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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.16 no.1 Ribeirão Preto jan./mar. 2020

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.158433 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Transtorno mental e risco de suicídio em usuários de substâncias psicoativas: uma revisão integrativa

 

Trastorno mental y riesgo de suicidio en usuarios de sustancias psicoactivas: una revisión integrativa

 

 

Roberta Magda Martins MoreiraI; Eliany Nazaré OliveiraI,II; Roberlandia Evangelista LopesIII; Marcos Venícios de Oliveira LopesIV; Tamires Alexandre FélixV; Lycélia da Silva OliveiraI

IUniversidade Federal do Ceará, Campus Sobral, Sobral, CE, Brasil
IIUniversidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral, CE, Brasil
IIICentro Universitário UNINTA, Sobral, CE, Brasil
IVUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
VSanta Casa de Misericórdia de Sobral, Sobral, CE, Brasil

Autor correspondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar as evidências científicas acerca da presença de transtornos mentais e o risco de suicídio em usuários de substâncias psicoativas.
MÉTODO: revisão integrativa da literatura, realizada na LILACS, MEDLINE e SCOPUS, mediante os descritores: transtornos relacionados ao uso de substâncias, suicídio e transtornos mentais. Selecionaram-se os artigos completos disponíveis nos idiomas português, inglês ou espanhol, sem recorte temporal, todavia, foram excluídos os duplicados e que não responderam diretamente à pergunta norteadora, totalizando 17 artigos para análise.
RESULTADOS: os usuários de substâncias psicoativas apresentam qualidade de vida reduzida e maior comprometimento na saúde mental, que aumentam a probabilidade para comorbidades psiquiátricas associadas, como a depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar e ansiedade, principalmente quando há o uso de múltiplas substâncias. Essa associação eleva as chances de os indivíduos cometerem suicídio em até 5,7 vezes.
CONCLUSÃO: observa-se a relação direta entre os três fatores investigados, em que o uso de substâncias psicoativas aumenta a probabilidade de transtornos mentais e o risco de suicídio, tornando-se necessária a elaboração de estratégias eficazes em saúde para a identificação precoce dessas problemáticas e, assim, desenvolver intervenções a fim de minimizá-las.

Descritores: Saúde Mental; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Transtornos Mentais; Suicídio.


RESUMEN

OBJETIVO: analizar las evidencias científicas sobre la presencia de trastornos mentales y el riesgo de suicidio en usuarios de sustancias psicoactivas.
MÉTODO: revisión integrativa de la literatura, realizada en LILACS, MEDLINE y SCOPUS, mediante los descriptores: trastornos relacionados al uso de sustancias, suicidio y trastornos mentales. Se seleccionaron los artículos completos disponibles en portugués, inglés o español, sin recorte temporal, fueron excluidos los duplicados y los que no respondieron directamente a la pregunta orientadora, totalizando 17 artículos para análisis.
RESULTADOS: los usuarios de sustancias psicoactivas presentan calidad de vida reducida y mayores problemas de salud mental lo que aumenta la probabilidad para comorbilidades psiquiátricas asociadas, como depresión, esquizofrenia, trastorno bipolar y ansiedad, principalmente cuando se usan múltiples sustancias. Esta asociación eleva las posibilidades de que los individuos cometan suicidio en hasta 5,7 veces.
CONCLUSIÓN: se observa una relación directa entre los tres factores investigados, en que el uso de sustancias psicoactivas aumenta la probabilidad de trastornos mentales y el riesgo de suicidio, siendo necesario la elaboración de estrategias eficaces en salud para la identificación precoz de estas problemáticas y así, desarrollar intervenciones para minimizarlas.

Descriptores: Salud Mental; Trastornos Relacionados con Sustancias; Trastornos Mentales; Suicidio.


 

 

Introdução

O uso abusivo de substâncias psicoativas (SPAs) consiste em um grave problema de saúde pública evidenciado por números alarmantes, em que cerca de 10% dos indivíduos nos centros urbanos consomem de forma abusiva essas substâncias, com 16 a 39 milhões de dependentes e 183 mil óbitos relacionados a esse agravo no mundo, no ano de 2012(1).

Estima-se que cerca de uma em cada cinco pessoas que consomem substâncias ilícitas apresenta diagnóstico de dependência, em que o usuário incorpora a SPA ao seu cotidiano como objeto principal. Esse uso abusivo ocasiona inúmeras consequências pessoais, familiares e sociais à população, uma vez que provoca alteração na percepção, humor e consciência; desagregação familiar; perdas físicas, materiais e morais; preconceitos; limitações cognitivas quanto à aprendizagem; evasão escolar; desemprego e comprometimento da saúde(2-3).

