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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.12 no.1 Ribeirão Preto mar. 2016

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v12i1p40-47 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v12i1p40-7

 

Aspectos sociodemográficos dos usuários de crack assistidos pela rede de atenção psicossocial

 

Aspectos sociodemográficos de los usuarios de crack asistidos por la red de atención psicossocial

 

 

Aline Teles de AndradeI; Thalita Soares RimesI; Lourdes Suelen Pontes CostaI; Maria Salete Bessa JorgeII; Paulo Henrique Dias QuinderéII

IMestranda, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
IIPhD, Professor, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

 

 


RESUMO

Objetivou-se analisar o perfil sociodemográfico de um grupo de usuários de crack assistidos pelos serviços de saúde e rede social de apoio. Estudo exploratório descritivo com abordagem quantitativa, realizado na cidade de Fortaleza-CE. Os resultados apontam para 92,5% de idivíduos  do sexo masculino, com idade entre 30 e 39 anos (50%), que residem com familiares (59%),  ensino médio completo (37,5%). Possibilitou-se desconstruir estereótipos estabelecidos socialmente sobre a perspectiva de vida desses sujeitos. Concepções errôneas sobre usuários de crack podem levar a intervenções equivocadas, necessitando aprofundamento de estudos sobre os mesmos.

Descritores: Saúde Pública; Cocaína Crack; Características da População.


RESUMEN

Se objetivó analizar el perfil sociodemográfico de un grupo de usuarios de crack asistidos por los servicios de salud y red social de apoyo. Estudio exploratorio descriptivo con abordaje cuantitativo, realizado en la ciudad de Fortaleza-CE. Los resultados apuntan para 92,5% de idivíduos del sexo masculino, con edad entre 30 y 39 años (50%), que residen con familiares (59%), bachillerato (37,5%). Se posibilitó desconstruir estereotipos establecidos socialmente sobre la perspectiva de vida de eses sujetos. Concepciones erróneas sobre usuarios de crack pueden llevar a intervenciones equivocadas, necesitando profundización de estudios sobre los mismos.

Descriptores: Salud Pública; Cocaína Crack; Características de la Población.


 

 

Introdução

O uso da substância psicoativa crack tem sido o foco das discussões sobre o uso de drogas no Brasil. Notícias veiculadas pela mídia, supervalorizam os princípios físico-químicos desta substância como grande geradora dos problemas advindos  do seu consumo(1).

A produção científica sobre essa  problemática ainda é tímida e sua publicação não consegue alcançar, em larga escala, a população. Desta forma, o conhecimento  produzido, geralmente continua restrito ao âmbito acadêmico, restando à população em geral apenas as informações divulgadas pela mídia.

Um estudo realizado recentemente pela Fiocruz(2) aponta o uso de crack como responsável por apenas 35% do consumo total de drogas ilícitas no país, o que nos leva a crer que ainda existem muitas divergências em relação à temática, fazendo-se necessários estudos mais detalhados e profundos.

O primeiro estudo brasileiro abordando o perfil do usuário de crack, no ano de 1989, mostra o retrato de uma população de homens, menores de 30 anos, desempregados, com baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo(3). Comparando os dois estudos, o mais recente e o primeiro realizado há mais de vinte anos, podemos constatar uma semelhança importante entre ambos, apesar das mudanças socioculturais ocorridas no país nos últimos anos. . Entretanto, pouco se sabe sobre a população assistida nos serviços de saúde da rede pública, quem são essas pessoas que procuram ajuda e em que situação elas se encontram.

Em torno deste cenário, é importante o alerta sobre o debate acerca das drogas, especialmente por influência da mídia, que tende a produzir retóricas maniqueístas e polarizações que, em nada, acrescentam para uma compreensão  mais complexa sobre o fenômeno(4).

Pesquisa(5) realizada com  usuários que buscam atendimento em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), alerta para a pequena quantidade de informações  existentes abordando esta temática. Essas produções, , em geral possuem uma base comunitária ou em serviços, apresentando um perfil do usuário de crack, em  sua quase totalidade, como sendo de homens, muito jovens, pobres, analfabetos e de famílias desestruturadas.

