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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.14 no.2 Ribeirão Preto Apr/June 2018

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000420 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000420

 

Queixas psicológicas e consumo de drogas em universitários atendidos em núcleo de assistência

 

Quejas psicológicas y consumo de drogas en universitarios atendidos en un servicio de salud

 

 

Regina de Cassia RondinaI; Caio Augusto Teixeira PiovezzaniII; Debora Chiararia de OliveiraIII; Raul Aragão MartinsIV

IUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, SP, Brasil
IIAssociação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Itamonte, Itamonte, MG, Brasil
IIIUniversidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru, Bauru, SP, Brasil
IVUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto, SP, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: investigar a relação entre queixas psicológicas e prevalência de consumo de drogas entre universitários atendidos em núcleo de assistência psicológica.
METODOLOGIA: realizou-se um levantamento em uma universidade paulista sobre as queixas que motivaram a busca pelo serviço de Psicologia e o padrão de consumo de drogas informado pela clientela.
RESULTADOS: dentre 165 estudantes avaliados, 76,4% são do sexo feminino. As principais queixas foram relacionadas a humor depressivo e dificuldades na esfera dos relacionamentos afetivos, sociais e familiares. O percentual dos que informaram consumir maconha foi maior entre participantes com queixas de humor depressivo, dificuldades em relacionamentos interpessoais e condutas do espectro suicida, em comparação a estudantes sem essas queixas.
CONCLUSÃO: programas de natureza preventiva e/ou terapêutica poderiam promover melhorias na qualidade de vida dessa população.

Descritores: Drogas; Universitários; Assistência Psicológica.


RESUMEN

OBJECTIVOS: investigar la relación entre quejas psicológicas y prevalencia de consumo de drogas entre universitarios atendidos en núcleo de asistencia psicológica.
METODOLOGÍA: se realizó un levantamiento en una universidad paulista, sobre las quejas que motivaron la búsqueda por el servicio de Psicología y el patrón de consumo de drogas informado por la clientela.
RESULTADOS: entre 165 estudiantes evaluados, el 76,4% son del sexo femenino. Las principales quejas fueron relacionadas con el humor depresivo y las dificultades en la esfera de las relaciones afectivas, sociales y familiares. El porcentaje de los que informaron consumir marihuana fue mayor, entre participantes con quejas de humor depresivo, dificultades en relaciones interpersonales y conductas del espectro suicida, en comparación con estudiantes sin esas quejas.
CONCLUSIÓN: los programas de carácter preventivo y / o terapéutico podrían promover mejoras en la calidad de vida de esa población.

Descriptores: Drogas; Universitarios; Asistencia Psicológica.


 

 

Introdução

A incidência de transtornos psicológicos em universitários no Brasil e no exterior é elevada(1-3). Supõe-se que acadêmicos de ensino superior são vulneráveis ao sofrimento psíquico em decorrência da associação entre características específicas dessa clientela, como a fase evolutiva e a condição de ser estudante universitário(2-3). A transição para o ensino superior tende a aumentar a vulnerabilidade ao sofrimento psíquico em muitos estudantes, desencadeando sintomas psicopatológicos que podem evoluir (ou não) para transtornos psiquiátricos(4).

Dificuldades emocionais típicas dessa etapa do ciclo evolutivo, associadas aos desafios de adaptação à vida universitária, podem expor o jovem estudante ao estresse(4). Um conjunto de variáveis pode levar ao estresse, como a separação de familiares e amigos, a aquisição de maior autonomia e independência, a transição do modelo de ensino médio para o superior, novas exigências e responsabilidades, dividir a moradia com pessoas estranhas, dificuldades financeiras, competição entre os pares, dificuldade na organização do tempo, necessidade de corresponder às expectativas familiares, conflitos em relações de amizade/românticas, problemas relativos à orientação sexual, entre outras(1-2,5). Em alguns jovens, o ingresso no ensino superior pode favorecer a adoção de mecanismos não saudáveis de enfrentamento, como o consumo de substâncias psicoativas (entre outros comportamentos de risco), o que, por sua vez, pode acabar comprometendo a saúde física/mental e também o desempenho acadêmico(2,4,6-7).

