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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.17 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2021

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.163263 

ARTIGO ORIGINAL

 

Incidência da síndrome de Burnout em militares do exército brasileiro na região amazônica

 

Incidencia de síndrome de Burnout en militares del ejército brasileño en la región amazónica

 

 

Yonel Ricardo de Souza; Fabio Biasotto Feitosa; Gabrielle Selleri Bezerra

Universidade Federal de Rondônia, Núcleo de Saúde, Porto Velho, RO, Brasil

Autor correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: este estudo teve como objetivo investigar os níveis de Burnout e possíveis fatores predisponentes entre militares do Exército Brasileiro que estavam servindo na Amazônia Brasileira.
MÉTODO: a amostra foi composta por 122 militares (oficiais e sargentos) voluntários com idade média de 36,80 ± 6,69 anos, 53 empregados nas missões operacionais (segurança nas fronteiras, patrulha, exercícios de defesa externa e interna) e 69 empregados nas missões administrativas (logística interna). Foram selecionados oficiais (29) e sargentos (93) servindo em Porto Velho, noroeste do Brasil. Eles responderam a um questionário sociodemográfico e ao Maslach Burnout Inventory, validado para o Brasil.
RESULTADOS: os resultados mostraram que os níveis de esgotamento nos militares do Exército que servem na região são altos. As principais condições sociodemográficas, trabalhistas, físicas e sociais associadas a níveis significativamente mais altos de esgotamento no presente estudo foram: redução do tempo de serviço, estilo de vida sedentário, trabalho extra, menor hierarquia e morar longe dos familiares.
CONCLUSÃO: a interação entre os dois instrumentos constatou que os militares que atuam na área operacional, entre 6 e 10 anos de serviço, solteiros, que exercem pouca atividade física e cujos familiares moram longe foram os que possuíam o maiores níveis de Burnout.

Descritores: Causalidade; Militares; Esgotamento Profissional; Ecossistema Amazônico.


RESUMEN

OBJETIVO: este estudio tuvo como objetivo investigar los niveles de agotamiento y posibles factores predisponentes entre los militares (oficiales y sargentos) del ejército brasileño que estaban sirviendo en la Amazonía brasileña.
MÉTODO: la muestra consistió en 122 militares voluntarios con una edad promedio de 36.80 ± 6.69 años, 53 soldados fueron empleados en las misiones operativas (seguridad fronteriza, patrulla, ejercicios de defensa externa e interna) y 69 militares que fueron empleados en las misiones administrativas (logística interna). Se seleccionaron oficiales (29) y sargentos (93) que sirvieron en Porto Velho, en el noroeste de Brasil. Respondieron a un cuestionario sociodemográfico y al Maslach Burnout Inventory, validado para Brasil.
RESULTADOS: los puntajes mostraron que los niveles de agotamiento en los militares del Ejército que sirven en la región son altos. Las principales condiciones sociodemográficas, laborales, físicas y sociales que se asociaron con niveles significativamente más altos de agotamiento en el presente estudio fueron: reducción de la duración del servicio, estilo de vida sedentario, trabajo extra, rango jerárquico más bajo y vivir lejos de los familiares.
CONCLUSIÓN: la interacción entre los dos instrumentos encontró que los militares que trabajan en el área operativa, los suboficiales, los sargentos, entre 6 y 10 años en servicio, solteros, que realizan poca actividad física y cuyos familiares viven lejos fueron los que tenían el niveles de agotamiento más altos.

Descriptores: Causalidad; Personal Militar; Agotamiento Profesional; Ecosistema Amazónico.


 

 

Introdução

A interação entre os dois instrumentos constatou que os militares que trabalham na área operacional, oficiais de comando, sargentos, entre seis e dez anos em serviço, solteiros, que fazem pouca atividade física e cujos parentes vivem longe eram os que tinham os maiores níveis de Burnout(1). A pesquisa recente em Psicologia do Trabalho visa a abordar, entre outras questões, a dinâmica do sofrimento e/ou doenças causadas ou desencadeadas por más condições de trabalho(2).

