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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.13 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v13i2p93-100 

ARTIGO DE ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v13i2p93-100

 

Disparidade das concepções de tratamento da dependência de substâncias psicoativas: reflexos e implicações entre profissionais, modelos e instituições presentes nos serviços de atendimento

 

Disparidad de concepciones de tratamiento de la dependencia de sustancias psicoactivas: reflexiones e implicaciones entre profesionales, modelos e instituciones presente en los servicios de atención

 

 

Aislan José de OliveiraI

IDoutorando. Universidade São Francisco. Psicólogo. Centro Universitário Campos de Andrade, Uniandrade, Professor Adjunto. Psicólogo Clínico

 

 


RESUMO

O intuito, nesta pesquisa, foi compreender o embasamento teórico presente no discurso de 17 profissionais de saúde mental que atuam em três modelos de atendimento a dependentes químicos. Os dados foram coletados por meio de questionário e classificados em três categorias de análise, segundo o arcabouço teórico-epistemológico de cada abordagem e instituição, sendo elas: o modelo biomédico (clínica), o modelo sociocultural (centro de atenção psicossocial) e o modelo psicossocial (comunidades terapêuticas). Concluiu-se que os profissionais participantes não apresentam definição específica sobre os conceitos de dependente e tratamento, relativos à dependência química, e, também, suas abordagens podem ser, por vezes, contraditórias às metodologias e ideologias das instituições analisadas.

Descritores: Tratamento; Dependente; Dependência Química; Modelos; Profissionais; Drogas.


RESUMEN

La presente búsqueda, tuvo el intuito de entender el fundamento teórico presente en el discurso de 17 profesionales de salud mental que actúan en 3 modelos de atención a los adictos de drogas psicoactivas. Los datos fueron colectados por medio de cuestionarios y clasificados en 3 categorías de análisis según el marco teórico/epistemológico de cada enfoque e institución, siendo ellas: El modelo biomédico (clínica), el modelo sociocultural (centro de atención psicosocial) y el modelo psicosocial (comunidades terapéuticas). Se concluyó que los profesionales participantes no presentan una definición específica sobre los conceptos de "adictos" y "tratamiento" de dependencia química. Se concluye incluso que, el enfoque de los profesionales pueden, a veces, ser contradictorios a las metodologías e idiologías de las instituciones analizadas.

Descriptores: Tratamiento; Adicto; Dependencia Química; Modelos; Profesionales; Drogas.


 

 

Introdução

O consumo de substâncias psicoativas caracteriza-se como fenômeno constituído dentre inúmeras interfaces e articulações, entre variáveis de gênese biológica, farmacológica, psicológica, sociocultural, política, econômica e antropológica(1). Nesse entendimento, a dependência de substâncias psicoativas configura-se como fenômeno de alta complexidade em que são inviabilizadas quaisquer tentativas de explicação reducionista, e desconsideradas suas múltiplas determinações, sendo que as variáveis em questão, embora intimamente ligadas, quando analisadas isoladamente não são capazes de explicar tampouco propor soluções adequadas(2).

A dificuldade de entender o fenômeno estende-se à esfera do tratamento abordado, a partir de processos teóricos e de intervenção dicotômicos, fragmentados, a-históricos, deterministas e de cunho acentuadamente reducionista(2). As modalidades de tratamento para dependentes de substâncias psicoativas adotadas pelas instituições, em geral, são procedimentos ecléticos de ação médica, psicológica, social e religiosa, os quais reduzem o entendimento das variáveis determinantes e complexas da dependência de substâncias psicoativas, o que fomenta resultados de baixa efetividade de tratamento e limita o potencial de atendimento(3).

Assim, torna-se necessário "questionar a fundo se o problema da efetividade dos modelos de atenção e tratamento não se encontra nas próprias práticas em saúde que se constituem numa mistura de diferentes modelos de análise do fenômeno da drogadição e da utilização das mais variadas metodologias de atuação, sustentados em diferentes pressupostos teóricos e epistemológicos"(2), pois qualquer prática no âmbito da saúde, seja com vistas a ações individuais, coletivas ou institucionais, passa, necessariamente, por concepções de base teórico-metodológica que as sustentem e sirvam como referencial norteador de suas ações(2).

Por vezes, tais concepções nem sempre estão claras e definidas nas rotinas de práticas terapêuticas, independentemente da modalidade de tratamento, mas, por meio delas, são alicerçados o sistema de racionalidade e determinados parâmetros de compreensão dos processos de saúde/doença, normalidade/anormalidade(4), validando ações em determinadas concepções que conferem sustentação, o que evidencia que a forma de tratamento está ligada à forma de pensar e entender a dependência de substâncias psicoativas. "Há que se avaliar criticamente as suas bases teórico-metodológicas a fim de se compreender os diferentes modelos de análise da dependência de drogas e suas raízes ontológicas e epistemológicas"(2) e que, também, se estendem ao tratamento.

