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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.16 no.3 Ribeirão Preto jul./set. 2020

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.165507 

ARTIGO ORIGINAL

 

Mindfulness, promoção da saúde e semiótica: bases para modelos comunicacionais em saúde online*

 

Mindfulness, promoción de la salud e semiótica: bases para modelos de comunicación en salud em línea

 

 

Patricia Silveira MartinsI; Rita Maria Lino TárciaII; Daniervelin Renata Marques PereiraIII; Vera Lúcia Morais Antônio de SalvoI; Daniela Ferreira Araújo SilvaI; Márcio Sussumu HirayamaIV; Ricardo Monezi Julião de OliveiraI; Ana Cristina Bastos Ferreira de PaulaI; Ausiàs CebollaV; Rosa BañosVI; Javier Garcia-CampayoVI; Marcelo Marcos Piva DemarzoII

IUniversidade Federal de São Paulo, Departamento de Medicina Preventiva, Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção de Saúde ("Mente Aberta"), São Paulo, SP, Brasil
IIUniversidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IIIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
IVInstituto de Sáude da Secretaria do Estado, Núcleo de Análise e Projetos de Avaliação de Tecnologias de Sáude, São Paulo, SP, Brasil
VUniversidade Jaume I Castellon de la Plana, Castelló, Espanha
VIUniversidade de Zaragoza, Zaragoza, Espanha

Autor correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: identificar como o texto verbo-visual do curso produz sentidos e como isso pode auxiliar na construção do design de outros cursos.
MÉTODO: foi feita a análise semiótica de duas práticas e de um print de tela do curso denominado Programa de Autocuidado Baseado em Mindfulness, na modalidade Educação à Distância, desenvolvido pelo Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde ("Mente Aberta"), do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo. Foram avaliados os elementos estéticos que contribuiriam para a construção de um ambiente de prática eufórico (ligado à saúde) e estabelecidas relações entre o plano de conteúdo e o plano de expressão das práticas, responsáveis pela construção de um sistema semissimbólico.
RESULTADOS: confirmou-se a valorização de uma estética da simplicidade de cores e formas que converge para uma afirmação dos valores calma e bem-estar compatíveis com as práticas de mindfulness.
CONCLUSÃO: a partir dessa análise, busca-se refletir sobre as bases para o desenvolvimento de modelos comunicacionais relacionados à promoção da saúde em ambiente digital.

Descritores: Mindfulness; Online; Semiótica Discursiva; Promoção da Saúde.


RESUMEN

OBJETIVO: analizar un curso en línea sobre promoción de la salud basado en la atención plena (mindfulness) a través de la teoría de la semiótica discursiva en uno de sus desarrollos más recientes, el aspecto visual o plástico. El objetivo es identificar cómo el texto verbal-visual del curso produce significados y cómo puede ayudar en el diseño de otros cursos.
MÉTODO: se llevó a cabo un análisis semiótico de dos prácticas y una impresión de pantalla del curso llamado Programa de autocuidado basado en la atención plena, en educación a distancia, desarrollado por el Centro Brasileño de Mindfulness y Promoción de la Salud ("Mente Abierta"), del Departamento de Medicina Preventivade de la Universidad Federal de São Paulo.
RESULTADOS: se evaluaron los elementos estéticos que contribuyeron a la construcción de un entorno de práctica eufórica (vinculado a la salud) y se establecieron relaciones entre el plan de contenido y el plan de expresión de práctica, responsables de la construcción de relaciones semi-simbólicas.
CONCLUSIÓN: se confirmó la valoración de una estética de simplicidad de colores y formas, que convergió en una afirmación de los valores de calma y bienestar compatibles con las prácticas de mindfulness. A partir de este análisis, buscamos reflexionar sobre las bases para el desarrollo de modelos comunicacionales relacionados con la promoción de la salud en un entorno digital.

Descriptores: Mindfulness; Online; Semiótica Discursiva; Promoción de la Salud.


 

 

Introdução

Define-se mindfulness como uma característica psicológica ou estado psicológico ou, ainda, um conjunto de exercícios provenientes, em sua maioria, de práticas meditativas tradicionais(1), voltadas para a experiência vivida no momento presente.

