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IGT na Rede

versão On-line ISSN 1807-2526

IGT rede vol.9 no.16 Rio de Janeiro jan./jun. 2012

 

ARTIGO

 

Fenomenologia na Gestalt - Terapia:Método ou muleta?


Phenomenology in Gestalt Therapy:Method or crutch?


Ananias Oliveira Filho
Patricia Wallersntein Gomes

Endereço para correspondência


RESUMO


A Gestalt-Terapia tem como base metodológica a Fenomenologia. Apresenta-se, no decorrer do texto, questões ainda a serem aclaradas que, em seu escopo, a Gestalt-Terapia sofre de e por precariedade metodológica. Ao lançar mão da Fenomenologia para fomentar as suas bases epistemológicas, a Gestalt-Terapia não o fez em grande parte com discernimento avalizado. É pertinente e fundamental indagar a real adequação da Redução Fenomenológica concebida por Husserl e a visão de homem em Heidegger para a Gestalt-Terapia. Os princípios do questionar e problematizar, estes já defendidos respectivamente por Gadamer (2000) e Popper (2001), como os dínamos que impulsionam o movimento de atualização e construção do conhecimento. Se fazem necessários novos estudos para um melhor delineamento acerca do método na Gestalt-Terapia.

Palavras Chave: Gestalt -Terapia; Fenomenologia; Método.


ABSTRACT

Gestalt therapy is based on methodological, Phenomenology. It is presented throughout the text issues still to be clarified that in its scope Gestalt therapy suffers from methodological and precariousness. Making use of phenomenology to foster its epistemological bases, Gestalt therapy, did not largely endorsed with discernment. It is pertinent to ask the real and fundamental appropriateness of the Phenomenological Reduction conceived by Husserl and Heidegger in sight of man for Gestalt Therapy. For the principles of questioning and questioning, they have defended respectively by Gadamer (2000) and Popper (2001), as the dynamos that drive the movement of construction and upgrading of knowledge. If further studies are needed to better design on the method in Gestalt Therapy.

Keywords: Gestalt Therapy;Phenomenology; Method.


 

INTRODUÇÃO

A Gestalt-Terapia (GT) há muito vem sendo colocada e abordada como uma psicoterapia fenomenológica, esse entendimento merece e carece de algumas considerações. A GT tem em sua gênese o princípio de buscar em setting clínico o entendimento do ser humano voltado para os fenômenos do e no presente (PERLS, 1980; ZINKER, 2001; ROBINE, 2003; FERREIRA, 2009).

O fenômeno que se faz diante do cliente em momento de psicoterapia é o conteúdo cardinal da GT (Perls, 1980; Zinker, 2001; Ribeiro, 1985). Faz-se assim fundamental a formatação de preceitos e métodos. A assertiva acima evidencia a busca de uma melhor aproximação possível da realidade existencial vivida pelo, sempre tendo a consciência tácita dos limites da compreensão e assumindo a função de acompanhante (OLIVEIRA FILHO, 2010).

A Fenomenologia se insere na GT originalmente e, mormente como pressuposto metodológico (ZINKER, 2001; RIBEIRO, 2002). O arcabouço fornecido pela corrente de pensamento fenomenológico é apreendido pela GT, tendo assim no entendimento dos psicólogos com base na GT um método de atuação consistente e pertinente ao seu escopo (ANDRADE, 2007).


A GT fazendo uso da Fenomenologia como base, acaba por encontrar um alicerce metodológico convergente com sua visão de homem e de processo terapêutico (ANDRADE, 2007; ZINKER, 2001). Esta apropriação se fez, mormente, em torno de dois expoentes da Fenomenologia: Husserl e Heidegger (DUTRA, 2008; FERREIRA, 2009; GALLI, 2007).

Buscar-se-á aqui, não um debate acerca da amplitude das teorias de Husserl e Heidegger e de sua pertinência enquanto capacidade explicativa e descritiva da realidade. Ademais, o intuito deste trabalho é fornecer uma questão a ser debatida sobre as propostas daqueles autores, e sua adequação aos preceitos e práticas da GT.

FENOMENOLOGIA: método ou muleta?

