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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.11 no.4 Ribeirão Preto dez. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v11i4p243-255 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v11i4p243-255

 

Aplicabilidade do processo de enfermagem no cuidar em enfermagem psiquiátrica: revisão integrativa

 

Aplicabilidad del proceso de enfermería en el cuidado en enfermería psiquiátrica: revisión integradora

 

 

Murielle BadinI; Ana Paula Rigon Francischetti GarciaII; Vanessa Pellegrino ToledoIII

IAluna do Curso de Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Enfermagem, Campinas, SP, Brasil
IIDoutoranda, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Enfermagem, Campinas, SP, Brasil
IIIPhD, Professor Doutor, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Enfermagem, Campinas, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo realizar revisão integrativa da literatura sobre a aplicabilidade do processo de enfermagem no cuidar em enfermagem psiquiátrica. A busca foi realizada nos artigos indexados nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde e National Library of Medicine. Foram incluídos estudos em inglês e português, com resumo disponível e publicados entre janeiro de 2002 e setembro de 2012. A amostra final foi composta por nove artigos. Os estudos mostraram evidências sobre a aplicabilidade do processo de enfermagem na enfermagem psiquiátrica, favorecendo assistência qualificada e sistematizada. O processo de enfermagem constitui-se como metodologia que promove assistência integral ao paciente com transtorno mental. Estudos sobre o tema são escassos e há necessidade de investigações sobre o assunto.

Descritores: Enfermeiros; Enfermagem Psiquiátrica; Processos de Enfermagem; Enfermagem.


RESUMEN

La finalidad de este estudio fue desarrollar revisión integradora de la literatura sobre la aplicabilidad del proceso de enfermería en el cuidar en enfermería psiquiátrica. La búsqueda fue llevada a cabo en los artículos indexados en las bases de datos Literatura Latino-Americana y del Caribe en Ciencias de la Salud y National Library of Medicine. Fueron incluidos estudios en inglés y portugués con resumo disponible y publicados entre enero de 2002 y septiembre de 2012. La muestra final fue compuesta por nueve artículos. Los estudios mostraron evidencias sobre la aplicabilidad del proceso de enfermería en la enfermería psiquiátrica, favoreciendo atención cualificada y sistematizada. El proceso de enfermería se constituye como metodología que promueve atención integral al paciente con trastorno mental. Estudios sobre el tema son escasos y son necesarios investigaciones sobre el tema.

Descriptores: Enfermeros; Enfermería Psiquiátrica; Procesos de Enfermería; Enfermería.


 

 

Introdução

As propostas de reforma da assistência psiquiátrica tiveram origem em meados da década de 50, nos Estados Unidos e em países europeus. Nesse contexto, denúncias dos atos de violência, observação do abandono, segregação e cronificação do quadro clínico dos doentes internados em hospitais psiquiátricos evidenciaram a deficiência dessas instituições para atingir o tratamento que propunham realizar. Aliado a isso, havia pressão exercida pelas reformas sociais e sanitárias, bem como movimentos pelos direitos humanos, para reformulação dos modelos de assistência à saúde das populações(1).

Dessa forma, em diversos países, surgiram movimentos de desinstitucionalização para reivindicar novas formas de tratamento, para indivíduos com transtornos mentais, e transferir os cuidados psiquiátricos dos hospitais para serviços estruturados na comunidade(1).

No Brasil, vários setores da sociedade civil receberam influência dos movimentos reformistas, advindos dos Estados Unidos e países da Europa, em favor da luta pelos direitos dos pacientes(1). Sendo assim, foi criada a política nacional de saúde mental que se fundamenta na redução progressiva dos leitos psiquiátricos, extensão e consolidação da rede extra-hospitalar e de base comunitária, que inclui Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Serviços Residenciais Terapêuticos(1-3).

Esse modo de atenção é sustentado pelo paradigma da desospitalização e da reabilitação psicossocial do doente mental, por meio da implementação de intervenções sociais, educacionais, ocupacionais, comportamentais e cognitivas, que visam favorecer sua reinserção na sociedade(1-3). Tem como objetivo auxiliar esse sujeito a desenvolver habilidades ligadas ao convívio social, trabalho, lazer e relacionamento com amigos e familiares(1-3).

