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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.12 no.2 Ribeirão Preto June 2016

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v12i2p92-100 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v12i2p92-100

 

Associação entre o estado nutricional e padrões de uso de drogas em pacientes atendidos em Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas1

 

Asociación entre el estado nutricional y estándares de uso de drogas en pacientes atendidos en Centros de Atención Psicossocial Alcohol y Drogas

 

 

Daniele do Rocio RibeiroII; Denise Siqueira de CarvalhoIII

IINutricionista, MSc
IIIPhD, Professor, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar o estado nutricional de pacientes em início e no terceiro mês de tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas de Curitiba-PR e verificar a sua relação com os aspectos socioeconômicos, demográficos e padrões de uso de drogas nesses dois grupos. Foram avaliados 254 adultos, 175 do grupo de início de tratamento e 79 de terceiro mês. Ambos apresentaram alterações no estado nutricional, tanto baixo peso como excesso de peso. O baixo peso associou-se ao sexo feminino e uso recente de crack, e o excesso de peso ao tempo de uso de álcool e ao uso frequente de maconha. O estudo demonstrou a grande vulnerabilidade dessa população em relação ao aspecto nutricional.

Descritores: Transtornos Relacionados ao Uso de Substância; Avaliação Nutricional; Usuários de Drogas; Estado Nutricional.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue evaluar el estado nutricional de pacientes en inicio y en el tercer mes de tratamiento en los Centros de Atención Psicossocial Alcohol y Drogas de Curitiba-PR y verificar su relación con los aspectos socioeconómicos, demográficos y estándares de uso de drogas en ésos dos grupos. Fueron evaluados 254 adultos, 175 del grupo de inicio de tratamiento y 79 de tercer mes. Ambos presentaron alteraciones en el estado nutricional, tanto bajo peso como exceso de peso. El bajo peso se asoció al sexo femenino y uso reciente de crack, y el exceso de peso al tiempo de uso de alcohol y al uso frecuente de marihuana. El estudio demostró la grande vulnerabilidad de esa población con relación al aspecto nutricional.

Descriptores: Trastornos Relacionados con Sustancias; Evaluación Nutricional; Consumidores de Drogas; Estado Nutricional.


 

 

Introdução

A dependência de álcool e outras drogas influencia marcadamente a situação alimentar e nutricional dos indivíduos, seja pelo aspecto biológico, por afetar o apetite, a ingestão adequada de nutrientes e o estado nutricional, seja pelo componente social, interferindo nos hábitos alimentares, no autocuidado e na escolha adequada de alimentos. Tanto a desnutrição(1-3) quanto a obesidade e episódios de compulsão alimentar(4-6) têm sido relatados entre pacientes usuários de drogas ou em processo de tratamento de sua dependência. Pesquisas têm demonstrado que os alimentos escolhidos pelos usuários de drogas são normalmente aqueles de baixa qualidade nutricional, de baixo custo, de fácil preparo e rápidos de serem consumidos(7-8).

Apesar da grande relevância do aspecto nutricional na saúde dos indivíduos usuários de drogas, no Brasil, ainda são raros os estudos envolvendo essa temática. Os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), por reunirem as condições adequadas para a recuperação e promoção da saúde desses indivíduos, geram oportunidades para o desenvolvimento de pesquisas voltadas à avaliação das condições de saúde e nutrição dos pacientes atendidos.

 Diante disso, o objetivo desse estudo foi avaliar o estado nutricional de pacientes em início e no terceiro mês de tratamento nos CAPS AD de Curitiba-PR e verificar a relação desse estado nutricional com os aspectos socioeconômicos, demográficos e padrões de uso de drogas nesses dois grupos.

 

Materiais e métodos

Este trabalho trata-se de um estudo observacional transversal descritivo, com coleta de dados realizada no período de abril a setembro de 2012, envolvendo pacientes em tratamento para dependência de álcool e/ou outras drogas nos CAPS AD em Curitiba- PR.