A frequência de uso de drogas pela classe universitária no Brasil é maior em comparação à prevalência de consumo na população em geral entre 18 e 24 anos de idade, embora seja inferior a de universitários norte-americanos(6). Programas de assistência em saúde mental são necessários para prevenir o aparecimento de problemas como consumo de drogas, minimizar o sofrimento psíquico dos estudantes e as taxas de evasão/insucesso escolar e/ou trancamento de matrículas, entre outros aspectos(1,7).

A identificação de variáveis associadas ao sofrimento psíquico entre universitários que consomem substâncias pode ampliar a compreensão em torno do assunto, retroalimentando ações de natureza preventiva e terapêutica. Na literatura sobre a relação entre saúde mental e problemas relacionados ao consumo de drogas em universitários, predominam estudos com delineamento epidemiológico/estatístico. Ainda há relativa escassez de pesquisas brasileiras com foco específico na inter-relação entre padrão de consumo de substâncias e queixas psicológicas / dificuldades / problemas, informados por universitários que buscam serviços de assistência psicológica.

Este artigo tem como finalidade investigar as associações entre o padrão de consumo de substâncias psicoativas e as principais queixas relatadas por acadêmicos atendidos em um serviço de Psicologia, em uma universidade pública do oeste paulista. Pretende-se, com isso, subsidiar a elaboração e/ou a melhoria de programas de prevenção/intervenção em saúde mental, com características delineadas especificamente a acadêmicos do ensino superior.

 

Método

Este é um estudo documental, descritivo, retrospectivo e de natureza quantiqualitativa. Trata-se de um trabalho com abordagem naturalística, destinado a apresentar uma descrição preliminar sobre o tema(8)

Instituição-Alvo: a pesquisa foi realizada no Núcleo de Assistência Psicológica e Psicoeducacional e de Pesquisa (NAPEP), em uma universidade pública do oeste paulista, que oferece assistência psicológica a acadêmicos de graduação e de pós-graduação. Estudantes que buscam o núcleo são encaminhados para entrevistas iniciais, destinadas à avaliação e cadastro do acadêmico no serviço de Psicologia. Nessa etapa, é realizado um levantamento preliminar das principais queixas/problemas que motivaram a procura por assistência psicológica. Ao término da entrevista, o acadêmico preenche uma ficha cadastral, contendo campos referentes a dados de natureza sociodemográfica e clínica, bem como o padrão de consumo de substâncias psicoativas (SPA). As principais queixas/problemas informadas pelo estudante durante a entrevista, são então registradas pelo entrevistador na ficha cadastral.

Participantes: participaram do presente estudo estudantes maiores de 18 anos inscritos no NAPEP, no período compreendido entre fevereiro de 2011 e junho de 2013.

Procedimentos: a coleta de dados foi realizada através de consultas nos registros das fichas cadastrais. Foram extraídas informações de natureza sociodemográfica (sexo, idade, curso, ano, religião, moradia) e o padrão de consumo de substâncias dos estudantes. Os dados foram codificados e transcritos em uma planilha eletrônica, assegurando o sigilo das informações. Realizou-se também uma compilação das principais queixas e problemas apresentados pelos estudantes durante as entrevistas. As queixas foram analisadas, sistematizadas e agrupadas em tópicos, sob a forma de categorias temáticas, e registradas na planilha eletrônica.

Análise dos dados: foram elaboradas tabelas com frequências percentuais simples descrevendo a prevalência de estudantes que informaram queixas em cada categoria. Para investigar as associações entre prevalência de consumo de substâncias psicoativas e as categorias de queixas psicológicas, os dados sofreram análises descritivas e de associação, sendo utilizado o nível de significância de 0,05.

