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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versión On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.13 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v13i2p86-92 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v13i2p86-92

 

Violência relacionada ao trabalho na psiquiatria: percepção dos trabalhadores de enfermagem1

 

La violencia relacionada con el trabajo en psiquiatría en la percepción de los trabajadores de enfermería

 

 

Glaudston Silva de PaulaII; Elias Barbosa de OliveiraIII; Alexandre Vicente da SilvaIV; Silvia Regina Carvalho de SouzaV; Janaina Mengal Gomes FabriVI; Olivia de Andrade GuerraVII

IIMSc, Professor, Faculdade Gama e Souza, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIPhD, Professor Associado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IVMSc, Professor Assistente, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
VMSc, Enfermeira, Instituto Federal Nise da Silveira, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
VIMSc
VIIMestranda, Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

 


RESUMO

Objetivou-se, neste estudo, analisar os tipos de violência relacionados ao trabalho em unidade de internação psiquiátrica, de acordo com a percepção dos trabalhadores de enfermagem, e discutir as repercussões para a saúde dos integrantes do grupo. Pesquisa qualitativa, descritiva, realizada em unidade de internação psiquiátrica de hospital universitário. Utilizou-se a técnica de entrevista semiestruturada, com 16 trabalhadores de enfermagem. Aplicada a análise de conteúdo aos depoimentos, identificou-se que tanto a violência psicológica quanto a institucional, decorrentes das condições inadequadas de trabalho, prejudicam os trabalhadores e a prática de enfermagem. Conclui-se, então, a importância de a instituição investir em ações preventivas no intuito de promover a saúde do grupo, bem como a qualidade do serviço ofertada.

Descritores: Enfermagem; Violência no Trabalho; Hospital Psiquiátrico; Saúde do Trabalhador.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar los tipos de violencia relacionada con el trabajo en una unidad de internación psiquiátrica en la percepción del personal de enfermería y discutir las implicaciones para la salud del grupo. Investigación cualitativa, descriptiva, cumplida en una unidad de internación psiquiátrica de un hospital universitario. Se ha utilizado la técnica de entrevista semiestructurada con dieciséis trabajadores de enfermería. Aplicada el análisis de contenido a los testimonios, se identificó que la violencia psicológica y institucional resultante de las condiciones de trabajo inadecuadas causan daño a los trabajadores y la práctica de enfermería.  La conclusión es la importancia de la institución invertir en acciones preventivas con el fin de promover la salud del grupo y la calidad del servicio.

Descriptores: Enfermería; Violencia en el Trabajo; Hospital Psiquiátrico; Salud Ocupacional.


 

 

Introdução

Trata-se de recorte de dissertação de mestrado, na qual o objeto de estudo é a violência relacionada ao trabalho em unidade de internação psiquiátrica, de acordo com a percepção dos profissionais de enfermagem. Na abordagem teórico-metodológica da violência, são envolvidos saberes e práticas de diversas áreas, demandando estudos multifocais, transdisciplinares e intersetoriais. Neste artigo, propõe-se a utilização do conceito de violência relacionada ao trabalho enquanto ação voluntária de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo, que cause danos físicos ou psicológicos, ocorrida no ambiente laboral ou envolvendo relações estabelecidas no trabalho, assim como atividades concernentes ao mesmo(1).

Para além da identificação de atividades ou setores vulneráveis, a importância dos fatores situacionais na produção dos episódios de violência se torna mais clara a partir de abordagens com foco na interação. Nessa linha de pensamento, a violência no e do trabalho seria vista como possível consequência de interações interpessoais que, por sua vez, estariam imersas em contexto organizacional e social mais amplo, mediadas por normas de comportamento, costumes, características da tarefa e, especialmente, condições e organização do trabalho(2).

Desse modo, fatores como superlotação e sobrecarga de trabalho, que tornam o ambiente hospitalar mais hostil, além de manterem nexo causal com o estresse e adoecimento dos profissionais de enfermagem, podem favorecer a ocorrência de violência devido ao confronto direto entre pacientes e profissionais. Nessa situação de trabalho, o baixo apoio social entre os trabalhadores de enfermagem pode ser variável que favorece a ocorrência de violência, uma vez que esses trabalhadores podem não ter suporte organizacional para enfrentarem situações que potencialmente geram violência ocupacional, problemática ainda pouco explorada nos estudos brasileiros nos quais é descrito o ambiente de trabalho hospitalar da enfermagem(3).

