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IGT na Rede

On-line version ISSN 1807-2526

IGT rede vol.11 no.21 Rio de Janeiro July/Dec. 2014

 

ARTIGO

 

A luta de uma mulher contra a dependência química: Um olhar da Gestalt-terapia

 

The struggle of a woman against addiction: A look at Gestalt-therapy

Aline Fagundes Silva * Alexandre Carbonera** Josiane Aparecida F. de A. Prado***

UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí - Santa Catarina, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO:

O presente estudo foi realizado a partir da junção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e da disciplina eletiva de Gestalt-terapia. Nesta disciplina, em uma das avaliações, deveria ser escolhido um tema para ser discutido sob o enfoque dos conceitos da Gestalt-terapia, de preferência a partir de uma vivência prática realizada durante a graduação. O tema escolhido foi a dependência química, que será relatado e discutido a partir da experiência de uma das participantes do TCC, com o olhar da Gestalt-terapia. Esta mulher se encontrava em tratamento para dependência de Substâncias Psicoativas (SPA) em uma Comunidade Terapêutica (CT) exclusiva para mulheres. Os termos trabalhados foram figura-fundo, parte-todo, awareness, ajustamento criativo e contato.

Palavras-chave: Gestalt-terapia; Dependência química; Mulher.

 


ABSTRACT:

The present study was carried out from the junction of the Completion of Course Work (TCC) of undergraduate psychology course from the University of Vale do Itajaí (UNIVALI) and the elective Gestalt Therapy subject. In this subject, in one of its analysis, a topic should be chosen and discussed, considering the focus of the concepts of Gestalt therapy, preferably from a practical experience experienced during the graduation period. The theme chosen was the chemical dependency, and this topic will be reported and discussed based on the experience of one of the members of the Completion of Course Work, taking into consideration the vision of Gestalt therapy. This woman was in treatment for addiction to psychoactive substances (PS) in a Therapeutic Community (TC) exclusively for women. The terms worked were figure-ground, part-whole, awareness, creative adjustment and contact.

Keywords: Gestalt therapy; chemical dependency; Woman.


Gosto de pensar no processo de vida de cada pessoa como um riacho que começa em algum lugar secreto e serpenteia até um mar ainda desconhecido.
Janie Rhyne

INTRODUÇÃO

Este estudo surgiu da junção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e da disciplina eletiva de Gestalt-Terapia. O TCC 1 está cadastrado no Comitê de Ética da Universidade sob o parecer número 264/11.

O TCC teve como objetivo proporcionar às mulheres que estavam residindo na CT, um espaço de escuta aos seus anseios e exposição dos seus pensamentos sobre temas que consideravam essenciais em suas vidas, como a família, religiosidade, educação, trabalho e lazer. A pesquisa constitui-se em qualitativa exploratória, sendo utilizado como instrumentos uma entrevista semiestruturada inicial, seguida de uma intervenção baseada em um grupo focal, que consistiu na exibição e discussão de sete filmes cinematográficos, e uma entrevista semiestruturada final. Para a análise dos dados foi utilizado a Análise de Conteúdo. Os resultados apontaram que esta estratégia teve a capacidade de motivar as participantes a continuar o tratamento, bem como possibilitaram o resgate de acontecimentos passados e a resignificação destes no presente. Além disto, ficou evidente que os encontros foram além das exibições dos filmes, e que o simples fato de os pesquisadores estarem lá já era de grande importância para as residentes.

A disciplina eletiva de Gestalt-terapia constou de um simpósio no qual deveria ser realizada a articulação teórica da abordagem e um tema estudado durante a graduação. O recorte deste texto será sobre uma das mulheres participantes do TCC, a quem chamaremos de Íris 2

DEPENDÊNCIA EM SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

A dependência em substâncias psicoativas (SPA) se constitui em um dos maiores problemas de saúde, segurança e assistência social da atualidade. Portanto, buscar uma maior compreensão deste fenômeno é um grande desafio para os profissionais de diversas áreas de conhecimento, poder público, instituições religiosas, sistema educacional, enfim, a toda sociedade. Este fenômeno repercute na forma de acidentes de trânsito, violência doméstica, doenças sexualmente transmissíveis (principalmente em mulheres), desemprego, furtos, transtornos psicológicos, morte, entre outras.