Nesse sentido, estudos enfatizam as consequências das SPAs, tais como a marginalização, maior vulnerabilidade, rompimento das relações sociais, ausência de interesse pela vida, mais suscetibilidade às infecções sexualmente transmissíveis e a associação entre as manifestações de transtornos mentais e de alterações de comportamento decorrentes do uso de SPAs(4).

A presença desses transtornos mentais em usuários de SPAs potencializa o risco para comportamento suicida(5). O suicídio também é considerado um problema de saúde pública, com taxa de 11,6 mortes por 100 mil habitantes e representado por cerca de 804 mil óbitos, no ano de 2012(6). Nesse ínterim, os dados nacionais evidenciam que a, cada 10 tentativas de autoextermínio ou suicídio, duas ou mais estão relacionadas ao uso de álcool(7).

Assim, diante da magnitude relacionada ao uso problemático das SPAs, a presença de transtornos mentais e o suicídio, os quais são considerados problemas de saúde pública, torna-se necessário investigar acerca da associação entre essas três situações, a fim de aprimorar a atenção à saúde de indivíduos envolvidos com as SPAs, principalmente no âmbito da saúde mental, bem como para conhecer os fatores envolvidos nesse contexto e delinear os grupos em risco para o suicídio com o objetivo de evitar a antecipação do fim de vida.

Portanto, objetiva-se analisar as evidências cientificas acerca da presença de transtornos mentais e o risco de suicídio em usuários de substâncias psicoativas.

 

Método

Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, a qual perpassou cinco fases, a saber: identificação da temática e a elaboração da questão norteadora; a busca na literatura; avaliação dos dados presentes nos estudos; análise dos dados e síntese destes; e por fim, apresentação da revisão(8).

Para isso, elaborou-se a questão norteadora da pesquisa a partir da estratégia PICo, um acrônimo formado por P: participantes, I: fenômeno de interesse e Co: contexto do usuário, conforme recomendação do Jonna Briggs Institute(9). Dessa forma, delineou-se: quais as evidências disponíveis acerca da presença de transtornos mentais e o risco de suicídio em usuários de substâncias psicoativas?

Nesse ínterim, efetuou-se a busca dos estudos no mês de dezembro de 2018, nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e SciVerse Scopus (SCOPUS), as quais foram acessadas, respectivamente, por meio da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), U. S. National Library of Medicine (PUBMED) e o portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a partir da Comunidade Acadêmica Federada (CAFe), à qual os pesquisadores estão vinculados.

Nessa perspectiva, para a base de dados em português utilizaram-se descritores em ciências da saúde (DECS) e, para o idioma inglês, realizou-se a busca no Medical Subject Headings (MeSH). Ademais, foram utilizados os operadores booleanos AND e "" para a associação dos descritores, da seguinte forma: "transtornos relacionados ao uso de substâncias" AND suicídio AND "transtornos mentais", bem como "substance-related disorders" AND suicide AND "mental disorders".

Para a seleção dos artigos, utilizaram-se as recomendações dos Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-Análises (PRISMA)(10), adaptando para revisão integrativa, com os seguintes critérios de inclusão: artigos completos disponíveis gratuitamente nos idiomas português, inglês ou espanhol, sem recorte temporal. Foram excluídos os artigos duplicados e que não responderam diretamente à pergunta norteadora. Dessa forma, 17 artigos foram incluídos na amostra, conforme demonstrado na Figura 1.

 

 

Os artigos foram organizados e os dados coletados por meio de um instrumento elaborado pela autora, com base na literatura(11). Utilizaram-se as seguintes variáveis: nome do autor, ano de publicação, título, idioma, objetivo e principais resultados. Posteriormente, realizou-se a análise das informações de maneira descritiva, que possibilitou discussão fundamentada nas evidências cientificas.

 

Resultados

A Figura 2 foi elaborada para sistematizar e organizar as informações constituídas nos artigos utilizados.

Ao analisar os artigos, percebe-se o maior número de publicações no ano de 2017 (n=3; 17,6%), que, no total, englobou o período de 2000 a 2017, e mesmo não se utilizando o recorte temporal como critério de inclusão, observam-se publicações com ênfase nos últimos dez anos, o que demonstra o aumento de estudos referentes ao tema devido à sua relevância para a comunidade científica.

