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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.12 no.1 Ribeirão Preto mar. 2016

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v12i1p48-57 

ARTIGO DE REVISÃO
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v12i1p48-57

 

Comunidade Terapêutica para Adolescentes: uma revisão sistemática de literatura entre 2002 e 2013

 

Comunidad Terapéutica para Adolescentes: una revisión sistemática de literatura entre 2002 y 2013

 

 

Camila Biribio Woerner PedronI; Fátima BucheleII

IMSc, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
IIPhD, Professor Adjunto, Departamento de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

 

 


RESUMO

O presente estudo constitui-se em uma revisão integrativa sistemática de artigos científicos publicados no período entre 2002-2013, objetivando analisar as publicações que relacionam a temática comunidade terapêutica e adolescentes, indexadas em bases de dados previamente determinadas. Os artigos foram organizados e classificados para a análise final  realizada  a partir de indicadores bibliométricos. Duas temáticas principais foram identificadas, a primeira foi constituída por três artigos que tratam da avaliação e resultados do tratamento. A segunda temática, contando com quatro artigos, discorre sobre aspectos do processo de tratamento. Os estudos apontam para resultados positivos no atendiment o com maior tempo de duração desses   adolescentes. Identificou-se a escassa produção científica sobre o tema, especialmente em âmbito nacional.

Descritores: Adolescente; Comunidade Terapêutica; Revisão; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias.


RESUMEN

El presente estudio se constituye en una revisión de integración sistemática de artículos científicos publicados en el período entre 2002-2013, objetivando analizar las publicaciones que relacionan la temática comunidad terapéutica y adolescentes, indexadas en bases de dados antepasadamente determinadas. Los artículos fueron organizados y clasificados para el análisis final realizada desde indicadores bibliométricos. Dos temáticas principales fueron identificadas, la primera fue constituida por tres artículos que tratan de la evaluación y resultados del tratamiento. La segunda temática, contando con cuatro artículos, discurre sobre aspectos del proceso de tratamiento. Los estudios apuntan para resultados positivos en el atendimiento con mayor tiempo de duración de eses adolescentes. Se identificó la escasa producción científica sobre el tema, especialmente en ámbito nacional.

Descriptores: Adolescentes; Comunidad Terapéutica; Revisión; Trastornos Relacionados con el Consumo de Sustancias.


 

 

Introdução

O uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas – SPA tem tomado proporções cada vez maiores em escala individual e coletiva, acarretando reflexos na esfera da saúde coletiva, segurança pública, nas questões relacionadas ao tráfico de drogas, a violência em diversos âmbitos, entre outros agravantes. Os impactos sofridos diante de tal conjuntura não se restringem ao indivíduo, mas extrapolam para o espaço social, familiar e comunitário, tornando-se assim foco de ação nas diversas políticas públicas e da sociedade civil.

No Brasil, nos últimos anos, os estudos epidemiológicos demonstraram aumento no uso e dependência de SPA entre a população, fazendo referência à ampliação do consumo tanto de drogas ilícitas como lícitas. O uso entre adolescentes também apresenta crescimento preocupante(1-3). As especificidades e complicações oriundas do uso de SPA entre o público adolescente são foco de inquietações, devido às particularidades. Tais peculiaridades dificultam a oferta de acolhimento na atenção básica da mesma maneira que atendimentos que tenham abrangência nas necessidades destes adolescentes.

O país dispõe de uma rede de serviços  para o atendimento desta população, contando com ações por parte da política de assistência social, poder judiciário, serviços de cunho privado, entidades filantrópicas e religiosas, e as ações desenvolvidas pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Nas ações realizadas pelo SUS, a Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de 2011, "institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas". Desta forma, os serviços passam a ser organizados através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), responsáveis pelo atendimento, de forma principal, a esta população. Ficando a critério desses agentes a possibilidade de encaminhamento dos pacientes, dentre outros serviços, para Comunidades Terapêuticas - CT, que passam assim a funcionar de forma articulada com a rede(4).

