SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número4Impacto da intervenção educacional sobre suicídio na percepção de enfermeiras e agentes comunitários de saúdeSuicídio e depressão na população LGBT: postagens publicadas em blogs pessoais índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.16 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.169186 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores de risco para ideação suicida entre universitários atendidos por um serviço de assistência de saúde estudantil*

 

Factores de riesgo de ideación suicida entre estudiantes universitarios atendidos por un servicio de atención médica estudiantil

 

 

Rayni Pereira MachadoI; Karine Santana de Azevedo ZagoI; Clesnan Mendes-RodriguesI; Elaine Saraiva CalderariII; Daniela Aparecida de Sousa Moreira RamosII; Fabiola Alves GomesI

IUniversidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina, Uberlândia, MG, Brasil
IIUniversidade Federal de Uberlândia, Pró-Reitoria de Assistência Estudantil, Uberlândia, MG, Brasil

Autor correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: identificar os fatores de risco para ideação suicida entre universitários atendidos no serviço de assistência de saúde estudantil de uma Universidade Federal no estado de Minas Gerais.
MÉTODO: pesquisa transversal, retrospectiva, de abordagem quantitativa, a partir de banco de dados administrativos gerados pela Divisão de Saúde de uma Universidade Federal no estado de Minas Gerais. Para todas as análises, utilizou-se o software SPSS versão 20.0. Adotou-se significância de 5%.
RESULTADOS: foram analisados 545 formulários de atendimentos. A maioria dos atendidos era do sexo feminino, a média de idade foi de 22 anos e há maior prevalência em estudantes de graduação. O uso abusivo de substâncias psicoativas foi associado à ideação suicida (p=0,010), bem como o uso abusivo de álcool (p=0,020). Os preditores para ideação suicida são: uso de psicotrópico (p=0,022); tentativa de suicídio prévia (p=0,002); comportamento autolesivo não suicida (p=0,038); abuso de álcool (p= 0,010) e estudar no Campus de Uberlândia (p=0,001). Em contrapartida, as variáveis relacionadas aos conflitos na universidade (p=0,004) e relacionamento interpessoal (p=0,007) foram consideradas protetivas.
CONCLUSÃO: consideram-se necessárias intervenções com base nos fatores de risco identificados na pesquisa, a fim de se obter êxito nas estratégias de prevenção do comportamento suicida.

Descritores: Universitários; Saúde Mental; Ideação Suicida; Serviço de Acolhimento.


RESUMEN

OBJETIVO: identificar los factores de riesgo de ideación suicida entre estudiantes universitarios atendidos en el servicio de atención de salud estudiantil de una Universidad Federal del estado de Minas Gerais.
MÉTODO: estudio transversal, retrospectivo, con enfoque cuantitativo, basado en datos administrativos generados por la División de Salud de una Universidad Federal del estado de Minas Gerais. Para todos los análisis, se utilizó el software SPSS versión 20.0. Se adoptó una significancia del 5%.
RESULTADOS: se analizaron 545 formas de asistencia. La mayoría de los pacientes atendidos fueron mujeres, la edad promedio fue de 22 años con mayor prevalencia en estudiantes de pregrado. El abuso de sustancias psicoactivas se asoció con la ideación suicida (p=0,010), entre las que destaca el abuso de alcohol (p=0,020). Los predictores de ideación suicida son: uso de psicofármacos (p=0,022); intento de suicidio previo (p = 0,002); comportamiento autolesivo no suicida (p=0,038); abuso de alcohol (p=0,010) y estudios en el campus de Uberlândia (p=0,001). Por el contrario, las variables relacionadas con los conflictos en la universidad (p=0,004) y las relaciones interpersonales (p=0,007) se consideraron protectoras.
CONCLUSIÓN: se consideran necesarias las intervenciones basadas en los factores de riesgo identificados en la investigación para tener éxito en las estrategias de prevención de la conducta suicida.

Descriptores: Estudiantes Universitarios; Salud Mental; Ideación Suicida; Servicio de Recepción.


