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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.17 no.2 Ribeirão Preto abr./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.173019 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fadiga e uso de álcool por graduandos do curso de Enfermagem

 

Fatiga y consumo de alcohol por estudiantes de pregrado de enfermería

 

 

Nathálie Dias de Oliveira SilvaI; Gabriel Fernandes MachadoII; Marcelle Aparecida de Barros JunqueiraI

IUniversidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina, Uberlândia, MG, Brasil
IIUniversidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Engenharia Elétrica, Uberlândia, MG, Brasil

Autor correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar o uso de álcool no padrão binge drinking e os níveis de fadiga em graduandos do curso em Enfermagem na Universidade Federal de Uberlândia.
MÉTODO: a pesquisa é de abordagem quantitativa, utilizando estatísticas descritivas e bivariadas, com o valor de p>0,05, e realizada conforme a Resolução nº 466/12 do CNS. Assim, foram aplicados questionários em uma amostra com 202 universitários da graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Uberlândia.
RESULTADOS: o estudo mostrou a maior predominância do álcool no sexo feminino, com idade média de 22,6 anos de idade.
CONCLUSÃO: a análise e a discussão dos dados possibilitaram afirmar que o uso abusivo de álcool está presente, principalmente na forma de binge drinking, e encontra-se associado à presença da fadiga e ao desempenho acadêmico nos universitários da graduação em Enfermagem, em diferentes períodos letivos.

Descritores: Estudantes de Enfermagem; Bebedeira; Fadiga; Consumo de Bebidas Alcoólicas; Saúde Pública; Adulto Jovem.


RESUMEN

OBJETIVO: analizar el uso de alcohol en el patrón de consumo excesivo de alcohol y los niveles de fatiga en estudiantes universitarios de enfermería de la Universidad Federal de Uberlândia.
MÉTODO: la investigación tiene un enfoque cuantitativo, utilizando estadísticas descriptivas y bivariadas, con un valor de p> 0.05, y realizada de acuerdo con la Resolución 466/12 del CNS, por lo tanto, se aplicaron cuestionarios a una muestra de 202 estudiantes universitarios en enfermería en la Universidad Federal de Uberlândia.
RESULTADOS: el estudio mostró un mayor predominio del alcohol en mujeres, con una edad promedio de 22.6 años.
CONCLUSIÓN: el análisis y discusión de los datos permitió afirmar que el abuso de alcohol está presente, principalmente en la forma de binge drinking, que se asocia con la presencia de fatiga y rendimiento académico en estudiantes de licenciatura en enfermería, en diferentes periodos académicos.

Descriptores: Estudiantes de Enfermería; Borrachera; Fatiga; Consumo de Bebidas alcohólicas; Salud Pública; Adulto Joven.


 

 

Introdução

A iniciação em um curso de graduação na vida dos jovens é um momento marcante, e ocorre em uma fase de significativas mudanças, em um período de desenvolvimento psicossocial, marcado por muitas explorações do novo, de muitas possibilidades, porém, cercado de instabilidades, tornando esse processo de amadurecimento muito complexo(1).

A teoria de desenvolvimento psicossocial caracteriza o jovem em transição da fase de adolescente, já com menor dependência, porém, com pouca autonomia e sem condições de assumir responsabilidades esperadas de um adulto. Acontece uma confusão de identidade em que os principais fatores são a perda de laços familiares e a falta de apoio na tomada de decisões, expectativas da família e do grupo social sobre suas escolhas, dificuldade em lidar com as mudanças, de relacionar com outro grupo social e os processos emocionais na transição do jovem para a fase adulto-jovem(2).

O ambiente universitário é favorável às novas experiências onde os jovens participam de várias comemorações, como a recepção de calouros, festas onde as bebidas são liberadas, eventos com o intuito de arrecadar verba para as formaturas e onde há bares próximos ao campus universitário e à própria residência. Ocorre a oportunidade de conhecer e experimentar as drogas lícitas e ilícitas e propiciar comportamentos de risco, como o padrão de consumo e a frequência de uso de substâncias psicoativas, dirigir embriagado, relações sexuais sem preservativos, violência, problemas no desempenho acadêmico e outros(3).

O consumo de álcool pelos jovens prejudica fisicamente a formação do cérebro, acarreta várias consequências negativas, como a gravidez precoce, e comportamentos eufóricos que causam acidentes e agressões. Quando se inicia o uso de bebidas antes dos 15 anos de idade, aumenta-se em cinco vezes a probabilidade de desenvolver a dependência do álcool e em sete vezes o risco de envolver-se em acidente de trânsito ou em brigas(4).