Nesse cenário de reformas, o enfermeiro psiquiátrico passa a exercer um novo papel, o de agente terapêutico, que desenvolve o seu cuidado orientado pelo relacionamento terapêutico que estabelece com o paciente, auxiliando-o a se desenvolver como pessoa e a se sentir parte da sociedade(4). Sendo assim, o enfermeiro deixa de exercer ações de controle centradas no cuidado físico, bem como na observação do comportamento dos pacientes, e passa a desempenhar ações direcionadas às subjetividades dos indivíduos e os estimula a assumir uma posição ativa no tratamento e a reassumir o seu lugar no meio social(2-4).

Dessa forma, o enfermeiro psiquiátrico como agente terapêutico, ao utilizar o Processo de Enfermagem (PE) para sustentar seu exercício profissional, é capaz de sistematizar as ações de enfermagem e contribuir para o desenvolvimento de um plano de cuidados singularizado para cada paciente, sendo um instrumento que colabora para a execução de assistência qualificada, e tem como um de seus objetivos motivar o paciente a aderir ao tratamento proposto(5-6).

Visto que o PE é um modelo para organização da assistência de enfermagem, definindo a coleta de dados sobre o paciente, permitindo a identificação das necessidades de cuidados presentes nas respostas dos indivíduos aos problemas de saúde ou processos vitais, ajuda a definir o que necessita de intervenção profissional, sendo formuladas intervenções e avaliados seus resultados, tendo a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) como um modo de organização e operacionalização do PE(5,7).

O PE é organizado em cinco fases: histórico e diagnóstico de enfermagem, planejamento, implementação e avaliação, que precisam estar registrados no prontuário do paciente e, quando realizados de forma adequada, favorece melhor comunicação entre os membros da equipe de saúde, permitindo a identificação de alterações no estado de saúde do paciente(7-9).

No contexto da enfermagem psiquiátrica, a relação terapêutica estabelecida entre o enfermeiro e o paciente favorece a aplicação do PE, possibilitando a construção do projeto terapêutico pelo enfermeiro ao paciente, contribuindo para a delimitação do campo de atuação do enfermeiro e o auxilia na tomada de decisões, planejamento da assistência e na avaliação dos cuidados prestados(5-6). Outro aspecto que pode ser destacado, a respeito do desenvolvimento do PE, é o uso de taxonomias com o objetivo de padronizar a linguagem entre os profissionais de enfermagem, para uma interação dinâmica entre eles(5).

Diante disso, este estudo justifica-se pela importância da utilização do PE na prática clínica da enfermagem psiquiátrica, proporcionando assistência qualificada e a autonomia do enfermeiro psiquiátrico em seu trabalho, possibilitando a organização do cuidado, de modo a considerar as subjetividades dos pacientes, diferenciando-se do cuidado prestado ao doente psiquiátrico no modelo manicomial(1-2,4-6). Este estudo teve como objetivo realizar revisão integrativa da literatura nacional e internacional sobre a aplicabilidade do PE, no cuidar em enfermagem psiquiátrica.

 

Método

Foi empregado o método de revisão integrativa da literatura, que tem como finalidade agregar e sintetizar os estudos sobre determinado assunto, de modo a permitir uma conclusão, facilitando o processo de tomada de decisão relacionado às ações e intervenções que podem proporcionar cuidado mais efetivo na saúde(10-11).

Para a construção desta revisão, foram aplicadas as seguintes etapas: questionamento, busca na literatura, categorização e avaliação dos estudos incluídos, interpretação dos resultados e apresentação da síntese do conhecimento(12).

Assim, a questão de pesquisa foi elaborada com a aplicação da estratégia PICO, um acrônimo do inglês que, em português, significa paciente, intervenção, comparação e resultados, sendo elementos fundamentais na elaboração da questão de pesquisa para a busca de evidências na literatura(11).

Desse modo, conferiu-se a "P" os pacientes psiquiátricos, ao "I" a aplicabilidade do PE no cuidar em enfermagem psiquiátrica, ao "C" a comparação entre os resultados obtidos e ao "O" a presença de evidências na literatura sobre a utilização do PE, no contexto da enfermagem psiquiátrica, que resultou na seguinte questão: existem evidências na literatura sobre a aplicabilidade do PE no cuidar em enfermagem psiquiátrica?

