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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.15 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2019.151701 

ARTIGO ORIGINAL

 

O uso de bebida alcoólica entre gestantes adolescentes

 

El uso de bebidas alcohólicas entre las adolescentes embarazadas

 

 

Tarcila Cristina Rodrigues CândidoI; Gabriela Coutinho FerreiraII; Denis da Silva MoreiraIII; Bárbara Oliveira Prado SousaIV; Samara Macedo CordeiroV; Evellin Ribeiro AlfredoVI; Adriana Olimpia Barbosa FelipeVII

I
II
IIIUniversidade Federal de Alfenas, Alfenas, MG, Brasil
IV
V
VI
VIIUniversidade Federal de Alfenas, Alfenas, MG, Brasil

Autor Correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: identificar o consumo de bebida alcoólica entre as adolescentes gestantes.
MÉTODO: estudo de abordagem quantitativa, descritiva e de corte transversal. Os participantes foram 27 adolescentes gestantes adscritas nas Estratégia de Saúde da Família.
RESULTADOS: constatou-se que 54% referiram fazer uso de bebida alcoólica nos últimos 12 meses e 7,4% apresentavam chance de ter diagnóstico de dependência alcoólica. Das 5 participantes que relataram ser a segunda gestação, 80% afirmaram ter utilizado álcool na gravidez anterior. Identificou-se que em relação de risco sobre o padrão de consumo de álcool 81,4% se enquadram na zona I, 14,8% na zona II e 7,4% na zona IV.
CONCLUSÃO: reafirma-se a necessidade de ações de prevenção do uso de álcool na gestação e a relevância do papel do enfermeiro no acompanhamento integral durante o pré-natal.

Descritores: Adolescente; Bebidas Alcoólicas; Gestantes; Enfermagem.


RESUMEN

OBJETIVO: identificar el consumo de alcohol entre adolescentes embarazadas.
MÉTODO: estudio enfoque cuantitativo, descriptivo y transversal. Los participantes fueron 27 adolescentes embarazadas adscritas en la Estrategia Salud de la Familia.
RESULTADOS: se encontró que el 54% informó haciendo uso de alcohol en los últimos 12 meses y el 7,4% eran propensos a tener un diagnóstico de dependencia del alcohol. De 5 participantes que reportaron ser el segundo embarazo, el 80% dijeron que habían consumido alcohol en el embarazo anterior. Se encontró que 81,4% de disminución en la zona I, 14,8% en la zona II y 7,4% en IV.
CONCLUSIÓN: se reafirma la necesidad de acciones para prevenir el uso de alcohol durante el embarazo y la importancia del papel de las enfermeras en la atención integral durante el período prenatal.

Descriptores: Adolescente; Bebidas Alcohólica; Mujeres Embarazadas; Enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é um período delimitado entre 10 e 19 anos(1), sendo uma fase de constantes inquietudes, uma vez que pode refletir em novos comportamentos e posicionamentos perante as modificações do corpo, o novo meio social, a pressão do grupo, os conflitos familiares aos quais isoladamente ou em conjunto se somam, podendo resultar na busca de novas experiências(2).

Por constituir um período de várias modificações, os adolescentes são extremamente vulneráveis ao uso de substâncias psicoativas, visto que nesse período há maior tendência de inserção a grupos sociais, assumindo novas atitudes e posturas para serem aceitos. Ao mesmo tempo que podem surgir os conflitos familiares, já que os pais podem perder o controle e poder sobre os filhos, que buscam no grupo de amigos a imagem de um adulto(3).

Desse modo, além das características próprias da personalidade, o âmbito familiar e o ambiente externo podem influenciar o adolescente a vivenciar outras experiências, tais como o uso de drogas, problemas de conduta, o início precoce da vida sexual e, por conseguinte, gestação não planejada e infecções sexualmente transmissíveis(4).