A grande maioria de dependentes em SPA são homens, mas dentro deste cenário, nota-se nas últimas décadas um aumento considerável do consumo de SPA entre as mulheres (WOLLE e ZILBERMAN, 2012), fato que atualmente pode ser amparado quando comparado o I Levantamento domiciliar sobre o consumo de SPA de 2001 (CARLINI, GALDURÓZ, NOTO e NAPPO, 2002), com o II Levantamento de 2005 (CARLINI, GALDURÓZ, SILVA, NOTO, FONSECA, et al. 2006), onde resultados apontaram um aumento de dependência e consumo na maioria das SPA entre as mulheres. Outro dado que o segundo levantamento traz, é que a utilização de substâncias entre adolescentes de ambos os sexos praticamente se equivale, o que pode acarretar um número maior de dependentes de SPA mulheres num futuro próximo.

Alguns tipos de tratamento disponíveis para os dependentes são a desintoxicação, as estratégias medicamentosas, os grupos de autoajuda, a redução de danos, os tratamentos psicossociais e as internações de longo prazo, estas últimas realizadas principalmente pelas Comunidades Terapêuticas (CT) (DE BON e KESSLER, 2008). Algo que estes tratamentos têm em comum é seu baixo índice de eficácia, visto que a maioria das pessoas que começam o tratamento o abandona e/ou recaem após o término (RIBEIRO e LARANJEIRA, 2012).

GESTALT-TERAPIA

A Gestalt-terapia tem como seu precursor Frederick Salomon Perls que propôs a criação desta abordagem. Perls utilizou conceitos de outras áreas filosóficas e metodológicas (GINGER, GINGER, 1995), estando entre elas o Humanismo, Existencialismo, Fenomenologia, Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo, Teoria Organísmica Holística, Zen Budismo e outras religiões orientais. Seu estilo inconformista e rebelde moldaram os pressupostos teóricos e a prática clínica desta abordagem, e, além destes aspectos, outros elementos da vida de Perls influenciaram o desenvolvimento desta teoria, como por exemplo, sua formação médica, a experiência psiquiátrica e psicanalítica, participação em aulas de teatro, as leituras, a curiosidade, a sensibilidade aguçada e o fazer profissional (PIMENTEL, 2003).

A Gestalt-terapia promove a ideia do homem como centro, com seu valor positivo, com capacidade de se autogerir e regular, valorizando o ser humano e suas potencialidades (RIBEIRO, 1985). Para o mesmo autor a Gestalt-terapia busca trabalhar o que o Homem tem de positivo no momento em que está experienciando, e que ele, o Homem, é responsável por suas escolhas e decisões de mudança, visto que cada instante é uma possibilidade nova que se apresenta.

Os princípios da Gestalt-terapia reforçam a ideia de que estamos sempre inseridos em um campo, e envolvidos em uma relação de intersubjetividade na busca do ato de amar e ser amado, ser reconhecido, solucionar problemas, alcançar objetivos e metas, realizar desejos, satisfazer as necessidades, tendo como intuito principal a autorrealização existencial.

A vida naturalmente traz obstáculos as realizações pretendidas, e algumas destas intempéries podem paralisar o ser humano, prejudicando seu crescimento, gerando frustrações que podem evoluir para transtornos psicológicos (NUNES, 2008). Nesse sentido, a Gestalt-terapia se apresenta como uma abordagem que pode fazer o Homem retomar seu crescimento e fechar suas gestalten. Para tanto esta abordagem trabalha com alguns termos, que representam a maneira como esta abordagem entende o ser humano e suas relações, sendo alguns deles Figura-fundo, Parte-todo, Contato, Awareness e Ajustamento Criativo.

Figura-fundo são indivisíveis, ou seja, um não existe sem o outro. Fazem parte de um processo dinâmico, pois o que é figura em dado momento, pode posteriormente, voltar ao fundo. Portanto, falar em figura-fundo é falar em reciprocidade, em algo onde observador e objeto observado se incluem e se confundem, tornando-se interdependentes de tal maneira que não se pode afirmar que um é causa do outro, "conquanto talvez se possa dizer que um é ocasião para que o outro emerja de uma totalidade circunstante" (RIBEIRO, 2006, p. 123)

O conceito de Parte-todo é fundamental para a compreensão da Psicologia da Gestalt (RIBEIRO, 1985), tendo influenciado a gestalt-terapia. Ribeiro (1985) destaca que quando o indivíduo se depara com algo, a sua percepção a capta como um todo, e a seguir, é percebido suas partes, o que o autor afirma que o todo é anterior às suas partes, e atualiza a essência da coisa no instante que está inteiro e completo. Dessa maneira, o todo e parte se referem a percepção de estruturação da experiência humana, e no que diz respeito a percepção, esta vem sempre estruturada, e ao introduzir um novo elemento leva a percepção de uma nova estrutura (RIBEIRO, 1985).

