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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.15 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2019

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2019.000377 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.smad.2019.000377

 

Planejamento estratégico situacional em uma instituição psiquiátrica: contribuições e desafios

 

Planificación estratégica situacional en una institución psiquiátrica: contribuciones y desafios

 

 

Francisca Fabiana Fernandes LimaI; Nadyelle Elias Santos AlencarI; Márcia Astrês FernandesI; Elaine Cristina Carvalho MouraI; Fernando José Guedes da Silva-JúniorI

IUniversidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: aplicar o Planejamento Estratégico Situacional no serviço de enfermagem de uma instituição psiquiátrica.
MÉTODO: pesquisa-ação em um hospital psiquiátrico do Nordeste Brasileiro, no período de dezembro/2015 a junho/2016, com a participação de 34 profissionais de enfermagem. Realizadas entrevistas e reuniões, as quais foram gravadas, transcritas e procedida análise de conteúdo.
RESULTADOS: os problemas prioritários foram dimensionamento inadequado de pessoal, insegurança, falhas no gerenciamento de recursos materiais e déficit no cuidado integral prestado. Além disso, houve dificuldades para implementação - baixa governabilidade, comunicação deficiente e desmotivação profissional.
CONCLUSÃO:  o planejamento estratégico situacional é útil para o delineamento das ações em saúde mental e sua eficácia depende do  comprometimento dos atores envolvidos.

Descritores: Planejamento em Saúde; Saúde Mental; Hospitais Psiquiátricos; Serviço Hospitalar de Enfermagem.


RESUMEN

OBJETIVO: aplicar la planificación estratégica situacional en un servicio de enfermería de una institución psiquiátrica.
MÉTODO: investigación/acción en hospital psiquiátrico del nordeste brasileño, período entre diciembre de 2015 y junio de 2016, participación de 34 profesionales de enfermería. Realizadas las encuestas y las reuniones, que fueron registradas y transcritas, y se hizo análisis de contenido.
RESULTADOS: los problemas primeros fueron la dimensión insuficiente de personal, inseguridad, faltas en la gestión de los recursos materiales y el déficit en la atención integral proporcionada. Incluso, las dificultades para la aplicación- baja de gestión, mala comunicación y baja motivación profesional.
CONCLUSIÓN: planificación estratégica situacional es útil para la delineación de acciones en salud mental y su efectividad depende del compromiso de los actores ivolucrados.

Descriptores: Planificación en Salud; Salud Mental; Hospitales Psiquiátricos; Servicio de Enfermería en Hospital.


 

 

Introdução

Os movimentos de reforma psiquiátrica iniciaram-se na Europa em 1970 e repercutiram em outros países, sobretudo no Brasil, onde já existiam ideais reformistas liderados pela psiquiatra Nise da Silveira(1). Tais ações fortaleceram-se, a partir de 2001, com a criação da Lei nº 10.216, que propôs um novo modelo organizacional para os serviços psiquiátricos brasileiros e promoveu o redirecionamento da assistência, humanização do cuidado e reinserção social dos pacientes institucionalizados(2).

No Brasil, o processo de reforma representa um desafio para gestores, profissionais, usuários e sociedade, visto que o programa defendido pelos níveis superiores nem sempre é o vivenciado na prática diária da rede psicossocial. Os hospitais psiquiátricos ainda mantêm resquícios do modelo tradicional do cuidado, possuem deficiência na integração multiprofissional e, além disso, os profissionais revelam que o ambiente insalubre de trabalho, descrito pela presença de grades, enfermarias cheias, barulho e odor, geram frustração e limitam as práticas de saúde(3).

Neste contexto, apesar de a reforma psiquiátrica ter sido regulamentada no Brasil em 2001, a assistência em saúde mental ainda se encontra em adaptação à uma nova realidade. O processo de desinstitucionalização é relativamente recente, os hospitais psiquiátricos ainda apresentam elevadas taxas de ocupação e a assistência carece de organização(1). Ademais, por representar o maior contingente de trabalhadores nos hospitais, é importante estudar os desafios enfrentados pela equipe de enfermagem(4).