Traços individuais e más condições de trabalho podem afetar as habilidades interpessoais das pessoas(3), sua capacidade de trabalhar, bem como trazer consequências emocionais e/ou físicas que, em sua fase final, podem infligir sérios danos à saúde dos profissionais, incapacitando-os. Ao seguir este mesmo raciocínio, este trabalho pode ser uma fonte de equilíbrio para a pessoa - quando permite a descarga de tensão - ou causar dor, descompensações psicológicas ou somáticas que podem levar o indivíduo a sofrer de uma doença psicossomática(4). Como consequência, o estresse e a Síndrome de Burnout têm sido amplamente estudados por psicólogos do trabalho.

Burnout, uma síndrome psicológica resultante do estresse emocional crônico no trabalho, é uma das consequências prejudiciais decorrentes de um ambiente de trabalho estressante. É vista como uma experiência interior subjetiva que evoca sentimentos e atitudes negativos na relação dos indivíduos com o seu local de trabalho (insatisfação, cansaço, perda de compromisso), perturbando seu desempenho profissional, o que leva a consequências negativas para a empresa onde trabalham, tais como o absenteísmo, o abandono do trabalho e a baixa produtividade(3).

A Síndrome de Burnout está dividida em três dimensões: Exaustão Emocional, Despersonalização e Diminuição da realização pessoal (Satisfação no Trabalho). Os sintomas que caracterizam a exaustão emocional são a fadiga, o colapso emocional e a negatividade(5). Esse autor também afirmou que a despersonalização se manifesta quando se lida com clientes e colegas de trabalho de uma maneira fria e dura. Por outro lado, o declínio na realização profissional apresenta-se sob a forma de sentimentos de incompetência e/ou percepção de mau desempenho. Em organizações onde a hierarquia é bem estabelecida e focada em regras, como no setor militar, os funcionários são mais suscetíveis a desenvolver Burnout como destaque(6).

Outros autores(7-9) concordaram que militares exercem uma atividade perigosa e estressante, e é por isso que estudos mais avançados foram conduzidos neste grupo. Quanto ao surgimento de Burnout no contexto militar, os estudos(10) abordaram a questão. Seu estudo encontrou diferenças consideráveis nos níveis de Burnout (p<0,05), comprometimento organizacional e sintomas psicossomáticos entre homens e mulheres, indicando que as mulheres são mais suscetíveis a doenças e reações de desamparo quando confrontadas com problemas organizacionais. Ao considerar que o gênero foi associado a diferentes níveis de Burnout no estudo acima mencionado, considera-se razoável explorar possíveis relações entre variáveis sociodemográficas e níveis de Burnout neste estudo.

Em um estudo longitudinal realizado com 387 indivíduos em uma missão de paz(8), foi analisado o impacto do não cumprimento das missões do Exército nos níveis de Burnout e engajamento militar. Os autores descobriram que, durante a missão, os níveis de Burnout aumentaram (>27), ao mesmo tempo em que os níveis de engajamento profissional de militares diminuíram significativamente (>39). A descoberta mostrou que pode haver uma relação entre os níveis de Burnout em militares do Exército Brasileiro, o tipo de função profissional que elas exercem e a sobrecarga de trabalho.

Sabe-se que o contexto militar é mais propenso a produzir estressores de alta demanda, como a exaustão física, a exposição à mudança climática, a ausência prolongada em casa e a exposição a situações perigosas(11). Teoricamente, a Amazônia brasileira, com seu clima excepcionalmente quente e úmido, oferece condições ideais para o surgimento de Burnout em militares que, em muitos casos, vêm de várias partes do país. Portanto, pode haver uma associação entre os fatores de alta demanda comuns na profissão militar e o clima inóspito do contexto amazônico, potencializando a Síndrome de Burnout.

Estudos(12-14) procuraram investigar os níveis de Burnout no local de trabalho em suas diversas manifestações. Entretanto, nenhum estudo que investigue os níveis de Burnout entre militares profissionais que servem na Amazônia brasileira foi encontrado na literatura atual. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar os níveis de Burnout entre os oficiais do Exército Brasileiro que serviram na Amazônia brasileira. Os resultados deste estudo permitirão aos pesquisadores compreender o impacto do trabalho militar na região amazônica e relacionar os níveis de Burnout com as diferentes funções exercidas por militares.