Convém registrar que as primeiras citações sobre as Comunidades Terapêuticas (CTs), de forma institucional, datam aproximadamente da década de 40, na Inglaterra, onde, originalmente, se desenvolveram nos hospitais psiquiátricos militares. Tinham como princípio romper com a visão hospitalar por meio da democratização das relações, diminuição da hierarquia, assunção de responsabilidades e humanização dos atendimentos(5).

 As CTs para o atendimento de adolescentes apresentam seu primeiro registro datado de 1913, na Inglaterra e a partir de 1920, na Europa e nos Estados Unidos, onde diversas instituições passaram a fazer uso dessa proposta para o atendimento de crianças e adolescentes "rebeldes". Esse atendimento baseava-se  particularmente no compartilhamento de responsabilidades e na imposição de limites, ao  mesmo tempo em que  a questão do afeto e do vínculo  constituíam-se como mecanismo central . Mesclar os dois elementos de forma adequada era o grande desafio(6-8).

No Brasil, em sua maioria, as CTs são instituições de caráter privado e filantrópico, ocorrendo expansão dessa oferta de serviços a partir da décade de 2.000. (9).  O público adolescente também é atendido nesses espaços de forma recorrente, seja por procura voluntária, do grupo familiar e/ou por encaminhamentos judiciais, em consonância com o preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)(10).

O crescente aumento desse atendimento em CTs justifica estudar essa modalidade  de modo a possibilitar o conhecimento e qualificação deste serviço, considerando que esse atendimento  está sendo amplamente utilizado  no país também para  adolescentes com transtornos oriundos do uso e abuso de álcool e drogas.

Diante desse cenário o presente estudo tem como objetivo fazer uma revisão sistemática de artigos científicos sobre comunidades terapêuticas e a atenção prestada aos adolescentes, no período compreendido entre os anos de 2002 a 2013.

 

Materiais e Métodos

A revisão sistemática utiliza a literatura disponível para avaliar as publicações sobre determinando assunto. A análise crítica e a síntese das informações selecionadas são  realizadas por meio dos objetivos e com base em critérios previamente definidos de exclusão e inclusão(11).

As bases de dados utilizadas nesse estudo foram: PubMed (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), IBECS (Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências da Saúde) e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde).

Os protocolos de busca tiveram como base estudos sobre a temática "comunidade terapêutica" no período de 2002 – 2013, escrito em língua inglesa, portuguesa ou espanhola.

Para as bases de dados Medline, IBECS e Lilacs utilizamos o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) "Comunidade Terapêutica" (português), "Comunidad Terapéutica" (espanhol), "Therapeutic Community" (inglês). Para a base de dados PudMed, por uma questão de melhor especificação dos estudos encontrados, optou-se por utilizar os descritores "Substance Abuse Treatment Centers"[mesh] AND "TherapeuticCommunity"[mesh].

Ainda que a pesquisa se proponha a estudar a temática de comunidades terapêuticas e adolescente, na busca inicial não foi incluído descritor que diz respeito ao adolescente/ adolescência. A eleição do tema CT e adolescente foi realizada após a leitura, classificação dos títulos e resumos dos artigos encontrados.

Conforme os critérios estabelecidos, foram excluídos instantaneamente os artigos que não se enquadravam no período compreendido entre os anos de 2002 a 2013 e que não estavam escritos em língua inglesa, portuguesa ou espanhola e ainda aqueles que: a) Estudo de revisão de literatura; b) Os sem resumos; c) Que não tratavam exclusivamente da temática estudada, d) Estudos que não foram possíveis acessar o texto na íntegra, mesmo após realizado contato com autor, f) Estudos que abordavam a temática comunidade terapêutica mas sem fazer referência ao público adolescente. O critério de inclusão utilizado foi de estudos que abordavam a temática de comunidade terapêutica, adolescentes e abuso de SPA, de forma relacionada, nas línguas e no período proposto.