A gravidez na adolescência tem se tornado um aspecto relevante na saúde pública, uma vez que pode gerar complicações obstétricas com repercussões materno-fetais. Além disso, estudos enfatizam que é mais incidente em população de baixa renda e pouca escolaridade(5-6).

A gestação nesse período pode estar relacionada a comportamentos de risco, como o consumo de álcool e outras drogas na gestação ou até mesmo a não adesão do acompanhamento no pré-natal(7). Dessa forma, a assistência obstétrica deve ser potencializada por uma equipe multidisciplinar, tendo como premissa fundamental a humanização. Para isso, os profissionais de saúde devem estar preparados e comprometidos na abordagem de gestantes adolescentes visando promover ações de conscientização sobre os problemas decorrentes do uso de drogas para o biônimo mãe-filho.

Assim, dentre as substâncias psicotrópicas de maior consumo na adolescência, merece destaque o álcool, visto que consiste em uma droga lícita de fácil acesso, baixo custo, com maior tendência e oportunidade de uso(5). Além disso, a mídia suscita tal bebida como sinônimo de alegria, juventude e satisfação.

O consumo etílico no período da gestação pode acarretar consequências que influenciam o desenvolvimento do feto, tais como restrição do crescimento, deficiências cognitivas, aumento da morbimortalidade e outros distúrbios, como a Síndrome Alcoólica Fetal(8).

O objetivo do estudo é identificar o consumo de bebida alcoólica entre as adolescentes gestantes e verificar quais destas necessitam de intervenções em relação ao seu consumo.

 

Método

Estudo descritivo com abordagem quantitativa e de coorte transversal, aprovado pelo Comitê em Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas/MG (UNIFAL), sob o parecer nº 164.705, e realizado em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 466/12, que trata de pesquisa envolvendo seres humanos.

A pesquisa foi autorizada pela Secretaria de Saúde do município e aos participantes menores de 18 foi solicitado aos responsáveis a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. Os participantes que aceitaram participar do estudo após o consentimento de seus responsáveis assinaram o Termo de Assentimento - TA. Em situações nas quais as adolescentes tinham idade superior a 18 anos e adolescentes casadas em qualquer faixa etária, aplicou-se somente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, já que nessas condições são consideradas responsáveis nas tomadas de decisões perante a lei. É importante ressaltar que a definição de adolescência adotada nesta pesquisa foi a da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde que implica na faixa etária dos 10 aos 19 anos(1,9).

A população de gestantes cadastradas nas ESF era de 227, sendo 50 (22%) que compreendiam a faixa etária de 10 a 19 anos. Entre essas adolescentes, 23 (46%) não participaram do estudo, visto que 13 informaram não ter consumido álcool nos últimos 12 meses, nove gestantes tiveram o endereço cadastrado na unidade de saúde não localizado pelos pesquisadores e uma não assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Portanto, a amostra do estudo das adolescentes gestantes que relataram ter feito uso de bebida alcoólica nos últimos 12 meses constituiu-se de 27 (54%).

O estudo foi realizado no período de janeiro a maio de 2013. O cenário de pesquisa foi um município do sul de Minas Gerais, o qual apresentava 227 gestantes cadastradas nas 12 unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF). O levantamento dos endereços foi por meio dos registros das ESF e a coleta de dados em seus respectivos domicílios.

Para a coleta de dados, utilizaram-se um questionário de caracterização das participantes do estudo de autoria das pesquisadoras e o instrumento AUDIT (The Alcohol Use Disorder Identification Test), o qual foi validado no Brasil(10).

O instrumento de coleta de dados (AUDIT) aplicado com as gestantes adolescentes contribui para a identificação de problemas relacionados ao uso de bebida alcoólica, uma vez que o mesmo possibilita uma classificação em escore e em zona de risco sob o nível de uso de álcool.