A fenomenologia tem por essência de reivindicar o direito de ser filosofia "primeira" e de oferecer os meios para toda crítica da razão que se possa almejar; e que, por isso ela requer a mais completa ausência de pressupostos e absoluta evidência reflexiva sobre si mesma. Sua essência própria é a realização da mais perfeita clareza sobre sua própria essência e, com isso, também sobre os princípios de seu método. (Husserl, 2006, p. 303)

A Fenomenologia tem sua fundação como linha de pensamento vinculada a Edmund Husserl, influenciado fundamentalmente pelas teorias de Franz Bretano e Ernest Mach, partindo da crítica a ao modelo de ciência vigente para propor uma nova concepção metodológica (SACRINI, 2009; BRESSAN, 2005).

Husserl (1986) defende a unicidade fenomenal do ser em contraposição ao preceito cartesiano de dualidade. Concebe também o abandono do psicologismo, porquanto este preconizava o conhecimento acerca do homem deviam partir das estruturas internas do homem (SACRINI, 2009; BRESSAN, 2005).

Husserl (1986) inverte esse pressuposto, a compreensão do ser humano deve se dar no âmbito das experiências com o mundo, tendo aí acesso aos elementos intra-psíquicos. (SACRINI, 2009; BRESSAN, 2005; MERLEAU-PONTY, 1994).

Husserl (2004), ainda afirma que é a partir dos aspectos formais observáveis, que reside a possibilidade de ser humano compreender os fenômenos internos, pois a estrutura formal tendo por base os conteúdos objetivos, acabam por viabilizar o acesso as dimensões subjetivas e multifacetadas do ser humano (BRESSAN, 2005; DARTIGUES, 1992).

Husserl (2006) em sua obra acaba por construir a Fenomenologia fundamentalmente como um método, que se propunha como um instrumento para explicitação das evidências fenomenais (BRESSAN, 2005). Diferentemente do que expõe Critelli (1996), foi intenção objetivo primeiro quando do surgimento da Fenomenologia, a formulação de um método, que traria a filosofia um rigor processual que a fundasse como saber válido (BELLO, 2006; HEIDEGGER, 2006; BRESSAN, 2005).

A Fenomenologia como afirma Heidegger (2006) é um método, elaborado por Husserl, como forma de resposta ao pensamento cartesiano vigente, essa divergência não constitui uma abandono total do modelo cartesiano (SACRINI, 2009; BRESSAN, 2005).

O afastamento as idéias e as críticas foram circunscritas em torno do foco idealista, e a tentativa de equiparação de todas as ciências estabelecendo um modelo epistêmico de conhecimento, que permeia e caracteriza o pensamento de Descartes (BRESSAN, 2005).

Husserl (2001) acerca da influência do pensamento cartesiano para a Fenomenologia, expõe que as idéias cartesianas são preponderantes em sua obra, todavia a um distanciamento do pensamento de Descartes, por este ser constituído e permeado de um caráter autoritário. Husserl se inspira no intuito cartesiano de construir um método, que seja capaz de captar os fenômenos em suas especificidades em como eles se apresentam (SACRINI, 2009; BRESSAN, 2005).

A Fenomenologia se apresenta como uma metodologia capaz de apreender os fenômenos em suas singularidades, constituídas em suas essências (Husserl, 2006). A ênfase no desvelamento dos fenômenos com base na experiência constitui instrumento fundamental para GT. A partir da premissa exposta é que o terapeuta irá trabalhar buscando ser o observador analítico da vivência do cliente, pois assim se dá o processo de construção e descobertas na psicoterapia (ZINKER, 2001).

Gadamer (1999) propõe, com bases preliminares lançadas ainda em Heidegger (2006), uma abordagem fenomenológica fundamentada na linguagem.A experiência per si acontece via diálogo, por meio da fala esta mudança de cerne traz em sua concepção um grande convergência com o objeto e os objetivos que respaldam a GT.

Um método é adequado quando está em alinhamento com o objeto e os objetivos propostos a fim de estabelecerem uma base válida para a teoria e prática (Popper, 2001). Por ser a Fenomenologia como método em GT o aspecto central do presente artigo, far-se-á uma explanação das concepções fenomenológicas de Husserl e Heidegger, sendo estas as mais propaladas bases metodológicas dos estudos e na prática clinica da GT (DUTRA, 2008; FERREIRA, 2009; GALLI, 2007).

Husserl: um homem na neutralidade?