Nesse sentido, é importante  observar  as características específicas de cada grupo de usuários, num  contexto sociocultural e as suas implicações sobre os efeitos das substâncias psicoativas nesses indivíduos (6). Por meio de estudos(6) realizados, constatou que estes efeitos são apreendidos através dos grupos nos quais o indivíduo está inserido e dos sentidos e significados ali produzidos. Emerge, assim, a necessidade de um aprofundamento em relação aos contextos de vida e necessidades de saúde destes sujeitos e, consequentemente, exige a elaboração de novas medidas de cuidados mais adequados ao seu cotidiano, o que acarreta impactos diretos no planejamento e na execução das políticas públicas destinadas a este público.

Desta forma, faz-se necessário mapear o perfil dos usuários de crack; identificar  o perfil epidemiológico dos usuários de crack em tratamento, para que se tenha as características particulares de cada grupo, além das características locais, de cada região, para que as ações possam atingir, de maneira mais eficaz especialmente com a garantia dos cuidados de saúde destes usuários. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo analisar o perfil sociodemográfico  de um grupo de usuários de crack acompanhado pelo  serviços de saúde e rede de apoio social.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo exploratório descritivo, realizado na cidade de Fortaleza-CE, nos serviços que compõem a rede social de apoio aos usuários de crack das Secretarias Regionais (SR) IV e V. A escolha pelo território administrativo-político das Secretarias Executivas Regionais (SER) IV e V deve-se ao fato das mesmas estarem pactuadas no Sistema Municipal Saúde-Escola (SMSE) em que a UECE e a Prefeitura de Fortaleza atuam em parceria com o objetivo  de desenvolver atividades formativas e socioculturais . O presente estudo trata-se de um recorte do projeto financiado pelo CNPQ "A atenção na clínica na produção do cuidado aos usuários de crack – assistência à saúde e redes sociais de apoio". 

Através dos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (Caps-ad), da interação  com os usuários, da informação dos trabalhadores de saúde e familiares, foram apontadas as redes sociais de apoio utilizadas  nos respectivos territórios. Foram escolhidos, dos serviços que compunham a rede social de apoio deste grupo de usuários, uma comunidade terapêutica e o grupo de autoajuda Narcóticos Anônimos, ambos localizados na SER IV.

Foram entrevistados um total de 40 usuários de crack, dos quais 70% estavam sendo acompanhados pelos CAPS-ad, enquanto que 12% haviam realizado, no passado, algum acompanhamento nas referidas unidades básica de saúde de referência e 18% dos entrevistados, estavam em acompanhamento na rede social de apoio, especificamente uma comunidade terapêutica e o grupo de auto ajuda Narcóticos Anônimos.

Como instrumento de pesquisa, foi elaborado um questionário fechado a partir dos objetivos do estudo, abordando aspectos sociodemográficos dos usuários como faixa etária, sexo, escolaridade, ocupação e coabitação. Esse  instrumento foi preenchido pelos pesquisadores e os dados organizados através do EPIINFO versão 3.52., que  foram dispostos em tabelas e gráficos de acordo com a melhor disposição. Os resultados obtidos foram analisados com a literatura pesquisada.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, com aprovação  para fins de sua realização, de acordo as normas do mencionado comitê sob Processo nº 10724251-6.

 

Resultados e discussões

O grupo de usuários de crack em acompanhamento caracterizou-se  por ser de pessoas do sexo masculino (92,5%), na faixa etária entre 30-39 anos (50%), residindo com familiares (59%), com nível médio de escolaridade (37,5%) e exercendo algum tipo de atividade remunerada (60,5%), como representado na Tabela 1.

Os dados pesquisados deste grupo de usuários apontam para características condizentes com dados encontrados em outros estudos realizados no Brasil. No entanto, traz algumas reflexões quanto às pessoas que apresentam problemas com o uso de crack e buscam algum tipo de ajuda na rede de saúde ou na rede social de apoio, no que diz respeito às variáveis: sexo, faixa etária, escolaridade e renda destes usuários, como discutidos a seguir.

O consumo de crack e as mulheres

O estudo constatou que neste grupo de usuários de crack que estavam em acompanhamento pelos serviços de saúde e rede apoio social, apenas 7,5% eram do sexo feminino. Diferente do encontrado na literatura as mulheres são as que mais procuram os serviços de saúde. No entanto, quando se trata de busca de serviços para tratamento de dependência química, ainda são em menor número que os homens.