 

 

Introdução

Estimativas mundiais apontam que, anualmente, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio(1). Entre 2010 e 2016, a taxa global de suicídios padronizada por idade aumentou 6% nas Américas. No Brasil, entre os anos de 2011 e 2018, foram notificados 339.730 casos de violência autoprovocada, sendo que 154.279 (45,4%) ocorreram entre jovens na faixa etária de 15 a 29 anos(2). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é a segunda causa principal de morte entre a população jovem(3).

Apesar das evidências de que muitas mortes por suicídio são evitáveis por meio de estratégias de prevenção, esse tema não costuma ser uma prioridade para governos e formuladores de políticas públicas de saúde. Este descaso se reflete no elevado número de casos de violências autoprovocadas.

As violências autoprovocadas e autoinfligidas são eventos que ocorrem em todas as regiões do mundo e podem ser divididas em suicídio (ideações suicidas e tentativas) e autoabuso (automutilação). O comportamento suicida varia desde a ideação suicida, pensando em acabar com a própria vida, até a realização do ato. Entretanto, é importante afirmar que nem toda violência autoprovocada caracteriza uma tentativa de suicídio, pois esse comportamento pode ter o objetivo de regulação emocional, como aliviar sensações de vazio ou indiferença e cessar sentimentos ou sensações ruins, um pedido de ajuda, sem que necessariamente exista o objetivo de se matar. Assim, é necessário fazer correlação entre a intenção e o resultado uma vez que nem todo ato de violência autoinfligida objetiva a morte. O termo ideação suicida, objeto deste estudo, é frequentemente usado para se referir a pensamentos de matar a si mesmo, mas também se refere a uma sensação de cansaço da vida, de que não vale a pena viver(4-5).

A ideação suicida, objeto do presente estudo e uma das modalidades de violência autoprovocada, é caracterizada pelo pensamento de que uma ação autoinfligida pode resultar em morte. A ideação suicida entre adolescentes é observada em todo mundo, pode estar relacionada ao diagnóstico de transtornos mentais e a fatores ambientais tais como o histórico de suicídio na família, exposição à violência, conflitos familiares e também algumas características pessoais como abuso de álcool e drogas(3).

Destaca-se que uma parcela importante dos adolescentes esteja nas universidades(6), sendo expostos a vários fatores de risco para ideação suicida. Os universitários podem sofrer diversas inadaptações relacionadas às mudanças bruscas oriundas da saída do ensino médio e ida para o ensino superior, tais como: a gestão do próprio tempo, independência, a separação da família, dentre outras pressões que podem gerar um estado de ansiedade e depressão que é usualmente prejudicial ao desempenho acadêmico(7), além da necessidade de pertencimento a um grupo e a impulsividade, que podem culminar no abuso de álcool e drogas motivado pela necessidade de aceitação social e influência de amigos(8). Consequentemente, a inadaptação a essas mudanças, o sentimento de solidão e o estado depressivo podem estar relacionados à alta prevalência de ideação suicida nessa população(9).

Nesse sentido, um estudo que avaliou o sofrimento psicológico entre os universitários concluiu que 47,7% da amostra apresentava sofrimento psíquico, sendo a prevalência de estresse de 52,8%, de sintomas ansiosos 13,5% e de sintomas depressivos de 7,26(8). Outra pesquisa identificou que 80,7% dos estudantes consumiram bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida e que 68,8% ingeriram álcool no último ano, sendo que um padrão de consumo de risco foi evidenciado em 21,1% dos estudantes(8). Essa prevalência de níveis de depressão, ansiedade, estresse, bem como o consumo de bebida alcoólica, que são definidos como fatores de risco para suicídio, também têm sido observadas em outros estudos e geram uma preocupação cada vez maior com esse público, justificando a necessidade de políticas públicas de saúde mental voltadas a essa população(10).

Assim sendo, os universitários que procuram os programas de assistência estudantil podem representar um cenário ainda mais preocupante para ideação suicida, por se tratar de uma população em vulnerabilidade. Logo, o objetivo do presente estudo foi identificar os fatores de risco para ideação suicida entre universitários atendidos por um serviço de saúde estudantil de uma universidade pública brasileira. Este conhecimento é importante para o planejamento de ações de prevenção, tanto por parte dos gestores das instituições de ensino superior, como das equipes de saúde que assistem esses estudantes dentro e fora dos campi(11).