No que diz respeito ao trabalho em hospital psiquiátrico, cabe salientar que a equipe de enfermagem pode se envolver em situações de violência por conviver diuturnamente com o sofrimento psíquico de usuários e familiares, além de desenvolver suas atividades em condições inadequadas em virtude da insuficiência de recursos humanos e materiais. Portanto, há de se considerar a própria característica do trabalho de enfermagem psiquiátrica e suas exigências de cunho técnico e relacional, que demandam esforços físicos e psíquicos, como observado nas emergências psiquiátricas e no cuidado de pacientes acamados, sedados e/ou contidos que necessitam de auxílio e supervisão contínuos(4).

Além do desgaste físico e mental, consequência do trabalho na psiquiatria, os trabalhadores de enfermagem que atuam nesse contexto encontram-se expostos à violência no trabalho, decorrente de agressões de natureza sexual, física e psicológica, perpetradas por pacientes, acarretando o transtorno de estresse pós-traumático com repercussões sobre a saúde e a qualidade de vida. Tendo em vista os efeitos deletérios da violência sobre a saúde mental, recomendam-se políticas organizacionais centradas em ambiente ocupacional seguro, educação e treinamento dos profissionais para o seu enfrentamento(5).

Acrescenta-se que o prolongamento da violência no trabalho ocasiona encargos de natureza emocional e social ao indivíduo, como, também, problemas organizacionais em decorrência da queda de qualidade do serviço, absenteísmo e procura por tratamento médico pelos trabalhadores(6). Portanto, faz-se necessário investigar os tipos de violência à qual os trabalhadores encontram-se expostos, a fim de se constatar sua existência, tanto no cenário público quanto no privado, e desenvolver estratégias de enfrentamento(7). Das diversas formas que os custos da violência podem assumir, além das mortes, as mais evidentes talvez sejam aquelas relativas aos dias de trabalho perdido e aos gastos com tratamento médico e psicológico ou, ainda, com processos judiciais e indenizações aos trabalhadores, sendo ainda incipientes os sistemas de notificação dedicados aos eventos de violência no trabalho(8).

Com o levantamento da literatura realizado, teve-se como objetivo propiciar sustentação teórica ao estudo mediante o acesso à Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), às bases de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e à Scientific Eletronic Library on Line (SciELO), não sendo encontrado nenhum estudo nacional em que se discutisse a problemática da violência ocupacional na psiquiatria e apenas três artigos internacionais. Salienta-se a relevância do estudo, por ser tratada, nele, temática delicada na área de psiquiatria, com propostas de medidas de enfrentamento, considerando as implicações para a saúde do trabalhador e a qualidade do atendimento. Em face do exposto, no presente estudo, teve-se como objetivo analisar os tipos de violência relacionados ao trabalho em unidade de internação psiquiátrica, na percepção dos trabalhadores de enfermagem, e discutir as repercussões para a saúde do grupo.

 

Método

Trata-se de estudo de caráter descritivo, com abordagem qualitativa(9), em que se buscou compreender o problema na perspectiva dos indivíduos que o vivenciam, isto é, partindo do cotidiano dos envolvidos, de suas satisfações, desapontamentos, surpresas e outras emoções. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em que foi realizado o estudo e protocolado no Comitê Nacional de Ética em Pesquisa, sob o número 070.3.2012.

O campo de pesquisa foi uma unidade docente assistencial psiquiátrica de hospital universitário público, no município do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. A unidade possui 25 leitos, sendo a planta física horizontal, composta de casas em que se abrigam, em média, quatro pacientes, tendo como modelo de atendimento a Comunidade Terapêutica. Na ocasião em que os dados foram coletados, o serviço de enfermagem era composto de 22 profissionais, sendo 7 enfermeiros e 15 técnicos de enfermagem.

Em atendimento à Resolução 466/12, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), participaram do estudo 16 trabalhadores de enfermagem (seis enfermeiros e nove técnicos de enfermagem) a partir dos seguintes critérios de inclusão: ser do quadro efetivo e/ou temporário da instituição e atuar na psiquiatria por, pelo menos, um ano, considerando que esses critérios são importantes relativamente aos conhecimentos, às habilidades e às competências relacionadas ao trabalho, bem como à percepção sobre a violência laboral. Seis trabalhadores, por não atenderem os critérios de inclusão estabelecidos, não participaram do estudo, não havendo recusas por parte dos entrevistados.

