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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.16 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.163178 

ARTIGO ORIGINAL

 

Motivos e sentimentos que conectam o uso de crack à tentativa de suicídio*

 

Razones y sentimientos que relacionan el uso de crack con el intento de suicídio

 

 

Aline Voigt WeiserI; Michele Madagará de OliveiraI; Camila Irigonhé RamosI,II; Carin Vieira WeissI; Duilia Sedrês Carvalho LemosI,II; Karine Langmantel SilveiraI,II

IUniversidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, Pelotas, RS, Brasil
IIBolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil

Autor correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: conhecer os motivos e os sentimentos que influenciaram usuários de crack a tentar suicídio.
MÉTODO: pesquisa qualitativa realizada em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas. Participaram do estudo dez usuários. Realizaram-se entrevista semiestruturada e análise temática.
RESULTADOS: a vulnerabilidade social, o primeiro contato com a droga e o tempo de utilização associados ao uso abusivo foram fatores que influenciaram os sintomas depressivos e a falta de motivação para viver e que serviram de gatilho para a tentativa de suicídio.
CONCLUSÃO: as razões eleitas pelos participantes para terminar com a sua vida expõem, aos profissionais de saúde, a necessidade de qualificar a escuta e o atendimento de forma a acolher as demandas individuais e sociais das pessoas que utilizam crack.

Descritores: Cocaína Crack; Suicídio; Tentativa de Suicídio; Atenção à Saúde.


RESUMEN

OBJETIVO: conocer los motivos y sentimientos que influyeron en los usuarios de crack para intentar suicidarse.
MÉTODO: investigación cualitativa realizada en un Centro de Atención Psicosocial Alcohol y otras drogas. Diez usuarios participaron en el estudio. Se realizó una entrevista semiestructurada y un análisis temático.
RESULTADOS: la vulnerabilidad social, el primer contacto con la droga, la duración del uso asociado con el abuso fueron factores que influyeron en los síntomas depresivos y la falta de motivación para vivir, lo que desencadenó el intento de suicidio.
CONCLUSIÓN: las razones elegidas por los participantes para el final de sus vidas exponen a los profesionales de la salud a la necesidad de evaluar la escucha y la atención para satisfacer las demandas individuales y sociales de las personas que usan crack.

Descriptores: Cocaína Crack; Suicidio; Intento de Suicidio; Atención a la Salud.


 

 

Introdução

Ainda que o crack não seja a substância psicoativa ilícita mais utilizada no Brasil(1), o impacto na integridade física e social dos usuários faz com que o uso abusivo e a dependência sejam considerados um problema de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou, em seu relatório, que o uso abusivo de substâncias é um fator de risco para o comportamento suicida, uma vez que ambos são influenciados por fatores sociais, psicológicos e culturais(2).

Observa-se, na literatura, a prevalência muito mais elevada de tentativa de suicídio entre as pessoas com dependência (32,52%) em comparação com a população em geral (2,8%)(3). Este aumento pode estar relacionado com o contexto biopsicossocial desfavorável em que o usuário de substâncias se encontra, em especial, os usuários de crack.

O perfil de usuários de crack, estudado pela Fundação Oswaldo Cruz em cenas de uso, demonstrou que a substância é predominantemente utilizada por homens, não brancos, com até 30 anos, solteiros, com baixa escolaridade, sem renda e entre pessoas em situação de rua(4). Também é observado que o uso abusivo do crack pode refletir em sobrecarga emocional decorrente de conflitos familiares e sociais, tendo em vista a dificuldade em manter relacionamentos que consigam sobreviver aos conflitos gerados pelo abuso de substâncias psicoativas(3).

E ainda podem ocorrer comorbidades psiquiátricas associadas ao consumo abusivo de crack, que agem como um fator agravante, indutor e/ou perpetuador da condição de dependência ou abuso da substância. Os transtornos de humor e ansiedade, por exemplo, potencializam o risco de suicídio em usuários de substâncias psicoativas(5-6).

Objetivou-se, por este estudo, considerando a importância de conhecer as circunstâncias e os pensamentos envolvidos na ideação suicida, com vistas a proporcionar um cuidado efetivo a estes usuários de crack em situação vulnerável, conhecer os motivos que levam usuários de crack à tentativa de suicídio, bem como os sentimentos envolvidos.