A zona I corresponde à somatória dos escores de 0-7 e o tipo de intervenção realizada é a prevenção primária. Na zona II, enquadram-se os escores de 8 a 15 e orientação básica é o método de intervenção. Já na zona III, os escores de 16 a 19 programam intervenção breve e monitoramento. Por fim, na zona IV, a soma dos escores deve ser de 20 - 40 e a intervenção realizada é o encaminhamento ao serviço especializado(11).

Na zona I, enquadram-se os que fazem uso de baixo risco de álcool, ou seja, ingerem menos que duas doses-padrão por dia ou não ultrapassam a quantidade de 5 doses-padrão em uma única ocasião. A zona II é composta por indivíduos chamados de usuários de risco, ou seja, pessoas que fazem uso acima de duas doses-padrão todos os dias ou mais de cinco doses-padrão em uma única ocasião e que não apresentam nenhum problema atual(12).

Na zona III estão os indivíduos com padrão de uso considerado nocivo, ou seja, consomem álcool em quantidade e frequência acima dos padrões de baixo risco e apresentam problemas decorrentes do uso de álcool, mantendo consumo regular, excedendo os limites(12). No entanto, não apresentam sinais de dependência. A zona IV é caracterizada por indivíduos que apresentam grande chance de ter um diagnóstico de dependência(11).

As informações coletadas foram agrupadas em um banco de dados, utilizando o aplicativo Microsoft Office Excel (2007), e analisadas por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Os dados foram analisados e tabulados em frequências absolutas e percentuais.

 

Resultados

Evidenciou-se que 27 (54%) das gestantes adolescentes relataram o consumo de bebidas alcoólicas durante o período gestacional. Com relação à idade da gestante adolescente que refere o consumo de bebidas alcoólicas, verificou-se que 23 (85,1%) estavam na faixa etária de 16 a 19 anos. Quanto à Idade Gestacional, houve maior incidência, 23 (85,1%) adolescentes relataram estar no segundo e terceiro trimestres de gravidez. Ao pesquisar a quantidade de gestações, 22 (81,5%) das adolescentes relataram ser primigesta e, entre as que informaram ser multíparas, cinco (18,5%) mencionaram estar vivendo a experiência de uma segunda gestação.

Das cinco adolescentes gestantes que vivenciam a experiência da segunda gestação foi possível verificar que todas pertenciam à faixa etária de 18 a 19 anos. O estudo evidenciou que das adolescentes que relataram ser a segunda gestação, quatro (80%) disseram ter utilizado bebida alcoólica na gestação anterior.

Ao questionar o estado civil, 13 (48,1%) afirmaram estar solteira, 12 (44,4%) casadas e duas (7,5%) das participantes mencionaram união estável. Em relação à escolaridade, observa-se uma maior prevalência entre o ensino fundamental e médio incompleto, sendo oito (29,6%) e nove (33,3%), respectivamente. Quanto à crença religiosa, constatou-se que prevaleceram gestantes adolescentes católicas, 23 (85,2%), e quatro (14,8%) relataram ser evangélicas.

A renda familiar predominante foi de um a dois salários mínimos (88,8%). Vale ressaltar que uma participante da pesquisa informou renda familiar menor que um salário mínimo por mês, além disso, mencionou vivenciar a experiência da segunda gestação. Ao investigar a situação ativa atual, verifica-se que 25 (92,6%) gestantes adolescentes informaram estar desempregadas. As duas (7,4%) que mencionaram vínculo empregatício trabalham como empregada doméstica.

Ao analisar o resultado do instrumento AUDIT em relação à frequência do consumo de álcool pelas participantes da pesquisa, tem-se que 21 (77,8%) das gestantes adolescentes informaram ingerir bebida alcoólica mensalmente ou em uma frequência menor que um mês e quatro (14,8%) afirmaram consumir de 2 a 4 vezes por mês. Nenhuma delas referiu ingerir 4 ou mais vezes por semana.