O álcool é uma droga lícita, composta por substâncias naturais e sintéticas, que alteram a capacidade de agir e raciocinar do indivíduo, cuja produção, distribuição e consumo são aprovados por lei. Sabe-se que o álcool é consumido praticamente em todo o mundo e estima-se uma ingestão média de 6,2 litros de álcool puro por indivíduos de 15 anos ou mais em 2010. O consumo, no Brasil, está em torno de 8,7 litros por pessoa, valor superior à média mundial(5).

No Brasil, o álcool é responsável pelo índice de 63% da população com cirrose hepática e por 18% dos acidentes de trânsito em 2012. Acredita que 5,6% (3% mulheres e 8% homens) dos brasileiros correspondem a usuários de abuso e dependência do álcool. A sociedade sofre consequências de forma direta e indireta, seja pelos custos com o sistema de saúde, com os sistemas judiciário, previdenciário, absenteísmo, desemprego, seja pelas mortes associadas ao uso do álcool, em que a faixa etária dos bebedores se encontra entre 20 a 49 anos, por pessoas economicamente ativas(6).

No “I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas” realizado com universitários das capitais brasileiras, ficou demonstrado que 86% dos alunos fizeram uso de álcool, ao menos, uma vez na vida e 72% consumiram bebidas no último ano, confirmando o uso recorrente do álcool entre essa população. Um outro dado importante é que a maioria dos entrevistados é composta por acadêmicos da área de humanas(7).

O “binge drinking” ou “beber pesado episódico” é definido, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como a ingestão de 60 g ou mais de álcool (cerca de 5-6 doses), em uma única ocasião, nos últimos 30 dias. É um padrão de consumo que expõe o indivíduo a um maior risco para danos sociais e de saúde, como prejuízos nas atividades acadêmicas e laborais(8), sendo que esse padrão de abuso de álcool é especialmente comum entre os jovens.

Em pesquisa realizada com estudantes universitários para compreender o que levam os jovens a consumirem bebidas alcoólicas, os motivos mais citados foram: diversão ou prazer; mudança de rotina; sentir os efeitos da droga; reduzir ansiedade; o cansaço e o estresse(6). Nesse sentido, parece que há uma importante correlação entre o uso abusivo de bebidas alcoólicas e a sensação de fadiga por esses graduandos que necessita ser melhor investigada, bem como seus fatores intervenientes.

O estresse diário vivenciado pelos universitários, nas diversas atividades e compromissos pelos quais eles que precisam passar durante o curso, proporciona poucas horas de sono, pois muitos cursam em horário integral e precisam continuar a estudar durante a noite. Outros fatores são: as atividades extracurriculares; o sedentarismo; muitos dizem não ter tempo para realizar atividades físicas; a má alimentação por morarem sozinhos ou em pensionatos e também pela despesa financeira, gerando a fadiga e a sensação de cansaço incessante(9).

A fadiga pode ser avaliada, por vários autores, como um desgaste físico e mental grave e crônico, o que é diferente de cansaço e da falta de motivação devido à atividade física ou a uma enfermidade já diagnosticada. Esse diagnóstico é de difícil conceituação, análise e aferição, além de ser muito preocupante, pois acaba nomeando um estado global oriundo de um resultado desiquilibrado internamente dos sistemas entre a relação do organismo, em que uma alteração de um sistema afeta os demais(10).

Os profissionais de Enfermagem constituem quase metade de toda a força de trabalho da área de saúde no Brasil e no mundo(6-9) e os desgastes vivenciados durante a sua formação na graduação, bem como a adoção de hábitos de vida pouco saudáveis, como beber abusivamente, podem refletir negativamente na saúde do futuro trabalhador em médio e longo prazos.

Portanto, o objetivo deste estufo foi analisar o uso de álcool no padrão binge e os níveis de fadiga em graduandos de um curso em Enfermagem de uma universidade pública do Estado de Minas Gerais.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal, com abordagem quantitativa, para identificar a correlação entre o uso de álcool no padrão binge e a fadiga entre os graduandos que cursam Enfermagem em uma universidade pública do Estado de Minas Gerais.