Dos artigos classificados, realizamos a leitura e análise do material conforme proposta metodológica adotada(12). O resultado inicial de nossas buscas nas bases de dados originou um total de 301 artigos. Dentre estes, 294 foram excluídos, 128 artigos por não estarem relacionados com a temática estudada, 18 por não possuírem resumo, 13 por se tratar de revisão de literatura, 11 por não tratarem da temática de forma exclusiva, 2 pela impossibilidade de acesso ao texto na íntegra, 18 por se tratar de artigos duplicados entre as bases de dados e 104 que não tratavam da temática "comunidade terapêutica" e "adolescentes" de forma relacionada. Foram incluídos 7 artigos, que compõem o presente estudo.

Após a classificação e organização dos 7 artigos selecionados, eles foram submetidos a uma leitura atenta e exaustiva com objetivo de identificar seus elementos centrais, exposto em uma figura geral (Figura 1).

Também utilizo-se análise a partir de indicadores bibliométricos, considerando que estes auxiliam na seleção da informação científica e tem como objetivo possibilitar a avaliação dos aspectos quantitativos do processo de produção científica, verificando o impacto dos periódicos e a disseminação de suas informações, embora, não se trate, necessariamente, de um indicativo de qualidade destes. A análise bibliométrica também possibilita o conhecimento do tamanho e caracterização do acervo de determinada temática (12-14).  Consideramos os quesitos: base de dados, ano de publicação, país de publicação e metodologia utilizada.

Apresentação dos Resultados

Os resultados do presente estudo serão apresentados em dois tipos de análise, inicialmente a bibliométrica e posteriormente  os temas centrais identificados.

Análise dos indicadores bibliométricos

O período abrangido pelo presente estudo é de 12 anos (2002-2013). O resultado encontrado de 7  artigos ao longo dos anos apresentou algumas lacunas, sendo que nos anos de 2002, 2005, 2006, 2009, 2012 e 2013 não foi selecionado nenhum artigo. No ano de 2004 foram selecionados dois artigos publicados e nos demais anos – 2003, 2007, 2008, 2010 e 2011 – um artigo para cada ano. Tais dados indicam que a produção científica sobre a temática se manteve estável, porém escassa, não havendo alterações consideráveis nesse período.

Na Tabla 1, observa-se a distribuição dos artigos conforme as bases de dados pesquisadas. A maior concentração de artigos ocorreu na base PubMed. A base Lilacs conta com apenas um artigo e a Medline com dois, logo a Ibecs, ainda que incluída como uma das bases pesquisadas, não forneceu nenhum artigo para realização do presente estudo.

 

 

Destaca-se o fato que as bases PubMed e Medline concentram artigos da área médica e da enfermagem, principalmente nos EUA, indicando assim que o tema CT e adolescentes parecem estar mais concentrados nas discussões nessas áreas específicas e em território americano. Ao mesmo tempo, a Lilacs, que abrange publicações da América Latina e Caribe, trouxe apenas uma publicação, demonstrando a pouca produção científica nestas regiões.

Tal realidade corrobora com os dados relacionados  aos países de origem das publicações selecionadas, conforme expresso na Tabla 2. A origem dos artigos se concentrou significativamente nos EUA.

 

 

Foi identificado apenas um artigo oriundo de periódico brasileiro. Em outros países da América do Sul não foi encontrada nenhuma produção científica sobre a temática no período pesquisado. A Austrália apresentou dois artigos, o continente europeu, ainda que historicamente indicado como o "berço" das CTs se mostrou ausente quando se trata de estudos sobre o atendimento a adolescentes em tais instituições.

Com relação à metodologia de análise dos resultados, utilizada para a realização das pesquisas, verificou-se que 4 (quatro) artigos utilizaram-se da metodologia quantitativa, enquanto 3 (três) da qualitativa. Todos que utilizaram metodologias quantitativas são artigos publicados por autores norte-americanos. Em consequência, todos os artigos de metodologia qualitativa foram publicados pelos autores dos outros países.

O método quantitativo foi identificado como a preferência para a avaliação de resultados pós-tratamento, ou seja, a verificação da situação dos adolescentes após deixarem as instituições . No passado a metodologia qualitativa foi utilizada em sua maioria para identificar aspectos do processo de tratamento, sob a perspectiva do adolescente.

