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IGT na Rede

On-line version ISSN 1807-2526

IGT rede vol.11 no.20 Rio de Janeiro Jan./June 2014

 

ARTIGO

 

Um panorama do processo psicoterapêutico infantil em Gestalt-terapia

A panorama of the psychotherapeutic process in Gestalt Therapy

 

Evelyn Denisse Felix de Oliveira*

IGT/MS - Instituto de Gestalt-terapia de Mato Grosso do Sul e Universidade Católica Dom, MS - Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivou-se com este artigo apresentar um panorama do processo psicoterapêutico infantil embasado pela Gestalt-terapia, que apresenta algumas particularidades como a ênfase na linguagem lúdica, uma vez que é o brincar a forma genuína de comunicação da criança, exigindo assim que o terapeuta encontre a criança em seu brincar, no contato com os responsáveis e com outros ambientes de convivência desta. O processo psicoterapêutico, entre outras coisas, é composto pelos seguintes procedimentos: entrevista inicial com os responsáveis, na qual se busca o estabelecimento do vínculo, a coleta de dados e a delimitação da demanda; a entrevista inicial com a criança, que é realizada de forma lúdica, priorizando-se o estabelecimento do vínculo e realizando-se poucas intervenções; a entrevista de devolutiva com os pais, que ocorre após apreensão do psicoterapeuta em relação ao todo vivencial da criança e deve ser conduzida de acordo com o pressuposto humanista existencial da GT, incumbindo o psicoterapeuta de relatar aos responsáveis sua percepção sobre os aspectos saudáveis da família e da criança e, criteriosamente, falar sobre seu funcionamento não saudável. Ao final, os responsáveis precisam estar norteados em relação a como a criança está e como poderão contribuir para seu processo psicoterapêutico. Outras formas de intervenção em GT, tais como sessões familiares, sessões conjuntas, visitas a outros ambientes de convívio da criança compõem a prática clínica. O encerramento do processo psicoterapêutico se dá basicamente quando o sintoma foi extinto e a criança consegue se relacionar consigo, com o mundo e com o outro de forma funcional sem o acompanhamento do psicoterapeuta.

Palavra-chave: Gestalt-terapia; Psicoterapia; Criança.


Abstract

The objective of this article is to present an overview of child psychotherapy process grounded by Gestalt therapy, which presents some peculiarities as the emphasis on playful language, since the play is the genuine form of communication the child, thus requiring that the therapist finds the child in his play, in contact with officials and other environments this coexistence. The psychotherapeutic process, among other things, consists of the following: initial interview with officials in which one seeks to establish a connection, data collection and demarcation of demand, the initial interview with the child, which is performed playful, prioritizing the establishment of bond and performing fewer interventions; return interview with parents, which occurs after the seizure psychotherapist in relation to any child's experiential and must be conducted in accordance with the existential humanist to the GT and instructed to report to the responsible psychotherapist their perception about the healthy aspects of family and child and, critically, talk about their functioning unhealthy. In the end, those responsible need to be guided as to how the child is and how they can contribute to their psychotherapeutic process. Other forms of intervention in GT, such as family sessions, joint sessions, and visits to other environments for socializing the child compose clinical practice. The closure of the psychotherapeutic process is basically when the symptom was terminated and the child can relate to you, with the world and with each other to form functional without the accompaniment of the psychotherapist.

Keywords:Gestalt Therapy; Psychotherapy; Children.


 

INTRODUÇÃO

Este artigo possui o objetivo de apresentar um panorama do processo psicoterapêutico infantil embasado pela Gestalt-terapia (GT), abordando aspectos fundamentais como a ênfase na linguagem lúdica e a importância do vínculo com os familiares, assim como os procedimentos básicos da clínica com crianças como as sessões com familiares e as visitas a outros ambientes de convívio desta.

Embora apresente neste trabalho uma articulação entre o arcabouço teórico da Gestalt-terapia e minha prática clínica com crianças e adolescentes, não tenho o intuito de esgotar a temática ou de apresentar um modelo único e rígido de atuação.