O estudo foi realizado com 440 universitários da Enfermagem nos diferentes períodos do curso. Os critérios de inclusão foram estar regularmente matriculado no curso de graduação em Enfermagem, em qualquer período, e aceitar participar do estudo. Os critérios de exclusão foram estudantes estarem afastados formalmente de suas atividades escolares. Todos os graduandos foram convidados para participar do estudo, no entanto, 202 sujeitos aceitaram participar, perfazendo, portanto, a população deste estudo.

Ao considerar os aspectos éticos referentes à pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS nº 466/12), este estudo recebeu a autorização do serviço para a sua realização, sendo submetido à avaliação do Comitê de Ética e Pesquisa, com Parecer Consubstanciado final aprovado nº 1.315.972, obtido em 10/11/2015. Todos os participantes do estudo foram devidamente esclarecidos sobre a pesquisa, sendo seus direitos e os cuidados a eles garantidos. Após concordarem em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias assinadas pelo pesquisador e participante, sendo uma via do pesquisador e a outra via do participante, conforme regulamentam os dispositivos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Foi realizada a coleta de dados em fevereiro e março de 2017. Para isso, foram realizadas visitas em salas de aula, de diferentes períodos letivos, nas quais se marcaram o dia e o horário para recolher o material de estudo.

O instrumento para a coleta de dados foi constituído por um questionário estruturado, autoaplicável, que continha um roteiro de informações sociodemográficas e os instrumentos Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT-C) e Dutch Fatigue Scale (DUFS), assim detalhados:

a) Informações sociodemográficas - o questionário tinha a finalidade de caracterizar a amostra do estudo, no qual foram coletadas as variáveis sociodemográficas, incluindo informações referentes ao estado civil, religião, raça, situação ocupacional e educacional com a intenção de evidenciar a caracterização dos graduandos;

b) O AUDIT foi desenvolvido pela OMS no final dos anos oitenta, sendo traduzido e validado para o português do Brasil em 1997. O AUDIT é constituído por dez itens, pontuados em uma escala Likert de zero a quatro, com escores totais de zero a quarenta. Originalmente, era recomendado o ponto de corte oito para avaliar a dependência de álcool. Contudo, estudos posteriores indicaram a necessidade de utilizar pontos de cortes diferentes, pois apresentavam melhores valores de sensibilidade e especificidade(11-12).
Ao considerar a necessidade de instrumentos com aplicação mais rápida, foram desenvolvidas versões abreviadas do AUDIT. As versões breves permitem uma triagem rápida dos transtornos relacionados ao uso de álcool, desse modo, o AUDIT-C é uma das versões mais utilizadas no mundo, correspondendo às três primeiras perguntas do AUDIT(13-14). Sua pontuação total varia de zero a 12, sendo o ponto de corte cinco, o mais recomendado pela literatura;

c) A fadiga foi avaliada pela escala de Dutch Fatigue Scale, desenvolvida por Tiesinga, Dassen e Halfens e publicada em 1998. A escala DUFS mede a fadiga definida como “uma sensação opressiva e sustentada de exaustão e de capacidade diminuída para realizar trabalho físico e mental no nível habitual”. Composta por oito itens de avaliação, com respostas tipo Likert de cinco pontos (1 a 5), os escores, nos itens, podem ser somados em um escore total que varia de oito a 40 (quanto mais alto o escore, maior a intensidade da fadiga) e a fadiga substancial considerada pela pontuação >= a 14,5. A fonte de itens para a DUFS foram as características definidoras de fadiga proposta pela North American Nursing Diagnosis Association (NANDA)(15).

Para a análise estatística, foi elaborado um banco de dados no programa Statistical Program of Social Science (SPSS.20) - version 20 for Windows. Os dados foram apresentados em frequências absoluta (n) e relativa (%). Os testes estatísticos empregados foram o qui-quadrado (χ2), para avaliar a associação das variáveis categóricas, e o coeficiente de correlação de Spearman (Ro), para avaliar a correlação entre duas amostras dependentes. O nível de significância (valor de p) foi estabelecido em 0,05 para todas as análises.

 

Resultados

Nessa etapa de estudo, buscaram-se evidenciar, com tabelas, os resultados levantados por meio da estatística simples e aplicada, da população formada por 202 graduandos do curso de Enfermagem, constituído pela maioria do sexo feminino (n=165) (81,6%), sendo a maioria solteira (n=151) (91,6%), de religião católica (n=78) (47%), com idade média de 22,6 anos.