Aspectos Éticos: o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade (Processo nº0447/2012). Todos os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando, assim, a utilização de seus dados em pesquisas científicas.

 

Resultados

Ao todo, foram consultadas fichas de 165 estudantes, sendo 86,7% provenientes de cursos de graduação e 13,3%, de pós-graduação. Dentre os participantes, 76,4% são do sexo feminino. Da leitura, análise e sistematização dos registros encontrados nas fichas cadastrais, emergiram 14 categorias de queixas/sintomas, descritas na Figura 1:

O percentual de estudantes que informaram queixas em cada categoria é apresentado na Tabela 1.

O maior percentual aqui encontrado (78,7%) se refere à categoria Humor Depressivo (Tabela 1). Foram encontrados também elevados percentuais de estudantes que informaram queixas em "Ansiedade", "Dificuldades em Relacionamento Familiar", "Dificuldades em Relacionamentos Interpessoais" e "Dificuldades Acadêmicas". A diferença entre os percentuais nos dois sexos, encontrada na categoria "Dificuldades em Relacionamentos Afetivos", é estatisticamente significante (χ2 = 4,885, p = 0,027), sendo maior para o sexo masculino. Nas demais categorias, as queixas foram citadas por relativamente poucos estudantes (menos de sete), o que dificulta a comparação das incidências segundo o sexo.

Dentre os entrevistados, 66,7% informaram consumir drogas legais e/ou ilegais (Tabela 2). O álcool foi a substância mais citada (60,6%); em seguida, foram citados maconha, tabaco e cocaína. Anfetaminas, chá de cogumelo, Haxixe, LSD, ecstasy, lança perfume, entre outras substâncias, foram citados em apenas alguns relatos.

A diferença entre percentuais de consumo de álcool, maconha e tabaco entre os sexos é estatisticamente significante, sendo maior no sexo masculino. No caso da cocaína, a diferença entre os percentuais não atingiu significância.

Os participantes também foram classificados quanto ao número de substâncias utilizadas, o que resultou em três grupos: não utiliza drogas, utiliza uma droga e utiliza duas ou mais drogas (Tabela 3). A prevalência de policonsumo (consumo simultâneo de duas ou mais substâncias) é maior no sexo masculino, sendo a diferença entre os sexos estatisticamente significante (χ2 = 11,570, p = 0,003).

Foi levantado o percentual de participantes que reportaram queixas psicológicas segundo a quantidade de drogas consumidas (Tabela 4). Foi encontrada associação significante entre o número de substâncias utilizadas e as categorias "Dificuldades em Relacionamento Familiar" e "Dificuldades em Relacionamento Social". As prevalências de consumo de uma substância e também de duas ou mais são maiores em estudantes que apresentaram queixas nessas duas categorias, em comparação a participantes sem as mesmas queixas.

Finalmente, foram calculadas frequências percentuais simples, referentes a cada substância (Álcool, Tabaco, Maconha e Cocaína), separadamente, segundo categorias de queixas em que houve frequência igual ou superior a 10 (Tabela 5):

Houve associação significante apenas com o consumo de maconha. Os percentuais de utilização dessa substância foram mais elevados entre estudantes que informaram queixas referentes a Humor Depressivo, Dificuldades de Relacionamento Social e Espectro Suicida, em comparação aos que não apresentaram as mesmas queixas.

 

Discussão

Principais Queixas

Chama atenção o elevado percentual (78,7%) de entrevistados com queixas que sugerem a possibilidade de sintomatologia depressiva, como choro frequente, tristeza, baixa autoestima, sensação de vazio, desmotivação, sensação de inutilidade, dificuldades para dormir, sono excessivo, insegurança, pessimismo, desesperança, entre outras. Neste estudo, não foi realizada avaliação dos estudantes com fins de diagnóstico psicopatológico. Contudo, esse resultado sugere que a incidência de transtornos de natureza depressiva pode ser alta entre essa clientela. No Brasil e no exterior, estudos denotam elevadas prevalências de quadros de depressão entre universitários(1,3,9).

