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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.12 no.4 Ribeirão Preto Dec. 2016

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v12i4p240-248 

DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v12i4p240-248
ARTIGO DE REVISÃO

 

Revisão integrativa de literatura sobre a construção de Projetos Terapêuticos Singulares no campo da saúde mental1

 

Revisión integradora de la literatura en la construcción de proyectos terapéuticos singulares en el campo de la salud mental

 

 

Ana Laura Pires RodovalhoII; Renata Fabiana PegoraroIII

IICurso de graduação em Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil
IIIPhD, Professor Adjunto, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil

 

 


RESUMO

Realizou-se uma revisão integrativa de literatura sobre a construção e o acompanhamento dos Projetos Terapêuticos Singulares pelas equipes dos Centros de Atenção Psicossocial. O levantamento foi realizado nas bases eletrônicas Scielo, Redalyc e Pepsic entre 2004 e 2014. Foram encontradas 419 publicações e selecionadas 13 a partir das palavras-chave: projetos terapêuticos singulares, projetos terapêuticos individuais, saúde mental, atenção psicossocial, técnico de referência, Centro de Atenção Psicossocial, serviços de saúde mental. A análise dos resultados dos artigos permitiu identificar quatro blocos de sentido: Quem elabora o projeto; Problemas na elaboração; Relevância do projeto; e sua inexistência. O estudo aponta para dificuldades na inclusão de familiares e usuários na construção dos projetos terapêuticos pelas equipes.

Descritores: Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Equipe de Assistência ao Paciente.


RESUMEN

Hemos llevado a cabo una revisión integradora de la literatura sobre la construcción y el seguimiento de proyectos terapéuticos individuales por equipos de los servicios de salud mental. La encuesta se realizó en bases de datos electrónicas Scielo, Redalyc y Pepsic entre 2004 y 2014. Se ha encontrado 419 publicaciones y 13 seleccionados de las palabras clave: proyectos individuales singulares, salud mental, atención psicosocial, la referencia centro técnico de la atención psicosocial, servicios de salud mental. El análisis de los artículos destaca a cuatro bloques de significado: ¿Quién diseña el proyecto; Los problemas en el desarrollo; Relevancia del proyecto; y su ausencia. El estudio apunta a las dificultades en la inclusión de miembros de la familia y de los usuarios en la construcción de proyectos terapéuticos por los equipos.

Descriptores: Salud Mental; Servicios de Salud Mental; Grupo de Atención al Paciente.


 

 

Introdução

Os "Projetos Terapêuticos Singulares" (PTS) são instrumentos elaborados pelas equipes de saúde para orientação do cuidado integral aos usuários. No campo da saúde mental, o PTS é elaborado pelas equipes para a atenção de usuários com transtorno mental grave e persistente e/ou uso de substâncias, que realizam tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial no Brasil. Deste modo, é um instrumento alinhado às atuais políticas públicas de saúde mental no país, as quais configuram tentativa de reverter o modelo manicomial e segregacionista que marcou a assistência psiquiátrica no Brasil por longo período(1-2).

Os CAPS funcionam no modelo "porta aberta", ou seja, foram criados para acolher e ajudar a todos os indivíduos com transtornos mentais graves que os procuram, por meio de um tratamento realizado por equipe multiprofissional, com o objetivo de que tais pessoas possam ser mais autônomas e reinseridas em seu meio social e cultural. Estas instituições são dispostas em lugares estratégicos, em diversos municípios brasileiros, para que o usuário seja tratado no local em que vive(1).

O CAPS oferece atendimento diário objetivando ações que ajudem cada usuário de acordo com suas necessidades e respeitando seu desejo de aprender, podendo envolver educação, trabalho, esporte, dentre outros; na forma de oficinas e atividades predominantemente grupais. Cada usuário recebe dentro do CAPS uma atenção multidisciplinar. As equipes são diferentes em cada uma das modalidades de CAPS. No CAPS I, instado em municípios de menor porte populacional, atuam no mínimo 1 médico psiquiátrica ou com formação em saúde mental, 1 enfermeiro, 3 profissionais de nível superior (que inclui o psicólogo) e 4 profissionais de nível médio; no CAPS II, há 1 médico psiquiatra, 1 enfermeiro com formação em saúde mental, 4 profissionais de nível superior e 6 profissionais de nível médio; e para aqueles usuários do CAPS III, que funciona 24 horas/dia, a equipe mínima que os atenderá deverá ser de 2 médicos psiquiatras, 1 enfermeiro com formação em saúde mental, 5 profissionais de nível superior e 8 profissionais de nível médio(1).