A principal característica de minduflnesss consiste no reconhecimento e desenvolvimento de uma cognição "corporificada". Conhecida também como embodiment, essa abordagem relaciona posturas e movimentos corporais a modificações cognitivas e emocionais(2).

O primeiro uso de mindfulness na prática médica ocorreu em 1979, a partir do programa MBSR (Mindfulness Based Stress Reduction), proposto para o manejo do estresse, ansiedade e dores crônicas(3). Uma de suas derivações mais conhecidas é o MBCT (Mindfulness Based Cognitive Therapy), programa concebido, especificamente, para o tratamento de disfunções mentais, como a depressão recorrente(4).

Há evidências crescentes de controle do estresse via programas de mindfulness baseados na internet, com resultados semelhantes aos obtidos em formatos presenciais(5). No formato online, os participantes aprendem a usar as práticas de respiração, escaneamento corporal, movimentos com atenção plena e práticas de compaixão por meio de áudios e vídeos didaticamente organizados de modo a constituir uma situação virtual que favoreça a aprendizagem. Contudo, a forma de comunicação desses programas, em ambiente digital, necessita ainda de uma análise mais consistente a fim de que se alcance maior integração e adesão dos respectivos usuários ao formato online.

Defende-se que a operacionalização de modelos semióticos pode contribuir para uma comunicação mais efetiva de conteúdos relevantes à saúde pública(6).

Este artigo visa analisar os aspectos semióticos de um curso denominado Programa de Autocuidado Baseado em Mindfulness, ofertado na modalidade Ensino a Distância (EaD), para profissionais de saúde que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da semiótica discursiva em um de seus desdobramentos mais recentes, a vertente plástica. Foram selecionados um print desse curso e duas imagens de práticas de mindfulness. Priorizaram-se categorias do nível fundamental (plano do conteúdo) e elementos da expressão, nas dimensões topológica, cromática e sonora para a análise.

Por meio dessa análise, busca-se refletir sobre as bases para o desenvolvimento de modelos comunicacionais relacionados à promoção da saúde em ambiente digital.

Modelos comunicacionais hipermidiáticos, ou seja, modelos baseados na interatividade, hipertextualidade e multimidialidade(7), representam uma proposta de análise e construção de conteúdos disponíveis na internet levando-se em conta as múltiplas experiências comunicativas presentes em ambientes digitais.

A convergência teórica e conceitual entre semiótica e comunicação dá-se, principalmente, pelo caráter inter, multi e transdisciplinar de ambas e pela expansão cada vez maior de seus campos em face da explosão das redes comunicacionais instauradoras de uma nova linguagem: a hipermídia(8).

Conhecida como ciência dos signos e símbolos ou ciência da comunicação, a semiótica, em sua concepção mais clássica, contempla a possibilidade do uso criativo da linguagem e da inovação na elaboração de novos sistemas de signos(9), sendo importante campo de estudo para designers e pesquisadores de mídias digitais. A semiótica pode abarcar o hibridismo de linguagem e a complexidade dos processos comunicativos de conteúdos veiculados na internet, ampliando-lhe o valor semântico e, por conseguinte, a comunicação.

Por meio de uma de suas teorias, a semiótica discursiva ou greimasiana (em referência à Algirdas Julien Greimas, fundador dessa escola), busca-se entender e explicitar os mecanismos de construção de sentido no texto a partir da análise do plano de conteúdo (parte inteligível, relativa ao discurso) e do plano de expressão (parte sensível, relativa à linguagem verbal e/ou não verbal que veicula o conteúdo)(10).

De acordo com essa perspectiva teórica, as atividades humanas acontecem em dois eixos principais: o eixo da produção, pelo qual o homem age sobre as coisas, transformando a natureza; e o da comunicação, por meio do qual o homem, por relações intersubjetivas, age sobre outros homens(11).