 

Método

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Rondônia (UFRO) pela Plataforma Brasil. Ao mesmo tempo, foi apresentado um pedido ao comando do Exército na guarnição de Porto Velho. Depois que o projeto foi aprovado (Parecer nº 516.570, de 3 de dezembro de 2013) e autorizado, os pesquisadores agendaram uma visita às organizações militares do Exército na guarnição de Porto Velho.

Este estudo foi organizado pelo Laboratório de Relações Interpessoais e Saúde e realizado em outubro de 2017 nas unidades do Exército Brasileiro localizadas na região amazônica, onde um pessoal operacional e administrativo fixo foi estacionado. A amostra consistiu em 122 militares voluntários com idade média de 36,80 ± 6,69 anos, 117 homens (M) e cinco mulheres (W), dos quais 53 foram empregados em missões operacionais (segurança de fronteira, patrulhamento, exercícios de defesa externa e interna etc.), e 69 militares que foram empregados em missões administrativas. Todos os 29 oficiais e os 93 sargentos escolhidos para participar da pesquisa eram militares de carreira.

Na data prevista, os pesquisadores foram às organizações militares a fim de reunir aqueles que participariam da pesquisa e explicar-lhes o que era o estudo. Após o esclarecimento de suas dúvidas, foi solicitado aos que optaram por não se voluntariar que saíssem da sala e, aos que ficaram, que assinassem um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Todos os participantes da amostra receberam um questionário com informações sociodemográficas, de trabalho, sociais e físicas que levantaram dados como idade, sexo, estado civil, nível hierárquico, horário de trabalho, frequência de atividade física, horas extras de trabalho e distância até a casa de parentes. Depois disso, um questionário sociodemográfico e o inventário de Burnout (anexo ao questionário) foram entregues aos participantes, que puderam completá-los em seu próprio ritmo. Foi solicitado, aos participantes, que não se identificassem.

Ao final da pesquisa, todos os questionários e inventários foram reunidos, ordenados e catalogados de acordo com as variáveis sociodemográficas e suas dimensões de Burnout relacionadas medidas pelo inventário anexo. A fim de atender ao princípio de equidade, de um total de 122 funcionários administrativos, somente os fixos foram considerados na comparação entre os sexos. Vale mencionar que todo o pessoal feminino pertence ao departamento administrativo, o que significa que ele está, em teoria, sujeito às mesmas variáveis do pessoal masculino que trabalha na mesma área.

Para identificar os níveis de Burnout, foi utilizado o Maslach Burnout Inventory General Survey(15) validado para o Brasil. Este instrumento avalia as três dimensões da síndrome, a saber, exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional, desconsiderando antecedentes anteriores e as razões que as causaram. É um questionário de 22 perguntas, com cinco opções de resposta, que abrange os três aspectos fundamentais da Síndrome de Burnout.

O resultado deste inventário é classificado em níveis: Exaustão emocional - alto nível (27 pontos ou mais), médio (17 a 26) e baixo (menos de 17); Despersonalização - alto nível (13 pontos ou mais), médio (sete a 12) e baixo (menos de seis) e Cumprimento pessoal, para o qual a pontuação é revertida - alto nível (31 pontos ou menos), médio (32 a 38) e baixo (39 pontos ou mais).

Para a análise dos dados, foi utilizado o pacote estatístico SPSS, versão 20.0. Para a análise comparativa das médias com a obtenção de significância estatística (p < 0,05), foram utilizados testes não paramétricos Mann-Whitney U e Wilcoxon W.

 

Resultados e Discussão

Os resultados da compilação dos dados relacionados com a amostra analisada são apresentados na Tabela 1.

A pontuação média descritiva das dimensões de Burnout dentro das variáveis objetivas que caracterizaram os participantes é mostrada na Tabela 2.

Em geral, a amostra mostrou níveis variáveis de Burnout em diferentes categorias. O nível médio foi medido nas categorias Exaustão Emocional (EE) e Despersonalização (D). Os níveis altos, por outro lado, foram verificados na categoria de Satisfação no Trabalho (ST). Estes resultados reforçam a teoria de que o estresse é um aspecto inerente ao treinamento militar e que os soldados devem sempre demonstrar estabilidade emocional, mesmo quando sob intensa pressão psicológica(16).

