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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.14 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000400 

ARTIGO DE REVISÃO
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000400

 

Prevalência do consumo de substâncias psicotrópicas por motoristas de ônibus urbano: uma revisão sistemática*

 

Prevalencia del uso de estupefacientes entre conductores de autobuses urbanos: una revisión sistemática

 

 

Luciano Augusto da Silva BarbosaI; André Luiz Monezi AndradeII; Lúcio Garcia de OliveiraIII; Denise De MicheliIV

IUniversidade Paulista, Campus Cidade Universitária, São Paulo, SP, Brasil
IIPontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Campinas, SP, Brasil
IIIFaculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil
IVUniversidade Federal de São Paulo, Escola Paulista De Medicina, São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: investigar a prevalência do consumo de substâncias psicotrópicas por motoristas de ônibus urbano através da revisão de estudos publicados sobre o consumo de drogas por essa população e identificar a associação entre esse consumo e as variáveis sociodemográficas e ocupacionais inerentes à profissão.
MÉTODO: revisão sistemática de literatura utilizando as bases MEDLINE, LILACS, SciELO, EMBASE, PsycINFO e CAPES, utilizando-se os descritores: motoristas de ônibus, motoristas de ônibus urbano, uso de drogas e consumo de drogas, de julho a dezembro de 2015.
RESULTADOS: esses profissionais estão cotidianamente expostos a importantes fatores estressores ocupacionais e o consumo de drogas pode estar relacionado a uma estratégia negativa de enfrentamento do estresse. O uso de drogas entre esses profissionais é preocupante, bem como a evidente relação entre esse uso e a ocorrência de acidentes de trânsito.
CONCLUSÃO: estressores inerentes à profissão e respostas pouco eficazes ao estresse podem levar tais profissionais ao uso de substâncias psicotrópicas. Faz-se necessária a realização de estudos sobre a prevalência do consumo de drogas em uma amostra significativa de motoristas de ônibus urbano.

Descritores: Psicotrópicos; Epidemiologia. Revisão; Condução de Veículo.


RESUMEN

OBJETIVO: investigar la prevalencia del uso de sustancias psicotrópicas entre los conductores de autobuses urbanos mediante la revisión de los estudios publicados sobre el uso de drogas en esta población e identificar una asociación entre el consumo de dichas sustancias y las variables sociodemográficas y laborales inherentes a la profesión.
MÉTODO: revisión sistemática de la literatura utilizando las bases de datos MEDLINE, LILACS, SciELO, EMBASE, PsycINFO y CAPES, utilizando los descriptores: conductores de autobuses, conductores de autobús urbano, uso de drogas y consumo de drogas, de julio a diciembre de 2015.
RESULTADOS: estos profesionales están expuestos diariamente a factores estresantes importantes en el ámbito laboral y el uso de drogas puede constituir una estrategia negativa para hacer frente al estrés. El uso de drogas entre estos profesionales es preocupante, así como el vínculo claro entre el uso de dichas sustancias y la incidencia de accidentes de tránsito.
CONCLUSIÓN: los estresores inherentes a la profesión y las respuestas ineficaces al estrés pueden llevar a estos profesionales a usar sustancias psicotrópicas. Por lo que se hace necesaria la realización de estudios sobre la prevalencia del consumo de drogas en una muestra significativa de conductores de autobuses urbanos.

Descriptores: Psicotrópicos; Epidemiología; Revisión; Conducción de Automóvil.