 

Método

Estudo qualitativo, descritivo e exploratório realizado no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS AD) situado na cidade Pelotas, no extremo Sul do Brasil. Foram convidados a participar do estudo dez usuários de crack que realizavam tratamento no CAPS AD e que já tinham cometido tentativas de suicídio.

Os usuários participantes foram identificados com a letra U, abreviando a palavra "usuário", seguida de um número, sendo este de um até dez. Exemplo: U1O. Os participantes da pesquisa foram indicados pela equipe técnica do serviço. Como critérios de inclusão, foram elencados: ser usuário de crack (não exclusivamente); ter, em seu histórico, pelo menos, uma tentativa de suicídio e estar em condições físicas e mentais de responder à entrevista. Não houve critérios de exclusão, visto que foram entrevistados todos os usuários cadastrados no serviço em que havia registro no prontuário de tentativa de suicídio.

Os dados foram coletados a partir de entrevista semiestruturada, gravada e aplicada individualmente em uma sala reservada para a garantia do anonimato. A coleta foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2013. Foi utilizada análise temática dos dados que segue os seguintes critérios: pré-análise, exploração dos dados e tratamento dos dados(7). O trabalho atendeu aos princípios éticos em pesquisa, obtendo a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa a partir do parecer de número: 22516713.1.0000.5316.

 

Resultados

Participaram do estudo dez pessoas que usavam droga e que apresentaram tentativa de suicídio. Destas, oito eram do sexo masculino e tinham entre 17 e 36 anos de idade. Com relação à escolaridade, a maioria não completou o Ensino Fundamental ou não foi alfabetizada, incluindo os adolescentes. No que diz respeito às profissões ou ocupações, nenhum dos entrevistados possuía vínculo empregatício fixo no momento da entrevista e a maior parte estava vinculada ao trabalho informal, como serviços gerais, catador de lixo, pedreiro e vigilante. Alguns utilizavam a prostituição como fonte de renda. Como pode ser observado nas falas a seguir.

[...] às sete horas da noite, eu ia pra rio Grande fazer programa. (U1)

[...] mas vou ter que usar, aí acabou que eu fui à esquina, fiz dinheiro na quadra. (U2)

Vários fatores podem estar relacionados com o uso de substâncias psicoativas e a tentativa de suicídio. Diante disso, torna-se importante compreender como ocorre o início do uso do crack, do primeiro contato com a droga. Os participantes deste estudo relataram que a curiosidade, a influência de amigos e familiares, a falta de conhecimento sobre as consequências do uso da substância e até mesmo a presença desta no "pitico" (cigarro de maconha) e uso de outra substância influenciaram a experimentação do crack, como pode ser verificado nos relatos abaixo.

Eu comecei a usar o crack porque eu tinha um namorado...e ele era usuário de crack e eu, de cocaína... E quando eu chegava, ele já tava num estado de calamidade e eu não entendia...às vezes, ele fugia de mim e eu procurava ele, não achava ele... e aí eu disse pra ele assim: "que m... mesmo de porcaria porque tu deixa de hum, ficar comigo hum, pra ficar com essa porcaria". Daí ele disse: "ah...tu não entende porque tu não usa, né". E eu peguei então, vou usar essa porcaria pra ver o que é que dá pra mim senti a mesma coisa. Acabei usando o crack. (U1)

É, as razões não foram por mim. Há cinco anos atrás eu tava fumando maconha na esquina com uns amigos e não vi que era pitico, que tinha pedra no meio da maconha, aí, fumei e dali eu gostei, segui usando. Faz cinco anos que eu tô fumando maconha com pedra. (U5)

[...] porque eu só cheirava antes, mas aí eu não tinha mais dinheiro pra cheirar porque eu fali. O pó ficou mais caro e aí eu comecei a fumar o crack, que tava mais barato. Dali eu comecei a fumar, até ontem. Daí, já passou seis anos, sete anos fumando. (U8)

Com relação ao uso do crack com a tentativa de suicídio, verificou-se que alguns estavam em período de uso, outros estavam em abstinência e um dos usuários estava internado no momento da tentativa de suicídio. Não foi referida a relação da tentativa de suicídio com sintomas da abstinência. Nos relatos, há relação que, após o uso abusivo da droga, as pessoas se depararam sem alternativas, sem saber como agir e encontraram no suicídio uma maneira de acabar com o sofrimento.