“A fenomenologia transcendental seria, neste caso, “uma verdadeira e autêntica ontologia universal. (...) Esta ontologia universal e concreta seria, pois, o universo científico de fundamentação absoluta, primeiro em si” (HUSSERL, 1986, p. 229).

Husserl (2001) propõe um conceito fenomenológico onde ser e fenômeno são indissociáveis na construção do sentido dos conteúdos próprios a cada pessoa. Concepção esta que apresenta muita convergência em relação à GT porquanto a idéia do ser total é base tanto para a fenomenologia quanto para GT.

Não se estabelece a priori ordem valorativa entre razão e emoção ou entre interno e externo. A Fenomenologia na concepção de Husserl (2001) seria o caminho para o desvelamento das essências humanas.

Husserl (1986) ao elaborar um sistema metodológico define o principio da redução fenomenológica, no qual o cientista teria que buscar o fenômeno puro, ou seja, conseguir acesso as evidências dos fenômenos em si, sem a mediação ou influência dos valores e percepções pessoais. Husserl, como afirmam Martins e Bicudo (1983), com sua abordagem sempre teve como objetivo ter acesso à essência.

Habermas (2000), nesta direção explicita que a fenomenologia, de Husserl, buscou constituir uma base explicativa de qualquer fenômeno inerente ao homem, não se restringindo a algum conteúdo especifico. Observação que encontra convergência no próprio Husserl (2004), quando este afirma que a fenomenologia é precede qualquer ciência, porquanto a fenomenologia é uma proposta de principio a ser seguido.

Husserl (2006) coloca que a Fenomenologia teve como cerne primordial alcançar a essência dos fenômenos por meio de uma objetividade, visando isolar e impedir que os valores e conteúdos subjetivos dos indivíduos afetem os estudos, ou seja, que impliquem na impossibilidade de se observar o fenômeno em sua essência (Ferreira, 2009).

O preceito da redução fenomenológica se apresenta em sua tese alinhada com a GT, todavia, apresenta alguns paradoxos, pois Husserl (2006) com o intuito de moldar um método com maior validade e precisão, foi buscar nas ditas ciências da natureza modelos que pudessem concretizar seu desejo (Bressan, 2005). Husserl então apresenta uma clara contradição no escopo conceitual de sua metodologia com o entendimento de homem e de relação típicos da GT.

A premissa basilar para que se alcance o sucesso uma melhor apreensão, segundo Husserl (2004), é de que o cientista deve colocar seus elementos subjetivos e de sua história de vida em suspensão, podendo assim eliminar a influência de possíveis varáveis intervenientes, pois só assim ele poderia observar de forma legitima os reais atributos de um fenômeno. Esta percepção é exposta e criticada por Gadamer (2004), delineando um parâmetro de neutralidade e de doutrina tão criticado por Husserl (2001) como elemento de uma ciência positivista, assim como observa Gadamer (2004).

Gadamer (1996) pontua que a palavra “teoria”, com o tempo, perdeu sua nobreza origina tendo sua gênese no termo grego theorein, que significava perceber os fatos de maneira mais abrangente possível. Deixando de ser um modelo implicativo de visão do total de um fenômeno, passando a ser um espectro meramente instrumental e limitado na busca por conhecimento.

A ressalva supra mostra-se pertinente quanto à forma utilizada por diversos terapeutas em GT, estes simplesmente importando de maneira literal o método da redução fenomenológica para o setting psicoterápico, pois a utilização puramente automática configura o uso de uma ferramenta automatizada e não singular (Oliveira Filho, 2010). A GT pressupõe como forma primordial para psicoterapia a criação de uma relação genuína e particular com cada cliente (ROBINE, 2006; ZINKER, 2001; ANDRADE; 2007; PEREIRA, 2008; PERLS, 1980).

Oliveira Filho (2010) aponta que a acepção metodológica de Husserl não é somente inadequada, mas contraditória às bases constitutivas da GT. Esta defende a compreensão do outro a partir de uma relação entre seres que se afetam reciprocamente. Fundando-se aí uma relação única e de sentido próprio, onde os fenômenos e verdades são entendidos não só pelo diálogo, mas no diálogo, sempre permeado do que há de cada um e suas intenções.

Não se pode restringir ou basear a relação terapêutica em função de observações ou análises vazias de subjetividade e das histórias que permeiam a vida de seres em diálogo, o objetivo é de sempre ampliar e não tornar redutível as experiências(OLIVEIRA FILHO, 2010; ROBINE, 2006; PERLS, 1980).