Considerando tal indicação podemos avaliar que nas pesquisas de origem norte-americana, em sua maioria, foi possível identificar maior ocorrência de estudos utilizando-se de metodologias quantitativas objetivando a obtenção da análise dos resultados pós-tratamento. Tal condição pode sugerir a busca por dados que indiquem quais os resultados dos atendimentos em CTs para adolescentes, objetivando sanar uma lacuna neste campo em específico (15).

Ao mesmo tempo, os demais pesquisadores apresentaram uma perspectiva exploratória da temática, buscando a compreensão da realidade, principalmente, sob a ótica dos adolescentes atendidos. A Tabela 3 apresenta a metodologia utilizada e o período do tratamento estudado, 2002 – 2013:

Temas Centrais Identificados nas Publicações

Os temas foram identificados, agrupados e discutidos a partir da metodologia proposta (12). A ordenação dos artigos possibilitou a construção da Figura 1, a partir dos artigos incluídos.

A partir da análise qualitativa dos artigos encontrados selecionamos dois temas centrais: Tema 1 (um) – Avaliação e resultados do tratamento; Tema 2 (dois) – Aspectos do processo de tratamento.

Tema 1 - Avaliação e resultados do tratamento

Os estudos relacionados sobre este tema apresentam a avaliação e acompanhamento de adolescente após realização de tratamento em CT, considerando diversos aspectos além da abstinência de SPA em si. A ausência de estudos sobre a eficácia dos tratamentos em comunidade terapêutica é exposta, da mesma maneira que a impossibilidade da generalização dos resultados, considerando a heterogeneidade de cada proposta de atendimento(16-17).

O acompanhamento e avaliação pós-tratamento é realizado por um instrumento específico e/ou entrevistas estruturadas, originando, assim, estudos, em sua maioria, quantitativos. Além da abstinência do uso de SPA também são avaliados nos participantes, aspectos como saúde física e emocional, participação em grupos de 12 passos, rede social, comportamento de risco, engajamento no trabalho e escola, reconhecimento do problema, entre outros aspectos que podem variar conforme o instrumento utilizado.

Os artigos evidenciam a eficácia da proposta de tratamento em CT em alguns aspectos da vida do adolescente com relação à abstinência do uso de SPA, mas reiteram a impossibilidade da generalização de tais resultados para outras instituições. Em alguns casos, relatam a melhora no que se refere ao uso/ abuso de SPA. No entanto, esta melhora não se aplica para outras questões como o envolvimento com a criminalidade e comportamentos violentos. Os estudos corroboram que a permanência no tratamento auxilia no processo de manutenção da abstinência mesmo após seu desligamento do programa(16-18).

Os autores apontam questões importantes a serem incluídas na proposta de tratamento dos adolescentes atendidos nessas instituições, com destaque para a construção de um plano de atendimento individual/ projeto terapêutico singular para cada adolescente, atenção às necessidades oriundas da violência física e sexual sofridas por estes, além de considerar o contexto social e familiar do qual o adolescente é oriundo(18-19).

Tema 2 - Aspectos do processo de tratamento

Os estudos classificados nesta temática expressam aspectos peculiares do processo de tratamento dos adolescentes no espaço da CT. Apresentam a ausência de pesquisa dentro dessa  temática, da mesma maneira que a carência ainda maior no que diz respeito a estudos que considerem a perspectiva do adolescente com relação ao tratamento que se encontra submetido(20- 21).

Os artigos pesquisados trazem relatos das experiências vivenciadas pelos adolescentes diariamente nas CTs, que são consideradas espaços diferenciados de serviços de saúde e que permitem a mudança. São expressas as questões de vínculo e relacionamentos entre os pares, tais como questões de convívio e sua importância , sendo que tais relações acabam por ter impacto significativo no tratamento(20–23). Nas CTs o relacionamento entre os pares é considerado parte essencial do acompanhamento terapêutico(19).

Os estudos expressam os fortes vínculos que são criados entre os adolescentes,  que em alguns momentos adquirem status de processos familiares. Especialmente, pelo fato de que muitos adolescentes são oriundos de espaços onde o relacionamento familiar, tal qual experimentado na CT, era restrito ou mesmo ausente(23).