Ah, a droga, né, por causa das drogas. Não sabia mais o que fazer mais, daí. (U7)

Muita droga, a gente não vê mais pra onde sair e a gente, no último caso, tenta se matar mesmo. Não vê saída. (U4)

É, vai usando, usando, quando vê, não tem mais saída [...] na hora, tu não pensa, eu com isso, eu quero é fumar e curtir. Quando passava o efeito, vinha a depressão, aí, bah...o que eu fiz. (U8)

Quando eu uso aí, quando eu vejo, acabou tudo, e aí eu tentei me matar, que aí eu não tenho mais motivo pra "tá" vivo, vem depressão, né, aí, digo assim, minha vida não tem mais conserto...eu usava direto e não tinha mais solução, não tinha, eu botei tudo fora, não tinha mais. (U9)

Os participantes relataram que, após algum tempo de utilização da substância associado ao uso de maneira abusiva, começaram a se sentir deprimidos e sem motivação para viver, fatos que serviram de gatilho para a tentativa de suicídio, como pode ser observado a seguir.

Foi depois de uma certa quantia que eu usei, eu entrei em depressão. Por certas razões, é solidão, apavoramento, medo, foi o que me levou a fazer, a tentar suicídio. (U1)

[...] aí, depressão em cima de depressão, aí, tu bah... fumava mais ainda, aí passa um dia, passa dois, aí tu perde o controle. Aí tu fica só droga, aí te acorda de manhã, bah, como é que vou fazer pra arrumar dinheiro pra fumar hoje!? (U5)

Procurou-se entender se os participantes deste estudo realizaram a tentativa de suicídio sabendo qual seria o provável desfecho do ato, ou seja, a morte. Algumas falas indicam que sim, logo, buscou-se um aprofundamento a respeito das motivações para cometer o suicídio. O sentimento de raiva/revolta com a atual situação em que se encontravam foi citado por alguns usuários; outros mencionaram a família.

Tava com vontade de morrer mesmo, se não, dava de um jeito, dava de outro. Se eu não conseguisse me matar usando, iria me matar, é, me matar [...] medo, vontade de morrer mesmo, não queria mais aquela situação, mas não conseguia me desvencilhar dela [...] revolta, é, revolta. Saudade, um medo, solidão. (U1)

Eu, na hora do desespero, que eu me senti no desespero, né, eu queria morrer mesmo, até a hora do arrependimento que me deu, mas, no ponto que eu fiz aquilo ali, eu queria morrer [...] raiva, mágoa, muita tristeza é o que eu mais lembro daquela situação, daquele momento. Essa coisa assim, era uma tristeza, com raiva, com mágoa, tudo junto. Era um sentimento tão forte que é inexplicável. (U4)

Queria, queria me matar porque eu já não me suportava mais, eu já tava farto de mim mesmo [...] não só tinha destruído a minha vida, como tinha a dos meus familiares, né. Como eu tava sofrendo, eles também tavam sofrendo, então, é uma dor não só minha como deles também. Os pais, as mães, os irmãos sofrem muito mais. (U8)

Minhas filhas, me arrependi de ter me distanciado e ter feito o que eu fiz, tinha vergonha. (U1)

[...] eu discuti com meu pai, foi uma discussão, a gente discutiu e eu fui lá e tentei me matar. Já me cortei várias vezes. (U2)

Sentia pela minha mãe só, olhava pra trás, tinha perdido tudo pras drogas. É sentimento de culpa. (U9)

Após a tentativa de suicídio, os participantes relataram ter se sentido frustrados com relação ao suporte e apoio da família por não terem recebido a ajuda que esperavam. Em contrapartida, mesmo em meio a mágoas e traumas, foi a família de alguns participantes a única a prestar auxílio após os usuários terem tentado suicidar-se.

Eu gostaria que a gente tivesse mais apoio, né [...] eu acho que teria sim que ter mais apoio pras pessoas que vivem na rua, sabe. (U1)

Não tem apoio de ninguém; é, eu olho pra trás, esgotei. (U2)

Ninguém porque tudo o que eu fazia eu ficava pra mim. (U8)

Alguns participantes do estudo também mencionaram a família como rede de apoio.

