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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

On-line version ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.14 no.3 Ribeirão Preto Jul./Sept. 2018

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.152064 

EDITORIAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.152064

 

O que aprendemos sobre implementação das Intervenções Breves na América Latina?

 

 

Telmo Mota Ronzani

Editor-Chefe da Revista Psicologia em Pesquisa, Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil, Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq.
E-mail: telmo.ronzani@ufjf.edu.br
 https://orcid.org/0000-0002-8927-5793

 

 

Desde a década de 80, as intervenções breves (IB) para o uso de álcool e outras drogas começaram a ser desenvolvidas, implementadas e avaliadas nos Estudos Unidos e alguns países da Europa(1). Com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), houve um investimento em pesquisas com diferentes desenhos metodológicos ou enfoques, com o intuito de analisar se tais ações apresentariam eficácia ou efetividade em comparação a outras intervenções mais longas e com maiores custos de implementação. Após algumas evidências iniciais, investiram-se em ações de disseminação de tais práticas em vários países, como uma ação de cunho preventivo, a partir do conceito de uso de risco ou nocivo e que ultrapassasse o foco remediativo ou da dependência, como entidades nosológicas estanques(2).

Portanto, para além do enfoque em saúde mental ou das especialidades das dependências, as IB são inseridas a partir das ciências da prevenção e, especialmente no contexto da saúde pública, sendo, antes de mais nada, uma ação de educação para saúde(3). Nessa perspectiva, a Atenção Primária à Saúde (APS) é considerada como nível estratégico. A ideia central é que, juntamente com a disseminação de instrumentos de rastreamento, a IB fosse incorporada como rotina de ações de prevenção e educação em saúde nos diferentes serviços, tais como as realizadas para outras condições crônicas de saúde(4). Porém, já nos estudos iniciais realizados nos países do hemisfério norte, algumas barreiras já foram sendo encontradas, em especial as atitudes negativas de profissionais e gestores para lidar com o tema e questões de organização racionalidade dos serviços para se inserir tais temas(1,5).

Apesar das dificuldades iniciais, principalmente a partir dos anos 2000, por influência da OMS, países da América Latina iniciaram projetos de implementação da IB em serviços de APS, especialmente Brasil(3), Chile(6) e México(7). Alguns resultados em relação a barreiras para implementação foram semelhantes a outros países tais como atitudes negativas, falta de tempo e falta de conhecimento dos profissionais para a lidar com o tema. Porém, algumas especificidades da região foram encontradas, tais como a baixa cobertura de serviços públicos para tratamento, falta de articulação da rede de atenção à saúde, falta de estrutura física dos serviços(8) e, principalmente, em função das questões de maior vulnerabilidade e desigualdade social nos países latino-americanos, a necessidade e o desafio de incorporar as ações de IB em outros setores como a assistência social, educação e segurança pública(9). Soma-se a esses fatores, o problema de como tais países incorporaram a IB de forma procedimental, baseado na realidade de outros países, que apresentam questões epidemiológicas, culturais, estruturais e organizacionais diversas dos países do hemisfério sul.

Em relação às evidências produzidas sobre a IB, dados de revisão sistemática, com ou sem metanálise, demonstram que esta intervenção não se diferia em termos de eficácia e efetividade de outras abordagens mais longas e ainda apresentavam melhor relação custo-efetividade(10-11). Apesar desses resultados iniciais, alguns dados demonstram que a IB apresenta uma limitação de efeito, havendo uma perda de resultados após alguns meses de sua aplicação(12).

A partir de tais resultados e após um primeiro momento de grande investimento de pesquisas e capacitações e extrapolação da IB para outros níveis de atenção ou setores, mais recentemente, algumas críticas e necessidade de se repensar a implementação da IB começam a ganhar força. Inicialmente há uma crítica em se pensar em tal ação como solução mágica para os problemas de drogas. Em segundo lugar, discute-se a necessidade de se repensar tais ações para além de uma prática meramente procedimental e que seja de fato incorporada a ações em saúde, de forma mais compreensiva e adaptada aos diferentes contextos e realidades e que haja uma articulação efetiva da rede de atenção aos usuários(13). Por último, questiona-se a produção das evidências em função de problemas metodológicos ou de medidas de desfechos que levam a conclusões limitadas sobre a efetividade da IB para diferentes substâncias e diferentes contextos. Nesse sentido, chama atenção a revisão recente de McCambridge e Saitz(14), onde problematizam a generalização das evidências sobre a IB para diversas drogas e contextos, discutindo-se a escassez de evidências e de estudos mais conclusivos e a grande variação de definição de IBs, tanto em termos de conteúdo, como frequência e intensidade das intervenções estudadas, gerando uma "Caixa Preta" que dificulta definir de maneira mais rigorosa as evidências na área. Na América Latina, a caracterização das evidências tendem a ser semelhantes, pois há uma concentração de estudos no Brasil e México, maior ênfase em avaliação de processo em detrimento a estudos de eficácia e efetividade, maior número de estudos realizados na APS, com amostras pequenas, predominância de estudos sobre uso de álcool e também uma grande variação em termos de conceituação ou práticas realizadas e que são chamadas de IB(15).