Foram consultadas duas bases de dados para a seleção das publicações, a saber: National Library of Medicine (PubMed) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), sendo utilizadas diferentes estratégias de busca e dois descritores controlados. O descritor controlado é um termo que pertence a um vocabulário estruturado e organizado para ser empregado na indexação de artigos em bases de dados, por ser um descritor de assunto, assim, segundo consulta nos Descritores Ciência da Saúde (DeCS/Bireme) e no Medical Subject Headings (MeSH/PubMed), foram identificados: processo de enfermagem e enfermagem psiquiátrica(11). A busca na literatura foi feita entre os períodos de setembro de 2012 e janeiro de 2013.

Os critérios de inclusão foram: artigos publicados em inglês e português, com resumos disponíveis nas bases de dados selecionadas, dos últimos 10 anos (janeiro de 2002 a setembro de 2012) que retratassem o processo de enfermagem na prática da enfermagem psiquiátrica.

Para coleta de dados dos artigos, incluídos na revisão integrativa, foi utilizado um instrumento elaborado e validado por Ursi(13). Quanto à avaliação, os artigos foram classificados segundo o nível de evidência, que consiste em uma categoria hierárquica que considera o delineamento de pesquisa, sendo a representação da força de evidência(13). Utilizou-se a classificação hierárquica, que possui seis níveis para avaliação de evidências originadas de pesquisas(13). Neste estudo, dois revisores realizaram de forma independente a busca e seleção de artigos na literatura.

 

Resultados

A busca na base de dados no PubMed aconteceu em duas etapas, na primeira foram combinados os termos processo de enfermagem e enfermagem psiquiátrica, com a aplicação dos seguintes filtros para busca: últimos cinco anos para data de publicação, idiomas português e inglês. Foram identificados 849 estudos e pré-selecionados 80, através da leitura dos títulos e resumos, após a leitura na íntegra, foram eliminados 73, pois não correspondiam ao tema proposto. Na segunda etapa, foi estabelecido como filtro de busca para data o período de 1/1/2002 até 31/12/2007, sendo identificados 1.259 estudos e pré-selecionados 14, por meio da leitura dos títulos e resumos, contudo, após a leitura na integra, constatou-se que nenhum atendia os critérios de inclusão desta revisão. Portanto, no total, foram identificados 2.108 artigos no PubMed e incluídos sete estudos nesta revisão.

Quanto à busca na base de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), foram combinados os mesmos descritores citados acima. Foram identificados 105 estudos e pré-selecionados 84 com a leitura de títulos e resumos, dentre os quais 27 foram lidos na íntegra, de modo que dois discorriam sobre o ensino da enfermagem psiquiátrica; cinco haviam sido identificados no PubMed; dois abordavam aspectos históricos da prática da enfermagem psiquiátrica; dois exploravam a questão da Reforma Psiquiátrica; 16 artigos não descreviam a aplicabilidade do PE na assistência de enfermagem psiquiátrica; assim, dentre os 27 artigos, dois foram incluídos nesta revisão.

Foram identificados, portanto, 2.208 estudos (2.108-PubMed, 100- LILACS), sendo que a amostra final foi composta por nove artigos, sendo que cinco deles pertencem somente ao PubMed, dois apenas ao LILACS e dois estudos foram identificados nas duas bases de dados. Na Figura 1, é apresentada a categorização dos estudos incluídos nesta revisão:

Em relação ao país de origem, quatro estudos (44,4%) têm como autores pesquisadores brasileiros, dois estudos (22,2%) foram realizados por pesquisadores americanos, um estudo (11,1%) foi desenvolvido por autores tailandeses e dois estudos (22,2%) têm como autores pesquisadores holandeses.

Os tipos de estudos encontrados foram: três (33,3%) revisões de literatura, uma (11,1%) revisão sistemática, que não possuem classificação de nível de evidência, um (11,1%) estudo quantitativo (prospectivo observacional), com nível de evidência IV, quatro (44,4%) estudos qualitativos classificados com nível de evidência IV, sendo dois (22,2%) estudos de caso(13).

Ressalta-se que um desses estudos não teve seu delineamento explícito, mas foi possível classificá-lo como estudo de caso, pois delimitaram-se as unidades-caso para serem avaliadas, sendo realizada coleta de dados, seleção, análise e interpretação dos dados e elaboração de uma conclusão, justificando sua classificação enquanto estudo de caso(16,22).

