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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versión On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.12 no.2 Ribeirão Preto jun. 2016

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v12i2p65-67 

EDITORIAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v12i2p65-67

 

Relatos sobre a vulnerabilidade social do ser diferente e a sua abordagem no contexto da saúde

 

 

Margarita Antonia Villar Luis

Editor Chefe da SMAD, Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas, Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: margarit@eerp.usp.br

 

 

 

Em âmbito mundial os direitos humanos dos usuários de drogas raramente foram mencionados ou considerados nas políticas públicas específicas ou em pesquisas. Na maioria dos países, as políticas e legislações sobre drogas não têm como base os compromissos dos direitos humanos internacionais(1). Da mesma forma, esses usuários pouco são mencionados nos domínios dos direitos humanos, pois as questões relacionadas ao uso de drogas raramente são instruídas por mecanismos e estruturas de monitoramento dos direitos humanos. As abordagens do uso de drogas são centradas na criminalização e na imposição de penalidades severas aos usuários mais do que em medidas de saúde pública(2). Contudo, existem leis de direitos humanos aplicados a todas as pessoas e esses usuários fazem parte do conjunto da população, embora as condutas da sociedade sejam mais de exclusão do que de tentativa de incorporá-los ao convívio com os outros seres.

O direito a atingir altos padrões de saúde física e mental inclui o direito de dispor de serviços de saúde que sejam frequentados pelos clientes sem medo de punição ou ser alvo de julgamento moral. Faz parte das obrigações que dizem respeito à saúde, a implementação de políticas plausíveis de resultar em morbilidade desnecessária e prevenção de mortalidade da população. O direito à saúde, de modo não discriminatório, é uma garantia inerente como qualquer outro direito(2). Pessoas que usam drogas como qualquer cidadão, também tem direito à vida, à liberdade, a ter sua integridade corporal, privacidade, educação, igualdade perante a lei, liberdade de ir e vir, de participação em eventos sociais e agremiações e acesso à informação(3).

A constituição brasileira (1988) reconhece a saúde como um direito do cidadão e dever do Estado, nela estão estabelecidas as bases para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), fundamentado nos princípios da universalidade, integralidade e participação social. O reconhecimento constitucional do direito à saúde foi resultado de prolongados embates políticos e ações do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, criado pelos trabalhadores da saúde. Apesar dos avanços e das inovações institucionais introduzidas, dentre elas o processo de descentralização transferindo aos municípios responsabilidades pelo gerenciamento da saúde local, o SUS constitui um sistema sob contínuo desenvolvimento que ainda se esforça para possibilitar cobertura universal e equitativa a todos os cidadãos brasileiros(4).

O movimento da Reforma Psiquiátrica veio atrelado a estrutura de saúde brasileira em vigor, criando os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS e CAPS- álcool e drogas) com a proposta de ter uma ação psicossocial. Tal serviço de atenção, preconizou a mudança da perspectiva do tratamento em saúde mental da ênfase na cura, para o acolhimento às individualidades e às relações de pessoas concretas inseridas em um meio físico e social, portanto no âmbito do cuidado a ser oferecido nos serviços de saúde, considerou que o mesmo ocorre em uma rede de interdependências, no limite entre o individual e o coletivo(5).

No momento atual, os profissionais dos serviços de saúde mental (CAPS e CAPS-ad)) necessitam renovar seus compromisso com "os valores de autonomia e protagonismo dos indivíduos, de corresponsabilidade entre eles, de solidariedade dos vínculos estabelecidos, dos direitos dos usuários e da participação coletiva no processo de gestão"(6). Prever o usuário do serviço como um participante do seu processo de tratamento, significa elevá-lo à posição de agente ativo, cogestor do trabalho em saúde(5).

No que se refere ao atendimento aos usuários com transtornos de saúde mental, incluídos nesse conjunto aqueles com transtornos ou uso nocivo de álcool e outras drogas, em que pesem os avanços no cuidado, com tratamento mais humanizado e participativo, verificam-se carências que dificultam a incorporação dos pressupostos anteriormente mencionados, tais como o a qualificação profissional(7-9), os obstáculos no desenvolvimento de trabalho na lógica interdisciplinar(7,11), a articulação deficitária com a rede de Atenção à saúde como um todo(7,10), as precariedades na infraestrutura e problemas na gestão(8).