 

 

Introdução

No Brasil, os acidentes de trânsito (AT) são a terceira maior causa de mortalidade(1), sendo a segunda causa mais frequente de internação por fatores externos, configurando-se, assim, em uma importante questão de saúde pública(2). O consumo de substâncias psicotrópicas por condutores de veículos está entre os fatores de risco de AT, figurando-se entre os fatores humanos na categoria "Debilidade e distração"(3). Muito embora os AT configurem a segunda maior causa de morte entre jovens, são raros os estudos sobre os custos relativos à associação do consumo de drogas ilícitas e direção de veículos no Brasil(4-5). Existem evidências robustas de que o uso de álcool e/ou outras drogas cause prejuízos no desempenho da condução segura de veículos, aumentando significativamente os riscos de AT(6). Esses acidentes, por sua vez, podem gerar graves consequências econômicas e sociais. Nesse sentido, diversos países têm estabelecido leis severas para a punição de motoristas flagrados conduzindo veículos sob o efeito de drogas(4). No Brasil, entretanto, apesar do Código de Trânsito Brasileiro prever punição ao consumo de drogas por condutores, as ações de fiscalização são voltadas a coibir exclusivamente o consumo de álcool, sem identificar efetivamente a intoxicação por outras drogas(5).

Os profissionais do transporte coletivo por ônibus estão sujeitos a inúmeros riscos à saúde física e mental, estando também mais expostos a AT com vítimas fatais e não fatais(7). Trata-se de uma categoria de extrema importância dada a responsabilidade coletiva de sua atividade, caracterizada pelo transporte diário de passageiros(8), de tal forma que qualquer alteração na saúde desse profissional pode ocasionar erros na condução e AT, afetando diretamente motoristas, passageiros e pedestres(9).

Nesse contexto, conhecer as características e particularidades desse trabalho é importante por permitir a compreensão sobre como alguns fatores – como o estresse –, que afetam diretamente a saúde física e mental do condutor, podem contribuir para o consumo abusivo de substâncias psicotrópicas entre eles.

O consumo de drogas apresenta estreita relação com contextos laborais(10) e, muito embora os riscos sociais decorrentes do abuso e dependência de drogas no trabalho sejam questões antigas, apenas recentemente esse fenômeno tem chamado a atenção de pesquisadores(11-12). Contudo, ainda são escassos estudos sobre o papel do trabalho na etiologia do abuso e dependência de drogas, a exemplo dos motoristas de caminhão que utilizam "rebites" para dirigir por longas horas sem a necessidade de dormir(11).

Apesar das condições inerentes ao trabalho dos motoristas de ônibus e suas consequências (tais como estresse, doenças cardiovasculares, osteomusculares e audiométricas) terem sido alvo de estudos nacionais, os estudos realizados com o objetivo de avaliar a prevalência do consumo de substâncias psicotrópicas, seus predisponentes e consequências entre estes profissionais, no Brasil, ainda são escassos. Some-se a isso que poucas profissões são tão estressantes quanto a de motoristas de ônibus urbano(13), logo o fator estresse (associado a fatores de vulnerabilidade) pode estar relacionado ao abuso/dependência de substâncias psicotrópicas por esta população.

Diante desse cenário, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática de trabalhos já publicados sobre a prevalência do consumo de substâncias psicotrópicas por motoristas de ônibus urbano, assim como identificar a possível associação entre esse e as variáveis sociodemográficas e ocupacionais inerentes a essa profissão.

 

Método

A revisão da literatura foi realizada entre os meses de julho e dezembro de 2015 por meio de busca eletrônica nas seguintes bases de dados em saúde: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Excerpta Medica (EMBASE) PsycINFO e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A pesquisa foi complementada com a busca em "literatura cinzenta" (grey literature) na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e no banco de dados de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Soma-se a estas a consulta nas referências bibliográficas que compuseram os trabalhos levantados e selecionados nas bases de dados supramencionadas.

Para compor a estratégia de busca, os descritores e seus sinônimos, assim como os termos livres e palavras-chave, em língua portuguesa, espanhola e inglesa, motoristas de ônibus, motoristas de ônibus urbano, uso de drogas e consumo de drogas, foram utilizados isoladamente ou combinados entre si com o auxílio dos operadores booleanos AND e OR, aumentando a sensibilidade da busca.