Foram avaliados dois grupos de pacientes: um em início de tratamento e outro com três meses de tratamento. Todos os indivíduos eram adultos, na faixa etária de 20 a 59 anos de idade. A pesquisa ocorreu em todos os cinco CAPS AD que atendiam adultos na cidade de Curitiba-PR. Pessoas sem condições cognitivas para responder aos questionários e gestantes não foram incluídas no estudo.

O número de atendimentos nos CAPS AD no ano anterior à pesquisa foi utilizado para o cálculo da amostra, que foi obtida utilizando-se o programa Statcalc do Epi Info, versão 6.04, obtendo-se uma amostra de 171 indivíduos em início de tratamento e 134 em terceiro mês de tratamento.

O questionário utilizado nas entrevistas era composto por perguntas fechadas relativas às questões socioeconômicas, demográficas e de padrões de uso de drogas. Para a avaliação do estado nutricional coletou-se os dados de peso e altura. O equipamento antropométrico utilizado na obtenção da variável peso foi uma balança portátil, com capacidade de 180 kg e precisão de 100g. Os pacientes foram pesados sem calçados e casacos, permanecendo de pé no centro da balança, eretos, com o peso corporal igualmente distribuído entre os pés. A estatura foi aferida por medição única utilizando estadiômetro portátil com precisão de 1mm. Os pacientes foram posicionados de pé, eretos, com braços estendidos ao longo do corpo e com a cabeça erguida. A partir das informações de peso e altura obtidos, foi determinado o índice de massa corporal (IMC). Para a classificação do estado nutricional foram adotados os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde(9).

Todos os instrumentos de coleta de dados foram previamente testados com um grupo de dez pacientes em um dos CAPS AD estudado, objetivando conhecer problemas na linguagem utilizada, compreensão das perguntas e adequação.

Na digitação e análise dos dados utilizou-se o programa Epi-Info versão 3.5.4. Para as variáveis categóricas foram calculados proporções e aplicados os testes de qui-quadrados e para variáveis contínuas foram utilizadas as médias, desvios-padrões e aplicados os testes de ANOVA ou KrusKal-Wallis. Para todos os testes, adotou-se o nível de significância inferior a 0,05.

As análises bivariada e multivariada foram realizadas utilizando o programa Stata versão 8. Na análise bivariada foram considerados dois desfechos: a presença e ausência de baixo peso e a presença e ausência de excesso de peso. Os pacientes com baixo peso foram excluídos da análise quando o desfecho era excesso de peso. As variáveis independentes utilizadas na análise foram aquelas relacionadas à situação socioeconômica e demográfica e aos padrões de uso de droga.

As variáveis socioeconômicas foram: sexo, faixa etária, cor, escolaridade, estado civil, com quem reside (Só ou abrigos/ com familiares ou amigos), renda familiar per capita, situação de moradia (Própria ou cedida/ alugada), tipo de construção e participação em programa de transferência de renda.

Em relação às variáveis de padrão de uso, para cada droga pesquisada (Álcool, tabaco, maconha, cocaína, crack, inalantes e alucinógenos) foram avaliados o uso recente, a frequência de uso e o tempo de uso desta droga.

Para uso recente foi considerado: não uso no último ano, último uso há mais que três meses e menos de 12 meses, último uso há menos que três meses e mais que um mês e uso no último mês. A frequência de uso foi considerada: uso da droga menos que três vezes por semana e mais que três vezes na semana. O tempo de uso foi classificado em: uso experimental ou menos de um ano; uso durante um a cinco anos; uso durante seis a dez anos e mais que dez anos de uso. Foram também analisadas as variáveis: uso exclusivo de drogas lícitas (Sim ou não) e número de drogas usadas no último ano (<5 drogas/ ≥5 drogas).

As variáveis independentes que, na análise bivariada, mostraram-se associadas ao desfecho com nível de significância observado menor ou igual a 20% (p-valor ≤ 0,20) no teste de qui-quadrado foram selecionadas para a análise multivariada, mantendo-se no modelo final aquelas que apresentaram valor p<0,05. Foram consideradas variáveis confundidoras: faixa etária; renda per capita e número de drogas usadas no último ano (<5 drogas/ ≥5 drogas).