No percurso temático da comunicação, o discurso se constrói pela relação entre enunciador/enunciatário. Entre ambos, estabelece-se um contrato de veridicção, compreendido como presunção da verdade entre as partes. O que existe é um "dizer verdadeiro" pelo enunciador e um "crer verdadeiro" pelo enunciatário, cujo acordo tácito se mantém mais ou menos estável no processo de comunicação: para que os usuários do discurso se compreendam em torno dos mesmos "efeitos de verdade", é preciso que se firme um prévio entendimento, implícito ou explícito, entre os dois polos da comunicação: o do enunciador e do enunciatário. Tal entendimento se constitui, na realidade, de autêntico "contrato veridictório", pressuposto epistêmico básico de todo e qualquer ato enunciativo. A não ser que receba expressa indicação em contrário, a interpretação que o enunciatário dá ao discurso-enunciado se fundamenta na crença de que o enunciador lhe transmite um saber e que este saber é da ordem do ser, ou seja, é "verdadeiro"(12).

Pela análise do plano de conteúdo, busca-se a significação do texto, ou seja, a apreensão e a produção de sentido. O resultado dessa análise é conhecido como percurso gerativo de sentido, o qual se concretiza pela articulação de três estruturas organizadas do mais abstrato e profundo ao mais concreto e superficial. Assim, tomada como teoria da significação, a semiótica tem como objetivo explicitar as condições da apreensão e da produção do sentido. Em outras palavras: interessando-se pelo texto materializado em qualquer linguagem - verbal, não verbal (pintura, escultura, fotografia etc.) ou sincrético (cinema, quadrinhos etc.) -, preocupa-se em estudar os mecanismos que o engendram, isto é, busca descrever o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz, examinando, em primeiro lugar, o seu plano de conteúdo por meio de um modelo que "simula" a produção e a interpretação de um texto. Trata-se do percurso gerativo de sentido, que vai do mais simples e abstrato (nível fundamental) ao mais complexo e concreto (nível discursivo), passando por um nível intermediário - o narrativo(10).

De forma sucinta, tem-se: estrutura fundamental, campo das oposições semânticas de base, depreendidas do texto a partir de uma oposição de duas categorias, uma com valor positivo e outra, negativo; estrutura narrativa, campo de relação do sujeito com um objeto-valor e/ou com outro sujeito; e, por fim, a estrutura discursiva, nível em que são encontradas estratégias de projeção do sujeito na enunciação. Cada um desses níveis de organização do sentido é dotado de uma sintaxe (arranjos que organizam o conteúdo) e de uma semântica (conteúdos investidos nos arranjos sintáticos)(10).

Se, por um lado, a abordagem discursiva apresenta-se como aquela que melhor se adéqua a uma análise do plano de conteúdo, dada a sua consistência e operacionalização(13), por outro, em relação à análise do plano de expressão, a semiótica greimasiana figura como uma perspectiva teórica ainda recente e sujeita a algumas adaptações.

É nesse contexto que a associação dos conhecimentos estéticos aos semióticos vem consolidando uma subárea da semiótica discursiva, a semiótica visual ou plástica. Por essa vertente, pode-se realizar a análise de textos não-verbais e sincréticos(14). Na verdade, essa nova abordagem garantiu acesso aos textos visuais como linguagem, ou seja, a construção da significação ao texto visual, recurso comunicacional cada vez mais presente no contexto dos ambientes digitais.

Denominam-se sistemas semissimbólicos aqueles produzidos a partir de articulação entre conteúdo e expressão, buscando-se homologar categorias desses dois planos(10) de forma a garantir o estabelecimento de uma relação de interdependência e reciprocidade entre ambos(6). O semissimbolismo garante uma forma de leitura proveniente da associação direta entre os dois planos de tal forma que a interação de elementos como cor, forma, ritmo, variações de tonicidade e gradações(15) acaba por permitir a manifestação de novos efeitos de sentido de natureza complexa e singular(6). Isso é o que ocorre no caso de textos visuais ou sincréticos, cuja análise, a partir das teorias semióticas mais apropriadas para textos verbais, revela-se, por vezes, ineficaz.

Nesse sentido, a semiótica plástica surge como uma nova forma de análise de conteúdos, focando-se no que está além do percurso gerativo(14). Um de seus principais precursores foi Jean-Marie Floch. Discípulo de Greimas, Floch instaurou a semioestética, uma subárea da semiótica discursiva na qual se tem a associação dos conhecimentos estéticos aos semióticos(16) o que, por sua vez, permite o acesso às imagens visuais como linguagem(6). Por garantir uma análise mais consistente das relações semissimbólicas, essa vertente tem requerido cada vez mais atenção em estudos envolvendo significação.