Portanto, a perspectiva atual em relação às IBs se refere à maior cautela em termos de sua implementação, em função da falta de evidência para determinadas populações e substâncias e também a necessidade de maior consistência conceitual. Soma-se a isso a necessidade de uma implementação mais compreensiva e culturalmente adaptável(15).

Especificamente para a América Latina, para além das dificuldades para sua implementação e para a falta de evidências na área, ressalta-se uma possível perspectiva em nossa região. Existe uma discussão atual de que é necessário pensarmos a IB não meramente uma técnica e que ultrapassemos as ações demasiadamente estruturadas e com questionários para fazermos uma readaptação para o que há de maior potencial em nossos países, que é o trabalho de base comunitário(13). Nesse sentido, existem várias experiências desenvolvidas nos diferentes países, no campo da saúde comunitária que poderiam assimilar alguns princípios e ações baseadas na IB que potenciariam os trabalhos no campo de álcool e outras drogas(13). Nesse aspecto, torna-se importante se pensar em ações e metodologias de ação e investigação que sejam mais adequadamente coerentes com nossas práticas em saúde e com a realidade sociocultural dos países. Obviamente, isso promoverá um novo desafio e formas de produção de evidências e conhecimento que também estejam de acordo com essas ações.

Enfim, depois de alguns anos de pesquisas, capacitações e implementações da IB, encontramo-nos numa fase de avaliação crítica do que realizamos ou pesquisamos e chama atenção para a necessidade de adaptarmos essa ação em saúde que nos parece ser importante, mas que tem limite de ação e que necessita ser repensada, com mais e diferentes evidências para avançarmos na área e que, principalmente, sejam considerados nossos contextos sociais, para além de uma mera transferência tecnológica desenvolvida em outros países e com outras realidades.

 

Referências

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2. Babor TF, Higgins-Biddle JC. Brief Intervention for Hazardous and Harmful Drinking: a Manual for use in Primary Care. Geneva: World Health Organization; 2001.         [ Links ]

3. Ronzani TM, Ribeiro MS, Amaral MB, Formigoni MLOS. Implantação de rotinas de rastreamento do uso de risco de álcool e de uma intervenção breve na atenção primária à saúde: dificuldades a serem superadas. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2005; 21(3):852-861.         [ Links ]

4. Souza ICW, Ronzani TM. Álcool e Drogas na Atenção Primária: Avaliando Estratégias de Capacitação. Psicologia em Estudo. Maringá. 2012; 17(2):237-246.         [ Links ]

5. Bien, TH, Miller WR, Tonigan JS. Brief interventions for alcohol problems: a review. Nova York. Addiction. 1993; 88(3):315-336.         [ Links ]

6. Cárdenas PN. Intervenciones breves para reducir el consumo de alcohol de riesgo: guía técnica para Atención Primaria de Salud. Santiago de Chile: Ministerio de La salud de Chile; 2001.         [ Links ]

7. Medina-Mora ME, García-Téllez I, Cortina D, Orozco R, Robles R, Vázquez-Pérez L, Real T, Chisholm D. Estudio de costo-efectividad de intervenciones para prevenir el abuso de alcohol en México. Cidade do México.

Salud Mental. 2010; 33 (5):373-378.

8. Costa PHA, Mota DCB, Paiva FS, Ronzani TM. Desatando a trama das redes assistenciais sobre drogas: uma revisão narrativa da literatura. Rio de Janeiro. Ciência & Saúde Coletiva. 2015; 20(2): 395-406.         [ Links ]

9. Laport TJ, Junqueira LAP. A Intersetorialidade nas Políticas Públicas sobre Drogas. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ (Orgs.). Redes de Atenção aos Usuários de Drogas: políticas e práticas. São Paulo: Cortez; 2015. p. 67-84.         [ Links ]

10. Formigoni MLOS. A Intervenção Breve na Dependência de Drogas: a experiência brasileira. São Paulo: Contexto; 1992.         [ Links ]

11. McCambridge J, Cunningham JA. The early history of ideas on brief interventions for alcohol. Nova York. Addiction. 2014; 109(4):538-546.         [ Links ]

12. O’Donnell A, Anderson P, Newbury-Birch D, Schulte B, Schmidt C, Reimer J, Kaner E. The impact of brief alcohol interventions in primary healthcare: a systematic review of reviews. Oxford. Alcohol and Alcoholism. 2014; 49(1): 66-78.

13. Costa PHA, Mota DCB, Cruvinel E, Paiva FS, Ronzani TM. Metodologia de implementação de práticas preventivas ao uso de drogas na atenção primária latino-americana. Washington. Revista Panamericana de Salud Pública. 2013; 33(5):325-331.         [ Links ]

14. McCambridge J, Saitz R. Rethinking brief interventions for alcohol in general practice. London. BMJ. 2017; 356: j116.         [ Links ]

15. Ronzani TM, Mota DCB, Cruvinel E, Ferreira ML, Gomide HP, Mejía CF, Matínes JLV. Guide for the implementation and standardization of screening and brief intervention strategies in primary and community health care. Washington: CICAD; 2017.         [ Links ]

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