Os locais de desenvolvimento dos cinco estudos primários foram: um (20%) em instituição de moradia asilar, um (20%) em hospital-dia, dois (40%) em hospitais psiquiátricos, um (20%) em uma fundação que fornece serviços de internação e de saúde mental.

Quanto ao ano de publicação, observa-se que, dos estudos, sete (77,7%) concentram-se após o ano 2002, com distribuição homogênea entre os anos 2007 (22,2%) e 2010 (22,2%). Os artigos dos anos 2003, 2005, 2006 e 2012 não foram selecionados, pois não atendiam os critérios de inclusão desta revisão. Assim, a maior concentração de artigos selecionados ficou em 2002, 2007 e 2010.

 

Discussão

A Reforma Psiquiátrica no Brasil foi fundamentada na desinstitucionalização do doente mental, promovendo a desconstrução do modelo manicomial e a reorganização do cuidar em enfermagem, culminando no surgimento de um novo paradigma para a assistência em saúde mental e novas formas de tratamento, bem como a modificação na postura ético-profissional no cuidado com o paciente portador de transtorno mental(23-24).

Desse modo, as ações de cuidado da enfermagem psiquiátrica e saúde mental são constituídas como um campo complexo, no qual se articulam saberes, conceitos, experiências, tornando-se necessário o estudo e publicação de resultados de pesquisas, permitindo aos enfermeiros psiquiátricos a reflexão sobre sua prática e saberes que estruturam suas ações(25).

Diante disso, quatro (44,4%) estudos analisados foram de autores brasileiros, indicando a iniciativa, por parte dos enfermeiros do Brasil, em divulgar suas práticas, favorecendo o crescimento, reconhecimento e processo reflexivo sobre a ação do profissional de enfermagem, fortalecendo sua prática e atendendo à necessidade acima citada sobre a divulgação dos saberes no campo da enfermagem psiquiátrica e saúde mental(25-26). Ressalta-se que esses quatro estudos (44,4%) foram publicados em revistas científicas brasileiras, sendo que dois (22,2%) deles foram publicados na Revista Brasileira de Enfermagem.

Ainda sobre a divulgação de pesquisas na área de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, segundo a referência utilizada para a classificação do nível de evidência, não é atribuída uma força de evidência para as revisões de literatura, porém, o constante crescimento, gerado pela pesquisa e as demandas atuais da Prática Baseada na Evidência (PBE), requer a necessidade de coletar, analisar e sintetizar o conhecimento das pesquisas já existentes(27).

Além disso, revisões de literatura podem ser empregadas para revisão de uma pesquisa, variando os métodos utilizados como, por exemplo, revisão sistemática, metanálise, dentre outros, possibilitando a divulgação de diversos resultados de pesquisa em um estudo(27).

Com a modificação do modelo de cuidado em enfermagem psiquiátrica, as ações do enfermeiro objetivam a promoção da saúde mental, auxiliando o sujeito em sofrimento psíquico a lidar e entender o significado de seu transtorno mental, ao mesmo tempo fornece assistência à família do paciente(23).

Para o enfermeiro desempenhar suas ações, deve fazer uso de sua percepção e observação, elaborar interpretações da realidade observada, delimitar seu campo de atuação e realizar tomada de decisões, planejar a assistência, avaliar o desenvolvimento de suas ações de cuidado, que pertencem ao PE, e orientar o relacionamento interpessoal e terapêutico(23).

Assim, um dos estudos analisados mostrou que o enfermeiro de uma instituição de moradia asilar, que é um serviço de base comunitária, utilizou o PE para o tratamento de uma moradora com transtorno mental de longa evolução, resultando na melhora de seu quadro clínico(14), dessa forma, no contexto do cuidar em enfermagem psiquiátrica, o foco do PE é dirigido a metas e baseado em um modelo de tomada de decisões ou de resolução de problemas, que objetiva a melhora da resposta dos pacientes a problemas de saúde e que, na paciente em questão, a meta era que conseguisse lidar melhor com seu sofrimento psíquico(5,14,28).