 

PATICULARIDADES DO ATENDIMENTO INFANTIL EM GESTALT-TERAPIA.

O brincar é a forma natural de expressão da criança, bem como a linguagem verbal é a dos adultos. Assim, da mesma forma que nos comunicamos verbalmente com os adultos, precisamos nos comunicar com a criança por meio da linguagem lúdica. Observando tal aspecto que surge a principal particularidade e dificuldade para alguns psicoterapeutas no atendimento infantil: a linguagem lúdica da criança.

Acredito que alcançar a criança em seu mundo lúdico é um dos objetivos mais importantes na psicoterapia infantil, diante disso não tenho como objetivo a verbalização da criança em relação as suas vivências, e sim encontrá-la em sua brincadeira. Oaklander (1980), discorrendo sobre o brincar, afirma: “Brincar é a forma de autoterapia da criança, por meio da qual confusões, ansiedades e conflitos são muitas vezes elaborados." ( p. 184). Dessa forma, busco revisitar o potencial criativo e a disponibilidade interna e externa dessa criança, para conseguir me comunicar lúdica e terapeuticamente com ela.

Outra característica bem particular do atendimento infantil é o fato de que o psicoterapeuta não se relaciona somente e diretamente com o seu cliente, mas também tenha contato com a família, com a escola e, se necessário, com outros ambientes de convivência da criança, tais como: escola de ballet, escola de línguas, escolinha de futebol, dentre outros, pois percebo que algumas vezes esses ambientes são referenciais importantes diante do comportamento da criança e podem revelar dados importantes em relação a seu funcionamento, e isso, às vezes, não é de conhecimento dos pais.

Como exemplo, cito o caso de uma menina de seis anos que, motivada com suas aulas de ballet, se recusava a comer e já apresentava um quadro de prejuízo nutricional. Após observar as relações familiares e o contexto escolar, durante uma brincadeira de inversão de papéis, a criança tornou-se a professora de ballet e referiu-se assim à terapeuta (que nesse momento era a aluna): “Vamo, vamo, mucha a barriga... Tá precisando comer menos doce... Você não quer ficar gorda, né?!”. Tal brincadeira indicou a necessidade de se observar esse ambiente de convivência da criança.

A chegada à totalidade se deu quando, ao visitar a escola de ballet da menina, conheci sua professora e, ao assistir alguns minutos de sua aula, presenciei-a repreender firmemente uma criança de aproximadamente sete anos pelo fato de seu uniforme estar apertado em seu corpo e ela ter comido um chocolate minutos antes de a aula começar. Além da conduta inadequada da professora, observei uma tensão no ambiente e um receio das crianças em relação a ela. Diante disso compreendi um importante aspecto do campo vivencial da criança que se recusava a comer.

 

ENTREVISTA INICIAL COM OS RESPONSÁVEIS.

Baseando-se nos pressupostos da GT, ao se pensar na entrevista inicial, seja ela em qual configuração psicoterapêutica esteja (criança, casal, grupo ou família), pensa-se em acolhimento. De fato o acolhimento é o primeiro instrumento teórico fundamentado na dialógica, que acompanha o terapeuta no delicado processo de hospedagem do cliente.

A primeira entrevista pode acontecer perpassada por uma ou várias questões relativas a crenças, valores, preconceitos, práticas religiosas, além da angústia que é estar diante de alguém que nunca se viu e com quem a pessoa tentará dividir suas dores existenciais. Incluo tais questões no contexto terapêutico de forma fenomenológica, para que o cliente se sinta respeitado em sua inteireza e que, com isso, possa abrir-se ao encontro.