 

Abordagens de tratamento ofertadas no Brasil

Partindo do exposto, diversos profissionais especialistas no tratamento de substâncias psicoativas desenvolveram diferentes modelos referentes às dimensões desse fenômeno, a fim de entender o problema do uso de drogas(2,4). Entre eles, destacam-se quatro modelos conceituais de análise da dependência de substâncias psicoativas, a saber: o modelo jurídico-moral, o biomédico, o psicossocial e o sociocultural(5). Cada um está fundamentado "em diferentes raízes teórico-epistemológicas, o que se desdobra em diferentes perspectivas metodológicas de intervenção"(2).

O modelo jurídico-moral está apoiado na perspectiva dualista da realidade e coexistência de posições opostas e irredutíveis (indivíduo e droga, legalidade e ilegalidade, finalidade médica e não médica). "Esta perspectiva tem relação a medidas ‘educativas’ e preventivas, articuladas a princípios repressivos"(5).

Já o modelo médico ou de saúde pública, também chamado de biomédico, é predominante nos ambulatórios médicos, em clínicas e hospitais psiquiátricos e "é o modelo com maior incidência de utilização nas unidades básicas de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), de forma hegemônica, e justifica-se pela própria indefinição das determinantes constitutivas do processo das dependências psicoativas"(2). Nesse  modelo de tratamento o foco é predominantemente biológico em relação à dependência de substâncias psicoativas, a qual é entendida como doença crônica, recorrente, cujas determinantes são atribuídas à hereditariedade e/ou às disfunções neuroquímicas(2).

No modelo psicossocial, as ações estão embasadas na "análise do tripé droga-indivíduo-meio"(2), em que a dependência é vista a partir da triangulação entre o meio social e suas influências sobre o indivíduo, as características intrínsecas às drogas e a dinâmica psicológica do indivíduo, atribuindo a esse último o papel ativo no fenômeno das dependências e, dessa forma, pautando suas ações com foco na intervenção da dinâmica droga-indivíduo. Nesse modelo, enfatiza-se que o contexto tem papel primordial no fenômeno do uso de substâncias psicoativas, considerando que a droga tem significado pela maneira como cada sociedade define sua utilização. Esse modelo é amplamente utilizado por comunidades terapêuticas e, também, vem mesclado com outros, estando presente em quase todos os tipos de serviços(2).

O modelo sociocultural tem como fundamento a reforma psiquiátrica brasileira, com base na Lei nº 10.215, de 6 de abril de 2001(6), sendo adotado pelo Ministério da Saúde (MS) para o tratamento e atenção integral aos usuários de drogas pelo SUS e, principalmente, para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)(2). Nessa abordagem, o foco é modificar o padrão de uso da substância, intervindo nas determinantes sociais que levam ao uso abusivo, visando o controle dos danos gerados pelo consumo excessivo por meio da proposta de Estratégia da Redução de Danos (ERD)(2,6).

Evidencia-se, após a análise dos modelos explicitados, que "a síntese desses saberes e práticas constitui a racionalidade ou sistemas lógicos sob os quais os diversos serviços de saúde se nutrem para a compreensão e intervenção nos fenômenos de saúde/doença"(2).

Para melhor visualização dos pressupostos centrais e das características dos modelos supracitados, elaborou-se a Figura 1(2,5,7), em que são considerados os modelos de tratamento de maior aceitação no Brasil, representando as três principais instituições que ofertam serviços de atendimento aos dependentes de substâncias psicoativas no país, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad), as clínicas e hospitais e as Comunidades Terapêuticas (CT)(8-9), temas centrais nessa pesquisa.

 

 

Assim, evidencia-se a dificuldade encontrada na literatura para obter-se definição clara e específica sobre em que consiste o tratamento de dependência de substâncias psicoativas, já que não há definição única quanto a modelo ou abordagem de tratamento, mas sim diversas formas de intervenção(10).

Na Figura 1 é possível identificar, de forma sucinta, a concepção do problema de cada uma das instituições abordadas, evidenciando os modelos adotados nas mesmas, os conceitos de tratamento utilizados seguidos de seus objetivos, etiologias, além das vantagens e desvantagens em cada um. A partir disso, buscou-se entender as concepções de tratamento e de dependente de substâncias psicoativas dos profissionais atuantes nas três instituições participantes da pesquisa e, posteriormente, se as mesmas estavam em consonância à proposta de intervenção terapêutica de cada instituição.