 

Método

Trata-se de uma pesquisa transversal, retrospectiva e de abordagem quantitativa, a partir de dados gerados pela Divisão de Saúde (DISAU) dos estudantes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A Divisão de Saúde (DISAU) é um órgão que tem como foco implementar programas, projetos e ações que atendam a comunidade estudantil da UFU em suas necessidades de saúde, bem como seus reflexos na vida pessoal e acadêmica. Tendo como perspectivas a orientação, a prevenção e a promoção de saúde, todo o trabalho realizado pela DISAU está pautado no Plano Nacional de Assistência Estudantil e no Programa Nacional de Assistência Estudantil(12). O serviço realiza atendimentos em saúde mental por meio de plantões psicológicos e psicoterapia breve. Os atendimentos são feitos por demanda espontânea e também por encaminhamento pelas unidades acadêmicas. São atendidos todos os estudantes da UFU (graduação e pós-graduação), preferencialmente os estudantes bolsistas da assistência estudantil.

Os profissionais de saúde mental que fazem o atendimento na DISAU preenchem um formulário elaborado pelo serviço, com dados sobre o estudante. Essas informações são coletadas rotineiramente e tem um caráter administrativo e de gestão do serviço.

Os dados de todos os atendimentos da DISAU, no período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2018 (que estavam organizados em planilhas eletrônicas), foram acessados pelos pesquisadores, sem informações que permitissem a identificação do estudante. De acordo com esses dados, foram atendidos 545 estudantes. Foram utilizadas informações do perfil dos estudantes como sexo, idade, se era aluno de graduação ou pós-graduação, se recebia bolsa de assistência estudantil (qualquer tipo de bolsa estudantil de assistência socioeconômica), em qual campus estuda (Uberlândia, Patos de Minas, Ituiutaba e Monte Carmelo) e a presença de fatores de risco para ideação suicida. Os fatores de risco avaliados foram: presença de conflitos interpessoais, presença de conflitos na Universidade, o uso de psicotrópicos (uso de medicações contínuas conforme prescrição médica), automedicação (uso de medicações psciotrópicas sem prescrição médica), uso de substâncias psicoativas, tentativa prévia de suicídio, ansiedade, ataques de pânico, quadro depressivo, uso abusivo de álcool e atos lesivos não suicidas.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia, número CAAE: 23864819.7.00005152. Os estudantes foram divididos em dois grupos para análise. O primeiro grupo é formado pelos estudantes sem ideação suicida (n = 501 estudantes) e o segundo pelos estudantes com ideação suicida (n = 44 estudantes).

Os dados quantitativos foram testados quanto à normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk e, baseados neste, foram aplicados os testes t de Student ou de Mann-Whitney. A independência entre os grupos e as variáveis qualitativas foi testada com o teste de Qui-Quadrado de Independência ou teste Exato de Fisher. Para a predição de ideação suicida a partir das variáveis preditoras, os resultados foram ajustados a modelos de regressão logística multivariada, com variável resposta dependente, o sucesso (presença de ideação suicida). Foi calculado o Odds-Ratio ajustado e o seu intervalo de confiança a 95%. Optou-se por manter no modelo completo somente as variáveis preditoras que tenham mostrado diferenças significativas entre os grupos (sucesso e fracasso); no modelo mais parcimonioso, foram mantidas aquelas variáveis preditoras com probabilidade de Wald menor ou igual a 5% pelo método de backward (seleção de variáveis, passos e análises intermediárias não mostradas). A variável campus foi dicotomizada em pertencer ou não ao campus de Uberlândia (apenas na analise multivariada). A adequação do modelo foi testada pelo teste de Hosmer e Lemeshow. Os modelos de regressão logística univariada não foram testados, por entendermos que a ideação suicida tem sua origem multifatorial, não podendo ser predita por somente um aspecto do comportamento ou da história do estudante. Para todas as análises utilizou-se o software SPSS versão 20.0 e foi adotada a significância de 5%.