Importante ressaltar a novidade da primeira entrevista também para o psicoterapeuta, que se vê em uma potencial relação da qual é o guardião desde o início, sendo determinante o domínio de seu trato teórico e técnico na estruturação de parte das condições favoráveis para o estabelecimento do vínculo. Quanto a isso, Pinheiro (2007) nos diz que na primeira entrevista

“O terapeuta também está se ajustando àquela nova situação, começando a conhecer aquela pessoa que está na sua frente e para tal está usando suas referências pessoais e seu momento de vida para situar-se naquele contato [...]”. (p.138).

Dessa forma, concebo a entrevista inicial como um momento fundamental para um futuro processo terapêutico, em que ambos, terapeuta e cliente, se veem diante da tensão de uma nova possibilidade relacional, na qual são uma incógnita um para o outro.

Nas entrevistas iniciais com os responsáveis, os quais vieram buscar psicoterapia para uma criança ou adolescente, lanço mão de uma escuta específica acerca das relações estabelecidas entre as pessoas (adultos e crianças) nesse contexto familiar.

Existem algumas diferenciações na realização das entrevistas iniciais. Oaklander (1980) defende a ideia de se contar com a presença da criança, juntamente com os pais na entrevista inicial, com a justificativa de aliviar as fantasias da criança em relação ao que de fato está errado, pois afirma que ela tem sempre uma noção muito mais agravada da queixa do que esta realmente é.

No entanto, para Aguiar (2005) e Cornejo (1996), não é oportuno entrevistar os responsáveis diante da criança, pois é possível que a sessão se estruture em torno da necessidade familiar como um todo, gerando uma demanda da qual a família não têm consciência e não está preparada a enfrentar, até porque buscaram inicialmente a psicoterapia para o filho, e não para eles individualmente ou para a família.

O fato de a família buscar ajuda psicoterapêutica com alguma demanda familiar relacionada à criança – porém ainda não revelada a ela como: uma situação de adoção, a existência de uma doença grave ou até mesmo o falecimento de algum membro da família, me fazem pensar ser mais funcional entrevistar inicialmente, somente os responsáveis.

No primeiro contato com os responsáveis, o cuidado com o estabelecimento de vínculo é indispensável, pois o psicoterapeuta não é o “salvador da criança”, e sim um facilitador do processo familiar como um todo, assim sendo norteio-me por uma postura humanista, existencial, fenomenológica e dialógica, para me relacionar com as pessoas da família.

A delimitação da demanda dos responsáveis em relação à psicoterapia da criança é um aspecto da prática clínica, que observo atentamente e busco estabelecê-la de forma clara, para que eu possa trabalhar com possibilidades reais e não de forma a atender as fantasias ou expectativas dos responsáveis.

Informações sobre a história de vida da criança: concepção, gestação, desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo, social, constituem dados que, além da importância que têm em si mesmo para o processo psicoterapêutico, também podem refletir sentimentos, expectativas e frustrações da família em relação à criança, o que podem vir a interferir em seu desenvolvimento saudável. Acredito que mais importante do que obter um grande número de dados é obter uma compreensão ampla da interação existente entre eles.

 

A ENTREVISTA INICIAL COM A CRIANÇA.

O psicoterapeuta infantil precisa necessariamente gostar de brincar, gostar de criança, estar disponível e aberto às influências da natureza espontânea e sincera do universo infantil.

Zanella (2010) pontua alguns requisitos para o psicoterapeuta infantil:

“Para atender crianças, é fundamental gostarmos delas, sermos capazes de estabelecer uma relação empática com elas, procurando vivenciar seu mundinho e olhar o mundo com seus olhos. Da criança que fomos, guardamos lembranças e sementes. Para atender, precisamos resgatar nossa criança interna, presentificando-a durante as sessões: nossa parte espontânea, divertida, brincalhona é trazida à tona nos atendimentos, fazendo do consultório um laboratório de vivências.” (p. 121)

O principal objetivo da entrevista inicial com a criança é, sem dúvida, o estabelecimento de um vínculo, por meio do qual a criança se sentirá segura para mostrar como está se relacionando com o mundo, com o outro e consigo mesma.