Foi informado que a participação dos depoentes era voluntária e que eles tinham o direito de se retirar da pesquisa em qualquer fase, sem que isso ocasionasse qualquer dano ou retaliação. Garantiu-se o sigilo dos dados e ratificou-se que os resultados seriam apresentados em eventos científicos e publicados em revistas científicas. Na transcrição dos depoimentos, foram adotadas as seguintes convenções: Enfermeiro (E) e Técnico de Enfermagem (TE), seguidos de número, de acordo com a ordem de entrada no texto.

Anteriormente à coleta de dados, realizada pelo próprio pesquisador, foi feito teste-piloto mediante registro digital. Após a transcrição e análise, algumas perguntas foram reavaliadas e apenas uma questão foi acrescentada ao roteiro. As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2012, após agendamento e disponibilidade dos entrevistados, com duração de 30 minutos, aproximadamente. Com intuito de evitar interferências, os dados foram coletados na própria unidade de internação, em local privativo, em dia e horário estabelecidos, de acordo com a disponibilidade dos participantes.

Optou-se pela técnica de entrevista semiestruturada(9), mediante roteiro com questões abertas, o que possibilitou a interação entre pesquisador e entrevistados, favorecendo a contextualização de experiências, vivências e sentidos, os quais contribuíram para esclarecer a problemática investigada. Na obtenção dos depoimentos, foi utilizado instrumento estruturado para a caraterização dos participantes e roteiro contendo cinco questões sobre o ambiente, as condições de trabalho e a percepção dos profissionais sobre a violência relacionada ao trabalho, cujas respostas foram gravadas em meio digital.

Realizada a transcrição, os depoimentos foram analisados mediante a técnica de análise de conteúdo do tipo temática(10), baseada na decodificação do texto em diversos elementos, os quais foram classificados e formaram agrupamentos analógicos. Na última etapa, utilizando os critérios de representatividade, homogeneidade, reclassificação e agregação dos elementos do conjunto, foram obtidos os seguintes resultados: violência psicológica – quando o paciente agride a equipe; hegemonia médica – a violência simbólica no trabalho e violência psicológica perpetrada pelo familiar.

 

Resultados

Violência psicológica – quando o paciente agride a equipe

A violência psicológica foi relatada pelos depoentes em face de agressões verbais e físicas perpetradas pelos pacientes sob os cuidados da equipe. Quanto à agressão verbal, quando cometida por pacientes com transtorno mental, é naturalizada no local de trabalho como expressão da insatisfação em face da colocação de limites pela equipe. No entanto, há situações em que a agressão infligida pelo paciente é vista como ameaça à integridade e segurança dos profissionais, principalmente nos quadros de agitação psicomotora, em que há necessidade de utilização de contenção química (uso de neurolépticos) e/ou mecânica.

Paciente psiquiátrico é típico de palavrão, principalmente quando falta cigarro ou quando não concorda com uma solicitação e, também, quando tem que ser contido. Quase todo plantão sou xingada! Mas é normal na doença deles (E4).

O paciente, quando vai ser contido, é um problema! Porque o comportamento dele é uma ameaça e a gente fica sem saber o que pode acontecer na hora da contenção (E12).

O paciente, no momento em que estiver em crise, pode ter algum tipo de movimento ou lançar algum objeto! Por isso tem que manter o ambiente seguro, evitar qualquer tipo de material que possa trazer riscos (E10).

Hegemonia médica – a violência simbólica no trabalho

Na instituição que serviu como campo de pesquisa, uma unidade docente assistencial, integram seu quadro várias categorias profissionais, como também estudantes de graduação e pós-graduação. Além dos internos e residentes de enfermagem, que desenvolvem seus saberes e práticas em saúde mental, há os residentes de medicina, psicologia e serviço social, que atuam na enfermaria e ambulatório. Segundo a percepção dos entrevistados, foram identificadas expressões de cunho verbal e comportamental, por parte dos residentes médicos, as quais configuram a violência relacionada ao trabalho.

Os residentes da medicina dão muito trabalho; principalmente os novatos, pois chegam falando mal da equipe de enfermagem! Chegam a ser ofensivos mesmo! (E4).

Existe, por parte dos residentes médicos, muito autoritarismo e isso vai gerando na gente uma insatisfação. Mas a gente se cala diante desses comportamentos, porque a gente tem medo de represália (TE2).