Contradizendo assim as interpretações de estudiosos da fenomenologia recorrentemente citados, tais como: Martins (1992), Triviños (1992) e Dartigues, (1992) para os quais o fenômeno factual é um objeto inicial para se chegar à essência e daí se compreender o sentido.

A posição acima denotada se mostra contraria as palavras de Perls (1980), quando afirma que a GT é estudo do que há de mais externo. Ademais, é ali que está contido o homem em sua totalidade mais observável. “O maior ensinamento da redução é a impossibilidade da redução completa.” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 08). A GT não preconiza estruturas ou formas de entender a intenção com base nas partes, como pressupõe qualquer forma de compreensão ou saber com bases na essência e/ou partes.

O ser está antes de tudo em relação com o mundo e assim ele se forma e se transforma (HEIDEGGER, 2006; GADAMER, 2000; HABERMAS, 1988; PERLS, 1980). Como bem define Merleau-Ponty (1994), a fenomenologia como linha de pensamento deve situar a essência no âmbito da existência.

Gadamer (1999, p. 401) afirma que “o reconhecimento da alteridade do outro, que a converte em objeto de conhecimento objetivo é, no fundo, uma suspensão de nossa própria pretensão”. Note-se que diferentemente de Husserl, não há premissa de isolamento de valores individuais, há sim um foco na construção de discernimento, o que propicia um espaço não de sobreposição de um discurso sobre o outro, mas sim uma forma participativa do outro e do eu na configuração de um discurso próprio de cada um e da relação.

Husserl (1986) defende e elabora uma metodologia respaldada em um conceito de objetividade, que se encontra ainda influenciado, pelo conceito de neutralidade defendida por Comte (1990) e Durkheim (2002), e assim sendo não dando base convergente com os pressupostos básicos da GT. Husserl estabelece assim um novo objeto como fulcro nos estudos para a compreensão do ser humano onde a base se dá, no fenomenal. Esse fundamentado no tempo presente (Bello, 2006).

Ressalve-se que Husserl em seu intento foi enormemente influenciado pelo conceito de ciência de Descartes (1998), que propunha um método de investigação onde os sentidos, e em assim sendo os sentimentos e valores individuais do cientista, deveriam ser neutralizados a fim de permitir o acesso real à verdade de cada objeto estudado (BRESSAN, 2005).

Husserl assevera ainda que: “Se, por "positivismo" entende-se o esforço absolutamente livre de prejuízo para fundar todas as ciências sobre o que é 'positivo', isto é, susceptível de ser apreendido de maneira originária, nós é que somos os verdadeiros positivistas” (1950, p. 69).

A assertiva acima elaborada encontra respaldo evidente na obra de Husserl (2001), “Meditações Cartesianas”, onde o autor define as diferenças claras de pensamento em relação ao modelo cartesiano, porquanto este defendia uma visão dualista do homem.

Todavia deixa claro, as convergências quanto ao método de investigação e a conseqüente busca de respostas para alcançar os objetivos em um padrão que preconizava de forma evidente o distanciamento entre os agentes da relação, que per si já configura uma clara e grave inadequação ao modelo de psicoterapia em GT.

Heidegger: um homem só por si?

“O Dasein de Heidegger não passa fome” (LEVINAS, 1985, p.99)

Heidegger (2004) apresenta em sua obra O Ser e o Tempo à proposta para a uma ontologia fundamental, esta baseada na fenomenologia. A fenomenologia daria, no entendimento de Heidegger (2004), a condição metodológica para uma compreensão válida do ser (ente) em sua completude, isto se daria a partir da análise do modo de ser no mundo, este elemento primordial da constituição do ser.

O homem não em sua forma mais autêntica e genuína não acessa o mundo de forma direta, o ser é acolhido no mundo por meio do ente que ,em contato com o mundo viabiliza o ser no mundo, mas este não que sente o mundo, ele vê e sente através do ente que o representa, trazendo o cotidiano concreto para o a realidade do ser (HEIDEGGER, 1988).

Heidegger (2002) define em sua obra o homem como um ser no mundo, por conseguinte só poderá ser compreendido com base neste princípio. Surge então na teoria heideggeriana o Dasein, o ser-aí, que seria o ente em seu modo de ser no mundo, ou seja, o homem em sua totalidade.