Desse modo, diante dos conflitos organizacionais e deficiências que permeiam a realidade do cuidado em saúde mental, a aplicação do Planejamento Estratégico Situacional (PES) torna-se uma opção viável na construção de soluções adequadas, pois baseia-se na eleição de problemas prioritários e construção coletiva de soluções(5). Contudo, todo processo de planejamento demanda tempo para correto diagnóstico situacional e seu sucesso depende da capacidade de articulação, motivação e liderança dos envolvidos(6).

Baseado no exposto, a presente pesquisa tem como objetivos: aplicar o PES no serviço de enfermagem de uma instituição psiquiátrica; discutir os problemas prioritários do serviço; e revelar as dificuldades na implementação do planejamento.

 

Método

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa do tipo pesquisa-ação(7). Este tipo de pesquisa pode seguir caminhos metodológicos diversos e valer-se de outras ferramentas metodológicas para operacionalizar o desenvolvimento do estudo(8). Nesse sentido, o PES norteou o percurso metodológico desta pesquisa. O PES é um método alternativo ao planejamento tradicional, concebido pelo chileno Carlos Mattus na década de 1970(9).

Esse método ocorre em quatro momentos clássicos (explicativo, normativo, estratégico e tático operacional)(9) e a sua operacionalização envolve 10 passos que abordam a definição dos atores, listagem de problemas, definição dos determinantes (causas e consequências), priorização dos determinantes e problemas, construção do plano de ação e análise da sua viabilidade, implementação/gerenciamento e contínua avaliação(10).

O estudo foi realizado em um hospital público psiquiátrico, referência estadual no cuidado a pacientes com transtornos mentais, localizado em uma capital do Nordeste Brasileiro. A instituição possui 160 leitos e oferece serviço ambulatorial, pronto atendimento e internação integral. Foram incluídos neste estudo profissionais efetivos da equipe de enfermagem lotados no referido hospital psiquiátrico por período igual ou superior a um ano, após tempo de adaptação profissional. Como critério de exclusão, não participaram da pesquisa aqueles que estavam em férias ou em afastamento, por qualquer razão, das suas atividades laborais.

A coleta de dados abrangeu todos os momentos do PES e ocorreu no período de dezembro de 2015 a junho de 2016. No momento explicativo, foram realizadas entrevistas com profissionais da equipe de enfermagem que permitiram o reconhecimento dos problemas institucionais e a caracterização dos participantes (sexo, idade, categoria profissional, tempo de trabalho na instituição e especialização/atualização em saúde mental). As entrevistas encerraram-se quando as informações obtidas responderam ao objetivo do estudo, com amostra final de 34 profissionais.

Da totalidade de participantes, de acordo com a disponibilidade, interesse e influência no serviço, nove profissionais (seis enfermeiras e três técnicas de enfermagem) representaram a equipe nos três momentos seguintes do PES. No momento normativo e estratégico, participaram da construção do plano de intervenções e análise da sua viabilidade e, no momento tático-operacional, do desenvolvimento das ações e avaliação dos resultados obtidos.

Neste contexto, todas as entrevistas e reuniões foram gravadas e imediatamente transcritas. Registraram-se os relatos dos participantes e dados acerca da aplicação do PES, desde a definição dos atores até a avaliação das intervenções. Tais registos foram interpretados com base no método de análise de conteúdo(11). Após análise dos dados, emergiram três categorias discursivas: "Do diagnóstico situacional à construção do plano de ação", "Planejamento em ação" e "Dificuldades enfrentadas na implementação das ações".

O estudo obteve  aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, sob o nº 1.252.857 , datado de 30 de setembro de 2015. Todos os preceitos éticos  da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados. O anonimato dos participantes foi garantido mediante a numeração por ordem de participação, de P-1 a P-34.

 

Resultados e discussão

Participaram da pesquisa 14 enfermeiros e 20 técnicos/auxiliares de enfermagem, com predomínio do sexo feminino, faixa etária compreendida entre 30 e 71 anos e tempo de trabalho na instituição de 1 a 42 anos. Ressalta-se que a maioria dos entrevistados trabalha há mais de 20 anos no hospital e afirma ter curso de atualização/especialização na área de saúde mental.