 

Método

Este estudo é derivado de dissertação de mestrado, aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade Evangélica do Paraná (Fepar), sob nº 5715/11. Trata-se de estudo exploratório-descritivo, de abordagem qualitativa (Cozby)(11). Buscou-se, inicialmente, identificar os principais modelos utilizados pelas instituições de tratamento em dependentes de substâncias psicoativas(2,4-5,7). Em outra análise, possibilitou-se a identificação de três tipos de instituições de atendimento ao dependente químico no Brasil com maior oferta de serviços de atendimento e tratamento(8-9), as quais são: CTs, clínicas e CAPS ad, entendidas e estudadas neste trabalho como categorias de análise.

 

Participantes

Participaram da pesquisa 17 profissionais de nível técnico e superior de três instituições de tratamento à dependência de substâncias psicoativas, que consentiram em responder ao questionário, independentemente de idade e sexo. Compuseram a amostra profissionais das áreas de psicologia, medicina, serviço social, enfermagem, terapia ocupacional, educação física e técnicos de reabilitação em dependência química. A amostra das instituições foi composta de três modelos de atendimento aos dependentes de substâncias psicoativas, sendo clínica e CT, no município de Curitiba, PR, Brasil, e CAPS ad na Região Metropolitana de Curitiba, PR, Brasil.

 

Instrumentos

Os dados foram coletados no período de janeiro a março de 2012, por meio de questionário autorrelato, com perguntas de levantamento sobre situação socioeconômica dos participantes, uma questão aberta, na qual foi solicitado aos participantes que associassem cinco palavras relacionadas aos termos dependente e tratamento (de substâncias psicoativas) no entendimento de cada profissional (questão 1) e uma questão fechada (questão 2). Essa última, em escala tipo Likert, variando de 1 a 3 pontos, sendo 1 igual a concordo, 2, concordo parcialmente e 3, discordo. Cada tópico dessa questão foi previamente elaborado e referencia um dos modelos específicos de abordagem. Para análise desse item, foram consideradas apenas as respostas assinaladas como concordo.

 

Análise de dados

Na questão 1, foi solicitado aos participantes que associassem cinco palavras aos termos dependente e tratamento (de substâncias psicoativas). Todas as palavras foram analisadas de acordo com os respectivos sentidos e significados, por meio de consulta a profissionais especialistas no tratamento de dependências químicas da área de psicologia e psiquiatria, e, posteriormente, foram categorizadas segundo os modelos de tratamento, conforme exemplificado na Figura 2.

 

 

 

Após a análise e categorização, foi possível identificar em qual modelo de tratamento cada instituição teve maior frequência de respostas.

Na questão 2, foram apresentadas aos participantes 40 afirmações relacionadas ao manejo, percepção e tratamento de dependências relacionadas às três categorias/instituições já citadas, com a seguinte distribuição de perguntas: 10 questões relacionadas à abordagem médica, 10 relacionadas à abordagem jurídico-moral, 10 relacionadas à abordagem sociocultural, 10 à abordagem psicossocial.

Em seguida, foi elaborado o cálculo porcentual do número de respostas de cada categoria para cada uma das instituições. Para tanto, o número de profissionais respondentes de cada instituição foi multiplicado pelo número máximo de respostas para cada categoria (10 para cada categoria). Com isso foi possível calcular a porcentagem de respostas e, a partir dos resultados obtidos, foi elaborada a Figura 3, em que é indicada a maior incidência de respostas quanto a cada categoria de análise e, na sequência, encontram-se ilustradas no formato de histograma.

 

 

 

Resultados

Na questão 1, solicitou-se aos participantes que escrevessem cinco palavras relacionadas aos termos tratamento de dependência química e dependente químico. Os dados dos participantes dos três grupos, CAPS ad, clínica e CT, foram comparados a fim de identificar-se qual o embasamento teórico prevalente no discurso dos profissionais das três instituições. A análise das associações de palavras (questão 1) estão representadas por meio das Figuras 3 e 4. Na Figura 3, encontram-se os resultados referentes ao termo tratamento.

 

 

 

Na Figura 3, mostra-se que na instituição clínica, a qual se enquadra na categoria de abordagem biomédica, houve maior incidência de respostas associadas ao termo tratamento de acordo com a abordagem sociocultural.. Na instituição CAPS ad, em que se esperavam respostas próximas à abordagem sociocultural, houve resultados com maior incidência de abordagem biomédica. Na instituição CT houve maior frequência de respostas ao termo tratamento, de acordo com a abordagem jurídico–moral, ainda que a literatura aponte que essa instituição como a mais alinhada à base de modelo psicossocial.