No que diz respeito à quantidade de doses ingeridas, nas ocasiões em que faz uso de álcool, 18 (66,7%) gestantes adolescentes informaram consumir uma ou duas doses; seis (22,2%) relataram 3 ou 4 doses. Embora o questionamento seja em relação ao uso ocasional, cerca de três (11,1%) das gestantes adolescentes informaram um consumo considerado abusivo, ou seja, 5 até 10 em uma única vez (binge drinking).

Quando questionadas sobre a frequência com que ingerem 5 doses ou mais de uma só vez (binge drinking), 19 (70,4%) participantes da pesquisa informaram nunca ter consumido essa quantidade, seis (22,2%) delas disseram ter ingerido essa dosagem menos de uma vez no mês, uma (3,7%) mensalmente, uma (3,7%) semanalmente e nenhuma mencionou fazer uso todos ou quase todos os dias.

Sobre a quantidade de vezes ao longo dos últimos doze meses que não conseguiu parar de beber, uma vez ter começado, 22 (81,5%) gestantes adolescentes afirmaram nunca como resposta, duas (7,4%) menos de uma vez por mês e duas (7,4%) informaram quase ou todos os dias após o uso. Estas duas adolescentes são solteiras e referem renda familiar mensal de um salário mínimo.

Ao investigar sobre a necessidade do consumo matinal de álcool para se sentir bem durante o dia após ter ingerido grande quantidade de bebida alcoólica no dia anterior, 25 (92,6%) gestantes adolescentes mencionaram nunca, uma (3,7%) menos de uma vez ao mês e uma (3,7%) mensalmente. Essa participante que afirmou mensalmente foi classificada como zona IV (escore 20) do instrumento AUDIT.

Em relação a quantas vezes, ao longo dos últimos 12 meses, a participante se sentiu culpada ou com remorso após ter bebido, 22 (81,5%) gestantes informaram que nunca, duas (7,4%) mencionaram menos que uma vez ao mês, uma (3,7%) mensalmente, uma (3,7%) semanalmente e uma (3,7%) todos ou quase todos os dias.

Quando questionadas sobre quantas vezes, ao longo dos últimos 12 meses, foi incapaz de lembrar-se do que aconteceu devido à bebida, 21 (77,8%) gestantes adolescentes responderam nunca, quatro (14,8%) menos do que uma vez ao mês, uma (3,7%) semanalmente e uma (3,7%) todos ou quase todos os dias. Essa que afirmou fazer uso de álcool todos ou quase todos os dias tem 18 anos, encontra-se no segundo trimestre de gestação, é casada, possui o ensino fundamental incompleto e foi classificada na zona IV.

Ao pesquisar se alguma vez na vida já causou ferimentos ou prejuízos a ela mesma ou a outra pessoa após ter bebido, 24 (88,9%) gestantes adolescentes disseram que nunca e três (11,1%) afirmaram sim, mas não nos últimos 12 meses. Nota-se que duas das participantes que informaram sim foram classificadas como zona II e a outra como zona I do instrumento AUDIT.

Quando interrogadas se alguma vez na vida algum parente, amigo ou algum profissional da saúde já havia se preocupado com o fato de beber ou sugerido que parasse, 22 (81,5%) mencionaram nunca, quatro (14,8%) relataram sim, mas não nos últimos 12 meses, e uma (3,7%) afirmou sim, nos últimos 12 meses. Observou-se que a gestante adolescente que respondeu sim nos últimos 12 meses tem 19 anos, é solteira, primigesta, reside em um bairro próximo ao centro, está desempregada, possui renda familiar de um salário mínimo e foi classificada na ZONA II.

Enfim, de acordo com a classificação do instrumento, 21 (81,4%) das participantes se enquadram na Zona I, quatro (14,8%) na zona II e duas (7,4%) na zona IV. Vale ressaltar que o estudo não evidenciou gestantes adolescentes que se enquadram na Zona III.

