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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.12 no.4 Ribeirão Preto Dec. 2016

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v12i4p222-230 

DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v12i4p222-230
ARTIGO ORIGINAL

 

Consumo de álcool e tabaco entre mulheres costureiras da cidade de Formiga - Minas Gerais1

 

Consumo de alcohol y tabaco entre las mujeres costureras de la ciudad de Formiga – Minas Gerais

 

 

Neliane Aparecida SilvaII; Jaqueline Lemos de OliveiraIII; Jacqueline de SouzaIV

IIMSc, Professor, Centro Universitário de Formiga, Formiga, MG, Brasil
IIICurso de graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil
IVPhD, Professor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

 

 


RESUMO

Objetivou-se analisar a prevalência do consumo de álcool e tabaco entre mulheres costureiras de Formiga – Minas Gerais, identificando possíveis relações com as características sociodemográficas. Trata-se de um estudo quantitativo, desenvolvido com 56 das 66 trabalhadoras de quatro fábricas de costura. Verificou-se que 32,1% já consumiram tabaco alguma vez na vida, sendo que, destas, 55% utilizaram tal substância nos últimos três meses; 43% já consumiram álcool, sendo que 79% destas o fizeram nos últimos três meses. Nove mulheres se enquadram no padrão de consumo abusivo do tabaco e cinco no de álcool, apontando que o consumo está acima da média nacional. Ressalta-se a necessidade de aprofundar-se nas especificidades do consumo para delinear estratégias de prevenção eficazes entre tais trabalhadoras.

Descritores: Trabalho Feminino; Alcoolismo; Hábito de Fumar.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar la prevalencia de alcohol y tabaco entre las mujeres costureras Formiga - Minas Gerais, la identificación de posibles relaciones con las características sociodemográficas. Se trata de un estudio cuantitativo, desarrollado con 56 de 66 mujeres de cuatro fábricas de costura. Se encontró que el 32,1% ha utilizado alguna vez el tabaco al menos una vez en la vida, y, de éstos, el 55% utiliza dicha sustancia en los últimos tres meses; 43% ha consumido alcohol, con un 79% de ellos lo hizo en los últimos tres meses. Nueve mujeres encajan en el patrón de abuso de tabaco y cinco en el alcohol, y señaló que el consumo está por encima de la media nacional. Se hace hincapié en la necesidad de profundizar en los detalles de consumo para diseñar estrategias de prevención eficaces entre estos trabajadores.

Descriptores: Trabajo de Mujeres; Alcoholismo; Hábito de Fumar.


 

 

Introdução

A profissão de costureira é marcada historicamente pelo predomínio de trabalhadores do sexo feminino, sendo que, o trabalho de costura tem se destacado, no cenário mundial da globalização, pelas formas de contratos precários, afetando diretamente a saúde mental dessas mulheres. Identificou-se que, o estresse prolongado a que são submetidos os trabalhadores de cooperativas de costura da cidade do México, em sua maioria mulheres (81,2%), levam à presença de sofrimentos físicos e mentais, como: ansiedade, depressão, doenças cardiocirculatórias, digestivas, psicossomáticas e do sono(1).

No interior do Brasil, um estudo qualitativo sobre a capacidade para o trabalho e saúde de costureiras aponta que, a capacidade para o trabalho depende dos seguintes fatores: capacitação/qualificação, satisfação, saúde/envelhecimento e suporte social, destacando a necessidade de pesquisas que analisem a exposição desta classe de trabalhadores sobre o impacto do trabalho não apenas na capacidade de trabalho, mas também na saúde dessas mulheres(2).

Pode-se então, considerar as condições de trabalho enfrentadas por essas profissionais como um fator certamente influenciável para o consumo de substâncias, uma vez que, as drogas lícitas e ilícitas, são geralmente usadas por seus efeitos de prazer, para melhorar o desempenho social, enfrentar situações difíceis e, especialmente, como automedicação para conter a ansiedade gerada por diversos fatores(3).

No caso específico do consumo de bebidas alcoólicas, enfatiza-se que, este se dá muitas vezes para diminuição do estresse e relaxamento, ainda mais em situações de lazer e entretenimento(4).