Outro aspecto a ser considerado na assistência a pacientes com transtornos mentais, é a adesão ao tratamento, que é definida como a proporção em que os pacientes adotam as recomendações dos profissionais da saúde(6), sendo que dois estudos apontaram que a aplicação do PE de Irving possibilitou a dois pacientes, com transtornos psiquiátricos, a adesão ao projeto terapêutico(15,19), uma vez que fortalece o relacionamento terapêutico entre o enfermeiro e o paciente, pois, com o desenvolvimento das etapas do PE junto ao sujeito em sofrimento psíquico, há o estreitamento do vínculo com o profissional de enfermagem(5).

Ao mesmo tempo em que o PE contribui para a construção do projeto terapêutico, pois permite o conhecimento das necessidades e respostas dos sujeitos aos problemas de saúde, favorece a construção de um plano de cuidados de enfermagem singularizado(5).

Do mesmo modo, um desses quatro estudos descreveu o desenvolvimento de todas as etapas do PE junto a uma paciente com Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) em tratamento em um Hospital-Dia (HD)(18). Foi realizada a montagem do histórico de enfermagem da paciente, baseado nos relatos, dados do prontuário e colocações dos profissionais do HD, identificados pontos críticos que necessitavam de intervenção, então, formularam-se diagnósticos de enfermagem, seguidos pela elaboração de soluções para os problemas identificados e, após isso, avaliou-se o que foi realizado(18).

A execução do PE na assistência a essa paciente com TAB resultou na melhora em sua resposta a esse transtorno, demonstrado que o PE é um processo contínuo, que permanece enquanto há interação entre o paciente e o profissional de enfermagem, a fim de provocar modificação das respostas físicas ou comportamentais do paciente(18,28).

De modo semelhante, um dos estudos que consiste em uma revisão sistemática apontou os cuidados de enfermagem a crianças e adolescentes com TAB, indicando a montagem de um histórico sobre as alterações de humor do paciente, a avaliação e identificação de sinais e sintomas, o desenvolvimento de um plano para a crise e as intervenções de enfermagem, demonstrando a aplicação das diferentes etapas do PE no contexto do cuidar em enfermagem psiquiátrica(19,28).

Além disso, os estudos demonstraram que foi realizado o registro formal da aplicação do PE, constando um resumo dos dados coletados sobre a paciente e sua família, bem como sua interação com a coletividade, em um determinado momento do processo saúde e doença do sujeito em sofrimento psíquico, que servirá como guia para o tratamento do paciente com transtorno mental, bem como consistirá na comprovação da execução do PE(6).

Da mesma maneira, um estudo analisado retratou a questão da identificação dos fenômenos de enfermagem mencionados nos artigos de revistas sobre cuidados de enfermagem aos adultos em internação psiquiátrica, concluindo que, para a assistência de enfermagem psiquiátrica, é essencial nomear e registrar os problemas dos pacientes, suas causas/fatores relacionados e gatilhos, assim como sinais e sintomas(20). De modo que o uso do diagnóstico de enfermagem favorece a autonomia do enfermeiro e descreve a condição do paciente, facilitando a prescrição de intervenções e a criação de parâmetros para nortear os resultados(28).

Ainda, sobre o registro da realização do PE, um estudo demonstrou as ações desempenhadas pelos enfermeiros em uma unidade de internação psiquiátrica de um hospital universitário, elencando a aplicação do PE como metodologia de trabalho, para dinamizar o cuidado, destacando a importância do registro das intervenções e avaliações diárias, favorecendo um cuidado terapêutico e orientando o trabalho em equipe(21).

Este estudo também evidencia que, após a Reforma Psiquiátrica, os pacientes psiquiátricos estão sendo incluídos e atendidos em hospitais gerais, contribuindo para a superação do atendimento historicamente alienador da psiquiatria, sendo que há necessidade de que essas experiências de internação psiquiátrica, em hospitais gerais brasileiros, sejam analisadas e divulgadas, pois têm efeitos benéficos para o tratamento de pacientes com transtornos mentais, diferentemente do que acontece quando são internados em hospitais psiquiátricos asilares(29).

O estudo confirmou, também, que os hospitais universitários têm sido os precursores no desenvolvimento de assistência à saúde mental em hospitais gerais brasileiros e são estratégicos para a estruturação de um modelo assistencial terapêutico, que rompe com o modelo anterior, que resultava na exclusão do indivíduo com transtorno mental da sociedade(29).