 

Discussão

Constatou-se que 85,1% das gestantes estavam na faixa etária de 16 a 19 anos, o que vem corroborar com o estudo realizado em uma Unidade Básica de Saúde de Belo Horizonte, uma vez que identificou a predominância de gestantes nessa faixa etária(13).

Evidenciou-se que 54% das adolescentes relataram ter feito uso de bebida alcoólica nos últimos 12 meses e, destas, 18,5% estavam vivenciando a experiência de uma segunda gestação. Estudo conduzido em Londrina - Paraná detectou que 15% das gestantes adolescentes foram classificadas como risco para o consumo de álcool(14). Pesquisa realizada com o AUDIT na região Sudeste do país observou uma taxa de 23,1 % das gestantes que consumiam bebidas alcoólicas durante a gravidez(15). Outro estudo detectou a prevalência de 32,4% para o consumo de álcool na gestação em adolescentes(6).

Pode-se observar no presente estudo que 54 % das adolescentes gestantes relataram que consumiam bebidas alcoólicas. É preciso considerar que o consumo de bebidas alcoólicas na adolescência é um fato em decorrência de vários fatores como a facilidade na sua aquisição, socialmente tolerada, culturalmente valorizada e legalmente permitida(16). Associa-se também ao fato da estimulação do consumo pela mídia através de propagandas comerciais(6), a influência dos pares e o contexto sociocultural e familiar(17).

Outro fato importante a ser referenciado foi a repetição da gravidez durante a adolescência, que é um processo multifatorial em decorrência da ordem biológica, psicossocial, cultural e econômica(16). A literatura refere que a impulsividade, o pensamento mágico e a imaturidade emocional são fatores relevantes na adolescência, o que influencia diretamente o processo de gestação, assim como outras vulnerabilidades(13). Portanto, torna-se imprescindível políticas públicas com intuito de minimizar essa situação(16).

É relevante considerar que 80% dessas adolescentes mencionavam o consumo de bebidas alcoólicas na gestação anterior, o que não difere do estudo conduzido em Teresina/PI, no qual se revelou que as adolescentes gestantes com consumo de álcool na gestação possuíam 3,85 vezes mais chances de consumir novamente(6). Cabe enfatizar que muitas gestantes associam que as experiências com o consumo de substâncias psicoativas em gestação anterior não trouxeram nenhuma intercorrência visível, o que pode reforçar que essas substâncias são inócuas ao feto(18).

Dentro desse contexto, é fundamental mencionar que durante a assistência ao pré-natal os profissionais de saúde também devem enfatizar as consequências do consumo de bebidas alcoólicas para a dupla gestante e concepto com o objetivo de diminuir ou cessar o consumo dessa substância. Ressalta-se que o álcool é uma das principais causas evitáveis de defeitos congênitos(19). Além dos efeitos congênitos, a exposição a essa substância na fase embrionária é um fator coadjuvante na dependência do álcool(17).

Contudo, no presente estudo, pode-se inferir que a vulnerabilidade para o consumo de álcool é persistente durante as gestações, deduzindo-se que a assistência durante o pré-natal em relação a essa temática não está sendo efetiva, o que vem sendo corroborado pelos estudos conduzidos no país que referem que a assistência durante esse período se baseia apenas na realização de exames, refletindo, assim, a necessidade da utilização de instrumentos que auxiliem os profissionais em relação ao diagnóstico do consumo dessa substância(6,17)

Na presente pesquisa, verificou-se que o consumo de bebidas alcoólicas foi maior em adolescentes solteiras (48,1%), com baixo nível de escolaridade (62,9%) e de condições econômicas (88,8%), o que não difere em relação a outros estudos conduzidos no país, que determinaram que não possuir um companheiro e apresentar baixa renda são fatores de risco para o consumo de álcool entre as gestantes(6,15). Essa correlação entre nível econômico e consumo de álcool foi demonstrada em outro estudo, o qual identificou que é entre as classes socioeconômicas desfavorecida que o uso nocivo de álcool se apresenta mais expressivo(14).