Os resultados foram apresentados em odds ratio, intervalos de confiança e valores de p.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, com o número de registro CEP/SD 1282.207.11.12 CAAE 0198.0.091.085-11. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados

A população total participante da pesquisa foi de 268 indivíduos. No entanto, neste estudo foram considerados para a análise apenas os indivíduos adultos, segundo critérios da Organização Mundial da Saúde (≥ 20 a < 60 anos de idade). Deste modo, foram excluídos, quatro indivíduos que apresentavam idades entre 18 e 20 anos, pois são considerados adolescentes na classificação do estado nutricional, e outros dez idosos (> 60 anos).

 Foram avaliados 254 indivíduos, sendo que 48 eram do sexo feminino e 206 do sexo masculino, 175 pertenciam ao grupo de início de tratamento e 79 ao grupo em terceiro mês de tratamento.

Dentre os pacientes em início de tratamento a maioria era do sexo masculino, brancos, na faixa etária de 31 a 40 anos e solteiros, contudo, a maioria declarou residir com cônjuge e/ou filhos. O estrato de renda predominante foi de 0,5 a 1,49 salários mínimos per capita e a renda familiar média foi de R$ 1458,62 (±1320,60). Apresentavam baixa escolaridade, mais da metade não tinha o primeiro grau completo. A maioria possuía moradia própria e de alvenaria. A média de pessoas por domicílio foi 3,3 (±1,86) e a maioria não participava de nenhum programa de transferência de renda. O grupo de pacientes em terceiro mês de tratamento apresentou características socioeconômicas e demográficas semelhantes ao primeiro grupo, com exceção da faixa etária, apresentando idade mais avançada (41 a 50 anos) e estado civil casado.

A média de peso (kg) no grupo de início de tratamento foi de 71,2 (±15,48) e no terceiro mês foi de 75,68 (±15,60), apresentando diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p<0,05). A média de altura (m) foi de 1,69 (±0,83) no grupo de início de tratamento e 1,70 (±0,83) no terceiro mês, não apresentando diferença estatisticamente significativa.

A média do IMC dos pacientes em início de tratamento foi significativamente menor do que a dos em terceiro mês. Em relação à classificação nutricional, somente 52,6% do grupo do início de tratamento e 41,8% do grupo em terceiro mês apresentaram eutrofia (Tabela 1).

De forma geral, a frequência de alterações do estado nutricional (Baixo peso e excesso de peso) foi maior entre as mulheres do que entre os homens. No grupo de terceiro mês o baixo peso foi significativamente maior entre as mulheres (Tabela 1).

Na análise bivariada a variável baixo peso apresentou associação significativa com o sexo feminino (p=0,0101), uso recente de maconha (p=0,0152), uso recente de crack (p=0,0072) e uso recente de inalantes (p<0,001). A variável excesso de peso, por sua vez, apresentou associação significativa com faixa etária (p=0,0417), tempo de uso de álcool (p=0,0075) e uso frequente de maconha (p=0,0272).

Na análise multivariada o baixo peso mostrou-se associado ao sexo feminino e uso recente de crack (Tabela 3), e o excesso de peso foi associado ao tempo de uso (Anos) do álcool e a frequência semanal de uso da maconha (Tabela ).

 

Discussão

Ambos os grupos apresentaram alterações no estado nutricional em relação ao IMC, sendo que apenas 41,8% dos indivíduos no terceiro mês e 52,6% daqueles em início de tratamento estavam classificados na faixa de normalidade, não havendo diferença significativa em relação à classificação nutricional entre os dois grupos.

A alteração do estado nutricional baixo peso foi a menos prevalente em ambos os grupos (6,3% no grupo em início de tratamento e 2,5% no grupo de terceiro mês). Em um estudo com 25 adultos em tratamento para dependência química em um serviço ambulatorial de um hospital de Porto Alegre-RS, nenhum caso de baixo peso foi encontrado entre a população estudada e a prevalência de sobrepeso foi de 80% e obesidade de 8%, com índice de massa corporal médio de 27,73 ± 4,15 kg/m2(10). Porém, a escassez de estudos nacionais sobre estado nutricional de indivíduos adultos dependentes de álcool e outras drogas dificulta uma comparação melhor entre populações semelhantes.