Não realizo a entrevista inicial com a criança de forma “estruturada”, pois jamais se sabe a “figura” que irá emergir, e a criança precisa ser acolhida na forma em que se apresentar, seja ela calada, desafiadora, colaboradora ou agressiva. Estar preparada para que situações diferenciadas aconteçam, ou ao menos não ter expectativas por demais fantasiosas quanto ao primeiro contato com a criança, contribui para o autossuporte e, consequentemente, para a segurança do psicoterapeuta, que não será pego totalmente desprevenido diante de uma situação inusitada.

A Dialógica é uma técnica básica no atendimento em Gestalt-terapia. Quanto a isso Antony (2010) afirma que:

“Na terapia de base Dialógica, a relação terapêutica é a pedra angular sobre a qual o terapeuta se ancora para a resolução dos conflitos psicológicos vividos pela criança. A atitude dialógica requer que o terapeuta esteja totalmente presente ao encontro, aberto ao contato de forma cuidadosa e respeitosa com a individualidade da criança e dos pais, intencionando uma relação horizontal de pessoa a pessoa, na qual não há exercício de poder nem imposição do seu saber sobre a percepção interna e externa. A abordagem dialógica facilita o contato e favorece a criação do vínculo, ambos imprescindíveis para o engajamento da criança e dos pais no trabalho terapêutico.” (p. 80)

Em GT a criança precisa ser aceita, respeitada e acolhida, no entanto de maneira nenhuma isso diz respeito à permissividade ou ausência de limites. As regras referentes ao espaço terapêutico precisam ser respeitadas, considerando o valor e significado que encerram em si mesmo, e não por simples deliberação do psicoterapeuta. (AGUIAR, 2005)

Oaklander (2007), ao discorrer sobre a relação psicoterapêutica, afirma que esta é a base do processo e que pode ser poderosamente terapêutica por si só; nela, psicoterapeuta e cliente são pessoas diferentes, porém sem que nenhuma seja mais ou menos importante que a outra.

Ao receber a criança, busco percebê-la de acordo com a visão de homem da abordagem teórica em questão, ou seja, tenho em mente que a criança é um ser de potencialidades e que seu “sintoma” é a forma de expressar que algo não vai bem, mas que não a reduz, limita ou define. O sintoma é apenas a parte de um todo articulado, complexo e dinâmico que emerge, momentaneamente, como figura de acordo com a necessidade do organismo.

Em conformidade com os pressupostos anteriormente citados, é importante destacar que o psicoterapeuta não tente seduzir a criança, se ela se negar a entrar na sala de atendimento. Não deverá fazer promessas, nem tampouco agir como “animador de festa”, pois a decisão de entrar para a sala de atendimento deverá ser da criança. (AGUIAR, 2005)

Porém, diante de tal situação, uma descrição fenomenológica de algumas características do atendimento e o oferecimento de opções para a criança possam ser válidos. Em situações como estas, me apresento á criança, digo que realizo atendimentos em minha sala, que gosto muito do trabalho que realizo, e pergunto se ela não gostaria de entrar para conhecer a sala.

Estando dentro da sala de atendimento, havendo condições para tal, apresento a sala, os recursos, investigo se a criança sabe por que veio a um consultório psicológico, estabeleço o contrato com ela, inclusive no tocante aos critérios de integridade física dela, minha e da sala. Fora essas recomendações, sou econômica em minhas intervenções e disponho-me a acompanhá-la fenomenologicamente, de acordo com a forma que ela escolher se apresentar.

É importante respeitar a forma de expressão da criança, sobretudo quando ela se recusa a falar dos conflitos vivenciados em sua casa, especialmente com seus pais. A criança é acometida pela culpa diante do fato de estar frente a frente com seus pais, após relatar seus conflitos a uma pessoa que não é de sua família, o que difere no caso dos adultos que podem trabalhar livremente seus vínculos parentais sem encontrar-se, após a sessão, com seus pais na sala de espera. (CORNEJO, 1996)

A forma genuína de expressão da criança é o brincar, por isso, no atendimento psicoterapêutico infantil e, inclusive na entrevista inicial, o lúdico é utilizado como principal via de acesso ao seu mundo interno, por intermédio da ludoterapia. Assim, conforme Aguiar (2005), esperar que uma criança fale abertamente sobre suas dificuldades pode ser frustrante para o psicoterapeuta, além de caracterizar-se como uma incumbência exagerada para a criança, colocando o vínculo em risco.