Outro fator que merece destaque é a taxa de 77,8% das gestantes adolescentes que informaram ingerir bebida alcoólica mensalmente ou em tempo inferior a um mês e quatro (14,8%) afirmaram consumir de 2 a 4 vezes por mês. Essa situação acaba refletindo em importantes desfechos na gravidez, com maiores chances de resultados negativos para os filhos das adolescentes. No tocante a esse resultado, percebe-se que apesar da existência de normas que proíbem e responsabilizam as pessoas que comercializam bebidas alcoólicas a menores de 18 anos no Brasil, evidencia-se que essa lei não está sendo cumprida, associada ao fato que existe um estímulo abusivo ao consumo dessa substância pelas mídias(6-20).

Algumas questões se mostram relevantes no acompanhamento do pré-natal com o objetivo de assegurar o desenvolvimento saudável do concepto e a saúde materna. Dentro desse contexto, pode-se ressaltar a importância de investigações e intervenções sobre o consumo de álcool, minimizando as desordens na saúde materno-infantil e melhora da qualidade de vida desse binômio(18,21).

Quanto à quantidade de doses ingeridas, 11,1% das gestantes adolescentes informaram um consumo considerado abusivo, ou seja, de 5 a 10 doses em uma única vez. Esses resultados coadunam com pesquisa realizada com adolescentes que detectou 22% das gestantes que referenciavam o consumo no padrão binge(15). Como já descrito, há evidências que muitas gestantes não acreditam que o álcool causa problemas ao feto, nem sabem descrever os possíveis efeitos adversos dessa substância(22-23) .

Assim sendo, é fundamental referir que 81,5% das adolescentes gestantes afirmaram nunca ter tentado parar de consumir bebida alcoólica no último ano. Esse fato pode ser justificado pelas adolescentes ao considerarem a ingestão de bebida alcoólica durante a gestação como algo natural(17), o que se soma à negligência dos profissionais de saúde em orientá-las a interromper o uso da bebida alcoólica nesse período e dos efeitos negativos do consumo(15,22).

Apesar dessa situação, é relevante destacar que 92,6% das gestantes entrevistadas não sentem necessidade do uso de álcool pela manhã. Assim, pode-se inferir que os resultados estão em consonância com pesquisa conduzida com adolescentes gestantes em um hospital do Rio de Janeiro, na qual se observou que a maioria das gestantes que possuíam hábito de ingerir bebidas alcoólicas na gestação o fazia na presença de companheiros, amigos e família, tendo apenas um caráter recreacional(23). Pode-se deduzir que existe uma banalização quanto ao consumo de álcool entre as gestantes, sendo, portanto, fundamental que os profissionais de saúde ao realizarem educação abordem sobre os efeitos deletérios do álcool durante o período gestacional.

Houve uma gestante (3,7%) que afirmou a necessidade do álcool pela manhã mensalmente, sendo que a mesma foi classificada na zona IV, concluindo-se, assim, que essa gestante possui uma provável dependência, demandando acompanhamento e intervenções dos profissionais de saúde. Outra investigação realizada sobre o consumo de bebidas alcoólicas na região Sudeste identificou que 14,8% das gestantes entrevistadas faziam uso de risco e 5,1% o uso nocivo ou possuíam provável dependência(15). Nessa conjuntura, é fundamental orientá-las sobre a abstinência total dessa substância, uma vez que independente da quantidade consumida os riscos do uso do álcool para a dupla mãe e feto são evidentes(23).