Quanto às palavras associadas ao termo dependente, na Figura 4 são mostrados os resultados.

Conforme análise da Figura 4, na instituição clínica, a qual tem relação com a abordagem biomédica, houve maior incidência de palavras associadas ao termo dependente (de substâncias psicoativas) de acordo com a categoria jurídico-moral. Na instituição CAPS ad houve maior incidência de palavras correlacionadas ao modelo biomédico, considerando que essa instituição tem seu modelo de tratamento alinhado à abordagem psicossocial.

Já na instituição CT prevaleceu o termo tratamento, de acordo com a categoria religioso-moral e o termo dependente, a categoria sociocultural, considerando que essa instituição tem o modelo psicossocial como modelo referencial de suas ações.

Após a análise dos dados, foi possível observar que, nas três instituições, houve respostas à questão 2 predominantemente relacionadas à abordagem biomédica. Na Figura 5 mostra-se a maior frequência de respostas das três instituições, quanto à abordagem presente e coletada na questão 2.

 

 

Na instituição CT, o modelo biomédico obteve 61,1% de respostas possíveis para essa abordagem, seguido de 50% das respostas para a abordagem sociocultural. Na instituição CAPS ad houve 52,4% de concordância à abordagem biomédica e 33,3% à abordagem sociocultural. Por fim, na instituição clínica, 40,7% de respostas em concordância à abordagem biomédica e 37,50% à abordagem psicossocial.

 

Discussão

Dentre as três instituições participantes da pesquisa, o número de profissionais, em cada área de formação, que responderam ao questionário foi preponderante sobre a análise dos resultados, pois indicou certa prevalência na ocasião da interpretação dos dados, de acordo com cada área de atuação. Na instituição CAPS ad, maior número de médicos (três) participaram da pesquisa; na CT, foram psicólogos (três). Já na clínica, apenas um profissional de cada área participou da pesquisa. Considerar o número de profissionais de cada área específica é importante, pois "qualquer atividade profissional ou organização de serviços tem necessariamente como substrato uma racionalidade teórico-metodológica que norteia sua atuação. Esse substrato é produto específico do processo sócio-histórico de cada época histórica"(4,10).

Tais concepções orientam profissionais, pacientes, seu entendimento acerca do problema, bem como as possíveis estratégias de intervenção(4,10). Nessa linha de raciocínio, em cada área de atuação profissional há determinado substrato de saber próprio, que pode ser confrontado com a proposta de intervenção caraterística de cada modelo institucional. Apesar de estabelecerem procedimentos e embasamento teórico-metodológico que orientam as ações, as práticas das instituições analisadas estão alicerçadas nas concepções de seus profissionais(10-12).

Cada modelo "ancora-se em diferentes concepções teórico-metodológicas sobre o fenômeno da dependência, objetivados em diferentes práticas e discursos antagônicos e, até certo ponto, díspares entre si. Tal disparidade assenta-se tanto na complexidade do fenômeno, cuja essência se constitui a partir do entrelaçamento de inúmeras variáveis e determinantes, quanto na diversidade de formação dos profissionais e agentes que atuam na área da saúde"(2,10).

Com os dados analisados, mostra-se que os tratamentos das dependências de substâncias psicoativas dependem em primeiro lugar, e fundamentalmente, do conceito de dependências e tratamento de substâncias psicoativas adotados pelos profissionais implicados no serviço, o que pode ser influenciado pela assimilação cultural e política de cada um, o tipo de substância utilizada, a motivação e a predisposição biológica do indivíduo(12). Entretanto, esses fatores estão sujeitos a diferentes redes de significações por parte dos mesmos profissionais(10).

Com essa análise, são corroborados os dados obtidos nas Figuras 3, 4 e 5, nas quais indica-se a miscelânea de conceitos entre os modelos em cada instituição. Na primeira questão, ilustrada pelas Figuras 3 e 4, mostram-se respostas que partem única e exclusivamente do próprio entendimento do profissional quanto aos termos dependente e tratamento (de substâncias psicoativas), enquanto na questão 2, ilustrada pela Figura 5, as respostas partem de afirmações sobre a atuação do profissional em face do problema.