Os vínculos construídos entre os adolescentes, durante o período de atendimento, podem tanto contribuir positivamente como negativamente no processo de tratamento sendo esses  fatores negativos dos relacionamentos entre os adolescentes  pouco estudados.

A maioria dos estudos apontam para a negligência da atividade sexual, mesmo sendo esse um fator determinante para a permanência, ou não, no tratamento. Observou-se que a atividade sexual entre os adolescentes é generalizada, principalmente entre o sexo feminino(22). Ainda que as CTs, em sua maioria, não permitam a atividade sexual durante o período de atendimento, observou-se que os adolescentes desenvolvem a atividade sexual de forma regular. Os autores indicam a necessidade de maior abertura para discussão sobre tal temática.

Reitera se a importância da construção de um plano individual de tratamento, possibilitando a singularidade de cada situação. Fatores como histórico de tratamento, prisões anteriores, dados demográficos, contexto familiar e uso de substâncias devem ser considerados para a construção do plano individual de cada atendido. .

Vale enfatizar o alto número de adolescentes encaminhados por determinação judicial(20-22) e o fato de que, em sua maioria, apresentam uma motivação menor ao tratamento e menor disposição para a interação social positiva, quando comparado aos adultos atendimentos em CT(20-22), necessitando assim de maior acompanhamento pós-tratamento.

A diferenciação entre o tratamento de adultos e adolescentes é indicada como uma necessidade importante a ser observada. Modelos de atendimento para adultos que são aplicados igualmente para adolescentes não apresentam resultados consideráveis. O atendimento à adolescentes em comunidades terapêuticas é feito, na maior parte das vezes, transpondo-se o modelo de atendimento para adultos com "modificações" para esse público(15).

No atendimento de adolescentes é necessário observar as características próprias da idade de tal público-alvo, objetivando treinamentos de habilidades para enfrentar a vida sem o uso de drogas, considerando o momento de formação e ressignificação de suas identidades(24).

 

Discussão

Os estudos sobre comunidade terapêutica e dependência química não se apresentaram de forma expressiva nessa revisão, principalmente quando se trata do público adolescente e suas  particularidades , mesmo que exista consenso na literatura dos adolescentes serem público de risco no que tange o uso/abuso de SPA(25-26).

Tal escassez é ainda mais expressiva quando falamos em CTs com atendimento específico para adolescentes.. Os estudos encontrados tratam de amostras com características muito particulares o que acaba impossibilitando a generalização dos resultados(15). Não foi possível identificar aspectos de regularidade, seja no que tange aos anos das publicações, autores e periódicos.

A maioria das publicações é oriunda dos EUA, conforme outros estudos, que também utilizaram a revisão sistemática, apontaram em momentos anteriores(15). A ênfase encontra-se na fragilidade nacional com relação à produção científica sobre o tema. Tal questão pode nos levar a pensar que essa modalidade de atendimento, no país, está sendo desenvolvida sem ser analisada, estudada e pode até mesmo ter sido negligenciada. Tal condição é extremamente preocupante considerando que no Brasil, também ocorre o atendimento de adolescentes em CTs. 

Estima-se que no país, em algumas regiões, cerca de 80% da população com transtornos decorrentes do uso/abuso de álcool e outras drogas é atendida em comunidades terapêuticas(9). Embora ainda se constitua um desafio mensurar a totalidade do atendimento nestas instituições considerando a expansão destes serviços com poucos instrumentos de regulação ou fiscalização. Nessa perspectiva não estamos analisando, se o modelo oferecido pelas CTs é resolutivo ou não, mas parece evidente que existe uma necessidade urgente deste modelo ser estudado, avaliado e consequentemente qualificado.