Zanella (2010) afirma que assim como os experimentos auxiliam no processo de ampliação da consciência do adulto, o brincar em relação à criança se constitui como instrumento facilitador da ampliação de sua fronteira de contato, sendo imprescindível em seu processo psicoterapêutico.

 

A ENTREVISTA DE DEVOLUTIVA COM OS PAIS

A entrevista de devolutiva é um procedimento que precisa ser cuidadosamente realizado, para que o que for tratado nela possa ser revertido em prol de todo o campo vivencial da criança, com o apoio dos pais. Não se trata do momento em que o terapeuta se vestirá de super-herói em defesa da criança em relação aos pais, nem tampouco de estabelecer alianças com os pais para juntos resolverem o “problema” dela. Nela utilizo-me de uma postura imparcial diante da família e, mediante uma visão humanista-existencial, aprecio o todo em questão (família – criança), identifico e comunico não só os pontos de funcionamento não-saudável, como também tudo que estiver funcionando de forma saudável, e isso irá se configurar como mola precursora do processo.

Muitos questionamentos permeiam o pensamento do psicoterapeuta, principalmente do iniciante em relação à entrevista de devolutiva. Com frequência são levantadas questões que se referem ao que se deve falar ou não no momento da sessão de devolutiva; como se deve falar sobre um determinado tema; deve-se ou não encaminhar os pais à psicoterapia caso haja necessidade; como se deve conduzir a entrevista, entre outras coisas. Aguiar (2005) postulando sobre a entrevista de devolutiva afirma que:

“Tais informações devem ser organizadas e diferenciadas segundo o destinatário, isto é, devemos verificar, a partir do que observamos ao longo do momento inicial da psicoterapia, o que podemos devolver num primeiro momento e qual seria a melhor forma de se realizar tal tarefa.” (grifo do autor) (p. 171)

Realizo a entrevista de devolutiva após um determinado número de sessões, quando julgo estar de posse de uma quantidade de informações sobre a criança, colhidas dos pais ou responsáveis, da escola, da própria criança e de outras pessoas relevantes para o processo, mediante as quais se pode estruturar uma leitura geral das dinâmicas vivenciais da criança (família, escola, amigos), em seus aspectos saudáveis e não saudáveis.

Na entrevista de devolutiva, por vezes acolhi depoimentos de pais que relataram uma acentuada mudança ou diminuição no sintoma da criança, isso ainda no processo de avaliação. Tal retorno, apesar de ser interessante, demonstrando indícios de um bom vínculo terapêutico entre a díade terapeuta-cliente e de um bom prognóstico, não considero como parâmetro ou referencial para a condução do processo, indicando, por exemplo, que o período de psicoterapia será breve ou que as necessidades da criança e da família foram atendidas. Tal fato significa que a emergência das vivências disfuncionais (sintoma) tenha sido acometida pela grande gama de benefícios individuais que uma criança ou adolescente pode desfrutar na psicoterapia, ainda que sem a participação dos pais. O grande montante das vivências infantis ainda se encontrará submersa e, para ser compreendida, direcionada, elaborada ou integrada, despenderá ainda de um espaço de tempo maior.

No momento da entrevista de devolutiva é comum surgirem dados novos e relevantes, que ofereçam peças chave para a compreensão do todo que se apresenta. Também pode acontecer de novas figuras surgirem no momento da entrevista de devolução; elas precisam ser acolhidas e, diante de uma variedade de demandas (figuras), é preciso eleger as prioridades e não ter pressa. (AGUIAR, 2005)

Com base na visão humanista existencial, que tem por princípio a concepção de homem como ser positivo e dinâmico, que afeta e que é afetado pelo mundo que o circunda, inicio a sessão de devolução ressaltando o que há de saudável tanto na criança, como na família, construindo assim um ambiente dialógico, favorável para a devolução do que está disfuncional.