Estudos internacionais com usuários de drogas têm demonstrado alta prevalência de baixo peso nessa população, com níveis ainda mais elevados em indivíduos também infectados pelo HIV. Entretanto, são poucos os estudos com indivíduos usuários de drogas em nível ambulatorial. Em um estudo caso controle com 253 homens usuários de drogas em tratamento para desintoxicação em um hospital em Bangladesh, com grupo controle composto por 100 homens saudáveis, de idades semelhantes, os autores verificaram que os usuários de drogas apresentavam índices significativamente menores de IMC, hemoglobina, proteína sérica e albumina que os controles. Em relação ao IMC, 60% dos indivíduos usuários de drogas apresentavam índices menores que 18,5kg/m2 (baixo peso) contra 15% dos controles(1). Outro estudo comparando o estado nutricional de usuários de drogas HIV-positivo e HIV-negativo em Chennai, sul da Índia, encontraram alto déficit do estado nutricional em ambos os grupos: 52,3% dos usuários de drogas HIV positivo apresentavam baixo peso segundo IMC e entre os usuários de drogas HIV-negativo o percentual foi de 49,7%(3).

Um estudo nacional, realizado em Minas Gerais, em CAPS AD, com indivíduos que buscaram essa instituição por dependência de álcool, e cujo objetivo era avaliar a presença de fatores de risco cardiovascular, com ênfase na hipertensão e na adiposidade corporal, em alcoolistas abstinentes ou não abstinentes em tratamento, encontrou médias de IMC mais próximas às verificadas neste estudo. Essa pesquisa classificou os sujeitos em três grupos conforme o padrão de uso de álcool: não abstinentes (Redução de uso e uso não alterado); abstinente recente (Aqueles com uma semana até três meses de abstinência) e abstinência há mais tempo (Com mais de três meses). A média de IMC encontrada em cada grupo foi de 24,42 kg/m2 (± 4,39); 25,88 kg/m2 (±4,72) e 22,93 kg/m2 (±4,38) respectivamente, não havendo diferença significativa entre os grupos(11).

O presente estudo, por sua vez, encontrou uma média de IMC de 24,8 kg/m2 (±4,7) entre o grupo de início de tratamento e 26,1 kg/m2 (±4,8) no grupo de terceiro mês de tratamento com diferença significativa entre os dois grupos.

Dados da Pesquisa Orçamentos Familiares (POF) realizada em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstraram uma alta prevalência de sobrepeso e obesidade na população da Região Sul do Brasil. O baixo peso, entretanto, foi menos prevalente, apenas 1% dos homens e 2,4% das mulheres da população urbana apresentavam IMC abaixo de 18,5 kg/m2(12). Este estudo, no entanto, encontrou percentuais mais altos de baixo peso entre os dependentes de drogas do que os encontrados na população geral.

Todavia, as mulheres deste estudo apresentam-se mais vulneráveis em relação ao baixo peso. Quando se observa a classificação do estado nutricional por sexo, verifica-se que o baixo peso é mais prevalente entre elas em ambos os grupos (11,4% no grupo de início e 15,4% no grupo de terceiro mês).

A regressão logística demonstrou associação significativa entre o sexo feminino e o baixo peso. Outros estudos têm demonstrado que as mulheres dependentes de drogas apresentam quadros de desnutrição mais graves do que os homens. Uma pesquisa envolvendo dependentes de drogas hospitalizados encontrou estado nutricional pior entre as mulheres. Foi também observado nessa pesquisa que as mulheres apresentavam significativamente mais problemas nas relações sociais e familiares do que os homens(13). Em outra pesquisa que avaliava pacientes HIV positivo, usuários e não usuários de drogas, verificou-se que entre aqueles que usavam drogas, o IMC das mulheres era significativamente menor(14).

Estudos também têm evidenciado que as mulheres usuárias de drogas buscam o tratamento mais tardiamente que os homens. Essa demora está ligada principalmente a aspectos sociais, relacionados ao preconceito e estigmatização que sofrem.. Além disso, aspectos fisiológicos próprios da mulher permitem que os agravos à saúde causados pelas drogas ocorram primeiro nelas e posteriormente nos homens(15-17). Assim, as mulheres tendem a chegar aos serviços de saúde mais debilitadas, especialmente, em relação a estado nutricional, como evidenciou o estudo.