Os artigos aqui analisados apresentaram resultados positivos com relação aos adolescentes atendidos em CTs, no que diz respeito à abstinência de SPA e outras áreas de suas vidas igualmente consideradas nos estudos. Ao mesmo tempo, os mesmos estudos ressaltam que não são conclusivos. A questão da generalização dos resultados, entre outros aspectos, parece não ser possível, pois o próprio conceito de CT não é consenso e muito menos generalizado, principalmente no que tange ao atendimento aos adolescentes. Assim, muitos trabalhos acabaram por adotar tal nomenclatura, mesmo realizando atividades diversas, fora da metodologia proposta na criação das CTs na década de 40(4-6).

Nos artigos pesquisados fica evidente a recomendação feita com relação à individualização do atendimento, compreendendo as necessidades de cada adolescente de maneira particular. Destaca-se que este olhar específico para cada um deles necessita também se expandir para questões que vão além do biológico, do social e do modelo adotado, ou seja, que abranjam a integralidade do sujeito. As questões familiares, judiciais, sociais e econômicas podem ser fatores tanto positivos como negativos na adesão ao tratamento. Sendo assim, necessitam ser consideradas na abordagem ao adolescente.

O tempo de permanência no tratamento nas CTs está relacionado com melhores resultados, embora a questão da adesão ainda se constitua num grande desafio. Destaca-se como central a questão da motivação. A ausência de perspectiva para o futuro e de amparo social e familiar no pós-tratamento acaba por não auxiliar na motivação para mudança. Os vínculos formados entre os adolescentes e os profissionais são de grande importância, por vezes sendo instrumento primário a ser utilizado.

Nos artigos estudados não foram encontradas referências com relação a algum tipo de atendimento oferecido aos familiares dos adolescentes atendidos nas CTs. Embora o atendimento ao grupo familiar fosse incorporado nas CTs desde a década de 70, com o objetivo de que a família se torne corresponsável pelo atendimento do paciente(5,27). Esse elemento, de importância do atendimento, como fator de grande representatividade no tratamento, não foi encontrado de maneira clara e recorrente nos artigos(25-26).

 

Considerações Finais

O presente trabalho não teve como objetivo esgotar a discussão sobre a temática, mas sim, argumentar e problematizar um tema de extrema importância, veiculado e discutido rotineiramente pela imprensa falada, escrita e televisionada em âmbito nacional e mundial.

Considerando a crescente expansão dessa modalidade de tratamento no Brasil, conhecer as CTs na atenção ao adolescente é de fundamental importância para entender seu funcionamento e possibilitar o estudo e qualificação deste serviço. Analisar, assim como vem acontecendo, a sua efetividade, eficácia e resolutividade, sem, contudo, ignorar esse tipo de atendimento, ainda que possam ser identificadas falhas conceituais e/ou metodológicas.

O atendimento em comunidades terapêuticas para adolescentes dependentes químicos  constitui-se como  um desafio, considerando as necessidades e peculiares específicas de tal faixa etária acrescidas das particularidades da dependência química e os prejuízos decorrentes desta. Para além do tratamento em si, outros aspectos precisam ser considerados, tais como: o atendimento ao grupo familiar, aspectos sociais, avaliação dos vínculos, a reinserção social, sexualidade, entre  outros.       

Uma das limitações da presente revisão foi o pequeno número de artigos encontrados, relacionando CT e adolescente, comprovando existir  uma lacuna científica  e uma urgente necessidade de desenvolver estudos complementares que possam expandir esses e outros aspectos que não foram mencionados nessas publicações..

O atendimento a pessoas com transtornos decorrentes do uso/abuso de álcool e outras drogas é previsto na política de saúde brasileira através da RAPS(4), que possibilita o atendimento destes indivíduos em comunidades terapêuticas. Todavia não se percebe a discussão de tal realidade nos artigos encontrados, o que pode vir a denunciar a ausência do diálogo em rede diante dessa proposta de atendimento, especificamente para o público adolescente.

A temática estudada é complexa e sua importância é inquestionável. É evidente a necessidade de qualificação desse tipo de serviço , de modo que os adolescentes  tenham suas necessidades contempladas dentro de um modelo mais inclusivo que considere as peculiaridades e diferentes modalidades terapêuticas de atendimento.

 

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Recebido: 11.08.2014
Aceito: 04.11.2015

Correspondência:
Camila Biribio Woerner Pedron
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