O manual do Ministério da Saúde, que trata das doenças associadas ao trabalho, considera o trabalho como um dos fatores psicossociais de risco para o alcoolismo crônico, uma vez que o consumo pode ser decorrente de prática defensiva, como meio de garantir inclusão no grupo. Além disso, pode ser uma forma de viabilizar o próprio serviço, em decorrência dos efeitos farmacológicos próprios do álcool (calmante, euforizante, estimulante, relaxante, indutor do sono, anestésico e antisséptico)(5).

É sabido que os fatores sociais e culturais exercem maior controle no beber compulsivo nas mulheres, uma vez que, em se comparando com homens, existe menor pressão social para que ela inicie o consumo e maior pressão para que cesse, caso seja abusivo. Isto porque, desde a antiguidade, os poucos relatos de consumo de bebida alcoólica por mulheres evidenciam mais os aspectos morais e sociais do que os psicofisiológicos, sendo assim, as mulheres eram consideradas promíscuas e liberais(6).

Sobre o tabagismo, sabe-se que este é um dos principais fatores de riscos evitáveis à saúde, que pode contribuir para o desenvolvimento de várias doenças crônicas, diversos tipos de câncer, doenças do sistema respiratório, doenças oculares, entre outras(7).

Em relação ao tema tabagismo feminino, discute-se que o uso do tabaco é um fator histórico, pois, acompanha as mulheres em sua busca por igualdade e reconhecimento na sociedade. Supõe-se que, o cigarro tenha papel no alívio da ansiedade e angústia decorrentes das contradições de gênero que as mulheres estão vivendo e, ainda, que é possível que a sobrecarga de responsabilidades familiares e de trabalho influencie o seu uso, uma vez que, é visto como forma de alívio das tensões da rotina e também como uma fonte de prazer. Assim, o uso do tabaco estaria associado à sensação de autonomia e mecanismo de escape emocional(3).

Dessa forma, existem diferentes fatores de risco para o consumo do tabaco entre as mulheres, especialmente as trabalhadoras no mercado formal.

Diante o exposto, o presente estudo tem o objetivo de analisar a prevalência do consumo de álcool e tabaco entre mulheres costureiras empregadas de fábricas do município de Formiga - MG e as possíveis associações com características sociodemográficas destas mulheres.

 

Material e Métodos

Pesquisa transversal com dados epidemiológicos sobre a prevalência do uso de drogas da população do estudo, que são mulheres costureiras trabalhadoras de fábricas de um bairro onde estava situado o único Centro de Atenção Psicossocial do município de Formiga. Este bairro conta com quatro fábricas de costuras cadastradas no sindicato da categoria, com número de 06, 07, 18 e 35 trabalhadoras, totalizando 66 mulheres. Assim, a amostra foi composta por 56 participantes, pois, das 66, 02 saíram do trabalho durante a fase de coleta dos dados quantitativos e 08 se negaram a participar.

Os critérios de inclusão adotados na pesquisa foram: estar trabalhando regularmente nas fábricas selecionadas para a coleta dos dados e idade acima de 18 anos. Os critérios de exclusão foram: não ser alfabetizada e estar sob licença médica por um período superior a seis meses durante a fase de coleta de dados.

Foram considerados, para a realização do estudo, todos os aspectos éticos das diretrizes e normas propostas pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde(8), sendo o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os dados foram coletados de fevereiro a julho de 2014.

Foram aplicados questionários para levantamento dos dados sociodemográficos e padrão do uso de substâncias das participantes. O instrumento utilizado na coleta de dados foi o Teste de Triagem do Envolvimento com Álcool, Tabaco e Outras Substâncias (ASSIST), construído através de um projeto multicêntrico da Organização Mundial da Saúde e validado no Brasil(9). O ASSIST é um questionário estruturado com oito questões sobre o uso de nove substâncias psicoativas (tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos, e opióides). Para o presente estudo foram utilizados apenas os itens referentes a álcool e tabaco. Os dados foram submetidos à análise descritiva e aos testes não paramétricos de Qui-Quadrado (chi-square tests) e Teste Exato de Fisher (fisher’s exact tests) com objetivo de verificar a associação entre as variáveis. Considerou-se como variáveis desfecho o uso na vida e o uso nos últimos três meses de tabaco e álcool e como variáveis independentes a cor (brancas ou negras/pardas), a faixa etária (≤41 anos ou >41 anos), escolaridade (até o ensino fundamental ou até o ensino médio) e situação conjugal (com ou sem companheiro).

 

Resultados

Quanto ao perfil sociodemográfico das mulheres, 55,4% se autodeclararam brancas, 60,7% possuíam pelo menos o ensino fundamental e 51,8% não possuíam companheiro, conforme descrito na Tabela 1.