Além disso, 88,23% (n=15) dos artigos utilizaram abordagem quantitativa para a metodologia do estudo e a maioria recorreu a estudos transversais e descritivos, com foco em amostra constituída por familiares dos usuários que cometeram suicídio, pessoas em situação de privação de liberdade. Alguns realizaram comparação com os usuários e não usuários de SPAs.

Quanto ao idioma, observou-se o predomínio de estudos em inglês, com 64,8% (n=11). A maioria das publicações (76,5%) foi referente ao contexto internacional com limitação de artigos em alusão ao tema no âmbito nacional, destacando-se os estudos que abordaram a representação social do suicídio para os usuários de SPAs(28), avaliação das funções executivas e a expressão emocional e comportamental relacionada à presença de ideação suicida(21) e perfil geral dos usuários de SPAs atendidos em um hospital psiquiátrico(17). Um apresentou, como objeto, a presença de comorbidades psiquiátricas em usuários de SPAs, citando o risco de suicídio(19).

Além disso, atenta-se que alguns abordaram somente o contexto do transtorno mental e uso de SPAs, e outros o risco de suicídio com o uso de SPAs de forma isolada. Todavia, estes foram incluídos por apresentarem informações importantes para a compreensão do tema e a resposta à pergunta norteadora.

 

Discussão

O diagnóstico duplo se configura no transtorno relacionado ao uso de substâncias associado às comorbidades psiquiátricas. Os dois eventos apresentam uma causalidade recíproca, uma vez que o uso de SPAs pode acarretar transtornos mentais, ou o inverso. Esse diagnóstico é considerado fator de risco para o suicídio.

Os usuários de SPAs apresentam menores índices na maioria dos domínios relacionados à qualidade de vida, tais como no funcionamento físico e social, papel emocional, saúde mental e vitalidade, em que se percebe uma limitação na vida social, ocupação e maior sensação de fadiga e exaustão ao comparar com outros grupos(20). Estudo(27) realizado na Espanha com usuários de SPAs do sexo masculino enfatiza que grupos com diagnóstico duplo apresentaram pior qualidade de vida relacionada à saúde, principalmente quando interligado à esquizofrenia e depressão maior.

O uso de SPAs desencadeia prejuízo e ruptura das relações sociais e familiares, uma vez que o indivíduo tem a obtenção da droga como objetivo de vida e isso acarreta em dificuldades para manter relacionamentos e atividades antes desempenhadas, apresentando problemas que, associados às modificações fisiológicas decorrentes das SPAs, interferem negativamente no funcionamento social e saúde mental desses indivíduos(2).

Destarte, a saúde mental dos usuários de SPAs é gravemente afetada, pois ocorre a redução da autoestima, diminuição dos interesses, rompimento de vínculos sociais e familiares, piora dos cuidados consigo mesmo, perda do autorrespeito acompanhada de sentimentos de solidão e envolvimento em atividades ilegais para adquirir a substância, que podem suscitar outros transtornos mentais associados(29).

Dessa maneira, estudos apontam que o consumo de SPAs aumenta a probabilidade para transtornos psiquiátricos de uma forma geral(30), principalmente quando se refere ao uso de múltiplas substâncias, o que promove maior ocorrência de psicopatologias em comparação com indivíduos que utilizam somente uma, e isso, consequentemente, provoca um maior risco de suicídio(19).

Ademais, relacionam-se o tempo de uso e a quantidade de SPAs ao suicídio, de maneira proporcional, já que quando se aumenta o tempo de uso, há maior chance de ideação suicida(21). Todavia, observa-se que o alto risco está relacionado ao uso atual das substâncias e não ao passado(12-13), pois quanto mais SPAs utilizadas, maior a possibilidade de cometer suicídio(12,15,19), uma vez que o uso de maneira isolada pode aumentar a chance de tentativa de suicídio em 2,6 vezes, enquanto em casos de múltiplas substâncias, esse valor amplifica para 27,4 vezes(12).

Nessa perspectiva, autores(21) apontam que os usuários de múltiplas SPAs apresentam maiores chances de comportamentos impulsivos, traços de raiva, menor controle dos sentimentos, pensamentos rápidos e instáveis, tendência a ações impetuosas e falta de planejamento e orientação para o futuro, já que mesmo sem ideação ou plano suicida, podem tentar cometer tal ato devido aos comportamentos de impulsividade. Esses achados corroboram outro estudo, o qual afirma que a tentativa de suicídio não planejada está frequentemente relacionada aos usuários de SPAs(12).