Uma das revisões de literatura, além de atestar sobre o desenvolvimento das etapas do PE na assistência de enfermagem a crianças e adolescentes com TAB, ressaltou a necessidade de os enfermeiros avaliarem constantemente esses pacientes, devido à ocorrência de comorbidades e o fato do transtorno afetar essas crianças e adolescentes em diversos aspectos de suas vidas, bem como incluir os familiares no processo de desenvolvimento do plano de cuidados a esses pacientes(19).

O enfermeiro tem papel fundamental quanto ao planejamento da assistência, que é uma das etapas do PE, bem como envolver a família na elaboração do plano de cuidados, consistindo em um modo de intervenção por meio de ação de caráter educativo e informativo sobre a doença mental do familiar(19,30), visto que as transformações do modelo de assistência em saúde mental atribui às famílias a participação no processo de reabilitação do seu familiar adoecido mentalmente(30).

Ainda sobre o desenvolvimento do plano de cuidado, os estudos demonstraram que, ao ser elaborado juntamente com o paciente, são consideradas suas necessidades e problemas de saúde mental de modo singularizado e integral, sendo que esse é mais bem elaborado pelo enfermeiro, uma vez que passa a maior parte do tempo próximo ao paciente, bem como a troca de informações, entre a equipe de enfermagem, sobre as ações realizadas nas 24 horas de cuidado auxilia na avaliação do que foi planejado e orienta a atuação da equipe de enfermagem(19,21,28).

Por fim, o PE emerge no contexto do novo modelo de assistência em saúde mental, a fim de qualificar o cuidado prestado. Também se caracteriza por ser desenvolvido por uma equipe interdisciplinar, em que a aplicação do PE firma o envolvimento da enfermagem no regime de tratamento e estabelece a autonomia do enfermeiro frente à equipe(14-15,18).

Esta revisão teve como limitação a identificação de nove estudos que retratam a utilização do PE de forma parcial, com a definição de diagnósticos de enfermagem direcionados pelos diagnósticos médicos, o que restringe as condições de cuidados, se considerados os aspectos de uma prática centrada na parceria enfermeiro/paciente, o que requer habilidade crítica, escuta, entendimento, compartilhamento, honestidade e habilidades para facilitar a transposição dos limites do paciente(31).

 

Considerações Finais

A revisão possibilitou identificar evidências sobre a aplicabilidade do PE no contexto do cuidar em enfermagem psiquiátrica, que favorece assistência abrangente, consistente, qualificada, de forma sistematizada e ética, que se adequa ao novo modelo de assistência em saúde mental. Além disso, destacam que, a partir da Reforma Psiquiátrica, o enfermeiro, como agente terapêutico, presta cuidados não mais custodiais, mas que visam a reabilitação psicossocial do doente mental e sua reinserção na sociedade, aproximando famílias do cuidado com familiares adoecidos mentalmente.

Do mesmo modo, os estudos demonstraram que o PE, como metodologia científica do trabalho dos profissionais de enfermagem, concede ao enfermeiro uma posição autônoma diante da equipe interdisciplinar e, quando compartilhado através de registros formais, acaba por nortear o cuidado exercido pelos profissionais que não são da enfermagem, favorecendo a interação da equipe de saúde.

Outro aspecto apontado nos estudos é que o PE favorece a adesão dos pacientes psiquiátricos ao projeto terapêutico, uma vez que auxilia na construção do mesmo, sendo que orienta o tratamento desses pacientes e pode ser desenvolvido mediante a relação interpessoal e terapêutica com o enfermeiro.

Conclui-se que há parcialidade no que se refere à aplicação de todas as fases do PE nos estudos desta revisão, além disso, identificaram-se poucos estudos sobre esse tema, o que pode indicar a necessidade de instituições de pesquisa e centros de estudos em universidades incluírem, em suas prioridades, o desenvolvimento de pesquisas sobre a implementação e execução do PE em diferentes serviços de saúde que prestam assistência de enfermagem psiquiátrica e saúde mental no Brasil e em outros países.

 

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Recebido: 22.11.2013
Aprovado: 24.06.2015

Correspondência
Murielle Badin
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