Os profissionais podem se organizar em equipes de referência, formadas por diversos profissionais de diferentes áreas que prestam suporte e acompanhamento ao usuário que ingressa no CAPS. Alguns CAPS utilizam de uma única pessoa, o Terapeuta de Referencia ou Técnico de Referência, para acompanhar de perto os usuários, elaborar e acompanhar seus projetos terapêuticos(3-4).

O PTS deve respeitar as particularidades dos indivíduos personalizando "o atendimento de cada pessoa na unidade e fora dela", propondo atividades como oficinas, nos momentos em que o usuário utiliza do serviço, respeitando seus desejos e necessidades(1).

No PTS devem estar delimitadas atividades de atendimento nas modalidades intensivo, semi-intensivo ou não intensivo. O Atendimento Intensivo é diário para aqueles que sofrem de forma grave psiquicamente, para aqueles que estão em crise e/ou para aqueles que precisam de atenção continua devido a dificuldades intensas. No Atendimento Semi-intensivo o sujeito é assistido no máximo de 12 dias ao mês, e normalmente é destinado àqueles em que o sofrimento agora diminuiu, o que possibilita melhor relacionamento social, porém a pessoa precisa do CAPS para desenvolver maior autonomia. No Atendimento Não-Intensivo, o indivíduo não precisa mais do suporte das equipes como nos outros casos, e pode ser atendido, no máximo, por até 3 dias ao mês(1).

A elaboração do PTS deve ocorrer a partir das relações entre o usuário e o técnico de referência e equipe de referência, dando ênfase sempre no indivíduo, sua família e seu contexto social. Para tanto, o PTS não deve ser elaborado unicamente pela equipe. É imprescindível que a equipe dialogue com usuário e familiares para que o PTS seja uma ferramenta direcionada, aberto a mudanças, mas com metas delimitadas e avaliação de resultados(4-5). Desta forma o sujeito é visto além de sua doença, a fim de que sua participação em meios sociais e sua autonomia aumentem. É, portanto, uma estratégia singular elaborada pela equipe para o cuidado do usuário.

A formação do PTS para usuários de CAPS tem como principal intuito evitar internações e promover a reintegração social do sujeito. Sua preparação começa pela estratégia de acolhimento, pois no processo de escuta ao usuário o profissional consegue identificar os aspectos do adoecimento e do contexto social do indivíduo. A partir daí, a equipe leva em consideração não só as dificuldades do indivíduo, para ajudá-lo a superá-las, mas também suas habilidades, vontades e necessidades que podem ser trabalhadas no CAPS, no intuito de criar maior vínculo entre equipe e usuário e mostrar a ele a responsabilidade que tem sobre seu tratamento e suas escolhas(3).

A partir do reconhecimento da importância da elaboração de PTS para os usuários de serviços de saúde mental, estabeleceu-se como objetivo deste estudo realizar uma revisão integrativa de literatura sobre a construção e o acompanhamento dos Projetos Terapêuticos Singulares pelas equipes dos Centros de Atenção Psicossocial.

 

Método

O tipo de estudo adotado foi a revisão integrativa de literatura(6). A partir da pergunta norteadora "De que modo são construídos e acompanhados os Projetos Terapêuticos Singulares pelas equipes dos Centros de Atenção Psicossocial no Brasil?", realizou-se a busca na literatura mediante os seguintes critérios: (a) Critérios de inclusão: artigos teóricos (pesquisa bibliográfica e ensaios), relatos de pesquisa e relatos de experiência, publicações dos últimos dez anos (2004 a 2014) em língua portuguesa, nas bases eletrônicas Scielo, Redalyc e Pepsic, a partir das palavras-chave (isoladamente e combinadas com o truncador AND): projetos terapêuticos singulares, projetos terapêuticos individuais, saúde mental, atenção psicossocial, técnico de referência, Centro de Atenção Psicossocial, serviços de saúde mental; (b) Critérios de exclusão: artigos não redigidos em língua portuguesa, editoriais, resenhas, notícias ou cartas veiculadas em periódicos científicos, teses, monografias, dissertações, capítulos de livros e livros.