É possível também que essas queixas configurem-se em sinais ou manifestações, que podem ou não evoluir para quadro psicopatológico. O período de ingresso na universidade é uma fase da vida propícia ao aparecimento de sinais de alerta, também caracterizados como pródromos ou precursores de transtornos mentais(2,10). Pródromos são reações temporárias ao estresse e não sugerem, necessariamente, o adoecimento mental; contudo, sua detecção precoce e a imediata intervenção podem minimizar os riscos de evolução para psicopatologia(2).

O segundo maior percentual de queixas (43,6%) refere-se a problemas na área dos relacionamentos afetivos. Foram observados ainda elevados percentuais (38% ou mais) nas categorias Dificuldades em Relacionamento Familiar, Dificuldades em Relações Interpessoais em Geral, Dificuldades Acadêmicas e Ansiedade. Esse panorama é semelhante aos resultados de pesquisas brasileiras e estrangeiras, realizadas junto a serviços de assistência psicológica e/ou psiquiátrica a universitários(2,11).

Consumo de Substâncias Informado Pelos Entrevistados

O álcool foi a substância citada com mais frequência neste trabalho, o que é compatível com levantamentos epidemiológicos realizados entre universitários no Brasil e no exterior(6-7,12). A segunda substância mais citada foi a maconha, seguida pelo tabaco. Esse resultado difere de diversos levantamentos epidemiológicos brasileiros e estrangeiros, em que o tabaco tende a ser a segunda substância mencionada com mais frequência por universitários(6,13). Contudo, a amostra deste estudo foi composta exclusivamente por estudantes que buscaram o serviço de assistência psicológica, o que lhe confere características próprias e dificulta a comparação com outros estudos. O percentual de policonsumo aqui encontrado (33,9%) é semelhante ao que prevê a literatura no Brasil e no exterior(14-15). A predominância de policonsumo em estudantes do sexo masculino é também compatível com estudos epidemiológicos(12,15).

A Relação Entre o Número de Substâncias e as Categorias de Queixas Psicológicas

Foram apurados os percentuais de entrevistados que informaram consumir apenas uma substância e também os percentuais de policonsumo, dentre os que apresentaram queixas em cada categoria. O consumo de uma substância e também o policonsumo foram mais frequentes entre acadêmicos com queixas nas categorias "Dificuldades em Relacionamento Familiar" e "Dificuldades em Relacionamento Social", em comparação aos que não relataram as mesmas queixas. Possivelmente, a utilização de drogas seja uma estratégia de enfrentamento (coping) para o manejo de dificuldades na esfera interpessoal. A literatura sugere que a falta de destreza interpessoal é fortemente entrelaçada, simultaneamente, ao consumo de drogas e a quadros psicopatológicos, entre outros problemas(16). Esse resultado vai ao encontro da premissa de que demandas típicas dessa fase evolutiva podem tornar alguns estudantes vulneráveis à adoção de mecanismos não saudáveis de enfrentamento e, dentre estes, o consumo de drogas(2 5-7,10).

Prevalência de Consumo de Substâncias Segundo Categorias de Queixas Psicológicas

Foram identificadas e comparadas as prevalências de consumo de substâncias específicas entre universitários que apresentaram diferentes categorias de queixas psicológicas. Contudo, o número relativamente pequeno de estudantes que informaram o consumo de algumas substâncias e os reduzidos percentuais de relatos observados em algumas das categorias são fatores que dificultam o tratamento estatístico dos resultados e/ou inferências sobre a relação entre consumo de drogas e as queixas psicológicas como um todo. Assim, foram aqui analisadas apenas as prevalências de consumo de álcool, tabaco, maconha e cocaína entre estudantes que apresentaram queixas nas categorias Humor Depressivo, Dificuldades em Relacionamentos Afetivos, Dificuldades em Relacionamentos com Familiares, Dificuldades em Relacionamentos Interpessoais, Dificuldades Acadêmicas, Ansiedade, Espectro Suicida e Oscilações de Humor.