Ah, a minha mulher que tava me ajudando e me levou no sanatório. (U6)

Ah, tive apoio, ajuda da minha esposa em primeiro lugar, que tava junto nesse momento, e dos meus pais que, junto com ela, me internaram. (U5)

Recebi apoio da minha irmã, né, durante; eu me lembro de terem chamado ela quando eu tava com os pulso aberto e ela veio e me levou no hospital e ela sempre me apoia. (U1)

Neste contexto, procurou-se analisar a existência de intervenção de algum serviço de saúde e, principalmente, do CAPS AD onde foram coletados os dados do estudo. Cabe ressaltar que os participantes do estudo, quando realizaram as tentativas de suicídio, na sua maioria, ainda não realizavam tratamento no CAPS AD. No entanto, um dos usuários, que já possuía vínculo com o serviço, evidencia que recebeu ajuda após a tentativa.

[...] até na época eu tava com uma psicóloga no tratamento no CAPS e ela avisou à minha mãe pra levar no PS e não ter o risco de morte, né, e lá me trataram [...] foi a única pessoa que eu me lembrei de contar com ela até pra saber como era o procedimento pra fazer até porque eu tinha me arrependido. (U4)

 

Discussão

A temática da ideação suicida relacionada ao uso de SPA apresenta-se como um desafio presente na literatura em razão da escassez de estudos localizados. Um dos pontos envolvidos no uso de substâncias trata-se do perfil dos usuários de crack que, neste estudo, é semelhante, em parte, aos dados apresentados no III Levantamento Nacional sobre o uso de Drogas pela população Brasileira - LENAD, em que a maior parte dos usuários de substâncias ilícitas é composta por homens na faixa etária adulta jovem.

Quanto à escolaridade, por não apresentar uma categoria de análise do crack e sim de substâncias ilícitas no mesmo grupo (crack, cocaína, etc.), os dados mostram que quanto maior o nível de escolaridade maior o uso das substâncias(1), o que é diferente do perfil encontrado neste estudo. Além disso, um estudo(5) mostrou, nos seus dados, também, a maior parte sendo homens e na mesma faixa etária.

Em outro estudo(8), mais de 70% dos participantes estavam desempregados ou fora do trabalho. Além disso, os autores chamaram a atenção, em sua pesquisa, sobre a relação entre o fato de morar na rua e o uso de crack, reforçando que essa condição de vida acaba associando, ao usuário, uma série de outras vulnerabilidades sociais. Nesse mesmo estudo, foram apontadas a necessidade da integralidade no atendimento usuário de crack e a avaliação dos sintomas depressivos, visto que a maior parte dos entrevistados mostrou desejo de morrer ou desistência da vida. Estudo realizado em seis capitais brasileiras com usuários de crack assistidos em CAPS AD revelou que mais de 50% apresentavam sintomas depressivos. Morar na rua, utilizar uma droga que envolve inúmeros estigmas e preconceitos, baixa escolaridade, não ter vínculo empregatício e o distanciamento das famílias apareceram de forma recorrente na literatura como atravessadores significativos na vida destes sujeitos.

Sobre as vulnerabilidades sociais, tem-se que o uso de substâncias psicoativas, em situações de vida de vulnerabilidade e pobreza, pode aparecer como forma de atenuar o sofrimento e a dor de viver em situações de margem social(9). Revela-se, tratando-se do início do uso de substâncias, que a maioria dos participantes fez associação ao grupo social de convívio ou até mesmo à família apoiando, o que foi visto em outro estudo (namorado, pessoas que fumavam juntas)(10).

A relação do uso de crack com a tentativa de suicídio é um dos componentes que precisam ser abordados no tratamento do usuário de substâncias psicoativas. Assim como neste estudo, outra pesquisa(11) destacou que o uso de drogas, assim como a vivência de situações de violência, é um fator associado à tentativa de suicídio entre jovens no Brasil, fatos que reforçam que o suicídio é um problema que precisa ser mais estudado e pensado na sociedade brasileira já que os números são alarmantes (11.821 casos em 2012)(5). Destacou-se, por outro estudo, corroborando os dados apresentados até aqui, que ser morador de rua e usuário de crack aparecem como fatores que atribuem mais risco às tentativas de suicídio(8). E outro estudo(11) mostrou que 46% dos usuários de álcool e outras drogas já tinham realizado tentativa de suicídio.

Quanto à percepção de si, muitos dos participantes mostram, nas falas, a desistência de suas perspectivas de vida, o que vai ao encontro do trabalho publicado em 2013(12) no qual as pessoas relataram a "perda de encantamento" pela sua vida. Essa perda de encantamento também pode ser associada ao sofrimento de ser excluído socialmente e ao estigma sofrido pelos usuários, e a forma como a mídia apresenta esses usuários reforça a vida às margens do que é aceito socialmente(13).