De acordo com a cronologia das ações, serão discutidos os principais resultados do estudo. Primeiramente, são apresentados os problemas prioritários do hospital psiquiátrico em questão e, em seguida, debatidas as intervenções propostas, a construção do plano de ação e as intervenções realizadas. Por último, serão debatidas as principais dificuldades enfrentadas durante todo o processo.

Na ocasião do primeiro momento do PES (o explicativo), os nove representantes da equipe participaram da análise situacional e eleição dos problemas prioritários do hospital (Figura 1).

 

 

Os problemas identificados pelos profissionais estão em conformidade com a literatura existente. Uma pesquisa realizada em um hospital psiquiátrico do Distrito Federal-Brasil também identificou deficiência na comunicação interprofissional, evidenciada pela dificuldade de trabalhar em equipe e pouca integração. Além disso, cita outros problemas: escassez de recursos, inexistência de uma rede de serviços psicossocial efetiva e manutenção da prática médica tradicional, com foco na produtividade(3).

A precária estrutura física, o fraco suporte de recursos materiais e humanos e a superlotação foram as principais dificuldades para atuação profissional na rede de atenção em saúde mental no Rio Grande do Norte-Brasil(12); e no Rio de Janeiro-Brasil, destacou-se a negligênica ao cuidado integral e a resistência dos profissionais mais antigos à proposta de mudanças(4).

Nesse contexto, mesmo após a introdução dos ideais reformistas, a prática da saúde mental no Brasil ainda se encontra vinculada a muitos problemas de ordem estrutural e ideológica. Entretanto, outros países elevaram a qualidade dos serviços psiquiátricos e revelam experiências exitosas. A exemplo disso, um estudo desenvolvido na Alemanha comparou a assistência em hospitais psiquiátricos nos anos de 1999 e 2011, e apontou melhorias quanto à capacidade de oferecer proteção, com redução da sua associação aos tratamentos repressores e desumanos(13).

Conforme exposto, a realidade dos hospitais psiquiátricos brasileiros é marcada por problemas heterogêneos e, por isso, é importante priorizá-los a fim direcionar o planejamento de mudanças. Assim, no que se refere ao planejamento, após a definição dos problemas, estes foram priorizados segundo os critérios de governabilidade, urgência, importância, enfrentamento e vontade(10).

Desta forma, foram eleitos quatro problemas prioritários: dimensionamento de pessoal de enfermagem inadequado, insegurança em relação à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, falhas no controle/distribuição de recursos materiais e negligência ao cuidado integral. Para finalizar o primeiro momento do PES, os determinantes (causas e consequências) de cada um dos quatro problemas foram definidos e priorizados. Durante o segundo momento (normativo), foram propostas intervenções baseadas nos determinantes (Figura 2).

No momento estratégico, foi construído o plano de ação (resultados esperados, ações propostas, prazo, responsáveis, recursos necessários e viabilidade) e o último momento (tático-operacional), que envolve a intervenção e o contínuo monitoramento dos resultados, será discutido a seguir.

As ações implementadas basearam-se nos problemas relatados pelos participantes (P-1 a P-34). A primeira intervenção refere-se ao quantitativo de pessoal de enfermagem inadequado, o qual foi classificado como o principal problema do serviço.

Os profissionais afirmaram tentativas prévias de solucioná-lo e reforçaram as dificuldades de exercer uma assistência de qualidade diante do número reduzido de profissionais, o que também interfere na qualidade de vida do profissional e na sua vida social. [...]A gente tem um funcionário pra cinquenta pacientes (P-23); [...]O dimensionamento de enfermagem não existe, o Conselho Regional de Enfermagem é ciente, a diretoria técnica é ciente, já foi solicitado mais profissionais e nós estamos esperando até hoje (P-1); [...]Traz muitas consequências, cansaço, estresse, mal-estar, a gente muitas vezes trata a família em casa ruim, por conta do estresse (P-20).

A enfermagem representa a maior categoria profissional nos hospitais e, por desenvolver ações de cuidado vital para pacientes, depara-se com situações estressantes no ambiente de trabalho que refletem na sua própria saúde. Nesse sentido, um estudo indiano envolveu 693 enfermeiros de 33 instituições de saúde e apontou que os conflitos no ambiente de trabalho, decorrente das demandas assistenciais e gerenciais, interferem negativamente nas relações familiares do enfermeiro(14).