Penso que expressar-se adequadamente na sessão de devolutiva é fator determinante para a compreensão e sensibilização dos pais, o que é indispensável, pois eles são companheiros importantes na caminhada psicoterapêutica com a criança.

Preservo o sigilo daquilo que a criança ou adolescente traz ao longo das sessões, e o que penso ser relevante para o processo, devolvo anterior e adequadamente a ela e, com sua ciência, faço a devolutiva aos pais. Lembrando que, especialmente em se tratando de crianças e adolescentes, nos casos previstos no Código de Ética do Psicólogo, o sigilo pode ser quebrado, mesmo diante da recusa do cliente.

Deve-se observar o quanto e o que há para ser dito aos pais e a criança “... sem perder de vista até onde vai a possibilidade da criança de ouvir nossas devoluções, tal qual observamos na realização com adultos” (AGUIAR, 2005, p.179).

Também convido a criança a participar da entrevista de devolução, porém ela raramente aceita, talvez porque, nesse momento inicial do processo, ela não se sinta segura o suficiente para fazer um contato direto com sua problemática existencial, especialmente diante de seus pais.

Ao final da entrevista devolutiva, observo se ficou claro para os responsáveis um norte em relação a como a criança está e como eles poderão contribuir para seu processo de crescimento e mudança, e nisso está incluído, caso necessário, além da indicação de psicoterapia para a criança, o encaminhamento para outros profissionais.

 

OUTRAS INTERVENÇÕES GESTATL-TERAPIA COM CRIANÇAS

De acordo com a visão holística da Gestalt-Terapia, é preciso que o atendimento clínico de crianças seja feito de forma mais contextualizada possível. Isso justifica a estratégia utilizada pelo psicoterapeuta infantil de realizar sessões familiares, sessões conjuntas, visitas à escola ou a outras ambientes os quais a criança frequenta de forma significativa.  

Quanto a este tipo de atuação acima citada, Fernandes (2010) afirma:

“Além das sessões com a criança, ele faz visitas à escola; trabalhos de campo; entrevistas com profissionais de áreas afins ligadas à saúde e educação; sessões com alguns membros da família extensiva (quando necessário) e um processo seguido de acompanhamento junto dos pais.” (p. 180)

Para a minha atuação fora do ambiente do consultório ser acertada, é imprescindível que eu saiba ouvir os pais, os professores, os cuidadores, sem subestimá-los, pois eles podem ser determinantes no curso da psicoterapia da criança. Esses adultos fazem parte do campo da criança e, assim sendo, fazem parte também do sintoma e, consequentemente, farão parte do processo de crescimento e mudança. A não observância adequada desses contextos pode acarretar no término precoce da psicoterapia. (AGUIAR, 2005)

Considerando a importância da relação familiar na vida da criança, a proposta de sessões familiares (toda a família), ou conjunta (a criança e o pais, a criança e a mãe, a criança e os irmãos) oferece ao psicoterapeuta uma visão ampla e rica do funcionamento familiar.

Antony (2010) afirma o seguinte sobre as sessões familiares:

“As sessões com a família são o momento de processo terapêutico em que podemos exercitar a comunicação autêntica, investigar o nível de confluência, os papéis designados e assumidos (as projeções), procurando articulações com as necessidades insatisfeitas, os introjetos (alguns mitos familiares), as mensagens implícitas e os bloqueios do contato representativos da dinâmica familiar e da criança.” (p. 101)

Nas sessões familiares, o terapeuta por muitas vezes reúne pessoas sem o menor desejo ou disposição para estarem juntas, o que exige dele uma habilidosa postura fenomenológica e principalmente dialógica. Diante disso, tenho sempre muito claro os objetivos de minhas propostas com as famílias, para que elas possam vir a favorecer o processo e não o contrário.