Quando se trata do percentual de pessoas que buscam tratamento para dependência química os dados corroboram com os achados de algumas pesquisas(7-8) aonde a presença do uso de crack é mais acentuada entre as pessoas do sexo masculino e menor no sexo feminino. A menor proporção de usuárias de crack nos serviços de saúde pode estar relacionada ao sentimento de constrangimento por serem percebidas como minoria dentro das instituições, além de ciúmes dos respectivos maridos e da maior dificuldade de interação  dentro do grupo, eminentemente, masculino.

Estudo(9) que aborda o uso de drogas pelo gênero feminino, percebe uma tendência à "Igualdade de gênero" no consumo de droga, sendo justificada pelas mudanças sofridas no estilo de vida dessas mulheres, atualmente mais ativas no mercado de trabalho, com maiores cobranças e, consequentemente, mais independentes . O sexo feminino foi marcado, ao longo de todo o processo histórico, por padrões de comportamentos predeterminados, sendo a figura da mulher  ligada a atribuições maternas, configurando-se especificamente no ato de cuidar e não de ser cuidada. Além disso, com a inserção  no mercado de trabalho, a carga de atividades aumentou, sendo muitas mulheres submetidas a duplas ou triplas jornadas (10).

Na população em geral os estudos apontam o uso de crack como sendo predominante no sexo masculino. Na população brasileira o uso de crack é predominantemente maior no sexo masculino, sendo 78,68% dos usuários homens e 21,32%  usuários do sexo feminino(2).

Isto traz a reflexão de que as mulheres usuárias de crack que buscam algum tipo de apoio nos serviços de saúde, não procuram a rede especializada para tratamento da dependência química, mas acessam outros serviços que podem ser mais adequados e capacitados para atender as necessidades  desta população

Muito embora apenas 7,5% deste grupo seja do sexo feminino, o dado aponta para os cuidados que devem existir quanto aos usuários desta população. Estudo (10) realizado na cidade de Salvador aponta que, dentre as drogas mais utilizadas pelas mulheres no contexto de rua, destaca-se o crack principalmente pela facilidade na obtenção da substância psicoativa  através da pemuta por sexo. . Essa prática vem sendo considerada como um dos facilitadores para o aumento no consumo de crack pelo público feminino, da mesma maneira que se destaca por ser um importante fator de vulnerabilidade à qual as mulheres são expostas,  devendo as unidades de saúde estar alertas para mais este fator.

Nesse contexto, a mulher que faz uso de drogas é inserida em uma situação de maior fragilidade, na qual é duplamente estigmatizada. Inicialmente por fugir ao papel feminino convencional dentro da sociedade e, em um segundo momento, por consumir drogas. Levando em consideração que há um aumento do uso/consumo de drogas por parte deste público, assim como as especificidades que o deixam  mais vulnerável, torna-se de extrema importância promover maiores discussões junto aos serviços sobre   como eles vêm abordando essas mulheres usuárias de crack.

O consumo de crack por faixas etárias

A faixa etária de 30-39 anos predominou neste grupo de usuários, com 50% dos  pesquisados, configurando uma prevalência do público de idades mais avançadas, apesar do aparente aumento do consumo pelo público infantojuvenil, o que vem direcionando  as ações do Ministério da Saúde para este segmento de maior vulnerabilidade de forma mais explícita, a partir do ano de 2009, através do Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no SUS - PEAD(11).

O estudo realizado pela Fiocruz(2) apresenta, em seus resultados, as faixas etárias de maior consumo de crack as de 18-29 anos e 30-39 anos com índices respectivos de 52% e 33% Fato esse que aponta para a necessidade de uma maior preocupação com esta parcela em idade produtiva e com o grande impacto na economia do país, tornando-se relevante potencializar o investimento em  políticas públicas direcionadas  à economia solidária e geração de renda, trazendo à tona o fato de que a droga não é um atrativo apenas do público jovem(2).

Vale ressaltar o dado  encontrado neste grupo de pessoas, que 5% dos usuários de crack possuem  idade acima de 50 anos . O estudo nacional sobre o crack apresenta  um percentual de 2,93% de usuários de crack acima dos 50 anos (2). Este dado, mesmo não tendo uma representatividade quantitativa importante, aponta para o uso desta substância em faixas etárias de meia-idade e idosa, que geralmente não são consideradas e tem pouca representatividade nas estatísticas dos grandes estudos sobre o consumo de crack.