A Figura 1 apresenta adaptação de um modelo de percurso gerativo de sentido para o plano da expressão, à luz da semiótica plástica(17).

 

 

Uma contribuição da semiótica plástica, em particular, encontra-se em sua possível aplicação na análise de conteúdos ligados à promoção da saúde.

 

Método

Atualmente, a promoção da saúde é um dos principais modelos teórico-conceituais que sustentam políticas de saúde em todo o mundo(18), abarcando propagandas, campanhas e programas de caráter preventivo e educativo.

Se a comunicação, atualmente, é hipermidiática, programas baseados em mindfulness têm se adaptado a essa realidade, utilizando esses meios ao disponibilizar conteúdos didaticamente organizados para os ambientes digitais. É certo que, nesses ambientes, a interseção entre pedagogia e comunicação se aprofunda, ainda que a primeira não seja objeto deste estudo.

A análise semiótica de um curso denominado Programa de Autocuidado Baseado em Mindfulness, na modalidade EaD, foi feita a partir de um print (Figura 2) de tela do curso disponibilizado no ambiente de aprendizagem Moodle® (Modular Objetct-Oriented Dynamic Modular Oriented), versão 3.1. O endereço no qual o curso está disponível é: http://www.eadmindfulnessbrasil.com/cursos/course/view.php?id=8.

O curso em questão foi desenvolvido pelo Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde ("Mente Aberta"), do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), tendo como proposta capacitar profissionais do SUS em mindfulness, visando ao aumento das habilidades de repouso e tomada de consciência e ao desenvolvimento de emoções positivas. O curso está estruturado por meio da oferta, na plataforma, de textos, áudios e vídeos relacionados às respectivas práticas, além da inclusão de propostas de atividades, como preenchimento de diários, e de um espaço para esclarecimento de dúvidas e aprofundamento do tema.

Antes da análise semiótica de um print do curso objeto de estudo deste artigo, foi feita uma análise semiótica das práticas de mindfulness que compõem o programa (Figuras 3 e 4), a ser apresentada adiante.

 

 

 

 

 

Buscou-se, dessa forma, facilitar a compreensão sobre a articulação entre o plano de conteúdo e o plano de expressão identificada nas práticas, bem como sobre o eventual surgimento de relações semissimbólicas nesse processo de estudo.

Propõe-se o uso do modelo semiótico "euforia e disforia", de Floch(16-19), como conceito operacional para análise semiótica de conteúdos ligados à saúde(10). Os conceitos de euforia (valor positivo, efeitos de sentido da saúde) e disforia (valor negativo, efeitos de sentido de doença) garantem significação às oposições semânticas de base por sua materialização nos planos do conteúdo e da expressão.

Em geral, conteúdos da área de saúde euforizam termos como alegria, prazer, tranquilidade e calma, cujos efeitos de sentido que suscitam estão representados, no plano da expressão, por recursos visuais relacionados ao uso do claro, gradativo, colorido, sutil, contínuo, nítido, alto, simples, simétrico, único, conjunto e pictórico. Por outro lado, tais conteúdos disforizam outros termos, como tristeza, ansiedade, dor e angústia, expressos, no plano da expressão, geralmente pelo uso do monocrômico, denso, descontínuo, desfocado, baixo, complexo, assimétrico, múltiplo, disjunto e gráfico(6).

 

Resultados

Semiótica e mindfulness

As Figuras 3e 4 correspondem a imagens de duas práticas disponibilizadas na plataforma do curso: uma relacionada à prática da respiração e uma relacionada à prática do escaneamento corporal.

Contrárias ao paradigma histórico de comunicação em saúde, que reforça uma transmissão verticalizada, centrada na figura do médico(20) e estruturada pela linguagem (seja ela verbal ou não-verbal), práticas de mindfulness trabalham, essencialmente, um processo de comunicação baseado na autoescuta, sendo o conteúdo construído pelo sujeito a partir das experiências pessoais.