Ao utilizar-se de sessões conjuntas, uma sugestão interessante é propor algo que a família possa fazer em conjunto, pois esta será uma oportunidade sem precedentes de se ver a família se relacionando. É interessante também lançar mão dos recursos lúdicos para sugerir a atividade que a família irá realizar, pois “fazer algo” ao invés de “falar sobre algo” pode ajudar a estruturar um ambiente menos ameaçador e mais produtivo para todos, e o mais importante, ao fazer isso se está priorizando a forma genuína de expressão da criança: o brincar. (AGUIAR, 2005).

As sessões familiares auxiliam o psicoterapeuta a apreender dados em relação à família como um todo e de suas inter-relações que, por constrangimento ou por falta de conhecimento, foram omitidas pelos responsáveis ou pela própria criança. Como exemplo, cito um caso em que os pais de uma menina de seis (6) anos, relatavam utilizar recursos plásticos com a filha, com a finalidade lúdica (esse fato também foi relatado pela criança). No entanto, foi em uma sessão familiar, em que se propôs a utilização de recursos plásticos, que se pode perceber o nível de exigência dos pais em relação à criança, no tocante às construções artísticas que faziam juntas. Nesse caso, com a entrevista com os pais, pode-se coletar o dado de “o que”, que tipo de atividade eles realizavam com sua filha e, na sessão familiar, pode-se perceber “como” eles realizavam tais atividades.

Sobretudo o aspecto dialógico desses momentos deve sempre ser resguardado, e os pais precisam se sentir acolhidos e aceitos, pois, segundo Fernandes (2010), são os pais que buscam a psicoterapia da criança com o desejo de auxiliar no crescimento saudável de seu filho.

A postura Dialógica também se justifica na visão organísmica em GT, que postula que o organismo lança mão de tudo o que tem a seu alcance em um determinado momento para manter-se vivo, assim, independentemente de como os pais se colocam na relação com a criança, estes precisam ser acolhidos, pois a sua forma de cuidar dela, por mais precária que seja, é o que lhes é possível naquele momento.

No tocante à relevância da parceria entre o terapeuta e os responsáveis Antony (2010) afirma:

“A psicoterapia de crianças depende muito do profissional e da afinidade entre este e os pais. Quando isso não acontece, os pais ou o terapeuta podem ser agentes de entrave do processo ou até de interrupção do atendimento.” (p.100)

Segundo Aguiar (2005), ao longo de todo o processo psicoterapêutico da criança, as sessões darão informações valiosas de como a parte (criança) está influenciando no todo (família), ou seja, como as mudanças ou ausência de mudança da criança estão influenciando a autorregulação familiar.

Ainda de acordo com os pressupostos teóricos da GT, as intervenções realizadas na escola apresentam grande relevância no atendimento clínico infantil, por dois grandes motivos: é o ambiente em que a criança passa mais tempo depois de sua casa e local que se relaciona, de forma mais próxima, com pessoas que não são a sua família. Com isso a escola se configura como um grande campo da vida infantil, compondo seu todo existencial. Dessa forma, durante o processo psicoterapêutico, realizo visitas à escola com o objetivo de coletar dados, informar e orientar as pessoas envolvidas no contexto escolar da criança.

Quando o psicoterapeuta visita a escola, ele tem basicamente três objetivos:

“[...] coletar informações acerca da criança e seu comportamento total no âmbito escolar, observar o contexto escolar na tentativa de identificar elementos que possam estar contribuindo para a eclosão e/ou manutenção de determinando comportamento na criança e oferecer orientações específicas e intervenções reflexivas para os adultos diretamente envolvidos com ela, baseadas em sua compreensão diagnóstica.” (AGUIAR, 2005, p. 259)

As sessões diferenciadas em GT com crianças se fundamentam no arcabouço teórico e filosófico da abordagem, e deixa claro que se pode ser criativo dentro do processo psicoterapêutico infantil, porém, sem nunca abrir mão da ética nem de conhecimento teórico e técnico adequados.