Ainda, o uso de crack nesta população idosa pode estar relacionado ao modelo atual de sociedade que valoriza a juventude e a virilidade(1). Nos dias  atuais, há uma pressão para que as pessoas mantenham-se jovens . Envelhecer é sinônimo de incapacidade e invalidez. Assim, o idoso sente-se desprezado, desvalorizado  na sociedade de consumo, pois não mais produz e é descartado como qualquer objeto obsoleto.

O contexto sociocultural, as expectativas e particularidades do indivíduo que quer corresponder às demandas sociais, sentir-se ativo, assim como o efeito da substância são fundamentais para se compreender os problemas advindos do uso do crack. Mas não se pode destacar dicotomicamente estes elementos, eles fazem parte de um todo, complexo, que se acopla e que não se determina separadamente. Ou seja, não é somente a droga que gera todas estas outras dimensões, são as expectativas do indivíduo, o que a sociedade espera das pessoas, e, claro, o efeito da substância. Assim, o efeito do crack, intenso, prazeroso e efêmero, parece conectar-se  perfeitamente aos anseios da sociedade contemporânea.

A escolaridade e a renda dos usuários de crack em tratamento

Com relação à escolaridade, os dados nos permitem afirmar que boa parte destes usuários de crack possui o nível médio completo, 37,5%, configurando-se  um dado diferenciado do que é apresentado em outros discursos, nos quais o usuário de crack é apontado como um indivíduo de pouco ou nenhuma escolaridade e, consequentemente sem condições de avaliar sua problemática e incapaz de tomar decisões. Corroborando com os dados acima mencionados, um estudo(8) ao analisar o perfil de usuários atendidos em um CAPS-ad, apresenta uma relação estabelecida entre o tipo de substância utilizada e o nível de escolaridade, a qual destaca maior índice de consumo de crack entre sujeitos que alcançaram o ensino médio.

No entanto, outro estudo(12) retrata o perfil de usuários de crack de forma divergente das informações acima fornecidas. Neste estudo(12) realizado com usuários de cocaína hospitalizados, o autor(12) aponta menores índices de escolaridade entre usuários da cocaína fumada crack, fato este justificado pela falta de atenção, compreensão e responsabilidade que o uso de crack pode gerar no indivíduo, impossibilitando-o de desempenhar suas atividades escolares. Por outro lado pode apontar que o uso de cocaína aspirada se dá nas classes econômicas mais elevadas e consequentemente com maiores índices de escolaridade.

A pesquisa(2) nacional sobre o uso de crack informou  que 57,6% dos usuários estudaram apenas até a 4ª e 5ª série, havendo uma relação direta entre o uso e os baixos índices de escolaridade . No entanto, pouco se pode afirmar se é o uso de crack que interfere diretamente nos estudos ou o fato desses sujeitos  estarem fora da escola é que favorece e torna as pessoas vulneráveis ao uso desta substância. O fato é que esta população frequentou em algum momento a escola, o que mostra que as políticas públicas podem  intervir com ações de prevenção no âmbito escolar.

Dessa forma, o baixo nível de instrução seria uma consequência do uso de drogas, podendo ser o abandono escolar apontado como grande fator de risco para o indivíduo dar início ao uso dessas  substâncias(13). Nesse sentido, os dados desse estudo nos permitem refletir acerca de uma mudança no perfil de usuários de crack em relação à escolaridade, considerando-se o uso deste, por si só, não mais pode responder pelo baixo nível de instrução dos usuários, corroborando com a ideia de que a substância em si não é fator determinante para o desenrolar e para as consequências das situações nas quais está envolvida.

Os problemas que advêm da relação do homem com o crack não podem ser compreendidos de maneira causal como uma consequência direta da pobreza e da miséria social, mas como um todo complexo de problemas que se agravam por conta de vários fatores, sejam eles psíquicos, físicos  ou  sociais.