 

 

Sobre o padrão de consumo de álcool e tabaco durante a vida, foi observado que 27 mulheres nunca usaram nenhuma das duas substâncias e 13 faziam o uso concomitante das duas substâncias. Dentre as que utilizaram tabaco, 55% o fizeram nos últimos três meses e 32,1% apresentaram escores indicativos de consumo abusivo. Das mulheres que consumiram álcool, 79% o fizeram nos últimos três meses e 11,6% apresentaram escores indicativos de uso abusivo, conforme observado na Tabela 2.

 

 

Na Tabela 3 é possível observar o consumo de álcool e tabaco em relação à cor autorreferida pelas participantes; o uso do tabaco não apresentou associação significativa com a cor autorreferida. No entanto,existiu associação significante entre o consumo de álcool e a cor autorreferida, tanto na vida quanto nos últimos três meses, uma vez que, 70,8% das que consumiam essa substância se autodeclararam brancas.

As correlações entre faixa etária e consumo de álcool e tabaco, tanto na vida quanto nos últimos três meses, não apresentaram resultados significantes.

Quanto à escolaridade, existiu associação significativa entre o consumo de álcool na vida e nos últimos três meses, na qual 62,5% das que relataram consumir, durante a vida, possuíam o ensino médio completo ou incompleto. Assim também como o uso do tabaco nos últimos três meses, pois, 75% das que utilizaram possuíam até o ensino médio, os resultados são descritos na Tabela 4.

Referente à situação conjugal, existiu correlação significativa apenas entre as mulheres que consumiram álcool nos últimos três meses, nas quais 48,3% relataram não possuir companheiro. Dados na Tabela 5.

Sobre as mulheres que apresentaram escores indicativos de uso abusivo ou consumo de baixo risco, os testes de correlação não apresentaram resultados significantes em relação aos fatores sociodemográficos. No entanto, ressalta-se que a maioria que apresentou indicativo de consumo abusivo pertencia à faixa etária dos 22 aos 41 anos.

Verificou-se ainda, significância na associação entre o padrão do consumo de álcool e do tabaco, uma vez que, entre as mulheres com padrão de consumo abusivo de álcool, 60% tinham também padrão de consumo abusivo de tabaco (p=0,002 - Teste Exato de Fischer).

 

Discussão

Os resultados demonstraram a prevalência de baixa escolaridade entre as participantes, fato este que é esperado ao se estudar essa classe trabalhadora(10). Essa realidade pode ser considerada uma situação de vulnerabilidade social e somando-se aos diferentes fatores de risco à saúde aos quais estão submetidas essas trabalhadoras, certamente é um agravante para o consumo de substâncias. É necessário que propostas de incentivo à educação de adultos e propostas de capacitação profissional para a qualificação destas mulheres sejam consideradas no plano de promoção à saúde mental, uma vez que, a escolaridade certamente propiciará melhores oportunidades de trabalho, ou no trabalho, caso a pessoa já o possua, que favoreçam o aumento de renda e o protagonismo social destas mulheres.

Quanto ao consumo de substâncias, observou-se que a prevalência de uso de álcool e tabaco na vida no grupo estudado (respectivamente 43% e 32,1%) foi menor do que a média nacional (68,3% e 39,2% respectivamente). Ressalta-se que o levantamento nacional incluiu todas as mulheres independentemente de serem ou não trabalhadoras; provavelmente por este motivo as prevalências encontradas no presente estudo sejam menores, devido à abordagem de um grupo específico de trabalhadoras(11).

No presente estudo a prevalência de mulheres com escores indicativos de uso abusivo (álcool 8,9% e tabaco 16,1%) foi maior que a média nacional (álcool 6,9% e tabaco 9,0%), indicando que podem existir alguns fatores de risco específicos do ambiente de trabalho ou da condição de trabalhadores que deverão ser mais bem investigadas e consideradas em futuras propostas de intervenção.

O Ministério da Saúde brasileiro tem apontado a relação entre altos padrões de consumo de álcool com o possível desprestígio de algumas profissões(5) e outros autores têm reafirmado isso, destacando a relação entre ocupações que socialmente são desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeição, com consumo excessivo de álcool(12). Assim, as pressões a que tais participantes estão submetidas devem ser consideradas, da mesma maneira que a satisfação das mesmas com suas profissões, observando que tais fatores certamente têm influência no padrão de consumo das mesmas.