 

Resultados

Foram analisadas as informações de 545 estudantes atendidos na DISAU e verificou-se a prevalência de ideação suicida em 44 (8,1%) estudantes.

A análise dos dados dos estudantes mostrou que a média de idade era de 22,8 anos (mediana 22 anos) no grupo sem ideação e 22,9 (mediana 22,5 anos) no grupo com ideação, sem diferenças estatísticas entre estes (p=0,059).

A maioria dos universitários é do sexo feminino (n=337), sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p=0,819). Em ambos os grupos, prevaleceram os estudantes de graduação, sem diferenças estatísticas (p=1,000), conforme se verifica na Tabela 1.

A Universidade Federal de Uberlândia possui quatro campi, em diferentes cidades, a saber: Uberlândia, Ituiutaba, Monte Carmelo e Patos de Minas. O único campus onde foi encontrada significância estatística foi o de Uberlândia: 63.2% no primeiro grupo e 90.9% no segundo (p <0,001).

Por sua vez, a porcentagem de universitários que recebem auxílio estudantil apresenta uma diferença pequena entre os grupos: 40,1% no grupo sem ideação suicida e 40,9% no grupo com ideação 40,9% (p=1,000).

Verificou-se que os conflitos interpessoais e conflitos na universidade foram significativamente maiores no grupo sem ideação suicida (p=0,012; p=0,006; respectivamente).

Há também maior prevalência de uso de substâncias psicoativas no grupo de ideação em relação ao grupo sem ideação suicida. No mesmo sentido, o número de estudantes que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas é maior no segundo grupo (27,3%) do que no primeiro grupo (12,1%) (p=0,010). O uso abusivo de álcool também se mostrou significativamente maior no segundo grupo (20,4%) do que no primeiro grupo (8,8%) (p=0,020).

O uso de psicotrópicos bem como tentativas prévias de suicídio, foram identificados como preditores para ideação suicida, (p=0,008; p<0,001; respectivamente). Ambos se mostraram maiores no grupo com ideação suicida (4,5%) e (20,4%).

Outras variáveis também sugerem diferenças significativas entre o primeiro e segundo grupos. São elas: i) quadro depressivo ii) automedicação e iii) atos autolesivos não suicidas. Quadros depressivos são relatados por 50% dos estudantes do grupo com ideação suicida e 20,8% dos estudantes no grupo sem ideação (p<0.001). Por sua vez, a automedicação é maior no segundo grupo (6,8%) em relação ao primeiro (1,4%) (p=0,042). Finalmente, os atos autolesivos não suicidas também apresentaram significância estatística, sendo menores no primeiro grupo (1,6%) se comparados ao segundo grupo (13.6%) (p<0,001).

A Tabela 2 apresenta o modelo de predição para ideação suicida e tem como variáveis preditivas: uso de psicotrópicos (p§= 0,022); tentativa de suicídio prévia (p§=0,002); comportamento autolesivo (p§=0,038); uso abusivo de álcool (p§= 0,010) e estudar no Campus de Uberlândia (p§=0,001). Em contrapartida, as variáveis i) conflitos com a universidade (p§=0,004) e ii) conflitos interpessoais (p§=0,007) foram consideradas fatores protetivos para ideação suicida. O modelo apresentou ajuste adequado pelo teste de Hosmer e Lemeshow (Qui-quadrado = 1,74; p = 0, 97).

 

Discussão

No presente estudo, a prevalência de ideação suicida entre os estudantes foi de 8,1%, sendo identificados como fatores de risco: i) o uso de psicotrópicos, ii) a tentativa prévia de suicídio, iii) comportamento autolesivo, iv) consumo abusivo de álcool e v) estudar no campus de Uberlândia. Essa prevalência foi semelhante a de outras pesquisas. Entretanto, os fatores de risco foram parcialmente divergentes.