O consumo de maconha foi mais frequente entre acadêmicos que informaram Humor Depressivo, Dificuldades em Relacionamentos Interpessoais e Espectro Suicida, em comparação aos que não relataram queixas como essas. Não foi encontrada associação significante com as demais substâncias.

Quadros de natureza depressiva são associados ao uso de maconha(17-20). Há indícios de que a maconha pode aumentar o risco de depressão(18,20-21). Contudo, a natureza da associação entre consumo recreativo de cannabis e depressão não está esclarecida(18) e ainda não há consenso nesse sentido(17-22). Provavelmente, essa relação seja mediada por uma complexa interação de fatores. A iniciação precoce do consumo e seu uso regular podem aumentar o risco de aparecimento de estressores, como desemprego, dificuldades educacionais e envolvimento em crimes, entre outros, favorecendo o aparecimento de depressão(21). Por outro lado, há indícios de que a associação entre a maconha e o aparecimento de sintomas depressivos é condicional à composição genética individual(22) .

A maior prevalência de consumo de maconha observada em estudantes com queixas na categoria Espectro Suicida (em comparação aos que não relataram queixas dessa natureza) confirma parcialmente o que prevê a literatura. O consumo de álcool, tabaco e outras drogas é considerado fator de risco primordial para suicídio(23). A conduta suicida é caracterizada atualmente como um espectro ou continuum, envolvendo ideação, afetos e comportamentos que variam de ideias de morte até consumação do ato suicida(1,23) ; sendo os limites e riscos difíceis de precisar (1). Trata-se de um problema de saúde pública. A incidência de suicídio é particularmente preocupante em populações universitárias. Um número crescente de publicações vem abordando a associação entre o consumo de drogas (entre outras variáveis) e comportamentos do espectro suicida entre estudantes do ensino superior(1,24-25). Há indício de que entre adolescentes e adultos jovens que consomem cannabis há maior prevalência de pensamentos de natureza suicida, embora exista controvérsia nesse sentido(18). A relação entre maconha e queixas do espectro suicida aqui encontrada, se confirmada em estudos posteriores, sugere a necessidade de desenvolver pesquisas sobre os mecanismos subjacentes a essa associação. Considera-se, por exemplo, que um conjunto de aspectos como intoxicação crônica, sintomas de abstinência, transtornos de personalidade e de adaptação e, particularmente em adolescentes, a presença de transtornos emocionais, desenvolvimentais e do comportamento social, pode aumentar a vulnerabilidade para depressão e comportamentos do espectro suicida em usuários de cannabis (18).

A maior prevalência de consumo dessa substância, aqui encontrada entre estudantes com queixas de dificuldades na esfera dos relacionamentos interpessoais, vai ao encontro da literatura contemporânea sobre Habilidades Sociais. Deficit em habilidades sociais são considerados fatores de risco para problemas relacionados em consumo de drogas, especialmente em adolescentes. Por outro lado, há evidência de que o desenvolvimento de habilidades sociais pode ser fator de proteção para o aparecimento do problema. Entre adolescentes, deficit em facetas específicas do repertório de habilidades são relacionados ao consumo de maconha(16,26-27). Em pesquisa com adolescentes, usuários de maconha apresentaram mais deficit em habilidades sociais, aspectos cognitivos, sintomas de ansiedade e depressão, em comparação a não usuários(26). Ainda há controvérsia, no entanto, quanto à associação entre consumo maconha e repertório de habilidades sociais em diferentes grupos populacionais. Em estudo recente realizado com pacientes atendidos em um Centro de Atenção Psicossocial – Alcool e Drogas (CAPS-AD), por exemplo, não foi encontrada associação entre o envolvimento com maconha e deficit em habilidades sociais(28). Os autores reconhecem como limitação do estudo a ausência de avaliação sobre a influência das habilidades sociais nos casos em que há o policonsumo de substâncias e enfatizam a importância de mais estudos sobre o assunto(28). É importante destacar que no presente trabalho foi encontrada associação entre o número de substâncias utilizadas pelos entrevistados e presença de queixas relacionadas a dificuldades interpessoais.