A violência laboral também é descrita na literatura como fator de risco para consumo abusivo do álcool; 29,8% das entrevistadas, em estudo com trabalhadoras de Monterrey, consideram a violência no trabalho uma causa do consumo de álcool e drogas – a maior parte que consumia (29,4% relataram já ter consumido tabaco ao menos uma vez na vida e 37,1% o álcool) realizava trabalho manual e rotineiro(13). Apesar disso, o uso de álcool tem sido descrito por trabalhadoras como uma forma de lazer e relaxamento depois da semana de trabalho e, em geral, não atribuem efeitos negativos a isso(14).

Assim, diante da alta prevalência de uso abusivo de tabaco e álcool entre as participantes do presente estudo, ressalta-se a necessidade de implementação de estratégias de intervenções que conscientizem tal população sobre as consequências desse consumo, da mesma maneira que motivem as mesmas à diminuição do mesmo, objetivando à promoção de sua saúde e prevenção da escalada deste consumo que culmine em uma futura dependência.

Em análise de relatos de mulheres com padrão abusivo ou dependência de bebidas alcoólicas em estudo prévio, percebeu-se uma compulsão pela ingestão alcoólica e que o uso de bebidas fazia parte do cotidiano delas. Em geral, tais mulheres não se viam como dependentes apesar de terem a necessidade de continuar bebendo e mesmo tendo sido alertadas para a cessação do consumo por familiares ou amigos(15). A negação da dependência pode prejudicar a mulher, pois não procurará ajuda para enfrentar o seu problema, uma vez que não o percebe como algo a ser enfrentado.

Desse modo, entende-se que as intervenções empreendidas por um profissional da saúde poderão ser mais eficazes para que tais mulheres sensibilizem-se sobre os riscos desse consumo e empreendam esforços para mudança de comportamento nesse sentido.

Além disso, o profissional da saúde deve ficar atento, pois, a mulher muitas vezes também manifesta outros sinais que podem ser decorrentes ou causa desse padrão de consumo, a saber: emoções negativas e/ou sintomas depressivos(16). Assim, o atendimento a este público deve ser desprovido de preconceito, com acolhimento e respeito, favorecendo não só a entrada, mas também a adesão da mulher usuária ao tratamento(17). Mesmo porque, muitas vezes, a mulher não procura o atendimento por medo e/ou vergonha de ser discriminada(18), por isso, o acolhimento adequado é essencial.

A associação observada entre o consumo de álcool e a cor das mulheres ressaltando a maior prevalência entre as que se autoclassificaram brancas é reafirmado em estudos presentes na literatura(19-20). No entanto, a relação entre tais variáveis ainda não está clara na literatura disponível; sabe-se que as pessoas negras e pardas tendem a estarem mais vulneráveis em termos econômicos(21) e que as pessoas com maior poder aquisitivo estão mais vulneráveis ao consumo de substâncias, pois existe mais disponibilidade financeira para se gastar com bebidas, ou ainda, que seu uso esteja ligado ao status social, acesso facilitado e menores restrições sociais(20,22), logo, o fator renda poderia explicar tal correlação. Estudos adicionais são necessários para analisar com maior profundidade este aspecto.

Apesar de tais asserções, considera-se importante destacar que a autodeclaração da cor implica em levar em conta que muitas pessoas ainda têm dificuldades em se autoperceberem como pertencentes à etnia negra, portanto, o baixo número de participantes que se autodeclararam negras ou pardas pode ser reflexo dessa circunstância. Tal cenário, na cultura brasileira, tem influência da discriminação que faz com que muitos indivíduos pertencentes ao grupo sintam-se deslocados, submetidos a condições sociais de inferioridade e assim, desvalorizam suas características físicas, culturais e socioeconômicas, autorreferindo classificação, que por vezes não condiz com a sua realidade. Contudo, apesar da estratégia de autorreferir a cor limitar os resultados, elas estão de acordo com o que é preconizado em termos legais e éticos.

Entende-se, portanto, que propostas de sensibilização étnica, tanto no ambiente de trabalho quanto nos serviços de saúde e âmbito comunitário, podem ser importantes ferramentas de fortalecimento da autoestima e resgate da identidade destes grupos, principalmente por entender-se que este tipo de empoderamento pode constituir, também, importante fator de proteção do uso abusivo de substâncias.