No nível fundamental, essas práticas permitem levantar uma oposição de base inicial, o par saúde-doença que, no nível discursivo, pode ser decomposto nos temas tranquilidade-inquietude, silêncio-ruído.

Uma peculiaridade dessas práticas consiste no fato de elas serem conduzidas, essencialmente, dentro de um contexto de silêncio, com inserção de breves momentos de troca de experiências em grupo, conhecidos como inquiry. Mindfulness, contudo, contempla uma categoria de silêncio diferente do "silêncio eloquente" que a linguística vê como signo, cuja função emotiva o insere dentro do processo de comunicação(21).

Trata-se, antes, de uma abordagem que abarca três outras categorias: silêncio descentralizado (auto-orientado), interpessoal (um acordo entre o grupo) e semiótico (posturas, sons e sinais). Por tal peculiaridade, mindfulness corresponderia a uma forma de reestruturação do self para uma instância de segunda ordem, definida como campo da reflexividade, clareza, atenção, objetividade e proximidade com o inconsciente(22-23).

Ainda pela análise das imagens disponibilizadas nas Figuras 3 e 4, as práticas aqui abordadas assumem, no nível superficial (forma), dimensão topológica a partir da adoção de posturas em dois diferentes planos: deitado e sentado. Tomando-se a análise dos planos de expressão a partir dos pares horizontalidade vsverticalidade, silêncio vs fala, homologa-se, a princípio, as categorias temático-figurativas /quietude/ vs /movimento/, /silêncio/ vs /ruído/ (nível discursivo do plano de conteúdo). Se a alternância de posturas consolida o caráter experiencial das práticas, o ritmo lento adotado na condução das práticas insere-as, no nível intermediário, na instância do silêncio, campo de ação das práticas atencionais.

A partir do exposto, propõe-se o seguinte quadro de homologação entre o plano de conteúdo e o plano de expressão das práticas de mindfulness, responsáveis pela construção de relações semissimbólicas (Figura 5).

 

 

A correlação das categorias do plano de expressão com a categoria semântica de base /saúde/ vs / doença/ (nível fundamental do plano de conteúdo), embora exista, mostra-se, a princípio, menos evidente, uma vez que está inserida no nível mais profundo e abstrato.

Retomando-se o modelo de Floch(16), os elementos estéticos presentes nas Figuras 3 e 4 que contribuiriam para a construção de um ambiente de prática eufórico (ligado à saúde) seriam aqueles ligados ao simples e simétrico (relativo à forma, do nível superficial), ao contínuo (relativo ao pulso, do nível intermediário) e ao claro (relativo à luz, do nível profundo).

Pontua-se, contudo, que efeitos de sentido envolvendo comunicação e saúde não são, exclusivamente, euforia. Ao contrário, a construção da significação, quando do uso de imagens, tem sempre caráter não linear.

O que há é a predominância de elementos que determinam efeitos de sentido de bem-estar de forma a garantir um discurso coerente com a finalidade do objeto em questão, incluindo sua relação com o fazer persuasivo e com o contrato de veridicção(6).

A seguir, faremos a análise do print do curso ofertado na plataforma Moodle.

 

Discussão

Análise semiótica de prints do curso Programa de Autocuidado Baseado em Mindfulness, disponível na internet.

Para uma análise, a partir da semiótica plástica, de um print do curso Programa de Autocuidado Baseado em Mindfulness, disponível na internet, considera-se que exista entre enunciador (Centro Mente Aberta) e enunciatários (profissionais do SUS) um contrato de veridicção e confiança, baseado na crença do enunciatário da competência do enunciador e no poder do binômio ensino-aprendizagem do curso. O enunciador se baseia nos valores saúde e bem-estar que recaem sobre a proposta de mindfulness, retomando-se, para isso, a oposição semântica de base saúde vs doença e suas derivações temáticas quietude vs movimento, silêncio vs ruído, pontuadas anteriormente.

Deve-se levar em conta as particularidades eventualmente presentes na adoção de uma estética alinhada com a proposta pedagógica do curso, a fim de facilitar o aprendizado e a incorporação das práticas de maneira regular e progressiva.