Se forem comparados os resultados encontrados neste estudo com os de Souza e Matos(17) - cuja pesquisa mostrou a relação entre vários empregos e seus níveis de Burnout - conclui-se que a ocupação militar no Brasil está acima de outras no que diz respeito aos níveis de Burnout. Os níveis de EE, por exemplo, são inferiores apenas quando comparados aos de pessoas que trabalham como instrutores de Enfermagem; os níveis de ST são superiores apenas quando comparados aos de pessoas que atendem vítimas de abuso e aos daqueles que trabalham como enfermeiros; os níveis D são inferiores apenas quando comparados aos de instrutores de Enfermagem e aos de médicos residentes. As exigências físicas e psicológicas encontradas no serviço militar são mais altas do que as da maioria dos outros empregos civis. Além disso, o contexto militar é mais propício a estresses de alta demanda, tais como ausência prolongada de casa, exaustão física e exposição a situações perigosas(10). Estes fatores explicam as conclusões deste estudo, e o resultado geral sugere a necessidade de treinamento militar para incluir o ensino de recursos psicológicos para preservar a motivação ou proporcionar resiliência, mesmo nas condições altamente estressantes encontradas na região amazônica.

Os dados foram cruzados, permitindo traçar um perfil mais detalhado da amostra. Em primeiro lugar, o estudo constatou que os oficiais que serviam em missões operacionais não apresentavam níveis significativamente diferentes de Burnout quando comparados aos oficiais que faziam trabalho administrativo.

Vale mencionar que tanto a origem dos oficiais militares que compõem os dois grupos quanto o treinamento que recebem são os mesmos. O cenário permanece o mesmo quando se considera o número reduzido de oficiais que realizam trabalho temporário em departamentos administrativos, que recebem exatamente o mesmo treinamento que os oficiais que atuam na área operacional. Além disso, durante as missões operacionais de patrulhamento de fronteira ou o treinamento de novos recrutas, os oficiais militares, que trabalham nas áreas administrativas, são normalmente convidados a oferecer seu apoio.

Quanto à comparação entre os diferentes níveis hierárquicos, o estudo revelou que os oficiais mostraram níveis significativamente mais altos de ST quando comparados aos oficiais e sargentos de mandato. Os candidatos do Exército Brasileiro precisam de cerca de cinco anos de treinamento antes de se tornarem oficiais. Os oficiais de mandado e sargentos, por outro lado, precisam apenas de um ano de treinamento. Mesmo os oficiais temporários, que não tenham frequentado a Academia Militar, devem ter um diploma universitário se quiserem ser aceitos na instituição. Corroboraram-se os resultados apresentados nesta pesquisa por um estudo(18) que mostrou que quanto maior o nível educacional, menores as chances de desenvolver estresse ocupacional (Burnout).

Assim, oficiais e sargentos brasileiros no contexto da Amazônia experimentaram os mesmos níveis de EE e D e baixos de ST - baixos níveis destes últimos significam níveis mais altos de Burnout em todos os níveis hierárquicos. A insatisfação com a competência e o desempenho profissional foi ainda menor entre os oficiais. Um estudo realizado(19) com 3.896 médicos em que há uma relação entre os níveis hierárquicos, Burnout e satisfação no trabalho foram considerados. Eles descobriram que um aumento de um ponto no ranking de liderança corresponde à probabilidade de uma diminuição de 3,3% no Burnout e um aumento de 9% na satisfação no trabalho. No contexto militar, os oficiais são os que devem desenvolver e exercer a liderança, muito mais do que os sargentos, e isso pode ser uma explicação para as conclusões deste estudo.

Quanto às pontuações relacionadas ao gênero, não foi possível produzir estatísticas comparativas entre os grupos devido ao pequeno número de mulheres que participaram do estudo. Somente há cerca de trinta anos as mulheres foram autorizadas a se alistar no Exército Brasileiro, mas só podem fazer trabalhos administrativos ou relacionados à saúde. Apesar disso, outros estudos(20) não encontraram nenhuma diferença significativa em nenhuma das categorias de Burnout entre homens e mulheres. De fato, até hoje, não foram apresentados resultados conclusivos sobre o esgotamento entre homens e mulheres.