Em relação à escolaridade, conforme os resultados, existiu maior consumo de álcool entre as participantes com maior grau de instrução, corroborando com estudos prévios(20, 22-23); entende-se que quanto maior o repertório sociocultural, maiores possibilidades de encontros sociais e, portanto, maior vulnerabilidade ao consumo de álcool.

Quanto à associação entre o uso recente de álcool e a situação conjugal, os resultados do presente estudo sugerem, assim como outras pesquisas prévias, que ter um companheiro pode ser um fator de proteção para o uso habitual de álcool(22-23). Tendo em vista que, atualmente, as mulheres anseiam pela liberdade e independência; decidem quando e se vão entrar em um relacionamento e que suas redes sociais são mais abrangentes, considera-se a busca por entretenimento certamente uma influência no hábito de beber.

A associação entre o uso do tabaco e a escolaridade no presente estudo não condiz com o que existe na literatura, pois foi verificado em estudos prévios que, mulheres com baixa escolaridade tinham maior probabilidade de serem fumantes do que mulheres com curso superior (mesmo que incompleto)(24-25). Estudos adicionais são necessários para confirmar tal divergência, especialmente considerando um desenho de pesquisa que inclua uma amostra mais robusta e com trabalhadoras com diferentes níveis de instrução, inclusive o superior, que não foi encontrado na amostra do presente estudo.

A associação entre o uso abusivo de álcool e do tabaco foi apontado também por um estudo prévio sobre os fatores associados ao hábito de fumar brasileiro(26). As discussões sobre determinadas drogas serem "porta de entrada" para outras têm sido muito controversas, mas frequentemente apontadas por alguns estudos de prevalência do uso de substâncias(27-28).

Diante do exposto, entende-se que o uso de substâncias psicoativas pode trazer vários problemas para o trabalhador, em especial quando esse uso passa a ser abusivo; trata-se, portanto, de um quesito de grande importância quando pretende-se traçar um perfil da saúde mental de um grupo.

Além disso, percebe-se a partir de tal discussão, que vários são os fatores que podem estar relacionados ao uso abusivo de álcool e tabaco, mas são necessários estudos adicionais na população analisada para definição mais clara dos fatores de risco específicos e melhor embasamento para possíveis estratégias de prevenção nesse grupo.

 

Conclusão

A análise da prevalência do consumo de álcool e tabaco entre mulheres costureiras empregadas de fábricas do município de Formiga - MG revelou prevalência menor que a média nacional para ambas as substâncias, contudo, a porcentagem de mulheres com padrão de consumo abusivo das participantes foi maior que a média nacional.

Foram evidenciadas associações entre o uso de álcool com a situação conjugal e escolaridade das participantes. Quanto ao uso de tabaco, foi observada associação apenas com a variável escolaridade. Observou-se, ainda, associação significativa entre o uso abusivo de álcool e de tabaco.

Recomendações relacionadas à prevenção e promoção da saúde focando nos fatores de risco e em aspectos como melhoria da escolaridade, conscientização étnica, cultural e sensibilização sobre as consequências do consumo de substâncias são pontuadas como possibilidades de intervenções para o grupo estudado.

Quanto aos limites do presente estudo considera-se a restrição do próprio método quantitativo que impossibilita adentrar o universo de significados das participantes em relação ao objeto de estudo. Logo, as evidências de associação entre o uso de álcool, situação conjugal e escolaridade poderiam ser mais bem exploradas em um estudo que utilizasse também a abordagem qualitativa.

Outra limitação consiste no local e população estabelecida para o presente estudo, que se restringiu a apenas um bairro do município. Entende-se que, uma amostra estratificada do município propiciaria achados mais representativos da população local. Assim, destaca-se que, embora o presente estudo tenha propiciado importantes inferências, não é possível generalizar os resultados nem para o município nem para as mulheres costureiras de outros locais.

 

Referências

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Recebido: 11.05.2015
Aprovado: 13.06.2016

Correspondência:
Jaqueline Lemos de Oliveira
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
Avenida dos Bandeirantes, 3900
Campus Universitário - Bairro Monte Alegre, Ribeirão Preto, SP, Brasil
CEP: 14040-902
E-mail: jaquelemos@usp.br

 

 

1 Artigo extraído de Dissertação de Mestrado "Relações de trabalho, apoio social e condições de saúde mental: um estudo sobre mulheres costureiras" apresentada a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

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