Nas buscas em bases eletrônicas foram encontrados 419 artigos publicados entre 2006 e 2014, sob a forma de texto completo. A partir da leitura dos títulos e dos resumos, foram eliminados os artigos publicados em outros idiomas (F=21), além de artigos que não abordavam a temática tratada (F=346), e artigos repetidos em bases de dados (F=5). Foram excluídos um total de 372 artigos e selecionados 47 (Tabela 1).

A partir desse número, foram lidos os artigos na íntegra (F=47) para identificar se respondiam à pergunta norteadora do estudo e, por responderem à pergunta, constituíram o corpus de análise desta pesquisa 13 artigos, os quais foram lidos na íntegra para extração das seguintes informações, conforme orientado por Broome(7): (a) ano de publicação; (b) fonte de publicação; (c) tipo de estudo; (d) amostra; (e) objetivos e (f) principais resultados de cada artigo. Para maior confiabilidade dos resultados, cada pesquisador elaborou uma planilha e, em seguida, as informações foram discutidas e solidificadas em um único instrumento. Além disso, foi atribuído o nível de evidência de cada estudo(8). O nível de evidência considera algumas informações iniciais para apresentar ao leitor condições de verificar se os procedimentos utilizados são adequados, além de demonstrar possíveis falhas metodológicas da revisão.

 

Resultados

Foram recuperadas 13 publicações(9-21) de 2006 a 2013, sendo a maior parte (F=7) em revistas da área da saúde(9-13,17,21), e os demais(14-16,18-20) em periódicos psicologia(18-19), psicopatologia(14-15) e enfermagem(16,20).

Foram encontrados 11 relatos de pesquisa de campo e dois ensaios teóricos(14,19). A análise dos relatos de pesquisas de campo indicou que houve predominância de pesquisas desenvolvidas por meio de técnicas grupais (grupo focal, de reflexão, de intervenção e narrativo) e entrevistas individuais feitas com profissionais de CAPS III e CAPSi, usuários, familiares, coordenadores dos serviços, equipes de NASF e equipes de ambulatório. O nível de evidência VI foi atribuído aos 11 artigos que relatavam pesquisas por representarem evidências oriundas de um único estudo qualitativo ou descritivo (Figura 1).

Quanto aos objetivos, cinco artigos apresentaram objetivos diretamente relacionados a construção do PTS(16-17,20-21), sendo a construção conjunta do PTS por serviços como NASF, CAPS, ambulatório e atenção primária(17) e construção de PTS unicamente pela equipe de CAPS(16,20-21).Os demais artigos buscaram analisar as experiências dos usuários vinculados a grupos autônomos de medicação(9,13), as percepções de usuários, familiares e profissionais sobre o trabalho em equipe(10-11), descrever a estrutura física e recursos humanos de um CAPS(12) e os processos de trabalhos em um CAPS infantil(18). Um dos artigos(19) não apresentava objetivos.

Os principais resultados de cada artigo recuperado são apresentados na Figura 2. A análise detalhada dos resultados permitiu identificar quatro blocos de sentido, descritos em seguida.

O primeiro bloco de sentido refere-se a quem elabora o PTS. Nos artigos analisados foram encontradas três possibilidades: a elaboração apenas pelo técnico de referência(11,15), a elaboração conjunta envolvendo o usuário, familiares, técnico de referência e a equipe(10,13-14,18,20-21), e elaboração iniciada considerando-se no atendimento do usuário na Estratégia de Saúde da Família (ESF), destacando a necessidade de cuidado do usuário na rede de serviços(20).

O segundo bloco de sentido refere-se a problemas na elaboração do PTS destacados nos artigos selecionados. Um primeiro problema é o papel centralizador do Técnico de Referencia (TR) que elabora e acompanha o projeto sem dialogo com os demais componentes do serviço(9,11,15). Este papel centralizador não colabora para uma construção de cuidado integral, que só é possível mediante a troca de saberes feita por diferentes profissionais em diálogo. Ressalta-se que quando existe o diálogo, segundo os artigos recuperados ele nem sempre é crítico. A existência de um debate crítico nas equipes é uma prática vista como imprescindível. Ainda foi identificado como problema na construção do PTS, a superespecialização dos profissionais que se voltam para a realização de atividades necessárias ao serviço, mas sem visualizar o PTS como um todo(16-17). A prática das equipes ainda destaca como problema o registro do PTS, seja para atualizar o projeto, seja para apontar a possibilidade de alta do usuário(12).