Quanto ao estado civil, não foram encontradas diferenças fundamentais entre oficiais casados ou informalmente casados, solteiros ou viúvos. Este resultado corrobora as pesquisas que estudaram 120 enfermeiros militares(21). O estudo constatou que aqueles que eram casados ou em união estável não mostraram nenhuma diferença significativa nos níveis de Burnout quando comparados com aqueles que eram solteiros. Ter filhos ou estar divorciado, entretanto, eram fatores de estado civil que mostravam diferenças significativas.

É incontestável a literatura científica sobre o uso de técnicas de enfrentamento para reduzir os efeitos da Síndrome de Burnout. O apoio social está entre as oito técnicas na busca afetiva de amigos e apoio familiar(22). O princípio do apoio social pode ser usado para explicar os níveis significativamente mais baixos de Burnout em EE entre os oficiais militares que viviam perto de seus parentes, em oposição àqueles que viviam longe deles. Outro estudo mencionou o apoio social cujo foco era o comportamento contraproducente no trabalho entre 625 policiais(23).

Se os cônjuges dividem ou não as despesas e sua relação com Burnout não tiveram nenhuma associação significativa com a síndrome, nem foram encontrados quaisquer outros estudos similares que tenham discutido esta questão. Embora o custo de vida seja maior na região amazônica, o oficial que serve naquele lugar recebe um acréscimo salarial de 20% por trabalhar em condições adversas; quando os oficiais vão a missões de patrulha de fronteira, recebem um pagamento diário extra; também gastam menos dinheiro no aluguel de casas, pois aquela região tem muitas casas fornecidas pelo Exército. Estes fatores explicam por que um cônjuge, que tem ou não um emprego, não exerce um impacto significativo no nível de Burnout. O salário médio pago na região amazônica é, em geral, baixo. Isto explica por que os cônjuges consideram não lucrativo deixar suas casas e trabalhar por muito pouco dinheiro. Ficar em casa para cuidar dos filhos e fazer as tarefas diárias parecem compensar o aumento de renda.

Os resultados das dimensões de Burnout relacionados aos anos de serviço são apresentados na Tabela 3.

O nível de EE nos oficiais militares brasileiros com tempo de serviço entre seis e dez anos foi alto e significativamente diferente dos níveis médios daqueles com 21 a 25 anos de carreira e daqueles com mais de 30 anos de carreira. O fato de que a EE com tempo de serviço entre seis e dez anos não apresentou diferença significativa em relação ao tempo de serviço entre 26 e 30 anos mostra o aumento dos níveis de estresse durante a transição para a aposentadoria e posterior declínio no final da carreira. Coerentemente com estes resultados, o ST foi percebido como significativamente menor entre seis e dez anos de carreira militar e maior com mais de 30 anos de carreira militar, de modo que, a partir de 30 anos de serviço, os níveis de Burnout relacionados com a satisfação no emprego declinam de um nível alto para um nível médio. O nível de D em oficiais militares brasileiros, com tempo de serviço entre seis e dez anos, foi alto e significativamente diferente dos níveis médios daqueles com tempo de serviço a partir de 21 anos. Um estudo semelhante sobre a relação entre Burnout e tempo de serviço(24) mostrou um ligeiro declínio proporcional ao tempo de serviço após um pico inicial. Dentro das estratégias de sobrevivência(22), verifica-se que, para a aplicação de algumas técnicas, como a Reavaliação Positiva, é necessário aproveitar as lições vivenciadas que necessitam de tempo para a assimilação. Com o tempo, acredita-se que o profissional militar tende a aprender como lidar mais efetivamente com situações de Burnout, reduzindo assim sua carga de estresse.

Os resultados das dimensões de Burnout de acordo com a frequência dos exercícios físicos são mostrados na Tabela 4.