Essa coisa do poder médico em cima da enfermagem é uma violência, e ainda têm os embates que acabam ocorrendo em vista disso, como as discordâncias de procedimentos terapêuticos (E5).

Violência perpetrada pelo familiar

No contexto da assistência ao portador de sofrimento psíquico, a família é recurso valioso, relativamente aos cuidados prestados no território e no próprio contexto hospitalar, por representar a rede de apoio e os laços afetivos de indiscutível importância na instituição do tratamento e na prevenção de recaídas. No entanto, diante da internação do ente querido, considerada evento traumático, e da falta de clareza no que diz respeito às regras estabelecidas, o familiar pode comparecer ao serviço com sintomas de ansiedade, projetando na equipe o próprio desgaste, e resvalando em atitudes hostis.

[...] Teve uma vez que eu fui agredido verbalmente por um familiar só porque eu disse que não tinha como ir até a enfermaria do paciente, que era pai dela (TE15).

[...] Outra questão é lidar com a família. Temos dificuldades com alguns familiares, que não compreendem nosso serviço e nos agridem de graça. Chegam mal-humorados e falam conosco como se nós fôssemos nada aqui! (E10).

Mas também tem a violência da instituição, quando não há número suficiente de trabalhadores, quando falta material, quando o próprio ambiente é propício à violência (TE9).

 

Discussão

Na análise das atitudes hostis perpetradas por pacientes com transtorno mental, são convenientes reflexões quanto à periculosidade do sujeito com o transtorno e alguns fatores desencadeadores dos quadros de agitação psicomotora que, ao serem manejados pela equipe, podem minimizar a ocorrência de episódios violentos. Alerta-se que a ociosidade, somada à desassistência, corrobora atitudes agressivas entre os próprios pacientes, havendo lacuna estabelecida entre as necessidades do paciente e a tolerância da equipe em relação a essas necessidades, o que pode contribuir com a prescrição de contenção mecânica, ao se considerar o risco desse paciente para a integridade física de quem está por perto(11).

Outro aspecto relevante na abordagem da prevenção da violência relacionada ao trabalho, na psiquiatria, diz respeito ao treinamento específico dos profissionais para o seu enfrentamento, uma vez que os trabalhadores nem sempre são preparados academicamente, tampouco após assumirem o serviço(12). Atenção especial deve ser dada aos menos experientes, recém-formados, mais jovens e muito comprometidos com a profissão, fatores que contribuem para que esses profissionais assumam estratégias de defesa ou atitudes de fuga em face de situações conflituosas, como nos episódios de violência(13).

Quanto à violência simbólica, perpetrada por residentes médicos, trata-se de contradição, em termos de trabalho em equipe, pois, com a Reforma Psiquiátrica, os profissionais são estimulados a se organizarem de maneira horizontal, compartilhando saberes e práticas, discutindo cotidianamente as situações e determinando, em conjunto, a terapêutica a ser estabelecida(14). A disputa envolvendo a equipe de enfermagem e os demais profissionais da saúde possivelmente está ancorada no fato de a categoria ter tido seu status aumentado em virtude de melhor qualificação, o que tornou a atuação do enfermeiro mais significativa no campo da saúde, incluindo maior participação em decisões sobre o tratamento, diagnóstico e avaliação dos pacientes sob os cuidados da equipe(15). Portanto, é fundamental que a equipe de enfermagem busque sempre conhecimento, liderança e autonomia no trabalho, a fim de enfrentar os conflitos existentes, o que pode impulsionar o crescimento do grupo(16).

O predomínio de mulheres entre os trabalhadores de enfermagem é histórico e vem se associando, ao longo do tempo, à ideologia patriarcal da sociedade, que estigmatiza a enfermagem como classe desvalorizada e inferiorizada perante a coletividade, pois o objeto de trabalho e estudo da categoria, o cuidar, tem forte ligação com atividades femininas. Além desse aspecto, as mulheres, na enfermagem, sofrem violência por meio de imposição de dominação e autoritarismo da classe médica, o que remete às relações assimétricas de poder existentes entre homens e mulheres(17).

Em estudo realizado com trabalhadores de enfermagem, os componentes da equipe referiram ter sofrido, no último ano, alguma forma de violência, prevalecendo, nos relatos, a agressão psicológica perpetrada por usuários, familiares de usuários, enfermeiros e outros (público em geral, supervisores e médicos). Dificuldades nas relações interpessoais, hostilidade e indelicadeza de usuários e/ou familiares no trato com as pessoas, bem como insatisfações originárias da deficiência na resolutividade do sistema de saúde, foram referidas como as principais causas de agressão verbal(18).