Têm-se assim uma clara definição de objeto de estudo, bem como premissas de como deve ser abordado. “O ser é sempre o ser dos entes” (HEIDEGGER, 1988, p. 35). Ente é tudo o que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e como nós mesmos somos (HEIDEGGER, 1988).

Heidegger (2002) apresenta uma tomada radical de posição, quando afirma que o homem é um ser de relações, sendo assim um ente da linguagem no mundo. O homem se torna ser enquanto compreensão de si mesmo, apresenta-se assim o ponto de cisão entre a teoria de heideggeriana e a GT a ser delineado neste trabalho.

Heidegger (1988) em sua obra trecho explicita que as relações no mundo são as impessoais, admitindo assim um distanciamento da afirmativa de que o homem é um ser nas relações.

Habermas (1989) assevera e expõe uma peculiaridade do pensamento de Heidegger, ainda é pouco pontuada, de que este último define o homem como centrado nele mesmo. O homem se constrói em um processo de auto confirmação dele por ele mesmo, o mundo e os outros são conteúdos reificados que fornecem elementos, pelos quais o ser se confirma.

Essa acepção acima coloca as relações dialógicas em um plano marginal na construção de uma individualidade e da intenção como forma de se buscar um estado de Awaerness. O homem se faz em auto-compreensão, as sua relações fornecem conteúdos que o afetam e constituem um processo de auto compreensão, mas o homem é ser com ele mesmo (GOMES, 2009).

O ente é então o esconderijo do ser como afirma (HABERMAS, 1989), e mais do que isso ele é uma parte visível do ser, porém, impessoal. Esta pontuação deixa claro o afastamento dos preceitos heideggerianos em relação à GT. A GT em seu arcabouço propõe uma visão de ser nas relações e não só das relações, o modo de ser no mundo é um contínuo do ser-aí, e não uma parte ou instrumento facilitador.

Ressalva-se aqui que Heidegger (1988), destaca a extrema importância das relações, ademais não como elemento constituinte do ser, o que se contrapõe aos elementos fundadores da GT (WALLERSTEIN GOMES, 2001). Wallerstein Gomes (2001) evidencia que a experiência que se busca na psicoterapia em GT não é a meramente reflexiva, onde com respaldo na racionalização dos fenômenos acaba por ter uma compreensão do mundo ser se não do ser no mundo.

A autora destaca sim as vivências presentes que fundamentam e são fundamentadas nas relações. Pode se observar em Habermas (2004), a explicitação da construção de um solipsismo existencial na ontologia fundamental de Heidegger.

Acerca do solipsismo na obra de Heidegger, Habermas assevera que a “A reflexão se produz também graças a uma relação dialógica prévia e não se move no vazio de uma intencionalidade constituída à margem de toda comunicação”. (HABERMAS, 2004, p. 100). Ou seja, a linguagem é um fenômeno interior ao individuo, sendo o fenômeno da relação ulterior à linguagem e não constituinte da mesma (Sá, 2008).

Dentro da perspectiva acima referenciada Silveira (2007) assevera que no seu caminhar teórico Heidegger, acaba por propor um ser, que através do solipsismo evidenciado por Habermas (2004), produto e produtor de um monólogo. A autora pontua que Heidegger constrói as bases conceituais da linguagem como sendo ela produto dela mesma, e não a partir das relações dialógicas (SILVEIRA, 2007). Silveira (2007), ainda observa que a construção, em Heidegger, da linguagem e consequentemente do ser se dá envolto em uma dimensão intrapsiquica.

O exterior, ou seja, as relações não mais são bases elementares do ser, mas se constituem em redes que conteúdos que funcionam como comprovação ou não do que ele já é (HABERMAS, 2004). Não mais o diálogo funda ou cria, ele verifica, a criação ocorre no monólogo interno entre o que já é e o que ainda pode ser (SILVEIRA, 2007). O que está perde sua função talante na formação subjetiva do homem, sendo compreendido como mero componente estrutural.