Contato é um termo imensamente rico e complexo, e seu universo é o da totalidade, pois ele inclui tudo, pois tudo está em relação, e para que seja possível existir uma relação é imprescindível que haja o contato (RIBEIRO, 1997). Para Polster e Polster (2001), os seres humanos fazem contato de forma reiterada e disfunções neste sentido podem levar o homem ao isolamento, ocasionando um mal estar pessoal e envenenando o seu espírito. Os mesmos autores afirmam que somente pelo Contato é que a percepção de nossas identidades pode se desenvolver plenamente, e que em cada encontro criamos um novo "eu", portanto, eu e você criamos o nós. Ainda ressaltam que o Contato pode se dar no encontro com seres animados e inanimados, e até mesmo nas memórias e recordações o Contato está presente. Desse modo, a Gestalt-terapia trabalha pelo Contato mais satisfatório do indivíduo consigo mesmo, com suas necessidades organísmicas, com o outro e com a vida, procurando um sentido mais pleno de ser e estar no mundo (NUNES, 2008).

Awareness é um modo contínuo para que a pessoa se mantenha atualizado acerca de si mesmo. É um processo contínuo que está disponível em todos os momentos, como um rio subterrâneo que está disponível a fim de que a pessoa possa se renovar e revitalizar, sendo que focalizar a awareness mantém a pessoa mais cônscia de si, ampliando e intensificando o aqui agora da terapia. A cada awareness a pessoa chega mais próxima de articular os temas de sua vida, bem como as expressões destes temas. Para Yonteff (1998), awareness é um processo pelo qual a pessoa está em contato com o meio e consigo mesmo, e que necessita de que a pessoa conheça o ambiente, tenha responsabilidade pelas escolhas, autoconhecimento, autoaceitação e a capacidade de contato.

O Ajustamento Criativo foi utilizado por Perls para descrever a origem do contato que o sujeito mantém na fronteira do campo ambiente/organismo, visando a autorregulação em diversas situações. A criatividade diz respeito a capacidade do homem se orientar em novas circunstâncias, o que possibilita a mudança e consequente transformação. Para Perls, Hefferline e Goodman (1997), todo contato é ajustamento criativo do organismo ao ambiente, sendo o papel ativo do sujeito essencial e urgente, visto a dinamicidade e variedade do ambiente, portanto o contato aware na fronteira entre o organismo e este ambiente é condição para que aconteça um ajustamento criativo saudável (D'ÁCRI, LIMA e ORGLER, 2007). Para os mesmos autores, o ajustamento criativo é como um processo pelo qual o sujeito mantém sua sobrevivência e crescimento, suas necessidades psicossociais e físicas e seu próprio desenvolvimento, operando sem parar ativa e responsavelmente.

A partir do enfoque teórico da Gestalt-terapia podemos compreender melhor o ser humano, seus sofrimentos, suas angústias, mas principalmente suas potencialidades diante do que se apresenta, e este trabalho busca uma compreensão da luta de Íris contra a dependência em SPA, com o olhar da Gestalt-terapia e seus termos.

ÍRIS

Íris tinha 38 anos na época do estudo, solteira, ensino fundamental incompleto, trabalhou como profissional do sexo desde os 16 anos, a mesma idade em que começou a usar SPA, dentre estas o álcool, cocaína e crack. Mãe biológica de sete filhos, sendo que destes, cinco ela perdeu o poder familiar devido à negligência advinda da dependência em SPA, e os dois filhos mais novos (um de sete e outro de nove anos), ela perdeu a guarda, que no momento estavam com um irmão.

A infância e adolescência de Íris foram marcadas por violência doméstica e alcoolismo do padrasto, como podemos constatar em suas próprias palavras na discussão de um dos filmes:

Por eu ter uma vida, sei lá, sofrida, por droga dentro de casa, álcool, meu padrasto era um policial alcoólatra. Então daí assim, muita coisa me fez eu me afastar, porque ele pregava uma coisa dentro de casa né, e ele era policial. Policial tinha que andar dentro do caminho, então a gente sempre tinha aquela visão dele, um policial, uma pessoa que defendia as pessoas, né! E como ele chegava e espancava a minha mãe! Minha mãe ia pro hospital com a cabeça rachada e ainda tinha que dizer que escorregou no banheiro. Então daí eu comecei a pegar muita raiva, muita coisa assim que ele fazia e não assumia, aí comecei a criticar muito, isso aí só fez eu me afastar da minha família.