Quanto ao registro dos casos de violência verbal e a busca de ajuda para o problema, há evidências de certa apatia por parte dos profissionais de enfermagem, cuja explicação pode relacionar-se ao fato de a violência psicológica e seus subtipos serem de menor impacto e, muitas vezes, fazerem parte do cotidiano de trabalho desses profissionais. Acrescentam-se outros fatores que influenciam a postura de distanciamento em face da violência, entre eles, o medo, a vergonha da situação vivida, a falta de tempo, bem como o não reconhecimento pelos empregados e empregadores das situações de violência(17).

No que diz respeito à violência institucional referida pelos trabalhadores, em relação à insuficiência de recursos humanos e materiais, alerta-se que o trabalho de enfermagem psiquiátrica é árduo, tendo em vista o cuidado e a experiência cotidiana com o portador de transtorno mental, acarretando, ao mesmo tempo, sofrimento mental e físico. Acrescentam-se as dificuldades inerentes à própria área, na qual se cobra desses profissionais níveis elevados de improvisação, agravados e revelados pela falta de condições adequadas para o trabalho cotidiano(11). Desse modo, é necessário considerar os custos sociais e financeiros da violência em decorrência do absenteísmo, dos desligamentos e da rotatividade de pessoas, como, também, diversos tipos de desgastes, que vão desde a perda da expectativa de realização do trabalho com qualidade à desmotivação para desenvolvê-lo, chegando ao aspecto físico, por meio de dores e somatizações(19).

Nesse sentido, a visibilidade da violência e suas formas relacionadas ao trabalho, a partir da participação dos trabalhadores, pode contribuir para a construção de estratégias coletivas e organizacionais que tornem o trabalho mais saudável, permitindo aos trabalhadores realizá-lo, apesar das ameaças e do medo que vivenciam(13).

 

Conclusão

Nos resultados, evidenciou-se que, segundo a percepção dos participantes do estudo, a equipe de enfermagem que atua em unidade de internação psiquiátrica encontra-se exposta, principalmente, à violência psicológica perpetrada por pacientes, familiares e médicos, bem como à institucional, decorrente do déficit de recursos humanos e materiais. Houve associação entre a violência psicológica e a institucional, apontando-se a necessidade de investimentos em recursos humanos e materiais por parte dos dirigentes.

Se, por um lado, os trabalhadores associam as agressões verbais dos pacientes ao quadro clínico, por outro, mostram-se insatisfeitos em face da violência psicológica perpetrada por familiares. Com tal problemática, sinaliza-se a importância de os próprios trabalhadores atuarem na prevenção da violência, o que pode ser feito mediante o acolhimento empático da família em seu sofrimento, proporcionando informações claras sobre a rotina, seus direitos e a relevância de sua participação no tratamento.

A violência, moral ou simbólica, infligida por médicos residentes, coloca em relevo a necessidade de apoio social junto aos trabalhadores, como forma de minimizar a impotência e o desemparo vivenciados pelo grupo. Cabe à instituição proporcionar treinamento aos trabalhadores, como estratégia de identificação e enfrentamento dessa problemática no espaço de trabalho, o que poderá influenciar positivamente o bem-estar, a satisfação e a qualidade do serviço prestado.

Apesar das limitações do estudo em virtude do número de participantes, e por ter sido realizado em uma unidade de internação, o que impossibilita generalização dos resultados para outros contextos de trabalho, recomenda-se a continuidade de pesquisas na área, tendo em vista sua comprovada incipiência, como também medidas voltadas para o controle, prevenção e suporte social dos envolvidos em situações de violência na psiquiatria.

 

Agradecimentos

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela concessão da bolsa de estudos e o Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro por ter contribuído para a realização deste estudo que possibilitou aprofundar os conhecimentos acerca da violência relacionada ao trabalho e obter o grau de mestre.

 

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Recebido: 14.03.2016
Aceito: 23.01.2017

Correspondência:
Elias Barbosa de Oliveira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Facculdade de Enfermagem
R. São Francisco Xavier, 524
CEP: 20550-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail: cppgenf@gmail.com

 

 

1Artigo extraído de Dissertação de Mestrado "Violência laboral como risco psicossocial à saúde dos trabalhadores de enfermagem de um hospital psiquiátrico" apresentada à Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.

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