A Tabela 1 demonstra que o consumo de álcool em padrão binge se faz presente em 33,7% (N=68) dos entrevistados e 37,6% (N=76) afirmam não fazer esse tipo de uso pesado de álcool. Quase um terço (28,7%) dos graduandos não respondeu.

 

 

Em relação à frequência do consumo de bebidas, foi observado que 31,7% (n=64) dos graduandos fazem uso de duas a quatro vezes por mês. Em número de doses por evento, o consumo varia de uma a duas doses contendo álcool, representando 30,7% (n=62) entre os respondentes. Quando abordados para informar se fazem uso de mais de seis doses em um mesmo evento, 40,6% dos jovens (n=82) afirmaram nunca terem feito uso dessa quantidade e 29,2% (n=59) fazem esse tipo de uso em período menor que um mês.

A Tabela 2 é representada pelos oitos itens de perguntas da DUFS, que foi utilizada nessa população de 202 universitários e demonstra uma maior média (3,64) na variável DUFS 5, que se refere à “necessidade de descansar mais”. A segunda maior média foi encontrada na variável DUFS 2 referente a: “precisam de mais energia para dar conta das tarefas diárias”, no valor de 3,20.

No final da mesma tabela, é representado o escore total da escala DUFS, que demonstra uma variação de oito a 40, em que o valor mínimo obtido corresponde à menor pontuação possível e, assim, ao menor índice de fadiga. A pontuação máxima de 39,00 aproxima-se do limite da pontuação, indicando que, quanto maior o escore, mais intensos os níveis da fadiga. Neste estudo, a média de fadiga encontrada foi de 22,48, o que indica que a fadiga está presente e com intensidade significativa, podendo causar prejuízos aos graduandos. Viu-se, considerando essa média, que 70,3% (n=142) dos universitários apresentam fadiga. O desvio-padrão alto mostra variação nos níveis de fadiga dos entrevistados.

A Tabela 3, ao comparar os itens da DUFS pela variável sexo, demonstra que houve diferenças estatisticamente maiores para o sexo feminino nas seguintes afirmações: “acordar com a sensação de exausto e desgastado” (p=0,020) e “diminuiu a vontade de ter relação sexual” (p=0,038).

Na Tabela 4, percebe-se uma correlação positiva entre a frequência de consumo de bebidas alcoólicas e o número de reprovações (p=0,001), entre a frequência em que se consomem seis ou mais doses de bebidas alcoólica em uma ocasião e o número de reprovações (p=0,006) e também no uso de álcool em padrão binge e o número de reprovações (p=0,022). Também se nota uma correlação negativa entre o uso de álcool em padrão binge e o período letivo (p=0,018).

Na Tabela 5, observa-se uma correlação negativa entre a idade e o item quatro da escala DUFS, apontando que, quanto mais jovem, maior o sentimento de “ter acordado com a sensação de estar exausto e desgastado” (p=0,043).

 

 

Também foram encontradas correlações negativas entre o item oito da escala DUFS e a idade e o período letivo, mostrando que, quanto maior a idade e maior o período letivo, mais tem sido “difícil de concentrar em uma coisa por muito tempo” (p=0,046).

 

Discussão

As substâncias psicoativas (SPA) ou drogas psicotrópicas são substâncias que agem no Sistema Nervoso Central (SNC), alterando suas funções e, consequentemente, produzindo efeitos psíquicos e comportamentais no indivíduo(16). O álcool pode ser classificado como uma substância psicoativa que exerce função depressora do SNC(17). Dentre as substâncias, o álcool e o tabaco merecem uma atenção especial devido à prevalência de usuários no mundo e os elevados custos sociais, econômicos e à saúde que acarretam(5).

Esta pesquisa denominou o perfil de consumo de SPA de uma população jovem com idade média de 22,6 anos, universitária e com predominância do gênero feminino (81,6%), como na pesquisa realizada em um curso de Enfermagem onde as mulheres representavam a maioria (87,13%), mantendo as características históricas da profissão de Enfermagem, pois a procura maior para esse curso é de mulheres(18-20).

Os acadêmicos de Enfermagem fazem parte desse contexto do consumo de álcool. Em face disso, deve ser dispensada uma atenção especial aos graduandos, na qual, nesta investigação, 33,7% admitiram o uso pesado do álcool - binge drinking (mais de seis doses num evento) demonstrado na Tabela 1. No estudo realizado em graduandos de Enfermagem na cidade de Ribeirão Preto, 35% relataram já ter consumido mais que seis doses em uma única ocasião, pelo menos, uma vez no último ano, caracterizando o binge drinking(21).