Os resultados apresentados neste estudo sobre as variações das dimensões de Burnout de acordo com a frequência da atividade física mostraram resultados significativos em todas as dimensões, EE, ST e D. Os participantes que responderam que só praticam atividades físicas às vezes perceberam mais sinais de EE, menos ST e mais D. A literatura científica corroborou estas descobertas ao relacionar o estresse e a atividade física. Um estudo semelhante(25) encontrou níveis significativamente mais altos de estresse ocupacional em indivíduos sedentários quando comparados a indivíduos que costumavam realizar atividades físicas regularmente. Outro estudo(26) envolvendo trabalhadores e a relação estresse/estilo de vida sedentário mostrou que a exposição ao comportamento sedentário nos homens está associada a uma maior chance de perceber o estresse.

Os resultados das dimensões de acordo com a frequência de horas de trabalho extra são apresentados na Tabela 5.

A dinâmica das dimensões de Burnout, ao levar em consideração a carga de trabalho extra, apresentou diferenças significativas entre os grupos. Os oficiais militares, que responderam que muitas vezes fazem horas extras de trabalho, foram percebidos com taxas significativamente altas de EE e D, contra os níveis médios daqueles que se reportaram nunca ou apenas às vezes realizarem trabalho após o final do expediente. Entretanto, a dimensão ST não apresentou um padrão conclusivo neste estudo.

Embora estudos(16,27) relacionem especificamente o aumento da carga de trabalho na ocupação militar com o aumento da Burnout, os resultados deste estudo apoiam parcialmente esta asserção. A falta de diferenças estatísticas significativas nas dimensões EE e D de Burnout, quando a carga de trabalho extra se torna rotina (quase sempre/sempre), parece indicar uma adaptação psicológica do indivíduo à nova rotina. A quebra da rotina ocupacional tende a levar o indivíduo a uma situação de estresse negativo(28). A assimilação da atividade extra como parte da rotina militar pode explicar a queda dos índices no último nível de frequência.

 

Conclusão

Neste estudo, verificou-se que a ocupação militar apresenta níveis médios a altos de Burnout de acordo com a classificação do protocolo internacional de avaliação e em comparação com outras ocupações. As principais condições sociodemográficas, trabalhistas, físicas e sociais associadas a níveis significativamente mais altos de Burnout neste estudo foram: menos tempo de serviço; estilo de vida sedentário; trabalho extra; posição hierárquica inferior e viver longe de parentes.

Deve ser enfatizado que a psique humana é extremamente complexa e que a simples avaliação de um atributo não pode caracterizar por si só se os militares têm mais ou menos potencial para desenvolver Burnout.

Este estudo procurou contribuir para a literatura no sentido de citar os fatores que podem estar predispondo à Burnout militar, especialmente em ambientes inóspitos, como a região amazônica. Dessa forma, comandantes e profissionais de saúde terão instrumentos mais precisos na manipulação dos fatores de doença dos trabalhadores.

Como limitações deste estudo, entende-se que outros fatores intervenientes influenciam o estresse ocupacional na Amazônia, mas não puderam ser medidos no inventário, tais como as condições climáticas quentes e úmidas da região, que levam os militares recém-chegados e a família a um desgaste excessivo, a falta de estrutura urbana nas localidades daquela região e a falta de seus serviços básicos, tais como saúde e educação.

Finalmente, sugere-se que as instituições militares invistam mais em ações que aumentem a satisfação profissional de seus oficiais, considerando que foi encontrado, neste estudo, que essa dimensão de Burnout foi considerada no nível "alto" em quase todas as avaliações e em cada atributo estudado.

 

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Autor correspondente:
Yonel Ricardo de Souza
E-mail: yonel.souza@gmail.com

Recebido: 26.06.2020
Aceito: 16.01.2021

 

 

Contribuição dos autores
Concepção e planejamento do estudo: Yonel Ricardo de Souza, Fabio Biasotto Feitosa.
Obtenção dos dados: Yonel Ricardo de Souza.
Análise e interpretação dos dados: Yonel Ricardo de Souza, Fabio Biasotto Feitosa, Gabrielle Selleri Bezerra.
Análise estatística: Fabio Biasotto Feitosa.
Redação do manuscrito: Yonel Ricardo de Souza.
Revisão crítica do manuscrito: Fabio Biasotto Feitosa, Gabrielle Selleri Bezerra.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: os autores declararam que não há conflito de interesse.

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