Os critérios de inclusão foram: todos os estudos científicos de abordagem quantitativa e qualitativa, sem filtro ou limite cronológico de publicação, de disciplinas ligadas à área da saúde, oriundas de pesquisas exploratórias/descritivas, experimentais ou revisões sistemáticas e que apresentassem informações sobre a prevalência do consumo de drogas psicotrópicas por motoristas de ônibus urbano. Os critérios de exclusão foram: publicações em editoriais, notas, cartas, resumos, relatos de casos, comentários, artigos duplicados e estudos de metodologia obscura ou duvidosa.

Através dessa estratégia foram recuperados 741 estudos nas bases de dados eletrônicas acima descritas, além de 06 estudos identificados através de busca manual em outras fontes. Após a leitura do título, do resumo e exclusão das referências duplicadas, um total de 53 estudos foram selecionados para leitura integral. Posteriormente, outros 32 estudos foram excluídos por não corresponderem aos critérios de inclusão, restando um total de 21 pesquisas que investigaram o consumo de substâncias entre motoristas de ônibus urbano. Findada a seleção, a qualidade dos estudos selecionados foi avaliada segundo os critérios propostos por Boyle(14), sendo assim divididos nas categorias A (baixo risco de viés) e B (risco de viés moderado).

Os estudos selecionados foram realizados no Brasil (N=12)(9,15-25), no Peru (N=2)(26-27), na Índia (N=2)(28-29), na Turquia (N=1)(30), em Taiwan (N=1)(31), na Tailândia (N=1)(32), na Coreia do Sul (N=1)(33) e na Sérvia (N=1)(34). Dentre os 21 estudos selecionados, dois foram teses de doutorado(15-16) e duas dissertações de mestrado(9,17). O fluxograma a seguir (Figura 1) mostra o número de estudos selecionados e eliminados em cada uma das etapas.

 

Resultados

A seguir são listados os 21 estudos nacionais (Figura 2) e internacionais (Figura 3) levantados nesta revisão. Os mesmos foram qualificados de acordo com o seu nível de qualidade segundo os critérios de Boyle(14), local, sujeitos, desenho do estudo, instrumentos empregados, objetivos e fonte de pesquisa.

Em relação ao tamanho das amostras recrutadas nesses estudos, estas variaram de 38(17) a 1762(18) motoristas de ônibus urbano. Quanto à qualidade, apenas três estudos foram classificados na categoria A(16,24,27), indicando baixo risco de viés; os demais tinham risco de viés moderado (categoria B). Quanto ao desenho do estudo, apenas um não apresentou metodologia transversal, sendo definido como quase-experimental pela autora(17). No que se refere aos instrumentos, apenas um dos estudos fez uso de entrevista; os demais utilizaram algum tipo de questionário.

Nenhum dos estudos referiu o consumo de substâncias ilícitas entre os motoristas. Soma-se a isso que apenas um dos estudos internacionais(31) avaliou o consumo de benzodiazepínicos entre os motoristas entrevistados, além de álcool e tabaco, que variou de 4,6% a 8,3%, a depender do teste utilizado para detecção.

A prevalência do consumo de tabaco foi avaliada em 18 dos 21 estudos selecionados, variando de 14,2%(15) a 93%(28). No entanto, dentre os mencionados estudos, um deles(20) não apresentou a prevalência desse consumo. Com relação ao tabagismo, sua prevalência variou de 4%(9) a 18,9%(22).

O consumo de álcool foi avaliado em 16 dos 21 estudos, tendo sua prevalência variado de 5%(9) a 90%(22). Muito embora um dos estudos(30) afirmasse que cerca de metade da amostra fizesse consumo de álcool, não apresentou o número exato ou porcentagem de sujeitos que faziam uso dessa substância. Quanto à prevalência de alcoolismo, esta variou de 4,2%(20) e 68%(26).