Foi encontrado, em um estudo(9), que os usuários de crack têm maiores envolvimentos com atividades ilícitas e ter morado na rua. Novamente, discutem-se o caráter observável e a diferença dos usuários de crack frente ao uso de outras substâncias. A própria exposição do uso que, em sua maioria, é realizado na rua torna a utilização da droga objeto de especulação e observação realizadas pela sociedade, diferentemente de utilizar a substância dentro das residências em espaços mais protegidos. Sobre os sintomas de depressão, eles aparecem como fator que influenciará o maior risco de tentativa de suicídio em conformidade aos resultados apresentados neste estudo(5,8,14).

A família aparece tanto como fator de risco como fator de proteção conforme os resultados evidenciados neste estudo e em outros também realizados com pessoas que usam crack(10,14-15). Ainda com relação à família, outro estudo(14) apontou a importância de ter, em sua história, o apoio dos familiares como um fator relevante e protetivo.

Para auxiliar as pessoas que utilizam substâncias psicoativas, deve-se pensar nas estratégias de atendimento e auxílio e, neste ponto, a importância da vinculação e da confiança(12-15). É importante destacar que a confiança e o trabalho precisam enfocar o apoio da família e dos serviços.

Este estudo apresenta limitações quanto à coleta ter sido realizada com usuários de apenas um serviço, o que restringe os dados a esta fonte. Além disso, a temática de ideação suicida apresenta-se como um objeto de difícil acesso em pesquisas em função da densidade do assunto.

 

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo conhecer os motivos que levam os usuários de crack à tentativa de suicídio. O uso de substâncias pode ser evidenciado nos resultados como causador de uma perda no sentido de sua vida e a desvalia da mesma, tornando a tentativa de suicídio uma possibilidade de alívio às dores vivenciadas. Cabe ainda elencar no debate o quanto a exclusão social e a sensação de estar fazendo algo considerado errado e não digno pela sociedade corroboram o sofrimento já vivenciado pelos usuários.

As razões pelas quais os participantes elencam a escolha por terminar com a sua vida expõe, aos profissionais de saúde, a necessidade de qualificar a escuta e o atendimento de forma a acolher as demandas das pessoas que se encontram tão sofridas e sozinhas.

Conhecer o perfil sociodemográfico dos participantes pode auxiliar em estratégias de prevenção às tentativas de suicídio, bem como nortear ações dentro dos serviços de saúde que auxiliem na promoção de saúde psíquica muito além de estar abstinente ou não.

Torna-se importante evidenciar o tratamento em liberdade como forma de reforçar a importância da vida do sujeito em terapêutica e não apenas o tratamento dele. Seu contexto social, rede familiar e social, retorno aos estudos e projetos de vida poderão auxiliar na prevenção do agravamento dos sintomas depressivos e nas tentativas de suicídio.

Este trabalho colabora na ampliação do debate sobre uso de crack para além das questões individuais, levando em conta as questões sociais e de contextos de vida.

 

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Autor correpondente:
Duilia Sedrês Carvalho Lemos
E-mail: duilia.carvalho@gmail.com

Recebido: 13.10.2019
Aceito: 29.07.2020

 

 

Contribuição dos autores
Concepção e planejamento do estudo: Aline Voigt Weiser, Michele Madagará de Oliveira, Camila Irigonhé Ramos, Carin Vieira Weiss, Duilia Sedrês Carvallho Lemos e Karine Langmantel Silveira. Obtenção dos dados: Aline Voigt Weiser, Michele Madagará de Oliveira, Camila Irigonhé Ramos, Carin Vieira Weiss, Duilia Sedrês Carvallho Lemos e Karine Langmantel Silveira. Análise e interpretação dos dados: Aline Voigt Weiser, Michele Madagará de Oliveira, Camila Irigonhé Ramos, Carin Vieira Weiss, Duilia Sedrês Carvallho Lemos e Karine Langmantel Silveira. Redação do manuscrito: Aline Voigt Weiser, Michele Madagará de Oliveira, Camila Irigonhé Ramos, Carin Vieira Weiss, Duilia Sedrês Carvallho Lemos e Karine Langmantel Silveira. Revisão crítica do manuscrito: Aline Voigt Weiser e Michele Madagará de Oliveira.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: os autores declararam que não há conflito de interesse.
* Este artigo refere-se à chamada temática "Violência autoprovocada: autolesão não suicida e comportamento suicida".

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