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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.17 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2021

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.000193 

EDITORIAL

 

Primeira ajuda em saúde mental: um contributo para uma sociedade mais saudável

 

 

Carlos SequeiraI,II,III

IEscola Superior de Enfermagem do Porto, Unidade de Investigação, Porto, Portugal
IIUniversidade do Porto, Faculdade de Medicina, Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Grupo de Investigação NursID: Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem, Porto, Portugal
IIIPresidente da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Portugal

Autor correpondente

 

 

 

As sociedades atuais enfrentam novos desafios, como as alterações climáticas; as dificuldades no emprego; as alterações na principal estrutura de suporte - a família, a incerteza sobre a pandemia, as adições ao trabalho, telemóvel, internet; a impreparação/inexperiência na regulação emocional, entre outros, - o que aumenta os riscos de saúde mental das pessoas, estimando que a "doença mental", seja a epidemia do futuro para a qual é necessário estar devidamente preparado(1). Acreditamos que este deve ser um investimento em saúde a fazer com urgência, caso pretendemos ter uma sociedade com mais saúde.

Um problema suplementar na saúde mental está relacionado com o estigma associado à doença mental, e, ao atraso na procura de ajuda profissional adequada, o que tem repercussões no tratamento e recuperação da pessoa afetada.

Tendo por base estes pressupostos, considera-se fundamental que os governos, as organizações de saúde e a sociedade em geral invistam na promoção da saúde mental, pela via da literacia e da primeira ajuda em saúde mental, para diminuírem o estigma e promoverem um tratamento adequado.

A Organização Mundial da Saúde define literacia em saúde como o "conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para acederem, compreenderem e usarem informação de forma a promover e manter uma boa saúde"(2). Por outro lado, Kickbusch, et al.(3) acrescentam ao conceito a componente social, expondo que a literacia em saúde é a capacidade para tomar decisões fundamentadas, no decurso do quotidiano, nos múltiplos contextos, ou seja, é a capacidade para procurar informação e para assumir as responsabilidades, possibilitando o aumento do controlo das pessoas sobre a sua saúde. Assim, a literacia implica o acesso, a compressão e a utilização da informação em prol da saúde.

A primeira ajuda em saúde mental pode ser definida como a ajuda que alguém presta a favor de uma pessoa que está num momento de crise ou a desenvolver um problema relacionado com a saúde mental, até que esta receba ajuda profissional ou que a situação de crise seja ultrapassada/resolvida(3).

No caso da primeira ajuda em saúde mental pretende-se capacitar a população com competências básicas de ajuda a pessoas em crise/sofrimento, numa fase inicial/intermédia do processo prévio ao adoecer mental. Neste sentido, pretende-se o desenvolvimento de competências na comunidade e não o desenvolvimento de competências clínicas. Os programas de intervenção em Primeira Ajuda em Saúde Mental(1) pretendem capacitar as pessoas para o reconhecimento de sinais (alterações identificáveis e possíveis de serem percebidas por outra pessoa) e a valorização de sintomas (aquilo que a pessoa sente e vivencia, a sua perceção de como se sente) de perturbações e crises relacionados com a saúde mental, assim como a prestação de ajuda inicial adequada e o encaminhamento para os profissionais adequados(1).

Considerando-se a saúde mental como um continuum, uma pessoa pode encontrar-se em diferentes estádios - entre a boa saúde e a doença ao longo da vida. Tendo por base esta premissa, a Primeira Ajuda em Saúde Mental é utilizada como intervenção preventiva ou como intervenção precoce, potenciando os recursos das pessoas, no enfrentamento a acontecimentos de vida negativos.

Entende-se por prevenção a ação antecipatória para prevenir a ocorrência de um acontecimento ou minimizar o seu efeito depois de este ter acontecido(1). Já a intervenção precoce corresponde às ações que visam a prevenção do agravamento dos problemas de saúde mental e a redução da probabilidade de efeitos secundários. O tratamento engloba ações de ajuda a pessoas com problemas de saúde mental na melhoria de funcionalidade e da sua recuperação(3).

Os programas de Primeira Ajuda em Saúde Mental foram desenvolvidos por Jorm e designados por Mental Health First Aid (MHFA), tendo por base o modelo de primeiros socorros físicos(4). Existem diversos programas, mas, todos com o mesmo denominador comum - ajudar as pessoas a perceberem quando estão com fatores concorrentes para a doença mental, quais os limites de sinais e sintomias que podem ser "normais" e como ajudar alguém em dificuldades mentais.

Os programas Mental Health First Aid (MHFA) têm sido disseminados globalmente, verificando-se a implementação em diferentes faixas etárias, grupos culturais e profissionais(5).

De um modo abreviado o roteiro do plano de ação da primeira ajuda em saúde mental contém conteúdos e estratégias sobre intervir perante uma pessoa com um potencial problema de saúde mental (como aproximar-se de uma pessoa; como avaliar a situação; como ajudar uma pessoa em situação de crise; como realizar a escuta sem fazer julgamentos de valor; como oferecer suporte; como dar informação e qual a informação a privilegiar; como estimular uma pessoa a procurar ajuda profissional e como orientar a pessoa sobre estratégias de autoajuda).

Em síntese, entendo que os cursos de primeira ajuda em saúde mental deveriam ser disseminados em todas as instituições de ensino, desde o preparatório ao superior de modo a que os jovens possam funcionar como agentes de saúde mental. Os problemas de saúde mental não requerem desfibrilhadores, mas, se não merecerem a devida atenção podem levar à morte ou deixar sequelas graves para toda a vida.

Por isso, necessitamos de uma sociedade com mais conhecimentos sobre os problemas de saúde mental - ansiedade, stress, adições, problemas emocionais (tristeza, revolta, solidão, desesperança), depressão, esquizofrenia, suicídio, álcool e drogas, entre outros.

Necessitamos de capacitar a sociedade sobre: a) estratégias promotoras de Higiene Mental; b) quais os sintomas associados a situações de stresse intenso; c) quais as situações que necessitam de ajuda profissional; d) quais os recursos a privilegiar em função do problema; e) estratégias de autoajuda eficazes (ventilação emocional, gestão de conflitos, resolução de problema, autoconhecimento...); f) estratégias de prevenção de problemas de saúde mental.

É preciso intervir antes que seja tarde!

 

Referências

1. Sequeira C, Sampaio F. Enfermagem em Saúde Mental: diagnósticos e Intervenções. Lisboa: Lidel Edições Técnicas; 2020.         [ Links ]

2. World Health Organization. Health promotion glossary. Geneva: World Health Organization; 1998.         [ Links ]

3. Kitchener B, Jorm A, Kelly C. Mental Health First Aid Manual. 4ªed. 2017. Melbourne: Mental Health First Aid Australia; 2017.         [ Links ]

4. Jorm AF. Mental health literacy: Empowering the community to take action for better mental health. Am Psychol. 2012;67(3):231-43. doi: https://doi.org/10.1037/a0025957        [ Links ]

5. Costa O, Sampaio F, Sequeira C, Ribeiro I, Paroloa V. Review of Mental Health First Aid Programs. Western J Nurs Res. 2020. doi: https://doi.org/10.1177/0193945920980743        [ Links ]

 

 

Autor correspondente:
Carlos Sequeira
E-mail: carlossequeira@esenf.pt

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