 

Discussão

O baixo número de estudos recuperados reforça e atualiza a afirmação de Ponce e Leyton(4) de que a relação entre o consumo de drogas e AT ainda é um problema pouco explorado no Brasil. Apesar do maior número de estudos brasileiros em comparação aos demais países, são ainda escassos os estudos envolvendo motoristas de ônibus urbano, importantes atores da realidade cotidiana do trânsito brasileiro, principalmente nas grandes cidades. Há quase duas décadas, Souza e Silva(35) alertavam sobre a escassez de estudos brasileiros envolvendo trabalhadores de transporte urbano por ônibus, principalmente aqueles voltados ao estudo do consumo de drogas. Outro fato curioso é que nenhum dos estudos selecionados foi realizado em países desenvolvidos, indicando que o consumo de substâncias psicotrópicas por motorista de ônibus é ainda uma preocupação vigente de países em desenvolvimento.

No Brasil, apesar de haver uma legislação de trânsito rigorosa em relação aos motoristas que são flagrados dirigindo sob o efeito de substâncias psicotrópicas, as ações de fiscalização são voltadas unicamente para coibir o consumo de álcool entre os motoristas, sem qualquer efetividade na identificação de outras drogas(5,36), sejam elas lícitas ou ilícitas, psicotrópicas ou não. Nesse sentido, os resultados de um recente estudo conduzido por Pelição(5) sobre o consumo de drogas – além do álcool – entre vítimas de AT justificam a necessidade de revisão de tais ações fiscalizadoras por parte do poder público brasileiro. O referido estudo teve por objetivo investigar a presença de álcool e drogas ilícitas (cocaína, anfetaminas e cannabis) em 391 vítimas fatais de AT na região metropolitana de Vitória (ES). Neste, 44,8% das amostras apresentaram resultado positivo para o uso de substâncias psicotrópicas (álcool – 36,1%; cocaína – 12%; anfetaminas – 4,1%; maconha – 4,1%). Muito embora o álcool tenha sido a substância de maior prevalência de uso, chama atenção a presença de outras substâncias que, conforme alerta o autor, não são investigadas pelo poder público durante as fiscalizações de trânsito. Vale lembrar que o referido estudo apontou ainda que o álcool esteve associado a outras drogas em 9,2% das vítimas.

No tocante à análise da prevalência do consumo de substâncias psicotrópicas por motoristas de ônibus urbano, algumas características peculiares do exercício dessa profissão devem ser consideradas, principalmente em relação a seus fatores estressores. Estudo(17) envolvendo 52 motoristas de ônibus urbano de uma cidade do interior do estado de São Paulo, esses profissionais estão diariamente expostos a estressores crônicos, tais como exposição a assaltos e acidentes; mal humor e desrespeito de passageiros; ruído do motor; pontos de ônibus mal localizados; exposição ao calor; velocidade limitada; má conservação do asfalto; motoqueiros, ciclistas, demais condutores e pedestres que desrespeitam o trânsito; cumprimento de rígidas normas da empresa; fiscalização e advertência injustas; pressão para o cumprimento de horários; mudanças de linhas e horários; desvalorização profissional; a necessidade de ter que dirigir e cobrar a passagem, além de pouca iluminação para efetuar o troco. Além disso, apesar de possuírem uma rotina preestabelecida, os motoristas estão sujeitos a eventos inesperados e incontroláveis em seu cotidiano.

Ainda em relação aos estressores laborais, em um outro estudo(37), com o objetivo de investigar as condições de trabalho e saúde de 21 motoristas de transporte coletivo urbano da cidade de Florianópolis (SC), os sujeitos referiram que os estressores inerentes ao exercício de sua profissão estão ligados a condições fisiológicas, condições ambientais internas (ônibus), condições ambientais externas (trânsito), relacionamento interpessoal no trabalho, medo e sofrimento no trabalho e organização e controle do processo de trabalho.