Sobre a questão relacionada à fonte de renda, observa-se que, no período da pesquisa, 60,5% dos entrevistados estava desempenhando alguma atividade remunerada, enquanto 2,5% eram aposentados. Embora o estudo não possa precisar que tipo de atividade estava sendo realizada, é um ponto importante a destacar, pois a imagem do usuário de drogas, em específico do usuário de crack, é a de uma  pessoa improdutiva, que não consegue realizar as atividades da sua vida. Este grupo pesquisado, formado de pessoas que buscam acompanhamento, ainda mantém suas atividades laborais.

Corroborando com esta ideia os dados do estudo(2) nacional sobre o crack revelaram que a obtenção de dinheiro pelos usuários está relacionada a trabalhos esporádicos ou autônomo correspondendo a 60% da amostra. Ou seja, mais da metade dos usuários de crack desenvolvem algum tipo de atividade para que consigam algum recurso financeiro, demonstrando que se trata de uma parcela economicamente produtiva.

Vale destacar ainda que o estudo(2) apontou que a obtenção de renda a partir de atividades ilícitas é pequena, corresponde apenas a 6,2% dos entrevistados. Desta forma desmistifica os ideais de que os usuários de crack necessariamente desenvolvem atividades ilícitas para conseguir a droga, demonstrando que essas substância podem ser compradas com dinehiro obtido de forma lícita.

Diferentemente das concepções do senso comum de que o usuário de droga é uma pessoa passiva e completamente acometida pelos efeitos nocivos da droga no seu organismo, provocando uma total falência da sua vida  e de suas atividades diárias, os usuários de drogas possuem  de um modo de vida, que apresenta características semelhantes a outros modelos. Há tradições, códigos, normas de comportamentos, nos quais o usuário desenvolve competências sociais para evoluir em seu consumo e aprimorar as atividades ligadas a ele. Isto inclui atividades, que relacionadas ao circuito do mercado ilegal, exigem dos usuários táticas que compreendem riscos, sanções e desafios(14).

 

Conclusão

O estudo apontou o uso do crack  pela  população idosa, necessitando de estudos mais aprofundados sobre o uso  na terceira idade, visto ser uma população mais vulnerável socialmente. Permitiu desconstruir determinados estereótipos estabelecidos socialmente de que os usuários desta substância têm as suas atividades prejudicadas pelo uso da droga, que não exercem atividades remuneradas e que têm seus vínculos afetivos e familiares rompidos por causa do uso.

Destacou que existe um público economicamente ativo e em idade produtiva, entre os usuários de crack que buscam tratamento, exigindo dos serviços de saúde e de seus trabalhadores uma adequação a esta realidade de forma a estimulá-la, adequando, dentre outras coisas, o horário de atendimento para garantir as condições de acesso aos serviços, respeitando as atividades existentes na vida dos usuários, além de apontar para uma necessidade em potencializar e explorar as aptidões destes enquanto um caminho de promoção da reinserção social.

Reafirma a predominância masculina  de forma esmagadora dentre os ususários, fazendo-se necessária uma maior investigação sobre as condições de acesso do público feminino, que, por algum motivo não estão em busca de tratamento . Permitiu observar que as mulheres buscam os serviços de saúde, porém é bem pequeno o número daquelas que buscam   os serviços especializados de tratamento, necessitando de  estudos que aprofundem esta temática.

Assim, concepções errôneas sobre grupos específicos de usuários de crack podem levar a intervenções equivocadas, necessitando o aprofundamento dos estudos sobre determinadas populações que fazem uso desta droga. Como demonstrado , não há uma característica geral para o usuário de crack, considerando-se a heterogeneidade de pessoas e grupos sociais que usam esta substância.

Nesse sentido, destaca-se a importância dos profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, em conhecer o perfil da população por eles assistida, a fim de aperfeiçoar a sua prática profissional da mesma maneira que desenvolver estratégias que proporcionem uma melhoria concreta da assistência. Ademais, o enfermeiro precisa apoderar-se  desses novos conhecimentos para que consiga prestar uma assistência integral ao usuário, fomentando a construção de um projeto de cuidado mais amplo, cidadão e resolutivo.

 

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Recebido: 08.04.2015
Aceito: 21.09.2015

Correspondência:
Aline Teles de Andrade
Universidade Estadual do Ceará
Av. Dr. Silas Muguba, 1700, Campus do Itaperi
CEP: 60.740-000, Fortaleza, CE, Brasil
E-mail: alinetaid@hotmail.com

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