Como um obstáculo adicional ao paradigma da reforma psiquiátrica brasileira destaca-se a pouca reflexão na utilização dos medicamentos psicotrópicos, como se a prescrição por si só fosse suficiente para o tratamento, sem incluir o usuário nas decisões de um cuidado que pode durar a vida toda, restringindo sua participação a ser ouvinte de algumas orientações sobre os sintomas da sua doença e esclarecimentos sobre os medicamentos prescritos(5), ministradas de forma padronizada para todos.

 De fato, é mais importante haver da parte dos profissionais o reconhecimento da experiência do cliente, do que apenas ouvir o seu relato sobre o que pensa e sente, para que efetivamente o considerem como um participante na gestão do seu tratamento. O grande desafio é criar as condições para uma mudança de atitude entre a equipe de saúde que inclua as experiências de todos os envolvidos (profissionais e clientes) processo de produzir ações de saúde(5).

Neste número a revista apresenta cinco artigos que discorrem sobre questões relacionadas aos temas previamente focalizados, o impacto legal sobre os direitos humanos de usuários de drogas, em que esse fato por si mesmo os coloca à margem da sociedade e causa vários prejuízos de natureza pessoal e social. Também foram investigadas as atitudes dos profissionais da Atenção Primária em relação às pessoas que fazem uso abusivo de álcool e como resultado apareceram atitudes positivas em todos os itens da escala utilizada (EAFAAA) em relação a esse cliente, o que não deixa de ser um grande avanço no cuidado da saúde dessa população.

Ainda com o grupo de usuários de substâncias psicoativas, um dos artigos se refere à associação entre o estado nutricional e o padrão de uso entre pacientes atendidos em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e drogas, tema pouco estudado, cujos resultados indicaram tanto o emagrecimento como o peso excessivo nos usuários, associado à droga utilizada e ao padrão de consumo. Na tentativa de criar formas de abordagem baseadas no respeito aos direitos desse usuário, o artigo que discorre sobre a percepção dos usuários de substâncias a respeito da redução de danos é um bom exemplo de como se pode estabelecer um diálogo entre os discursos da saúde e o daqueles que em geral são relegados ao abandono por não se enquadrarem nas prerrogativas dos serviços de saúde.

Quanto às condições de trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial de maneira geral, dois artigos abordam o tema da necessidade de capacitação profissional, um deles acrescenta a presença de outros problemas mencionados no início, tais como os desafios para o trabalho interdisciplinar, a efetividade da rede de saúde dentre outros, "ruídos" que interferem na atenção prestada a familiares dos clientes. O outro texto, uma revisão integrativa, que perante a análise dos artigos encontrados, enfatiza a necessidade de capacitação do enfermeiro para atender as exigências de cuidado aos doentes mentais, na perspectiva dos referidos pressupostos da Reforma Psiquiátrica.

No espectro da saúde mental não deixa de ser importante o artigo, também revisão integrativa de literatura, cuja proposta é identificar o atendimento prestado por enfermeiros ao indivíduo com comportamento suicida, mais relevante ainda é a observação quanto ao número restrito de artigos encontrados que mencionam o tema. Como recomendação é ressaltada a importância da equipe de enfermagem, gestores e a sociedade em geral voltarem sua atenção para o problema a fim de melhor entender o comportamento suicida. Sem considerar o fato de que pacientes com tal comportamento não são do agrado dos profissionais de saúde e que por vezes são evitados ou alvo de julgamentos de valor, a recomendação dos autores faz sentido.

Mais relevante ainda ela torna-se, tendo como base os dados epidemiológicos mundiais obtidos, pois o suicídio está entre as três e cinco causas de mortalidade entre homens jovens (15 a 44 anos) nas amostras da maioria dos países de altos e médios ingressos e que as mortes acidentais permanecem a principal causa de morte desse grupo em países de todos os níveis econômicos. Cabe destacar ainda, que o número de mortes por suicídio é substancialmente subestimado, principalmente devido à subnotificação e à classificação inadequada do quadro (diagnóstico) em geral, por razões legais e culturais(12).

A expectativa é de que esses artigos sejam inspiração para os leitores na elaboração de novos estudos, que pesquisem outras facetas dos temas abordados e inclusive, os motivem no aprofundamento dos resultados e discussões apresentadas.

 

Referencias

6. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Saúde. Documento Base. 4ª Edição. Brasília: MS; 2007.         [ Links ]

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