Um estudo com o objetivo de avaliar a presença de ideação suicida em adolescentes da população geral observou que 10,7% apresentaram ideação suicida e como fator de risco foram observados sintomas de depressão(13). Outra pesquisa demonstra que 9,9% dos estudantes tinham ideias suicidas nos últimos 30 dias, e as variáveis i) orientação sexual, ii) tentativas de suicídio na família e iii) presença de sintomas depressivos foram identificadas como fatores de risco(11). No mesmo sentido, dados da V Pesquisa Nacional de Perfil Sócio Econômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das Instituições Federais de Ensino do Brasil demonstraram que 83,5% dos estudantes apresentam alguma dificuldade emocional, sendo que a ansiedade afeta 6 a cada 10 estudantes, ideia de morte afeta 10,8% da população-alvo e pensamento suicida 8,5%(14) .

A maioria dos estudos entende que há prevalência de ideação, tentativas de suicídio e depressão no sexo feminino por associar-se às questões hormonais, fisiológicas e ambientais(15). Existem muitas razões possíveis para diferentes taxas de suicídio entre homens e mulheres, tais como: questões de igualdade de gênero, diferenças nos métodos socialmente aceitáveis para lidar com o estresse e conflito entre homens e mulheres, disponibilidade e preferência por diferentes meios de suicídio, disponibilidade e padrões de consumo de álcool e diferenças nas taxas de procura de cuidados para transtornos mentais. As razões variam muito de país para país e também entre as regiões(1). Entretanto, no presente estudo, a variável sexo não encontrou resultados semelhantes. Outro estudo realizado com universitários também não identificou diferença significativa entre as prevalências dos estados emocionais (Depressão, Ansiedade e Estresse) avaliados segundo o sexo(10).

Assim, quando se correlaciona sexo e ideação suicida verifica-se que não há consenso na literatura, sendo necessária a realização de investigações mais aprofundadas sobre a questão. Diante de tal cenário, o mais importante é conhecer as características epidemiológicas de cada região para se formular estratégias de prevenção.

Um estudo sobre fatores associados aos comportamentos suicidas e depressão entre universitários mostrou que questões socioeconômicas podem influenciar em aumento de sintomas depressivos(7). Todavia, o presente estudo não conseguiu demonstrar que a situação socioeconômica impacta na ideação suicida. Assim, são necessárias outras investigações com essa temática para melhor elucidação.

O consumo excessivo e/ou a dependência de álcool e outras drogas estão intimamente ligados aos suicídios e/ou tentativas(16). O uso abusivo de substâncias psicoativas apresentou diferença significativa entre os grupos, sendo mais prevalente no grupo com ideação suicida. Vários estudos apontam para a mesma direção, corroborando a ideia de que a prevalência de ideação suicida está associada principalmente ao uso de álcool e outras drogas. Nessa pesquisa não foi testado se o sexo interfere no uso abusivo de álcool(17).

Por sua vez, a tentativa prévia de suicídio figura como um fator de risco importante para ideação suicida, sendo identificada nesta pesquisa bem como em vários outros estudos. Significativamente, uma tentativa anterior de suicídio é o fator de risco mais importante para o suicídio na população em geral(1). Nesse sentido, as tentativas precisam ser tratadas com a seriedade que o caso merece, devendo ser interpretadas como indicativo de gravidade e complexidade. Esses pacientes devem receber tratamento multiprofissional especializado e o acesso aos meios de suicídio devem ser restringidos.

As políticas de restrição de meios (como limitar o acesso a pesticidas e armas de fogo ou colocar barreiras nas pontes) requerem uma compreensão das preferências dos métodos de diferentes grupos da sociedade e dependem da cooperação e colaboração entre vários setores(1,16). Ressalta-se que tais medidas devem ser adotadas como políticas para prevenção de suicídio pois se mostram eficazes.

Faltam evidencias na literatura sobre eficácia do uso de antidepressivos e neurolépticos na prevenção do suicídio, considerando que estudos desse tipo esbarram em questões metodológicas e preocupações éticas(18). Neste estudo, percebeu-se a associação entre ideação suicida e o uso de psicotrópicos, o que coincide com outros estudos, como por exemplo, um estudo recente que mostrou que drogas antipsicóticas e polifarmácia podem ser consideradas como preditores de suicídio(19).