O terceiro bloco de sentido trata da relevância do PTS. O primeiro ponto relevante destaca o papel da rede(14,20). A participação de diferentes serviços para discussão de PTS, encontrada nos artigos, pode ser tomada como indicativo de que a RAPS está se efetivando. Além disso, o PTS é compreendido como um projeto para o futuro do usuário(17,19) e como expressão de uma Clínica Ampliada.

Por fim, o último bloco de sentido refere-se à inexistência de PTS em alguns dos CAPS investigados em um dos artigos selecionados(17), o que mostra um descompasso entre a atenção psicossocial, pautada na clínica ampliada, na produção de autonomia dos sujeitos e na construção de um cuidado integral.

 

Discussão

Em parte das publicações recuperada nesta revisão foi identificado que o técnico de referencia (TR) é o único responsável por elaborar o PTS(11,15). Se por um lado, isto aponta para a importância do dispositivo TR, por outro, denota pouca ou nenhuma participação da equipe nesta elaboração. O TR é considerado um dispositivo(22) de promoção de vínculo com o usuário, na medida em que um determinado profissional da equipe é escolhido para assistir certo número de usuários de modo singular, sendo o responsável por acompanhar e reavaliar o projeto de cada um deles.

Este, no entanto, não é o único modelo existente. Alguns serviços adotam o arranjo de miniequipes de referência(23), ou seja, uma parte da equipe se torna responsável pela produção e acompanhamento do PTS, envolvendo um maior número de profissionais com o projeto dos usuários.

A elaboração do PTS a partir do diálogo de TR e equipe, além de usuário e familiares(10,13-14,18,20-21) aponta para a importância da interdisciplinaridade na compreensão das necessidades do usuário e da oportunidade de criação de vínculo, permitindo que o cuidado da pessoa em situação de sofrimento psíquico não seja feito apenas pela ótica do profissional, mas que envolva aquilo que é importante segundo a perspectiva da própria pessoa e sua família(22).

É necessário que o profissional de referência encoraje a participação ativa do usuário na construção de seu próprio PTS, pois esta elaboração permite ao usuário que ele seja agente na identificação de suas dificuldades e desejos, desenvolvendo assim mais autonomia sobre sua própria trajetória(24).

O percurso do usuário na rede(20) também deve ser considerado na construção do PTS. Primeiro pela noção de integralidade presente no SUS(25) que define uma pessoa como um todo indivisível e parte de sua comunidade, o que implica no reconhecimento de que os pontos de cuidado existentes na rede de saúde devem estar articulados para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Em segundo lugar, pela existência da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)(26) instituída pela portaria MS/3088 de 2011, formada por serviços articulados entre si e pertencentes a diferentes níveis de atenção, primário, secundário e terciário. Com a institucionalização da RAPS fica evidente a necessidade de diálogo entre os equipamentos de saúde para a realização do cuidado do usuário que não se vincula a um único serviço. Vale, ainda, destacar como problema na construção do PTS a não participação do usuário, contrariamente ao que recomenda o Ministério da Saúde(24).

Por outro lado, a noção de projetualidade(27) foi ressaltada na literatura recuperada(17,19). Este conceito destaca a importância da compreensão do PTS como um projeto para o futuro do usuário. Neste sentido, o projeto tem a função de criar um espaço para reflexão sobre novas possibilidades de existência e vida(27) e não apenas ser visto como uma grade ou cronograma de atividades exposto ao usuário, apontando os dias e horários da semana nos quais ele deve ir ao CAPS para fazer atividades(22,27). Quando o PTS é equiparado a uma lista de atividades a serem frequentadas pelo usuário no CAPS, acaba por não funcionar como um instrumento que possa auxiliar o usuário a pensar outras possibilidades de existência, para além da doença e do diagnóstico, para que se construa um PTS pautado na projetualidade é necessário que se respeitem os passos necessários para a construção deste instrumentos, a saber: o diagnóstico, a definição de metas, a divisão de responsabilidades pelas tarefas e a reavaliação do projeto(24,27). No diagnóstico o usuário deverá ser olhado como um ser complexo que possui as várias dimensões (orgânica, psicológica, social, cultural) e a sua singularidade mediante todo esse contexto. A definição de metas abarca propostas em comum acordo entre usuário e seu profissional de maior vínculo/TR. A divisão de responsabilidades de tarefas implica em que toda a equipe que cuida do usuário deve estar incluída nas ações propostas no projeto. Por fim, um PTS deve incluir a reavaliação, de forma que sejam feitas as modificações necessárias na medida da evolução do indivíduo(24,27).