O uso recente do crack também foi associado ao baixo peso na população estudada. São diversos os fatores que fazem com que o crack esteja relacionado ao baixo peso. O crack, que é um derivado da cocaína, tem um forte poder anorexígeno(2). Pessoas dependentes dessa droga, em padrão de consumo intenso, contínuo e repetitivo, conhecido como "binge", relatam que conseguem passar dias sem se alimentar usando apenas a droga. Além disso, a urgência de obtenção da substância faz com que o indivíduo remaneje o dinheiro que iria ser gasto com alimentação para esse fim(18). Somado a isso, está também o impacto nas redes sociais e familiares que, muitas vezes, ocorre na vida dos dependentes de crack, fator que também pode interferir na sua rotina e consequentemente na alimentação, tornando as refeições inconstantes e diminuindo a ingestão de alimentos. A alimentação ainda pode ser prejudicada pelas lesões na região orofaríngea causadas pelo uso de cachimbos produzidos com latas de alumínio. O contato repetido com alumínio aquecido provoca aparecimento de bolhas e feridas na língua, nos lábios, rosto e também nos dedos(19).

Apesar do baixo peso ser relevante, o excesso de peso (Sobrepeso e obesidade) foi a alteração do estado nutricional mais prevalente na amostra estudada. Essa realidade, no entanto, não está presente apenas entre os dependentes de drogas, mas entre a população brasileira de forma geral. Atualmente, o Brasil vive a chamada transição nutricional, que consiste no crescente aumento da obesidade, porém, com a coexistência de deficiências nutricionais, como anemia ferropriva e deficiências de vitaminas, principalmente nas classes de menor renda. Segundo dados da POF de 2009(12), na Região Sul, 58,1% dos homens e 50,9% das mulheres apresentavam sobrepeso. Em relação à obesidade, o índice foi de 16,4% nos homens e 19,3% nas mulheres. A tendência de ascensão da obesidade está associada à diminuição do gasto energético dos indivíduos, devido à redução das ocupações que demandam maior esforço físico e na redução da atividade física associada ao lazer, além de fatores alimentares, como a diminuição do consumo de fibras e o aumento do consumo de gorduras e açúcares. Essas mudanças alimentares estão associadas a alterações no padrão alimentar do brasileiro, como aumento de refeições realizadas fora de casa; aumento da oferta e diminuição do custo de alimentos industrializados de alto valor energético e o aumento no consumo de alimentações rápidas, entre outros.

Na regressão logística, o excesso de peso (Sobrepeso e obesidade) foi associado ao tempo de uso de álcool (Em anos). A literatura tem demonstrado relações complexas entre a ingestão de álcool e o estado nutricional. O uso excessivo e crônico do álcool tem sido ligado a um déficit do estado nutricional, devido às alterações hepatocelulares na absorção de nutrientes e pela própria diminuição da ingestão de alimentos(20). Todavia, pesquisas epidemiológicas têm demonstrado associação entre o IMC e os padrões de consumo do álcool. Indivíduos que consomem álcool com frequência menor, mas em grande quantidade em cada oportunidade de consumo, tendem a ter IMC maior do que aqueles que ingerem diariamente, mas em menor quantidade. O aumento do IMC pode ser explicado, porque apesar do consumo das bebidas não há diminuição da ingestão calórica durante as refeições e o álcool se apresenta como uma fonte de energia adicional (7,1 kcal/g)(21). A chamada obesidade central, com acúmulo de gordura na região do tronco, tem sido relacionada à ingestão de quantidades excessivas de álcool somadas a dietas ricas em gordura e ao sedentarismo(22).