A literatura tem mostrado que o índice de ansiedade entre universitários é maior que o de depressão(20). Porém, o presente estudo identificou em 50% da amostra, forte associação entre sintomas depressivos e ideação suicida, o que corrobora com um estudo recente sobre correlações da ideação suicida em estudantes, que mostra que estudantes com sintomas sugestivos de depressão, são mais propensos ao suicídio(21).

A depressão é uma das principais causas do comportamento suicida na adolescência e pode ser agravada pela impulsividade, que é um dos componentes presentes na maioria dos modelos psicológicos de suicídio. Esse traço tem uma importante influência no risco de suicídio e de auto lesão nos adolescentes(22).

No entanto, a intenção de suicídio pode ser difícil de avaliar, pois pode estar envolvida por ambivalência ou mesmo ocultação. Além disso, casos de mortes como resultado de autolesão sem intenção suicida ou tentativas de suicídio com intenção suicida inicial em que uma pessoa não deseja mais morrer (mas se tornou terminal), podem ser incluídos nos dados sobre mortes por suicídio. A distinção entre os dois é difícil, portanto, não é possível determinar quais proporções de casos são atribuíveis autolesão, com ou sem intenção suicida(1).

Nessa pesquisa o comportamento autolesivo mostrou-se significativo para risco de ideação suicida. Dessa forma, se faz necessário desenvolver programas não só para prevenção do suicídio, mas também dos comportamentos autolesivos.

Em relação aos campi universitários, este estudo mostrou que a associação da ideação suicida e o campus Uberlândia foram significativos. Isso pode ser mais bem explicado pelo fato de ser o campus na cidade maior e mais urbanizada (cidades maiores e mais urbanizadas estão relacionadas à maior incidência de transtornos mentais). No mesmo sentido, um estudo que discutiu a influência da urbanização no desenvolvimento de problemas relacionados à saúde mental, identificou a prevalência de ansiedade e depressão (combinadas) de 9,6% em áreas urbanas versus, 6,9% em áreas rurais (p<0,001)(23).

Por outro lado, ao mesmo tempo em que conflitos interpessoais e relacionados à universidade são fatores protetivos para a ideação suicida, tal dado tem como hipótese que a queixa principal para a busca pelo serviço de saúde dessa parcela de estudantes não estava relacionada a sinais e sintomas de transtornos mentais, mas sim a dificuldade em lidar com eventos da vida. É importante pensar que essas dificuldades devem ser tratadas, evitando a evolução dos casos para ideação suicida ou outras complicações na saúde mental desses estudantes.

Nenhum fator isolado é suficiente para explicar por que uma pessoa morreu por suicídio: o comportamento suicida é um fenômeno complexo que é influenciado por vários fatores de interação pessoal, social, psicológico, cultural, biológico e ambiental.

A análise dos dados dos estudantes atendidos pelo serviço de saúde permitiu entender melhor o perfil destes e caracterizar o serviço. Baseado nesses achados consideram-se necessárias intervenções com base nos fatores de risco e ou protetivos identificados na pesquisa, a fim de obter êxito nas estratégias de prevenção do comportamento suicida. Isso permite uma melhor organização e planejamento do serviço de atendimento.

O estudo teve como limitação a coleta de dados baseada em uma planilha utilizada pelo serviço, não sendo possível realizar algumas análises, pois os dados não são coletados rotineiramente pela divisão.

 

Conclusão

Este estudo identificou cinco fatores de risco para ideação suicida entre os universitários atendidos pela Divisão de Saúde, a saber: uso de psicotrópicos, tentativa de suicídio prévia, comportamento autolesivo não suicida, uso abusivo de álcool e morar em Uberlândia (um grande centro urbano quando comparado aos outros campi). Tais achados podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias de prevenção ao suicídio, bem como na elaboração de políticas públicas de saúde voltadas para esta temática. Deve-se enfatizar que estes resultados não encerram o debate sobre o tema, sendo importante a realização de outros estudos mais específicos que correlacionem o abuso de substâncias psicoativas entre universitários e ideação suicida, bem como identificar se os grandes centros urbanos podem ser prejudiciais à saúde mental.