Entende-se que as propostas e modelos de tratamento para os dependentes de substâncias psicoativas geralmente são procedimentos ecléticos, com ações diversas, sendo incomum encontrar modelos puros(5,10). Na última década, instalou-se diversidade de abordagens para tratamentos das dependências e, a fim de atingir as metas propostas, os mais variados meios são adotados(13). Essas diferentes combinações e mistura de concepções são indicativos da falta de critérios e parâmetros objetivos para o estabelecimento de protocolos de atenção e processos de intervenção. Desse modo, embora nas propostas epistemológicas de cada modelo sejam claras as diferenças e contradições, na prática profissional não são evidentes.

Quanto à formação profissional, é importante ressaltar que, nas três instituições, o quadro funcional apresentava relativa supremacia quanto à área de formação. No CAPS ad houve maior número de respondentes médicos, na CT, psicólogos e na clínica, o mesmo número de profissionais de cada área. Diversos profissionais prestam serviços no atendimento à dependência química, porém, o Brasil não possui legislação específica que defina o papel de cada profissional, no que diz respeito às práticas de acordo com a proposta terapêutica(14).

É igualmente importante registrar que apenas dois profissionais, entre os 17, possuíam especialização, mesmo que as três instituições sejam especializadas no tratamento na área de dependências. Profissionais que lidam com essa questão hoje não possuem formação específica sobre o tema, uma vez que os cursos de graduação muitas vezes não apresentam opções nesse sentido(10,15), o que indica que, no Brasil, boa parte dos serviços é organizada única e exclusivamente a partir do empenho e boa vontade dos seus membros(14), limitando a efetividade dos serviços, desvinculados das necessidades locais. Levanta-se a hipótese de que a formação específica para atuação profissional no tratamento não é alvo de preocupação das instituições que se nomeiam especialistas.

 

Conclusão

Em face da exposição e análise dos dados, ressalta-se que as propostas e modelos de tratamento para dependentes de substâncias psicoativas analisadas não apresentam filosofia norteadora de trabalho específica. Incide, ainda, o fato de que a área de formação de cada profissional pode influenciar e contrapor-se à filosofia e à ideologia de trabalho das instituições analisadas, pois cada área do conhecimento parte de determinado arcabouço teórico-metodológico específico. As abordagens nas instituições em questão estão diretamente ligadas à forma de pensar e entender a origem e evolução da dependência, concebendo sua origem desde fatores biológicos, psicológicos e sociais à percepção de sua gênese pecaminosa ou criminosa.

Como resultado da incongruência do entendimento sobre o fenômeno das dependências de drogas, surgem instituições de tratamento que apresentam grande mescla de abordagens e modelos de intervenção no mesmo lócus de atuação, com miscelâneas de intervenções alicerçadas em diferentes pressupostos etiológicos e epistemológicos, inviabilizando o discurso coerente, comprometido com o projeto terapêutico eficiente com a proposição de perspectivas positivas aos usuários do serviço.

A partir disso, é mister considerar efetivamente se a raiz do problema, que se reflete em baixas taxas de recuperação, não está nas próprias práticas metodológicas de atuação, visto que, nos tratamentos disponibilizados, tanto no âmbito público quanto no privado, ainda não há propostas de soluções adequadas, gerando mais dúvidas que respostas sobre o fenômeno e o cuidado. O fato é que existe grande número de indivíduos que retornam ao padrão de uso de substâncias psicoativas após procurarem esses serviços de tratamento, questionando sua eficácia. Com isso, esta pesquisa contribui para a ampliação do entendimento de que o paciente não pode ser o único responsável em casos de retorno ao uso de substâncias psicoativas.

No contexto da transformação cultural dos modelos de tratamento em saúde mental, antes com base no modelo hospitalocêntrico, incita-se não só a implantação de novos modelos de serviços impulsionados pela reforma psiquiátrica, mas, também, a necessidade de transformação das práticas de atenção e atendimento.

Pesquisas futuras em que se elaborarem definições claras e objetivas a respeito dos conceitos de tratamento e dependência de substâncias psicoativas, alinhadas às diversas áreas do saber (multidisciplinar), com a posterior adequação e definição do papel de cada profissional nas instituições, auxiliariam serviços de tratamento mais efetivos, claros e acessíveis a profissionais e usuários. Trabalhos desse caráter, traduzidos em políticas públicas, podem contribuir significativamente para a eficiência e efetividade dos serviços de atendimento a dependentes de substâncias psicoativas, bem como instrumentos de mensuração científicos e estatisticamente significativos, indicando o efeito das intervenções às quais os usuários dos serviços se submetem.

 

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Recebido: 21.07.2016
Aceito: 27.03.2017

Correspondência
Aislan José de Oliveira
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