O excesso de peso foi associado ao uso, com uma frequência superior a três vezes por semana, de maconha. Estudos evidenciaram a ação da maconha sobre o apetite humano, que ocorre por meio do componente ativo THC (Tetrahidrocanabinol), sendo esse princípio ativo estudado atualmente para fins terapêuticos para estimulação do apetite em pacientes com câncer e síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)(23). A observação mais frequente é o aumento do apetite após três horas do uso da maconha. Quando avaliado o efeito do uso da maconha sobre o peso dos indivíduos, os dados da literatura ainda são conflitantes. Um estudo envolvendo 3882 indivíduos encontrou uma taxa de obesidade naqueles que usavam maconha(24). No entanto, outra pesquisa, com o objetivo de analisar a associação entre o uso de cannabis e sobrepeso/obesidade em adultos jovens, por meio de um estudo longitudinal com 2566 jovens adultos, verificou menor prevalência de sobrepeso e obesidade entre os usuários de maconha(25). Outro estudo encontrou associação do uso da maconha com ingestão aumentada de energia e de álcool, mas não com o aumento do IMC, perfil lipídico e glicose(26). Uma pesquisa que usou como base dois estudos representativos epidemiológicos de adultos norte-americanos, o National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions (NESARC; 2001-2002) e o National Comorbidity Survey-Replication (NCS-R, 2001-2003), para estimar a prevalência de obesidade em função do consumo de cannabis, concluíram que a prevalência de obesidade é menor em usuários de maconha do que em não- usuários(27). Todavia, esses estudos foram realizados em base populacional e não envolveram dependentes em tratamento.

Dentre as limitações deste estudo, pode-se destacar o uso isolado do IMC na avaliação do estado nutricional. O IMC, apesar de ser um dos métodos mais indicados em pesquisas epidemiológicas, possui limitações intrínsecas, uma vez que ele não é capaz de diferenciar o excesso de peso por obesidade daquele decorrente do aumento por hipertrofia muscular, edema e ascite. Outra limitação foi o não alcance da amostra esperada no grupo de terceiro mês, devido à dificuldade de selecionar pacientes que obedecessem ao critério de inserção nesse grupo, que era o de estar completando três meses de tratamento durante a fase de coleta de dados, uma vez que há um alto índice de abandono do tratamento ainda em fases iniciais.

Os dependentes de álcool e outras drogas, devido a aspectos sociais, biológicos e relacionados à alimentação, apresentam-se vulneráveis no que diz respeito ao aspecto nutricional. Desta forma, este trabalho veio contribuir na discussão desse tema e trazer subsídios para o conhecimento dos aspectos nutricionais de dependentes de drogas em tratamento. 

 

Considerações finais

A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Drogas propõe que a atenção se dê sob a perspectiva da integralidade, esse conceito abarca não somente a estruturação organizacional de atenção à saúde, mas também a percepção dos sujeitos sob suas diversas dimensões. Assim, a alimentação, componente fundamental da vida humana, e que é impactada pelo uso de drogas, não deve passar despercebida nas estratégias de atenção a essa população.

Entendendo os CAPS como espaços promotores de saúde, eles podem e devem fomentar ações de garantia da Segurança Alimentar e Nutricional, seja por meio do monitoramento do estado nutricional, do cuidado e atendimento nutricional ou pelo fornecimento de refeições adequadas tanto no aspecto nutricional e qualidade higiênico-sanitária, quanto o respeito às características culturais. E, além disso, ainda no contexto multidisciplinar, perceber a alimentação também como parte integrante do tratamento. 

Esse estudo contribuiu para uma visão geral sobre o problema. Há poucas pesquisas em nosso meio sobre o tema, exigindo o aumento da produção de conhecimentos a respeito. Questões relacionadas ao estado nutricional e gênero, a relação dos diversos tipos de drogas com deficiências nutricionais específicas e alterações no estado nutricional ao longo do tratamento são alguns exemplos do que precisa ser aprofundado.

 

Referências

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Recebido: 19.3.2015
Aprovado: 10.12.2015

Correspondência:
Denise Siqueira de Carvalho
Universidade Federal do Paraná, Saúde Comunitária
Rua Padre Camargo, 280, 7º andar
CEP: 80060-240, Curitiba, PR, Brasil
E-mail: dnutri@gmail.com

 

 

1Artigo extraído da dissertação de mestrado "Situação alimentar e nutricional de pacientes em tratamento para dependência de álcool e/ou outras drogas", apresentada ao Setor de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

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