 

Referências

1. World Health Organization. Preventing suicide: A global imperative. [Internet ] Genéve: World Health Organization; 2014; p. 1-92. [cited 2020 April 27 ]. Available from: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/131056/9789241564779_eng.pdf?sequence=1>         [ Links ].

2. World Health Organization. Suicide in the world: global Health Estimates. [Internet ] Genéve: World Health Organization; 2019; 1-32. [cited April 27 2020].Available from: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/326948/WHO-MSD-MER-19.3-eng.pdf?ua=1>         [ Links ].

3. Moreira LC de, Bastos PRHO de. Prevalence and risk factors associated with suicidal ideation in adolescents: literature review. Psicol Esc Educ. 2015;19(3):445-53. doi: https://doi.org/10.1590/21753539/2015/0193857        [ Links ]

4. Schlösser A, Rosa GFC, More CLOO. Review: behavior suicidal throughout the life sycle. Themes Psychol. 2014;22(1):133-45. doi http://dx.doi.org/10.9788/TP2014.1-11.         [ Links ]

5. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health [Internet]. Géneve: World Health Organization; 2002 [cited 2020 Augt 29]. p. 1-360. Available from: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42495/9241545615_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y>         [ Links ].

6. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (BR). Censo da educação superior 2018: divulgação dos resultados [Internet]. 2019;p.1-77. [Acesso 27 abril 2020]. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2019/apresentacao_censo_superior2018.pdf        [ Links ]

7. Fernandes MA, Vieira FER, Silva JS e, Avelino FVSD, Santos JDM. Prevalence of anxious and depressive symptoms in college students of a public institution. Rev Bras Enferm. 2018;71;5 :2169-75. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0752        [ Links ]

8. Mendonça AKRH, Jesus CVF de, Lima, SO. Factors associated with high-risk alcohol consumption among health science undergraduate students. 2018;42(1):207-15. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712018v42n1rb20170096

9. Pereira A, Cardoso F. Suicidal ideation in the university population: a literature review. Rev E-Psi. [Internet]. 2015;5(2):16-34. [cited 2020 April 27]. Available from: <https://revistaepsi.com/wp-content/uploads/artigos/2015/Ano5-Volume2-Artigo2.pdf>         [ Links ].

10. Martins BG, Silva WR da, Maroco J, Campos JADB. Depression, Anxiety, and Stress Scale: psychometric properties and affectivity prevalence. JBP, J Bras Psiquiatria. [Internet] 2019; 68(1):32-41. doi: 10.1590/0047-2085000000222        [ Links ]

11. Santos HGBS dos, Marcon SR, Espinosa MM, Baptista MN, Paulo PMC de. Factors associated with suicidal ideation among university students. Rev. Latino Am. Enfermagem. 2017;25:1-8. doi: 10.1590/1518-8345.1592.2878        [ Links ]

12. Decreto nº 7.234, de 19 Julho de 2010 (BR). Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos; 2010. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7234.htm>         [ Links ].

13. Azevedo A, Matos AP. Suicidal ideation and depressive symptomatology in adolescents. Psicol Saúde Doenças . 2014;15(1):180-91. doi: http://dx.doi.org/10.15309/14psd150115        [ Links ]

14. Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (BR). V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos da IFES. ANDIFES, Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais. [Internet]. 2018;5:1-318. [Acesso 15 junho 2020]. Disponível em: <http://www.andifes.org.br/wpcontent/uploads/2019/05/V-Pesquisa-Nacional-de-Perfil-Socioecon%C3%B4mico-e-Cultural-dos-as-Graduandos-as-das-IFES-2018.pdf>         [ Links ].