 

ENCERRAMENTO DO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO

Quando e como encerrar um processo psicoterapêutico? Essa é uma decisão que, assim como todo o processo, faço com base em uma somatória de fatores percebidos pela criança, pelos pais e por mim.

Inicialmente observo se “os sintomas” foram extintos e se a criança passou a se autorregular no mundo de uma forma mais funcional. Isso pode ser percebido nos relatos dos pais, da própria criança e por meio da própria observação do terapeuta.

Também percebo que a criança apresenta alguns indicativos de que a psicoterapia pode estar chegando ao fim, quando se refere à forma com a qual chegou para psicoterapia como algo do passado, como uma menina de cinco (5) anos, extremamente imatura dada sua idade cronológica, que, ao avaliar seu processo junto com a psicoterapeuta, disse que quando chegou parecia “um bebezão” e que naquele momento ela era “uma criança de cinco (5) anos”. Ao se referir ao sintoma como algo pertencente a seu passado, a criança mostra-se num momento diferente ao inicial, implicando pensar, então, em crescimento e mudança.

Acredito que quando a criança demonstra vontade em participar de outras atividades, ou mesmo chega a “esquecer-se da terapia” para participar dessas atividades em horários que rivalizam com os horários da psicoterapia, seja outro indicativo de que o processo psicoterapêutico possa estar chegando ao fim. Isso me sugere que ela não precisa mais do espaço psicoterapêutico para se equilibrar, ela já está conseguindo fazer isso no mundo. É necessário, porém, que não se perca de vista o contexto e o momento da psicoterapia, pois esses indicativos, isoladamente, podem representar, conforme Aguiar (2005), “dificuldade ou resistência no processo”. (p. 279)

Assim, observo que bons indícios de que a psicoterapia possa estar chegando ao fim seria a extinção do sintoma, o preterimento do contexto terapêutico pela criança em relação a outras atividades de seu interesse, e maior fluidez dela em sua forma de ser e de estar no mundo.

Por fim, penso que o processo se encerra quando a criança pode levar para o mundo o que vivenciou no contexto psicoterapêutico, quando ela consegue se relacionar consigo, com o mundo e com os outros de forma funcional, expressando o que pensa e o que sente, sem precisar do psicoterapeuta para lhe acompanhar no caminho.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANTONY, Sheila. Um caminho terapêutico na clínica gestáltica com crianças.In: ANTONY, Sheila.(Org.). A clínica gestáltica com crianças: caminhos de crescimento. São Paulo: Summus, 2010. p. 79 – 108.

CORNEJO, Loretta. Manual de Terapia Infantil Gestáltica. Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer, 1996. 7ed.         [ Links ]

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OAKLANDER, Violet. Descobrindo crianças. São Paulo: Summus editorial, 1980.         [ Links ]

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PINHEIRO, Márcia Estarque. A primeira entrevista em psicoterapia. IGT na Rede, v. 4, nº 7, 2007, p.136-157. Disponível em: http://www.igt.psc.br/ojs/        [ Links ]

ZANELLA, Rosana. A criança que chega até nós. In ANTONY, Sheila. (Org.). A clínica gestáltica com crianças: caminhos de crescimento. São Paulo: Summus, 2010. p. 109 – 122.

 

 

Endereço para correspondência:
Evelyn Denisse Felix de Oliveira
Endereço eletrônico:evelyn_psi@hotmail.com

 

Recebido em: 17/04/2014
Aprovado em: 03/09/2014

 

 

NOTAS

* Psicóloga; Gestalt-terapeuta; Gestalt-terapeuta de crianças; Psicopedagoga; Mestre em Psicologia; Professora, supervisora e orientadora do Instituto de Gestalt-terapia de Mato Grosso do Sul e da Universidade Católica Dom Bosco.

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