Os mencionados fatores, aliados a estratégias de enfrentamento pouco eficazes, recursos pessoais limitados ou falta de apoio social podem influenciar negativamente a saúde do trabalhador, o relacionamento familiar e o desempenho profissional, favorecendo o desenvolvimento do estresse ou Burnout nesses profissionais(17). Entende-se, assim, que em situações de estresse sejam criadas estratégias de enfrentamento tanto positivas quanto negativas, sendo que o consumo de tabaco e a ingestão de bebidas alcoólicas podem ser uma das estratégias utilizadas para diminuir a tensão e atenuar o desconforto relacionado à profissão(17).

Através desta revisão, embora escassos, os estudos recuperados permitem alguns apontamentos sobre a prevalência do consumo de drogas psicotrópicas por motoristas de ônibus urbano. Foi possível constatar que dentre os 21 estudos, três internacionais(27-28,31) e três nacionais(16,20,24) tiveram como objetivo avaliar diretamente a prevalência do consumo de drogas entre os motoristas de ônibus urbano, sendo que as demais pesquisas avaliaram o consumo de forma indireta. Nesse sentido, estes buscavam avaliar, por exemplo, níveis de estresse, prevalência de hipertensão, condições de trabalho, dentre outros. Com exceção de um dos estudos que não especificou o tipo de questionário utilizado(28), os demais fizeram uso de questionários específicos para avaliação do uso de drogas: CAGE (sigla que resulta das palavras-chave contidas nas questões do teste: C: Cut-down; A: Annoyed; G: Guilt; E: Eye-opener)(20,27) , MAST (Michigan Alcoholism Screening Instrument for Teenagers) e DAST (Drug Abuse Screening Test)(31), AUDIT (Alcohol Use Disorders Test)(16) e CEBRID (questionário elaborado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas(24). Destaca-se que apenas um dos estudos(31) avaliou a ocorrência de outra droga além de álcool e tabaco, apresentando também o resultado do consumo de benzodiazepínicos na população estudada.

Observa-se que tanto o consumo de tabaco quanto o de álcool apresentaram grande variabilidade. Entre os estudos internacionais, a prevalência do uso de tabaco variou entre 36,1%(34) e 93%(28). Esse último se destaca por revelar que dentre os tabagistas, 26,8% fumavam de 5 a 20 cigarros/dia, 44,9% fumavam de 21-40 cigarros/dia e 22,9% fumavam mais de 40 cigarros/dia. No tocante ao álcool, a prevalência variou de 15,3%(31) a 86,3%(29). De acordo com esse último estudo, 13,7% dos entrevistados consumiam álcool diariamente. Já Ruiz-Grosso, Ramos, Samalvides, Vega-Dienstmaier e Kruger(27) mencionam que 67,7% de sua amostra de motoristas faziam uso abusivo de álcool, e a pesquisa de Shin, Lee CG, Song, Kim, Lee HS, Jung et al.(33) aponta que 25,4% dos motoristas avaliados eram bebedores de alto risco.

Em comparação aos estudos internacionais, tanto a prevalência quanto a variabilidade dos resultados foram menores entre os estudos nacionais. O uso de tabaco variou de 4%(9) a 31,4%(18). Quanto à prevalência do uso de álcool, este variou de 5%(9) a 90%(22). Nesse último estudo, 1,5% dos motoristas admitiu consumir bebidas alcoólicas diariamente e 8,5% semanalmente. Outra pesquisa apontou que 39,1% dos entrevistados tinham consumo de álcool de baixo risco(16), porém 10,9% deles faziam uso nocivo/abusivo, 13,8% faziam uso abusivo e 2,9% já seriam dependentes. Ademais, um estudo realizado por Gonçalves, Torres, Peixinho e Borges(25) revelou que 65% dos sujeitos avaliados consumiam mais de duas doses alcoólicas por vez de consumo.

