN, pois esse período é importante para detecção de patologias neonatais. Os profissionais abordados no presente estudo adotaram o período mínimo de 72 horas de vida para alta hospitalar de RNs expostos ao crack, pois há preocupação com o aparecimento de convulsões no período neonatal. A literatura disponível cita que as mesmas não têm causa específica e podem ser desencadeadas por diversos fatores, precoce ou tardiamente(16,18).

No hospital onde o estudo foi realizado, os profissionais referiram que não existe um protocolo específico (n=14) para o atendimento de RNs que apresentam características de intoxicação ou abstinência do crack.  É reconhecida a importância do uso de Protocolos Assistenciais para melhoria da qualidade da assistência à saúde, pois, além dos profissionais estarem respaldados para executarem suas atividades, fica garantido aos pacientes assistência integral e efetiva, reduzindo as complicações advindas de ausência de diagnóstico ou tratamento inadequado(19-20).

Apesar de recomendado, não existe na literatura um protocolo clínico específico para o atendimento do RN, cuja mãe fez uso de crack durante a gestação, mesmo diversas pesquisas evidenciando as complicações decorrentes da exposição a essa droga(5,12,14). Face ao exposto, os profissionais da área de saúde carecem de publicações científicas referentes às intervenções terapêuticas para o tratamento dessa parcela específica da população.

 

Conclusão

Apesar do método de identificação do neonato exposto ao crack no período pré-natal ser eficaz, questiona-se quanto à sua fidedignidade, visto que o uso de drogas pode ser omitido por diversas causas durante o levantamento da história clínica da gestante. Diante dessa possibilidade, as enfermeiras e médicos da UTIN também atentam ao comportamento da paciente e à relação entre o binômio mãe/filho para investigar o uso de drogas. Contudo, vale ressaltar que, devido ao caráter observacional desse método, pode acontecer um diagnóstico tardio, aumentando, dessa forma, os riscos de sequelas nesse RN.

Observou-se, quanto escore do índice de Apgar, que a exposição pré-natal ao crack não influencia diretamente o valor do índice, porém, notou-se que existe estreita relação entre baixo escore e o grau de prematuridade do RN exposto ao crack.

Na prática clínica dos entrevistados, não foram identificadas ocorrências de malformações em RNs expostos. No entanto, é importante destacar a dificuldade de se estabelecer o crack como único fator causal, pois, além de as usuárias de crack consumirem concomitantemente álcool e outras drogas, existem diversos outros fatores relacionados a anomalias congênitas que precisam ser avaliados cuidadosamente.

É importante que seja realizada avaliação cuidadosa quanto à suspensão da amamentação e à separação do binômio, pois, além das informações referentes ao último uso da droga serem duvidosas, deve-se prevenir o neonato de possíveis lesões resultantes dos quadros de irritabilidade da puérpera durante a abstinência do crack. É fundamental também o estudo minucioso da possibilidade de alta do RN em 48 horas, pois algumas complicações podem ocorrer tardiamente e, assim, não serem diagnosticadas e tratadas, aumentando o risco de lesões no neonato.

De tudo o que foi exposto, compreende-se que algumas medidas devem ser adotadas visando a integridade do neonato. Assim, sugere-se o desenvolvimento de mais estudos para detalhar e evidenciar as repercussões neonatais decorrentes do uso do crack durante a gestação, além da introdução de exames toxicológicos em casos suspeitos de neonatos expostos ao crack para maior fidedignidade do diagnóstico. É necessária a elaboração de um protocolo clínico específico para RNs expostos ao crack, fundamentado tanto nas ações desenvolvidas pelos médicos e enfermeiras quanto pelas complicações neonatais descritas na literatura.

 

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Recebido: 19.12.2013
Aprovado: 18.09.2015

Correspondência
Fernando Teixeira Reis
Hospital Santa Rita de Cássia
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CEP: 29043-260, Vitória, ES, Brasil
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