Constata-se que o fato de ingerir bebida alcoólica durante a gestação parece não causar preocupação às gestantes, assim sendo 81,5% delas não apresentam remorso pelo uso do mesmo, pelo contrário, relatam que o momento de ingestão da bebida é prazeroso e no qual se encontram felizes. Esse resultado diverge de um estudo que investigou o consumo de bebidas durante o período gestacional e constatou que 37,7% das gestantes referenciavam o remorso após o consumo do álcool(15). O que pode justificar essa situação é que no presente estudo as gestantes são adolescentes e pelas características próprias vivenciadas nessa fase realizam muitas atividades sem pensar em suas consequências. Nesse sentido, destaca-se que o consumo de bebidas alcoólicas é referenciado pelas adolescentes como coisa de jovem, sendo parte do seu lazer, e que os pares sociais influenciam tal prática(17).

Contudo, é necessária uma minuciosa avaliação em relação a esse quesito, uma vez que essas gestantes podem ter referido não se preocupar para não deixar uma imagem de que estavam fazendo algo errado e prejudicial ao seu filho e assim uma possível repreensão ou reprovação. Dessa maneira, os profissionais de saúde precisam desenvolver, primeiramente, o processo de empatia(17) e durante esse processo realizar a abordagem sobre a temática com a utilização de instrumentos de rastreamentos próprios para a triagem do consumo, reconhecer seus fatores de risco e não se prender aos estereótipos, muito comum no cotidiano da assistência(15).

Verificou-se que 3,7% das adolescentes grávidas foram orientadas em relação a não consumir bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses anteriores à realização do estudo. Tal achado é descrito em outro estudo ao apontar que menos da metade das gestantes que relataram o consumo de álcool foi orientada pelos profissionais(15). Outra investigação detectou que apesar de todas as gestantes terem sido assistidas durante o pré-natal, nenhuma delas foi orientada sobre essa temática(22).

Conforme referenciado anteriormente, a assistência ao pré-natal é restrita aos exames, à prevenção e ao acompanhamento de agravos, sendo importante um trabalho educativo que aborde as consequências do uso do álcool durante esse período(17). Para tanto, é necessária a reformulação das práticas de pré-natal, principalmente em relação à carência de instrumentos que auxiliem na identificação do consumo de álcool na gestação(6). Sabe-se que o rastreio universal do consumo de álcool deve ser realizado periodicamente para todas as mulheres; caso a gestante faça uso de bebidas alcoólicas, intervenções para a redução do consumo devem ser encorajadas(24).

Diante do exposto, é indiscutível a importância do enfermeiro e demais profissionais de saúde na assistência integral à gestante com a incorporação das ações de promoção, prevenção e também na busca de suporte para cessar o consumo da bebida alcoólica(25). Mas, para isso, é necessário que esses profissionais tenham um olhar crítico em relação a essa problemática, uma vez que o consumo de álcool é uma realidade vivenciada pelas adolescentes grávidas(17). Mediante esse contexto, cabe incorporar as questões do consumo de álcool e outras drogas nos currículos dos profissionais de saúde com o propósito de intervir positivamente nessa realidade(15).

 

Conclusão

O estudo evidencia a presença do consumo de bebidas alcoólicas entre as adolescentes grávidas, o que chama atenção é que nas multíparas o consumo do álcool foi evidente na gestação anterior e na atual. Ressalta-se falta de orientação dessas adolescentes sobre os riscos do consumo do álcool.

Mediante esse cenário, é necessário que os profissionais de saúde estejam preparados para avaliar o uso e o consumo de bebidas alcoólicas entre as adolescentes grávidas e propor ações de prevenção e tratamento destas. Não se pode deixar de referir que esses profissionais devem acolher essa adolescente grávida sem juízo de valor, conduta que exige treinamento e prática, mas que irá facilitar o diálogo entre profissional e adolescente.

As discussões realizadas neste estudo reafirmam a necessidade de ações de prevenção do uso de álcool na gestação e a relevância do papel do enfermeiro no acompanhamento integral das gestantes durante o pré-natal.

 

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Autor Correpondente:
Adriana Olimpia Barbosa Felipe
E-mail: adrianaofelipe@yahoo.com.br

Recebido: 09.02.2018
Aceito: 07.12.2018

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