Por outro lado, um estudo desenvolvido no nordeste brasileiro mostra dados discordantes, já que profissionais lotados em serviços de saúde mental revelaram baixo nível de sobrecarga, com maior impacto no trabalho para os profissionais de cargo médio/fundamental, com faixa etária de 25 a 39 anos e com menor tempo de atuação(15).

Na realidade estudada, o desgaste físico e psíquico dos entrevistados foi relacionado ao dimensionamento de pessoal inadequado e à elevada carga horária de trabalho. Nesta perspectiva, o dimensionamento foi o ponto chave da discussão, pois é causa direta ou indireta de outros problemas identificados. Com o número reduzido de profissionais, observa-se sobrecarga de trabalho, presenteísmo, estresse e insatisfação profissional, o que limita a qualidade e sistematização da assistência de enfermagem (SAE). [...]A qualidade da assistência também está atrelada aos recursos humanos porque, com pouco funcionário, como vai ser realizada uma assistência de qualidade? (P-34); [...]As consequências maiores são para o próprio paciente porque muitos pacientes cuidados por uma só pessoa, ele não está sendo cuidado, está sendo olhado, né? (P-3).

O gerenciamento inadequado de recursos humanos também foi considerado fator limitante das práticas organizadas em saúde por um estudo realizado com 32 enfermeiros, em três hospitais de Minas Gerais-Brasil. O dimensionamento adequado foi descrito como o primeiro passo no processo de mudanças, isso porque a escala reduzida afeta a qualidade do cuidado prestado, limita a SAE e gera desleixo no exercício profissional(16).

Diante do primeiro problema exposto (número reduzido de profissionais), realizou-se o cálculo de dimensionamento que, segundo a equipe, já fora realizado outras vezes, o qual foi apresentado à diretoria da instituição e encaminhado ao Conselho Regional de Enfermagem. O hospital possui 160 leitos, com taxa de ocupação média de 87,13%. A equipe de enfermagem é composta por 19 enfermeiros e 62 técnicos/auxiliares, com carga horária semanal de trabalho de 30 horas.

De acordo com a Portaria GM N° 251/2002(17), que estabelece diretrizes e normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, o dimensionamento atual do hospital em questão possui déficit de 16 enfermeiros (46%) e 50 técnicos/auxiliares (45%).

É válido ressaltar que este é um macroproblema, envolve a ação de entidades governamentais e demanda recursos financeiros, aquém da governabilidade dos atores envolvidos neste planejamento. O relatório construído foi considerado uma ferramenta importante no embasamento teórico para fazer valer a lei.

 O mesmo ocorre em relação à falta de pessoal de segurança capacitado para atuar nos setores que prestam assistência a pacientes com transtorno mental em conflito com a lei (segundo problema prioritário). Isso porque, desde o fechamento do hospital de custódia do estado, o referido hospital psiquiátrico passou a receber elevada demanda do sistema prisional e, com isso, a (in)segurança passou a ser ponto de discussão.[...]O problema é sério e ficam tratando como se fosse simples, mas não é simples, tanto que já tivemos caso de paciente que foi assassinado por outro aqui dentro e, por coincidência, o paciente que assassinou era da justiça e o outro não. Aqui o pessoal que faz a segurança não tem o poder de polícia, não foram preparados para isso. (P-32)

As instituições que prestam assistência a pacientes com transtorno mental em conflito com a lei devem contar com agentes penitenciários ou guardas(18). Por outro lado, no hospital em estudo, observa-se desvio de funções, pois são os profissionais que prestam serviços gerais que ficam responsáveis pela segurança do setor. O problema foi apresentado à diretoria do hospital que revelou outra visão do problema, ao considerar que existe preconceito do profissional em relação aos pacientes advindos do sistema prisional, já que incidentes podem ocorrer com qualquer paciente psiquiátrico.

Dados reforçam a ideia de que há receio no cuidado ao paciente psiquiátrico, já que o temor de ser agredido foi considerado o aspecto que mais impacta o trabalho em saúde mental. Tal receio é mais comum entre os profissionais de nível médio/fundamental e acentua-se nos primeiros anos de atuação na área(15).