Para uma análise semioestética do print (Figura 2), foram adotadas as categorias euforia vs disforia, propostas pela semiótica de Floch(16).

Observa-se que estão presentes elementos mínimos de expressão. Há predominância de elementos visuais eufóricos, consonantes com os valores do curso (autocuidado e promoção da saúde), aceitos no contrato de veridicção, como o uso do claro, contínuo, nítido e simples.

O título do curso, ainda que predominantemente verbal, traz elementos não verbais por meio do uso de uma imagem comumente relacionada às práticas meditativas, a flor de lótus. A forma estilizada dela não dista daquela presente no mundo natural, tornando-a, portanto, acessível à leitura pelo senso comum. Outra imagem, um galho em direção oblíqua, ao final do título, confere um efeito de sentido de ascendência ao texto.

Se, por um lado, a desconstrução das figuras em elementos mínimos (cores e linhas) afasta a necessidade de algum conhecimento da imagem, por outro, uma tendência à abstração conduz para as intenções implícitas de mindfulness, dentre elas, o reforço de seu caráter experiencial através da transição do estado de repouso (figura à esquerda) para o de movimento (figura à direita).

As duas figuras (flor de lótus e galho) apresentam-se como unidades posicionadas de forma simétrica em relação ao título (centralizado), unidas por uma trajetória horizontal. As formas e cores de ambas (formato de folhas de diferentes tamanhos, predominantemente lilás com pigmentos amarelados nas bordas) aproximam-nas. Consolida essa aproximação o uso da mesma cor lilás aplicada ao título. A cor lilás é simbolicamente associada à cura nos níveis físico, mental e emocional. Como resultado, tem-se uma massa uniforme que define um percurso visual de sentido horizontal ao mesmo tempo em que divide a tela em dois blocos assimétricos, parte superior menor e parte inferior maior. Se a ausência de contraste entre imagem e título reforça a cor como principal elemento estético, o contraste dessa unidade pictórica em relação ao fundo branco e liso confirma a assimetria.

Assim, podem ser identificadas as seguintes categorias estéticas(16): claro x escuro; gradativo x contrastante; monocrômico x colorido; contínuo x descontínuo; simples x complexo; conjunto x disjunto; conjugadas às oposições semânticas de base(7): figura x fundo; lilás x outra cor qualquer; simétrica x assimétrica; horizontal x vertical; central x lateral; simplicidade x complexidade; neutralidade cromática x colorido. Apesar de nem todas estarem presentes na imagem, essas se encontram presentes por constituírem um par opositor.

De acordo com a análise semissimbólica, confirma-se a valorização de uma estética da simplicidade de cores e formas que converge para uma afirmação dos valores calma e bem-estar compatíveis com as práticas de mindfulness. Outras situações de comunicação presentes no programa poderiam ser analisadas para confirmar essa relação e ampliar o semissimbolismo, mas se desejou, neste artigo, focar na apresentação inicial do curso como forma de contribuir com as primeiras reflexões.

 

Conclusão

Bases para o desenvolvimento de modelos comunicacionais relacionados à promoção da saúde em ambiente digital a partir do caso de uma intervenção baseada em mindfulness

Pelo exposto e de acordo com nosso objetivo, podem ser levantadas algumas questões iniciais relacionadas à aplicação da semiótica plástica na comunicação visual de conteúdos relacionados à saúde: que elementos, dentre vários recursos visuais, poderiam facilitar a comunicação e, por consequência, a aderência do usuário a protocolos aplicáveis no contexto da promoção da saúde? Haveria algumas diretrizes a serem observadas que contribuiriam com a proposição de um modelo comunicacional para programas de promoção de saúde em ambiente digital?

Nesse sentido, o presente artigo buscou contribuir com essas reflexões a partir da análise de uma proposta de comunicação de um programa de autocuidado, disponível na internet, baseado em mindfulness.