É difícil comparar os resultados referentes à prevalência do consumo de substâncias psicotrópicas entre os estudos internacionais e nacionais pelo fato de não haver hegemonia entre os instrumentos utilizados, já que poucos utilizaram questionários validados e padronizados. Outro fator que contribui para a grande variabilidade da prevalência diz respeito a não padronização dos estudos em relação ao uso de álcool, tabaco ou de benzodiazepínicos, uma vez que pode haver estudos que medem o uso dessas substâncias na vida – experimental –, outros no ano e ainda no mês, o que gera um viés de comparação de resultados. Soma-se a isso que o alto risco de viés da maioria dos estudos recuperados concorre para dificultar tal comparação.

Cabe mencionar ainda algumas limitações obser­vadas nos estudos selecionados por esta revisão. Nenhum deles avaliou o consumo de substâncias ilícitas entre os motoristas de ônibus urbano. Ademais, conforme já mencionado, apenas seis deles tiveram por objetivo avaliar o consumo de substâncias por essa população. Esse fato pode ter contribuído para a baixa qualidade da maioria dos trabalhos desta revisão, uma vez que não fizeram uso de uma amostragem, instrumentos e métodos estatísticos adequados, aumentando, desse modo, o risco de viés dos resultados.

Uma outra limitação a ser apontada diz respeito à grande variabilidade de resultados, que pode ser justificada pelo fato de a maioria destes estudos ter utilizado o questionário como instrumento de coleta de dados. Esse instrumento pode apresentar erros de medição, configurando-se em uma importante fonte de viés, uma vez que se corre o risco de que os motoristas forneçam apenas respostas socialmente aceitas durante a entrevista, o que resultaria em uma prevalência de consumo subestimada ao que acontece na realidade(17). Outro erro de medição pode se dar devido à posição em que a pergunta está disposta e é apresentada ao sujeito da pesquisa. Assim, perguntas idênticas ou muito semelhantes podem gerar resultados completamente diferentes dependendo de sua posição no questionário e/ou do assunto tratado(38). Complementa tal argumento o fato de que uma pesquisa que utiliza o autorrelato em sua metodologia pode apresentar como dificuldades os seguintes fatos: (a) eventos encobertos levam a uma diferença entre o comportamento relatado pelo sujeito e seu comportamento real; (b) são relatados apenas os comportamentos socialmente aceitáveis; e (c) o sujeito apresenta dificuldades em compreender os itens do instrumento utilizado(39).

 

Conclusão

O motorista de ônibus urbano está exposto a importantes fatores estressores que podem influenciar negativamente sobre sua saúde e bem-estar, comprometendo ainda seus relacionamentos sociais e seu desempenho profissional. Os estressores inerentes ao exercício da profissão – que é considerada uma das mais insalubres –, acompanhados de respostas de enfrentamento pouco eficazes, podem levar os motoristas a fazer uso de substâncias psicotrópicas como uma das estratégias negativas de enfrentamento. A preocupação não está relacionada somente a uma maior exposição dos motoristas a um consumo abusivo/dependência de substâncias que pode causar danos à sua saúde física e mental, mas principalmente à evidente relação entre consumo de drogas e AT, que envolvem potencialmente um maior número de vítimas e é considerada uma crescente questão de saúde pública mundial.

Entende-se, assim, que se faz necessária a realização de estudos sobre as condições de trabalho e saúde de uma amostra significativa de motoristas de ônibus urbano, de modo a sensibilizar a população sobre a premente necessidade da criação e/ou implementação de políticas públicas voltadas à melhoria do transporte público, das condições de trabalho e da qualidade de vida dos profissionais envolvidos, além da prevenção e fiscalização do consumo de drogas lícitas e ilícitas por condutores de veículos em geral.

 

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Recebido: 03.07.2017
Aceito: 21.08.2018

Autor de correspondência:
E-mail: andre.andrade@puc-campinas.edu.br
 https://orcid.org/0000-0003-0111-8935

 

 

* Artigo extraído de dissertação de mestrado "Prevalência do consumo de substâncias psicotrópicas por motoristas de ônibus urbano: uma revisão sistemática", apresentada à Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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