Em relação a isso, um estudo caso controle apresenta que o uso abusivo de SPAs dobra as chances para a tentativa de suicídio, enquanto a presença de uma comorbidade psiquiátrica eleva em dez vezes o risco para tal prática, constituindo condições importantes que aumentam o número de violência autoprovocada, principalmente quando associadas, o que acontece com frequência, uma vez que o transtorno mental pode ser desencadeado pelo uso abusivo das SPAs(31).

Dentre os transtornos mentais mais presentes em usuários de SPAs, destacam-se a depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar e ansiedade, as quais são relatados na maioria dos estudos(16,19,22-23). Nesse aspecto, autores(22) ratificam a presença de transtorno mental em 25,8% dos usuários de substâncias, destacando-se, os transtornos de humor(30).

A maconha é vista como fator de risco para o desenvolvimento precoce de transtornos, considerando que o uso de dessa SPA alguma vez na vida acarreta maior chance para desenvolver transtorno mental comum, especificamente fobia social, transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade ou transtornos de humor, nos quais o indivíduo apresenta 1,62 vezes mais chances de apresentar depressão(32).

Nesse prisma, estudo evidencia que o uso de SPAs está associado à presença de sintomas depressivos, pois cerca de 65,8% dos usuários de maconha e cocaína apresentam risco para depressão no Brasil(7), demonstrando o comprometimento na saúde mental desses indivíduos(33).

Outros estudos(13,26) apontam a depressão como transtorno mental mais associado ao uso de SPAs, seguido de ansiedade, esquizofrenia e transtorno bipolar, respectivamente, haja vista que a coocorrência de depressão com o uso de SPAs aumenta a probabilidade de os indivíduos cometerem comportamentos autodestruitivo em 5,7 vezes(23-24,26). Nessa perspectiva, estudo demonstra a presença de transtorno relacionado ao uso de SPAs em 59% dos casos de suicídio, e o diagnóstico duplo em 42%, com ênfase na depressão, transtorno de personalidade, ansiedade e transtorno bipolar(14).

Ainda, verifica-se a depressão como precursora frequente do abuso de SPAs, e por consequência, esse padrão de consumo agrava o transtorno depressivo. Além disso, pessoas com transtornos mentais graves são mais suscetíveis ao consumo de substâncias e a evoluir para dependência rapidamente, principalmente de maconha e álcool(29). Essa associação estava presente como maioria no grupo de pessoas que morreram por suicídio na China, que, ao serem analisadas, consideraram-se a tentativa prévia de suicídio, o diagnóstico de depressão, o uso de SPAs e eventos negativos da vida como fatores de risco para a ação(18).

Dessa forma, considera-se a associação entre transtorno mental e o uso de substâncias como de alto risco para suicídio, fato este confirmado pela literatura a qual demonstra que 30% dos indivíduos com esse diagnóstico duplo já tentaram suicídio pelo menos uma vez na vida. Reforça-se ainda o predomínio da depressão relacionada ao transtorno mental(16-17).

Esses resultados podem ser referentes ao fato de que indivíduos com diagnóstico de duplo ou múltiplos transtornos apresentam maiores problemas relacionados à saúde mental, dificuldades e resistência ao tratamento e às medicações, maior período de internações por complicações, menor qualidade de vida e desestabilização nos aspectos psicossociais, afetando o indivíduo de forma integral que pode decorrer para o comportamento autodestrutivo(3).

Destaca-se, ainda, que há maior risco no momento da intoxicação, em que a principal substância detectada foi o álcool (72,9%), em uma pesquisa realizada no México(15). No entanto, enfatiza-se que o comportamento suicida pode ser evidenciado em qualquer momento do curso de uso, seja na intoxicação, abstinência ou recaída(28).

Alguns autores discorrem sobre explicações nas quais se destaca a desinibição provocada pela SPA, alteração do julgamento crítico e comportamento impulsivo na intoxicação, uma vez que se modificam as funções orgânicas, o pensamento e o estado de consciência do indivíduo, além de diminuir-se a capacidade para resolução de problemas, principalmente quando se consomem mais de uma substância, já que esses fatores são potencializados(15,34).