Esta apreensão de realidade do ser não dá suporte a GT, porquanto na GT o fenômeno imediato é mais do que um elemento de corroboração de verdade e estados intrapsciquicos, é antes de tudo um conteúdo constituinte da linguagem e em assim sendo do ser humano (SÁ, 2008; SAFRA, 2006; PERLS, 1978; 997; ROBINE, 2003; ZINKER 2001). “Conversar significa: juntos, dizer algo, mostrar um para o outro o que se aclama no que se proclama o que, a partir de si mesmo, chega a aparecer” (HEIDEGGER, 2003, p. 202), Heidegger assim inverte o sentido de construção do ser nas relações concebido na GT.

Porquanto assim ele se mostra na relação e não se constitui envolto nela, a relação dialógica acaba sendo para Heidegger (2003) uma vivência de refutar ou corroborar o ser por meio do ente, o diálogo assim não re-cria ou desvela o homem, apenas legitima ou não o que já é (LEVINAS, 1985; HABERMAS, 2000; SILVEIRA, 2007; SÁ, 2008). Para Heidegger (2003, p. 41) “A essência do homem repousa na linguagem; enquanto aquele fala: o homem é homem.”.

Oliveira Filho (2010) aponta que Heidegger (2003) ao estabelecer o entendimento explicitado acima, finda por não estabelecer uma base adequada para a GT. Visto que a relação na psicoterapia em GT não ocorre por meio da fala, esta viabiliza e só é elemento da relação quando imersa em um movimento dialógico (OLIVEIRA FILHO, 2010).

A fala não é objetivo primordial do ser, ela é estímulo provocador do contexto dialógico, que só se dá enquanto há reciprocidade de um outro a uma fala, que só assim é evidenciada a escuta pela qual ocorre o diálogo (Oliveira Filho, 2010; Gadamer, 2004; Carneiro, 2004).

A GT pauta sua acepção de homem como ser dialógico, este se constitui inserido “no” e “pelo” mundo na realidade fenomênica de cada um. O mundo e as relações para a GT não são meros instrumentos para comprovação ou negação de uma realidade vivenciada, eles são fontes do fenômeno enquanto subjetividade (GADAMER, 2004; HABERMAS, 2000). Os fenômenos se fazem presente e ganham sentido na linguagem dialógica, esta não faz parte de um mundo, ela própria substancia um mundo (GADAMER, 2004; PERLS, 1997).

Perls (1980; 1997) é enfático em sua obra ao colocar o homem como imerso nas e no mundo das relações através da linguagem, mas é antes de tudo nas relações, por conseguinte o ser não vem para as relações e sim vem nas relações. Esta clara inversão torna a concepção de Heidegger incoerente com a psicoterapia em GT, porquanto para esta abordagem o homem é ser enquanto constituído nas relações dialógicas e não de forma a priori a elas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se defende, bem como não é objetivo do presente trabalho propor uma mera refutação do método em GT que é permeado pelas teorias de Husserl e Heidegger, já que é inegável a contribuição destas concepções para a GT. Ademais, uma proposição nesta direção é contraditória com o preceito basilar do questionamento deste artigo.

Aceita-se e ressalta-se aqui, como fundamento primeiro para o desenvolvimento da GT, os princípios do questionar e problematizar, estes já defendidos respectivamente por Gadamer (2000) e Popper (2001), como os dínamos que impulsionam o movimento de atualização e construção do conhecimento.

No transcorrer do texto buscou-se constituir um alerta para uma aceitação de um modelo, sem que tenha existido um crivo baseado em uma postura critica e questionadora, inviabilizando o diálogo necessário para a construção de conhecimento e processos concernentes ao escopo da GT.

Houve sim, no decorrer da evolução da GT, a consumação de um modelo que acaba por não dá suporte ao caráter dialógico, dinâmico e envolto na mútua afetação onde está imerso o ser na concepção da GT. Impõem-se como necessários a GT estudos com base crítica acerca dos seus histórico e fundamentos teóricos e práticos.

Holanda (2009) aponta precariedade e a grande necessidade em estudos acerca da GT em seus aspectos teóricos e metodológicos, que não mais constituam mero revisionismo, objetivando a reafirmação de aspectos já cristalizados e enraizados na GT.

O tema deste artigo não se esgota aqui, pelo contrário, espera-se ter instigado uma questão e um problema que promovam o diálogo e o debate constituintes fundamentais para uma dinâmica e consistente construção do saber.


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Endereço para correspondência


Ananias Oliveira Filho
Patricia Wallersntein Gomes


ananiasqueiroga@bol.com.br


Recebido em:07/02/2012


Aprovado em:07/06/2012


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