O consumo de álcool pelos estudantes, de acordo com o AUDIT, identificou que a maioria dos estudantes (82,9%) é abstinente ou fez uso de baixo risco nos últimos 12 meses(22). Entretanto, 17,1% dos estudantes enquadraram-se no grupo de risco, demonstrando um consumo considerado prejudicial e com possíveis consequências negativas. Em outro estudo sobre o uso do tipo binge, esse padrão de beber excessivo, observado entre os homens do estudo (42,6%), foi superior ao dos estudantes universitários de levantamento nacional cuja prevalência foi de 31,3%(7). Entretanto, as mulheres apresentaram uma prevalência de binge muito próxima entre esse estudo e os outros realizados(7,18).

Na Tabela 1, observa-se uma prevalência alta de consumo de álcool nos últimos três meses (73,3%), semelhantemente à encontrada em outra pesquisa, que mostra o uso de álcool nas 107 maiores cidades do Brasil, com índice de 74,6%(23).Levantamento semelhante identificou uma população de 84% de estudantes que já haviam feito uso de álcool(24).

Esses dados confirmam a posição do Ministério da Saúde em considerar o uso abusivo e a dependência de álcool e outras drogas uma questão que precisa ter uma abordagem social, psicológica, econômica e política, não se restringindo aos aspectos meramente clínicos(19).

A população formada pelos adultos jovens apresenta maior risco para o consumo do álcool, pois o acadêmico, que experimentou essa substância, tende a continuar o seu uso até recentemente (último mês), como mostram os dados de que 31,2% dos entrevistados bebem, ao menos, uma vez por mês (Tabela 1). Entre universitários do município de Ribeirão Preto - SP, o percentual foi maior, de 57,5%, no qual se identifica o consumo de álcool uma vez ao mês(21).

Os jovens têm sido o público-alvo das propagandas e dos merchandisings das indústrias de consumo e lazer por serem potenciais consumidores das substâncias psicoativas. Essa condição pode agravar-se com o acesso à universidade, considerando uma nova fase em que a independência e a liberdade estarão fora do círculo familiar, particularmente para aqueles estudantes que se deslocam para outras cidades maiores que tenham o curso universitário e, na busca de integração grupal e de novas experiências, podem desencadear o consumo de drogas lícitas e ilícitas(19).

Na Tabela 2, a maior média na escala DUFS foi de 3,64 na variável que se refere à “necessidade de descansar mais”, sendo esses motivos citados abaixo como realidade também vivida pelos graduandos desta pesquisa. A maioria dos cursos de graduação em Enfermagem tem, em seu projeto pedagógico, aulas em período integral, congressos, seminários, estágios, aulas práticas, além de projetos de ensino e pesquisas e outros mais. Por ser difícil realizar todas as atividades planejadas, acaba não restando muito tempo para outros compromissos, como o lazer, compromissos religiosos, atividade física, dormir e repousar, principalmente, para os estudantes que trabalham ou realizam estágios extracurriculares(1).

Na mesma tabela, observou-se que 70,3% dos universitários sentem fadiga. Esse dado foi observado em outra pesquisa na qual 83,5% dos seus estudantes da graduação de Enfermagem apresentaram também queixas de fadiga(9).

Em estudo similar, a maioria dos estudantes era do sexo feminino e com idade média de 21,6 anos e com ocupações extracurriculares; elas estavam com sobrepeso e cerca de 20% com sinais de depressão e disforia nos quais a fadiga foi menos intensa no primeiro ano letivo(9). Eram estudantes de 18 a 23 anos de idade, em sua maioria, a partir do terceiro período letivo da graduação de Enfermagem, momento em que os alunos iniciaram suas aulas práticas supervisionadas e as mudanças de ambientes e rotinas causaram um maior cansaço físico e mental, comprometendo os seus desempenhos acadêmicos(1).

Já no final da Tabela 2, neste estudo, é apresentada uma média de fadiga dentre os graduandos com valor de 22,15 no qual se verifica que a fadiga está presente em grande parte dos entrevistados e com variados níveis, o que pode estar relacionado ao período letivo e à idade.

A fadiga é um estado que pode estar presente em pessoas saudáveis ou não, sendo um fenômeno multifatorial, multidimensional e subjetivo. Ela é considerada um cansaço que não melhora com o repouso ou outro meio de revigorar as energias. Causa limitações no processo de aprendizagem dos estudantes universitários, prejudicando a formação profissional e a qualidade de vida(9).