Os resultados aqui encontrados levam a crer que as dificuldades interpessoais sejam entrelaçadas, de forma complexa e sinergística, com os sintomas de humor depressivo e as queixas do espectro suicida, informadas pelos entrevistados. Possivelmente, para muitos estudantes, o consumo de maconha seja uma estratégia para minimização do sofrimento psíquico associado a situações de interação social e/ou a afetos de natureza depressiva. Pesquisa com universitários no México demonstrou que estudantes do sexo feminino, com antecedentes de violência doméstica física e verbal e que consomem tabaco e outras drogas, são os mais vulneráveis à conduta suicida(25). Supõe-se que o papel da violência verbal durante situações interpessoais vem sendo subestimado em estudos epidemiológicos sobre suicídio. A percepção de violência verbal sob a forma de ofensas, desqualificações, indução de culpa, críticas, por si só, incide diretamente em baixa autoestima dos menores, resultando em condutas autodestrutivas(25). Pesquisas com adolescentes e/ou adultos jovens também revelam associação entre conflitos e/ou violência familiar, conduta suicida e psicopatologias (23,29).

O conjunto desses dados sugere a necessidade de oferecer intervenções preventivas e/ou terapêuticas que tenham como componente estratégias destinadas a promover melhorias no funcionamento social dos acadêmicos. Possivelmente, ações dessa natureza minimizem o risco de adoção de estratégias não saudáveis de enfrentamento, como consumo de maconha, entre outras.

 

Considerações Finais

Neste estudo, as prevalências de consumo de maconha foram mais elevadas em estudantes com queixas de humor depressivo, dificuldades em relacionamentos interpessoais e relatos de histórico de tentativa de suicídio e/ou ideação suicida, em comparação a acadêmicos sem as mesmas queixas. Possivelmente, as dificuldades no manejo de situações interpessoais estejam atreladas, simultaneamente, ao consumo de maconha e ao aparecimento de sinais de alerta / pródromos de transtornos depressivos e de comportamentos do Espectro Suicida. Isto leva a crer que universitários com essas características representam um grupo vulnerável ao sofrimento psíquico e que necessita, portanto, de assistência na área de saúde mental.

Os elevados percentuais de estudantes com queixas no âmbito interpessoal sugerem a necessidade de ações de natureza preventiva, incluindo intervenções destinadas a promover melhorias no funcionamento social. Programas de intervenção multidisciplinares, envolvendo as áreas de Psicologia, Enfermagem, Saúde Mental, Terapia Ocupacional e áreas afins, poderiam contribuir para a prevenção de comportamentos de risco e promoção da qualidade de vida de populações universitárias.

Cabe ressaltar as limitações deste estudo. O tamanho amostral relativamente pequeno inviabilizou a descrição das características de alunos provenientes de cursos de graduação e de pós-graduação, separadamente. Não foi realizada descrição comparativa entre os sexos, com relação à incidência de consumo de drogas, segundo as queixas psicológicas. Também não foi realizada análise sobre a incidência do consumo combinado de substâncias (como álcool x tabaco; álcool x maconha; tabaco x maconha) separadamente, segundo as categorias de queixas. Esses fatores dificultam a comparação com outras pesquisas. Novos estudos, com maior tamanho amostral, poderiam contribuir para a compreensão do assunto.

 

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Recebido: 21.09.2017
Aceito: 03.08.2018

Autor de correspondência:
Regina de Cassia Rondina
E-mail: rcassiar@marilia.unesp.br
 https://orcid.org/0000-0002-0588-8120

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