Como pode ser observado, o PTS é um instrumento que permite que a equipe conheça os interesses de cada um dos usuários, permitindo que se ofereça um tratamento mais eficaz em cada caso e atividades que atendam às necessidades de cuidado dos usuários, logo serve como ferramenta para gerar maior vínculo entre o CAPS e seu usuário. Porém, o que ocorre, na verdade, é que o usuário muitas vezes é que se adequa ao que o serviço oferece. Muitos serviços de saúde não buscam formar outros grupos ou oficinas para aqueles que não se encaixam em nenhuma das oferecidas, seja porque as atividades não despertam o interesse ou não contemplem as necessidades da clientela(28). Portanto, um dos principais objetivos que sustentam a lógica dos serviços de saúde mental, a criação de vínculo do usuário ao CAPS, torna-se difícil de ser concretizado.

O PTS também aparece como possibilidade de se realizar uma Clinica Ampliada(12), que se caracteriza pelo manejo dos profissionais de forma interdisciplinar no cuidado do usuário promovendo o entendimento deste como um ser complexo e autônomo(22,24). Ao se adotar o PTS, a equipe assume a responsabilidade pelo cuidado singular a cada usuário na medida de sua necessidade e/ou desejo, ao buscar desenvolver vínculos e articular ações voltadas à produção de vida. Os recursos a serem adotados para um cuidado na perspectiva de tal clínica ampliada são múltiplos e devem ser escolhidos a partir da vulnerabilidade do caso, de sua complexidade e singularidade, na perspectiva da busca de autonomia(22).

Além disso, uma clínica ampliada implica na necessidade de atuação e formação profissionais descoladas do modelo biomédico e das intervenções medicamentosas como centro da atenção ao usuário. A prática não deve, portanto, voltar-se para o combate à doença e a busca da cura, mas para o desenvolvimento de novas possibilidades de existência da pessoa em sofrimento psíquico(24). Essa perspectiva deve envolver, portanto, o próprio usuário e seus familiares na construção do projeto.

Partindo deste pressuposto, foram encontrados nos artigos analisados a predominância de uma estrutura de clinica tradicional, tais como: a não participação do usuário na construção de seu PTS, a não existência de planejamento para alta no PTS, a falta de atividades externas ao CAPS, a superespecialização do cuidado, a centralização do projeto na figura do TR e a falta de construção em conjunto com a equipe, do PTS. Essas características de uma clínica em sentido mais tradicional apontam para uma visão do ser humano de forma não integral, mais alinhada ao modelo de saúde biomédico, que enfatiza práticas curativas e não entende como imprescindível o trabalho em equipe. Nos serviços de atenção psicossocial o modelo biomédico não deveria ser um orientador das condutas da equipe(29-30).

Neste sentido, ressalta-se que é imprescindível um processo contínuo de avaliação do funcionamento dos CAPS e seu alinhamento às políticas públicas de saúde e saúde mental(31) capazes de potencializar mudanças não apenas na forma de cuidar, mas também de problematizar as ações no campo da saúde mental, permitindo maior alinhamento ao campo da atenção psicossocial.

 

Conclusão

Considerando-se que o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão integrativa de literatura sobre a construção e o acompanhamento dos Projetos Terapêuticos Singulares pelas equipes dos Centros de Atenção Psicossocial, é possível afirmar que o mesmo foi atingido. Foram identificadas 13 publicações a partir dos critérios de seleção e exclusão predefinidos, que apontaram que mesmo na existência do PTS em serviços, este não é construído a partir da identificação de necessidades do usuário, estabelecimento de metas, definição dos profissionais responsáveis pelas ações e prazo para reavaliação do projeto.

Ressalta-se como limitação deste estudo o pequeno número de trabalhos selecionados, indicando que não existe apenas uma dificuldade em construir os PTS, mas também necessidade de ampliar o debate científico sobre esse tema, central para o funcionamento dos serviços de atenção psicossocial.

 

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Recebido: 05.02.2016
Aprovado: 20.04.2016

Correspondência:
Renata Fabiana Pegoraro
Universidade Federal de Uberlândia
Av. Pará, 1720 - Bloco 2C, Sala 47, Campus Umuarama - Bairro Umuarama
CEP 38405-320. Uberlândia, MG, Brasil
E-mail: rfpegoraro@yahoo.com.br, renata.pegoraro@ufu.br

 

 

1 Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo Nº CNPQ2014-HUM048 e da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.

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