Em pesquisa, com o tema da qualidade de vida dos estudantes de graduação, com relatos e acompanhamento de fatores encontrados no cotidiano do processo de ensino-aprendizagem que repercutem diretamente na saúde desses universitários que iniciam a vida acadêmica, demonstraram-se forte pressão e estresse desde o processo para ingressar na faculdade(1).

A Tabela 3 mostra a variável sexo em que se percebe, na população feminina, a DUFS 4 (p=0,020) referente a “acordar com a sensação de exausto e desgastado” e também a DUFS 7 (p=0,038) em que as mulheres não “diminuíram a vontade de ter relação sexual” por estarem fadigadas. As estudantes do sexo feminino referenciam as maiores médias de alterações na qualidade de vida, como também de alterações nos aspectos emocional e mental, pela rotina vivenciada na graduação de Enfermagem(1).

Resultado preocupante, encontrado neste estudo e representado na Tabela 5, mostra que, quanto mais reprovações, maior a frequência de consumo de álcool e, principalmente, o consumo em binge. O uso abusivo do álcool está diretamente relacionado às dificuldades de como agir diante das mudanças e na adaptação dos universitários em lidar com problemas como reprovação, rotinas e relacionamentos conturbados(24).

Situação semelhante foi encontrada em outra pesquisa na qual se demonstrou que 33,6% dos alunos pesquisados tiveram reprovações em disciplinas, podendo isso ser explicado pelo fato de que, quando ocorre o abuso do álcool, os alunos tendem a dormir em sala de aula, faltam às aulas e, consequentemente, sofrem reprovações pelo mau desempenho acadêmico(20).

Estudo realizado com 189 acadêmicas do curso de Enfermagem identificou que, quanto menor a idade, mais intensos foram os sintomas de fadiga(9). Segundo o estudo, mesmo os índices de fadiga sendo elevados entre os universitários, não causaram grandes prejuízos aos entrevistados, pois eles conseguiram trabalhar de formar individual para reduzir a fadiga e diminuir os danos aos seus compromissos e ao desempenho nas atividades acadêmicas e extracurriculares(9). Importante pontuar que essa correlação também foi demonstrada nesta pesquisa, na Tabela 5, em que, quanto menor a idade, mais significativa essa sensação de “ter acordado com a sensação de estar exausto e desgastado”.

 

Conclusão

Os resultados deste estudo trazem dados preocupantes quanto ao uso de álcool em binge por estudantes de curso de Enfermagem. A pesquisa também mostrou que o uso de álcool não está relacionado à fadiga, mas encontra correlação com seu desempenho acadêmico. Nesse mesmo sentido, o sentimento de fadiga parece estar correlacionado com a idade do estudante.

Os estudantes da graduação vivenciam, no processo de ensino e aprendizagem, uma sobrecarga das atividades curriculares, principalmente quando o curso for integral, conjuntamente com forte pressão e estresses nas variadas relações sociais. É preciso que o estudante saiba lidar com as situações que estão causando a fadiga e agir de maneira a reduzir o estresse, conseguir sentir-se descansado e disposto para as atividades diárias.

Percebe-se que é preciso repensar na maneira de atuar na atenção preventiva do uso do álcool e outras drogas e nas situações estressoras que causam fadiga, antes e durante a graduação. Ressalta-se, tendo em vista a relevância do tema, que os resultados deste estudo podem fornecer subsídios para ações e programas de promoção, prevenção e tratamento adequados às diferentes necessidades da população em questão.

 

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Autor correpondente:
Marcelle Aparecida de Barros Junqueira
E-mail: marcebarros@yahoo.com.br

Recebido: 30.07.2020
Aceito: 16.10.2020

 

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Marcelle Aparecida de Barros Junqueira. Obtenção de dados: Nathálie Dias de Oliveira Silva, Gabriel Fernandes Machado. Análise e interpretação dos dados: Nathálie Dias de Oliveira Silva, Gabriel Fernandes Machado. Análise estatística: Gabriel Fernandes Machado. Obtenção de financiamento: Marcelle Aparecida de Barros Junqueira. Redação do manuscrito: Nathálie Dias de Oliveira Silva. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Marcelle Aparecida de Barros Junqueira.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: os autores declararam que não há conflito de interesse.

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