Em relação à falha no controle e distribuição de recursos materiais no setor de lavanderia/rouparia/zeladoria (terceiro problema), baseado nas falas dos profissionais, identificou-se déficit na comunicação entre os diferentes setores e embate na definição das responsabilidades de cada profissional no contexto hospitalar. [...]O pessoal da noite se queixa de pouco lençol... só existe um lençol à noite e durante o dia não tem. (P-18); [...]Não existe falta de materiais, o problema é da distribuição. Porque o funcionário do setor não quer ir lá buscar porque acha que não é sua função. (P-28).

Todo exercício profissional é norteado por direitos e deveres e, no contexto institucional, os gestores podem intervir na formalização das responsabilidades de cada profissão.  A comunicação é, portanto, fundamental neste processo. Seja por meios verbais ou não verbais, comunicar-se de forma efetiva é uma habilidade que norteia a boa prática profissional e enriquece o relacionamento multidisciplinar(19).

Como ação em curto prazo, estimulou-se a comunicação não verbal por meio da proposta de uma ficha para controle e registro dos itens dispensados diariamente que, apesar da resistência inicial, encontra-se em uso. Nota-se que, no hospital, não existem documentos que determinem as responsabilidades de cada profissional. Além disso, foram confeccionados organizadores para as pacientes do setor feminino, como projeto piloto, no intuito de estimular o controle individual dos itens de higiene e a autonomia das pacientes.

As estratégias foram definidas em acordo com as características da instituição, seus profissionais e usuários. Entretanto, a tentativa de mudanças revelou problemas quanto à falta de comprometimento e resistência a mudanças por parte dos funcionários. Diante de situação como esta, o profissional enfermeiro deve ser capaz de intervir frente às dificuldades e exercer os conhecimentos bem como as habilidades e atitudes inerentes à profissão, que o tornam um gerenciador em potencial(20).

Quanto às falhas no cuidado integral ao paciente (quarto problema prioritário), identificou-se a necessidade da realização de cursos de aperfeiçoamento e atualização em saúde mental. [...]Devia ter uma reciclagem mesmo, preparar profissionais para trabalhar com eles, porque eles são sensíveis e estão aqui para receber atenção, principalmente da enfermagem. (P-6); [...]O que precisa em um hospital psiquiátrico é a assistência maior com os pacientes, fazer grupos, atividade direcionada [...]e a gente vê que aqui eles dão só a medicação, não tem uma assistência de verdade. (P-24).

Diante da escassez de cursos para atualização profissional e falhas na atenção integral ao paciente, foram realizadas palestras educativas e desenvolvidas atividades no intuito de estimular a sensibilização dos profissionais quanto à importância da integralidade do cuidado. Constatou-se que a mudança de comportamento do profissional é lenta e, na situação estudada, a desmotivação, o déficit de profissionais e a inexistência de um núcleo de educação limitam esse processo.

No mesmo sentido, um estudo realizado no estado do Paraná-Brasil, com 13 enfermeiros, destacou que os principais obstáculos enfrentados na adoção de estratégias educativas são: o pouco comprometimento profissional, escassez de recursos humanos, financeiros e físicos, bem como a falta de apoio da gestão(21).

No que concerne às dificuldades na implementação do PES, na literatura internacional, a análise de planejamentos estratégicos não sucedidos permitiu a identificação de quatro situações que tornam o processo de planejamento ineficaz: iniciar o processo sem planejamento, realizar planejamento sem plano, planejar e não executar, e executar ações que não produzem impacto (6).

Na presente pesquisa, não houve a ocorrência das situações supramencionadas, visto que foram seguidos todos os passos do PES e cumpridas as intervenções propostas, com resultados satisfatórios. No entanto, outras dificuldades foram encontradas, tais como: baixa governabilidade dos atores diante de alguns dos problemas, falta de apoio da gestão, falhas na comunicação interprofissional e desmotivação dos profissionais diante da realidade da instituição. [...] Eu vejo como falta de interesse da própria administração do hospital, é tanto que eu acho que os problemas são vistos, mas não querem resolver. Porque problema aqui tem demais. (P-12); [...] Eu estou percebendo desestímulo dos funcionários com relação à assistência, não sei se é cansaço...porque eles estão trabalhando o extra do extra. (P-24).