15.Benjet C, García RAG, Abrego-Ramírez G, Borges G, Covarrubias-Díaz A, Durán MS del, et al. Psychopathology and self-harm among incoming first-year students in six Mexican universities. Salud Publica Mex. 2019;61(1):16-26. doi: https://doi.org/10.21149/9158        [ Links ]

16. Gonçalves REM, Ponce JC de, Leyton V. Alcohol use and suicide. Saúde, Ética & Justiça. 2015;20(1):9-14. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2317-2770.v20i1p9-14        [ Links ]

17. Veloso LUP, Lima CLS, Sales J CS e, Monteiro CFS de, Gonçalves MAS de, Silva JFJG da. Suicidal ideation among health field undergraduates: prevalence and associated factors. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40: 1-6. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180144        [ Links ]

18. Haußmann R, Bauer M, Lewitzka U, Müller-Oerlinghausen B. Psychopharmaceuticals for treatment of suicidal patients and for suicide prevention. Nervenarzt. 2016;87(5):483-7. doi: https://doi.org/10.1007/s00115-016-0088-y        [ Links ]

19. Takeuchi T, Takenoshita S, Taka F, Nakao M, Nomura K. The Relationship between Psychotropic Drug Use and Suicidal Behavior in Japan: Japanese Adverse Drug Event Report. Pharmacopsychiatry. 2017;50(2):69-73. doi: 10.1055/s-0042-113468        [ Links ]

20. Nogueira, T. D. G. The Pfister test in assessment of depression and anxiety in college students: preliminary evidences. Bol Psicol. [Internet]. 2013;63(138) 11-21. [cited April 27 2020]. Available from: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/bolpsi/v63n138/v63n138a03.pdf>         [ Links ].

21. Nascimento VS, Santos AV, Arruda SB, Silva GA, Cintra JD, Pinto TC, et al. Association between eating disorders, suicide and depressive symptoms in undergraduate students of health-related courses. Einstein. 2020;18:1-7. doi: 10.31744/einstein_journal/2020AO4908        [ Links ]

22. McGirr A, Renaud J, Bureau A, Seguin M, Lesage A, Turecki G. Impulsive-aggressive behaviours and completed suicide across the life cycle: a predisposition for younger age of suicide. Psychol Med. [Internet]. 2008; 38: 407-17. doi: 10.1017/S0033291707001419        [ Links ]

23. Vries E de, Rincon CJ, Tamayo MN, Rodriguez N, Tiemeier H, Mackenbach JP, et al. Housing index, urbanisation level and lifetime prevalence of depressive and anxiety disorders: a cross-sectional analysis of the Colombian national mental health survey. BMJ Open. 2018;8(6):1-11. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.155334        [ Links ]

 

 

Autor correpondente:
Karine Santana de Azevedo Zago
E-mail: karinezago@ufu.br

Recebido: 28.04.2020
Aceito: 01.09.2020

 

 

Contribuição dos autores
Concepção e planejamento do estudo: Rayni Pereira Machado, Karine Santana de Azevedo Zago, Clesnan Mendes Rodrigues, Elaine Saraiva Calderari, Daniela Aparecida de Sousa Moreira Ramos, Fabiola Alves Gomes. Obtenção dos dados: Rayni Pereira Machado, Karine Santana de Azevedo Zago, Elaine Saraiva Calderari, Daniela Aparecida de Sousa Moreira Ramos, Fabiola Alves Gomes. Análise e interpretação dos dados: Rayni Pereira Machado, Karine Santana de Azevedo Zago, Clesnan Mendes Rodrigues, Fabiola Alves Gomes. Análise estatística: Rayni Pereira Machado, Karine Santana de Azevedo Zago, Clesnan Mendes Rodrigues, Fabiola Alves Gomes. Obtenção de financiamento: Rayni Pereira Machado, Karine Santana de Azevedo Zago, Fabiola Alves Gomes. Redação do manuscrito: Rayni Pereira Machado, Karine Santana de Azevedo Zago, Fabiola Alves Gomes. Revisão crítica do manuscrito: Rayni Pereira Machado, Karine Santana de Azevedo Zago, Fabiola Alves Gomes.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: os autores declararam que não há conflito de interesse.
* Este artigo refere-se à chamada temática "Violência autoprovocada: autolesão não suicida e comportamento suicida".

Creative Commons License