Nesse ínterim, um estudo buscou analisar o significado do comportamento suicida para pessoas com problemas relacionados ao uso de SPAs, observando a representação de um momento considerado como desespero do indivíduo, que provém do próprio sofrimento, isolamento e descrédito pessoal, bem como da ausência de apoio familiar e da falta de fé ou descrença em Deus(28).

Nesse sentido, a SPA é considerada a principal motivação para o comportamento suicida em homens usuários em acompanhamento no CAPS, os quais apresentam relações familiares prejudicadas em razão da dependência, o que provoca sentimentos de fracasso e inutilidade. Além disso, os usuários se intitulam como causa de decepções familiares, motivo pelo qual buscam o autoextermínio para cessar o incômodo na família(35).

Diante disso, observa-se que alguns fatores atuam como de risco para o suicídio, a saber: uso abusivo de múltiplas substâncias associado à presença de comorbidades psiquiátricas e relações sociais prejudicadas. Ao mesmo tempo em que se percebem aspectos protetivos, tais como a prática de uma religião a fim de fortificar a fé, relações afetivas fortalecidas e atividades de ocupação e distração para esses usuários(28).

Logo, é necessário fortalecer ações que visem estratégias de prevenção ao suicídio nesse grupo a fim de potencializar os fatores protetivos para esse comportamento. Todavia, estudo salienta a limitação dos profissionais de saúde sobre as ações de prevenção ao suicídio de forma ampla, principalmente no que concerne a Atenção Básica à Saúde, onde essas estratégias não são colocadas em prática(36), necessitando de um olhar mais direcionado do gestor e profissionais de saúde, especialmente quando se trata dos usuários de SPAs, uma vez que é nítida a relação coexistente entre o uso de SPAs, a presença de comorbidades psiquiátricas e o risco de suicídio, de maneira crescente.

 

Conclusão

Portanto, observa-se relação direta entre os três fatores investigados, na qual o aumento do uso de SPAs interfere negativamente na saúde mental do indivíduo, elevando a probabilidade para desenvolvimento de transtorno mental, e essa associação ou diagnóstico duplo aumenta consideravelmente o risco de suicídio. Além disso, a maioria dos estudos consolida a depressão como o transtorno mental mais associado ao uso de SPAs, mas não se investiga se essa relação é prévia ao uso de SPAs ou posterior, uma vez que o uso de SPAs pode ser também consecutivo ao transtorno mental, como uma estratégia para lidar com o sofrimento psíquico.

Esse estudo contribuiu para a compreensão acerca dessas problemáticas, principalmente no que se refere à relação entre as três condições. Logo, reflete-se quanto à necessidade de ações para prevenir o uso abusivo das SPAs e, consequentemente, minimizar os índices de transtornos mentais e o risco para o suicídio decorrente dessas comorbidades. Ademais, esse conhecimento é essencial para a atenção à saúde dos usuários de SPAs, a fim de sensibilizar os profissionais quanto à importância de ações para identificação desses problemas, bem como elaborar estratégias eficazes na assistência para minimizar o risco de suicídio nessa população.

Ainda, reiteram-se as lacunas existentes quanto ao assunto, pois a maioria dos artigos está relacionada ao contexto internacional, principalmente com amostra composta por pessoas que tentaram suicídio. Todavia, no cenário brasileiro, essa produção se apresenta limitada, necessitando de pesquisas que possam abordar essa relação como objeto de estudo, referente diretamente às pessoas usuárias de SPAs, para possibilitar um diagnóstico situacional e assim, subsidiar a assistência a essa população.

 

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Autor correspondente:
Roberta Magda Martins Moreira
E-mail: robertamoreiraenf@hotmail.com

Recebido: 29.05.2019
Aceito: 08.08.2019

 

 

Contribuição dos autores: Concepção e planejamento do estudo: Roberta Magda Martins Moreira, Eliany Nazaré Oliveira. Obtenção dos dados: Roberta Magda Martins Moreira. Análise e interpretação dos dados: Roberta Magda Martins Moreira, Roberlandia Evangelista Lopes, Marcos Venicios de Oliveira Lopes, Lycélia da Silva Oliveira. Redação do manuscrito: Roberta Magda Martins Moreira, Tamires Alexandre Félix, Lycélia da Silva Oliveira. Revisão crítica do manuscrito: Eliany Nazaré Oliveira, Roberlandia Evangelista Lopes, Marcos Venicios de Oliveira Lopes, Tamires Alexandre Félix.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: Os autores declaram não haver conflito de interesse.

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