Por atuarem há muito tempo na instituição, a maioria dos entrevistados mostrou-se desacreditada diante das mudanças propostas. Observou-se inércia dos profissionais que, diante de uma realidade tida como imutável, manifestaram pouca esperança de mudanças. Tal desmotivação afeta a entrega dos profissionais à instituição e, por consequência, limita a qualidade do cuidado oferecido. [...] Eu já estou com vinte e oitos anos aqui, já quero aposentar, chega uma hora que cansa. Vemos os problemas, mas não temos mais aquela força, aquele gás pra começar tudo. (P-24); [...] Eu já pedi minha transferência daqui três vezes e ninguém me dá...você chega também a impugnar o lugar que você trabalha, porque é insalubre você trabalhar num lugar desse jeito. (P-12).

Em acordo aos resultados encontrados, uma pesquisa realizada na Suíça, com 1647 enfermeiros, abordou a satisfação no trabalho e inferiu que vários fatores influenciam a insatisfação no exercício profissional da enfermagem. Dentre eles, a baixa remuneração e as condições insalubres contribuem para falta de motivação e, até mesmo, desejo em mudar de local de trabalho(22).

Por outro lado, as ações implementadas surtiram efeitos positivos ao estimular a discussão coletiva acerca dos problemas prioritários do hospital e por incentivar o empoderamento dos profissionais no processo de mudanças. [...] É importante roda de conversa com o servidor (profissional), pra que eles também apontem as dificuldades, os problemas, procurar soluções. (P-30).

O contexto da reforma psiquiátrica brasileira é marcado pela dúvida da desinstitucionalização. No estado do Piauí-Brasil, o hospital psiquiátrico continua a ser o centro de referência ao atendimento de urgência e emergência em saúde mental, o número de leitos psiquiátricos em hospitais gerais é irrisório frente à demanda e o foco da formação profissional em saúde mental continua a ser o hospital psiquiátrico. Assim, diante da redução de recursos destinados aos hospitais psiquiátricos e das fracas estratégias substitutivas, observa-se sua precária manutenção diante de uma rede psicossocial totalmente dependente dos seus serviços(23).

Baseado no exposto, o problema central enfrentado pelo serviço de enfermagem do hospital psiquiátrico foi o déficit de profissionais, que representa um obstáculo para a assistência, sobrecarrega o profissional, afeta a sua qualidade de vida e gera insatisfação no trabalho. Ademais, ressalta-se que a desinstitucionalização representa um avanço para o cuidado em saúde mental, principalmente no que concerne à reinserção do usuário à sociedade. Entretanto, enquanto não houver meios adequados à essa estratégia, os hospitais psiquiátricos continuarão a oferecer cuidados em saúde mental e, portanto, devem dispor de mecanismos suficientes para ofertar assistência adequada aos pacientes.

 

Conclusão

O Planejamento Estratégico Situacional é útil na resolução de problemas por meio do delineamento de ações estratégicas; entretanto, sua eficácia depende do grau de comprometimento dos participantes.

A aplicação desta ferramenta revelou os quatro problemas prioritários do serviço de enfermagem do hospital psiquiátrico, permitiu a formulação de metas compartilhadas e o delineamento de ações específicas. Todas as intervenções foram cumpridas; entretanto, implementar uma metodologia participativa revela dificuldades na integração e empenho dos atores envolvidos neste processo.

A pesquisa teve como limitações: o curto período disponível para a implementação das ações, baixo poder de governabilidade frente alguns problemas e desmotivação, por parte dos profissionais, frente à realidade vivenciada, com baixa expectativa de mudanças.

Espera-se que este estudo contribua para a literatura científica existente e incentive o desenvolvimento de novos estudos que abordem o planejamento estratégico situacional, sobretudo no contexto das ações em saúde mental. Ressalta-se que, apesar de este estudo restringir-se aos profissionais da equipe de enfermagem, o PES é uma ferramenta flexível que pode ser adaptada aos diversos serviços de saúde e, inclusive, envolver toda uma instituição. 

 

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Recebido: 10.03.2017
Aceito: 07.12.2018

Autor correspondente:
Márcia Astrês Fernandes
E-mail: m.astres@ufpi.edu.br
https://orcid.org/0000-0001-9781-0752 https://orcid.org/0000-0001-9781-0752

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