Reconhece-se a importância da identificação de teorias semióticas que melhor se adéquem a cada conteúdo em particular. No caso de mindfulness, propôs-se a análise de um programa de mindfulnessonline pela vertente plástica, adotando-se o modelo semiótico euforia x disforia, proposto por Floch. Percebeu-se que a categoria "euforia" foi importante para criar efeitos de sentido de saúde, prazer e bem-estar, graças a recursos expressivos, como: claro, gradativo, colorido, sutil, contínuo, nítido, alto, simples, simétrico, único, conjunto e pictórico.

Entende-se que o alcance do semissimbolismo, em um programa de mindfulness online, poderia ser melhor dimensionado pela fusão de textos e imagens com os áudios e vídeos, disponibilizados na plataforma. Reforçando a vertente plástica como referência, sugere-se a elaboração de programas de mindfulnessonline estruturados com base em design que favoreça um conjunto integrado de experiências por meio do uso de diferentes formas, cores e planos.

Por se tratar de intervenção em saúde, ressalta-se a importância do maior incentivo a pesquisas que contemplem a análise semiótica de como essas mensagens são apreendidas e compreendidas pelos usuários.

Ainda que à semiótica não caiba responder quais elementos visuais (eufóricos ou disfóricos) devam ser empregados na elaboração de conteúdos, mas, sim, o que e como eles transmitem a mensagem, propõe-se a pergunta: que recursos visuais poderiam ser empregados, nos designs dos programas de mindfulness online, para provocar mais adesões de usuários à respectiva prática de modo regular?

A resposta a essa questão viria ao encontro das pesquisas relacionadas com o desenvolvimento de modelos comunicacionais em Saúde Pública e dos estudos sobre modelização da linguagem visando à proposição de formatos mais efetivos envolvendo mindfulness e promoção da saúde. Nossa análise apresentou sentidos, ligados à euforia, que podem ser verificados em outros contextos e melhor estudados em outras pesquisas.

Espera-se, com base em um caso de intervenção de mindfulnessonline, incentivar novas pesquisas relativas ao desenvolvimento de modelos comunicacionais para programas de promoção da saúde de forma a garantir a proposição de formatos mais consistentes com o ambiente digital.

 

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Autor correpondente:
Patricia Silveira Martins
E-mail: martinsparra@gmail.com

Recebido: 04.01.2020
Aceito: 22.05.2020

 

 

Contribuição dos autores
Concepção e planejamento do estudo: Patricia Silveira Martins, Rita Maria Lino Tárcia e Marcelo Marcos Piva Demarzo. Obtenção dos dados: Patricia Silveira Martins, Javier Garcia-Campayo e Marcelo Marcos Piva Demarzo. Análise e interpretação dos dados: Patricia Silveira Martins, Rita Maria Lino Tárcia, Daniervelin Renata Marques Pereira, Vera Lúcia Morais Antônio de Salvo, Daniela Ferreira Araújo Silva, Márcio Sussumu Hirayama, Ricardo Monezi Julião de Oliveira, Ana Cristina Bastos Ferreira de Paula, Ausiàs Cebolla, Rosa Baños e Marcelo Marcos Piva Demarzo. Obtenção de financiamento: Javier Garcia-Campayo e Marcelo Marcos Piva Demarzo. Redação do manuscrito: Patricia Silveira Martins, Rita Maria Lino Tárcia, Daniervelin Renata Marques Pereira, Vera Lúcia Morais Antônio de Salvo, Daniela Ferreira Araújo Silva, Márcio Sussumu Hirayama, Ricardo Monezi Julião de Oliveira, Ana Cristina Bastos Ferreira de Paula, Ausiàs Cebolla, Rosa Baños, Javier Garcia-Campayo e Marcelo Marcos Piva Demarzo. Revisão crítica do manuscrito: Patricia Silveira Martins, Rita Maria Lino Tárcia, Daniervelin Renata Marques Pereira, Vera Lúcia Morais Antônio de Salvo, Daniela Ferreira Araújo Silva, Márcio Sussumu Hirayama, Ricardo Monezi Julião de Oliveira, Ana Cristina Bastos Ferreira de Paula, Ausiàs Cebolla, Rosa Baños e Javier Garcia-Campayo.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: os autores declararam que não há conflito de interesse.
* Este artigo refere-se à chamada temática "Mindfulness e outras práticas contemplativas".

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