Estes fatos compõem partes da vida desta mulher que tornam compreensíveis que a figura dependência emerja e se mantenha. Neste sentido, Ribeiro (2006) ressalta que figura e fundo formam uma relação de complementaridade, de tal modo que, na relação parte-todo, um não pode ser concebido sem o outro.

A figura da dependência em SPA acompanha a vida de Íris durante muito tempo, e nem mesmo a perda de cinco filhos, os riscos a que se expunha ao ser profissional do sexo, agravado pelo uso de SPA, aumentando os riscos de gravidez e/ou contrair doenças sexualmente transmissíveis, entre outros, são motivos suficientes para que ela tenha outros desejos que não usar estas substâncias. Para Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012), os dependentes alienam-se em substitutos aos objetos (neste caso as drogas), independentemente das consequências sociais que esta alienação possa acarretar, e são pessoas moldadas as poucas e fugazes possibilidades fornecidas aqueles que desistiram de ocupar um lugar social ou de operar com os próprios desejos, o que pode significar até mesmo fazer do corpo (entendido como tátil, imagético e discursivo) mercadoria sem valor subjetivo.

Para Ribeiro (2006), somos movidos por desejos, e para Íris só existia o desejo pela droga, um desejo intenso que a fez perder/prejudicar o contato consigo e com o mundo, e percebe-se que em certos momentos a pessoa pode estar em contato e não perceber isto, o que o leva a sentir a estranha sensação de estar perdido, sendo que isto ocorre pela pessoa não ter acesso a essência da sensação, e esse movimento afasta o sujeito dele mesmo, levando a perda do equilíbrio do próprio organismo.

Na dependência as funções de contato, como olhar, falar, tocar, ouvir, mover-se, cheirar e provar, estão comprometidas (física e psicologicamente), alterando assim a relação desta pessoa com o mundo e consigo, e consequentemente moldando desejos relacionados as SPA (conseguir e usar SPA). Polster e Polster (2001) expõem que o desejo é uma função de orientação, que dirige, mobiliza, canaliza e foca, sendo o desejo um radar para o futuro. O futuro, portanto, para Íris, tinha nome: Dependência em SPA.

Para o dependente, na maioria dos casos, somente é possível uma mudança de atitude (o que passa por ter outros desejos), a partir de eventos traumáticos, como por exemplo, os relacionados a risco de vida iminente. Para Íris nem mesmo levar sete facadas com seu filho no colo foi motivo para que parasse de usar SPA, e isto mostra o poder que estas substâncias têm sobre as pessoas. Muitos dependentes não têm a oportunidade de buscar auxílio e morrem, como Íris desabafa:

Ainda bem que Deus permite que a gente passe por certos lugares para se renovar de novo, porque muita gente não tem esta chance que a gente teve. A B. quase não teve esta chance, eu também não, nós já fomos esfaqueadas, já estivemos a beira da morte. Então assim ó, lá fora a gente vê muita gente do nosso grupinho, que andava perto, que hoje em dia não existe mais. Deus, não teve nem chance de dizer: meu filho te amo, porque a pessoa já se foi há muito tempo, entendeu, às vezes quem sabe uma palavra, "meu filho eu te amo", podia dar até uma ajuda para aquela pessoa, um incentivo, um negócio, mas não deu tempo.

A vida de Íris começou a se modificar quando aceitou o tratamento em uma CT, e segunda ela, isto ocorreu quando estava na iminência de perder o poder familiar dos seus dois filhos mais novos. Quando chegou à CT Íris estava extremamente debilitada física, psicológica e socialmente, como ela expõe: "Estava destruída, tombada (...)". Após o início do tratamento o contato (consigo mesma e com o mundo) de Íris com a realidade sofreu drásticas mudanças, e a partir de então consegue se tornar awareness da sua trajetória, reconhecendo que seu estilo de vida anterior a colocava em situação de risco, e fazia com que ela perdesse o vínculo com pessoas que amava.

Esta awareness possibilita vários ajustamentos criativos, resultando no surgimento de novos desejos que começam a se concretizar, como reaver a guarda de seus dois filhos, ter outra profissão, retomar os estudos, ter uma casa, reaver o vínculo com sua mãe, servir a Deus, entre outros. Estas mudanças irão provavelmente repercutir na vida de seus filhos, de sua mãe, enfim, das pessoas próximas a Íris, e isto se cristaliza em suas palavras:

- (...) eu fui em casa e o guri ainda disse, o mãe, nós já temos um beliche, mas nós não temos colchão, a tia dá a televisão.

- Daí eu disse: tá filho, e dai?

- Será que a senhora lá onde a mãe tá não arruma colchão para nós dormir na cama?Porque cama nós temos, televisão também, e dai ta tudo bem.

- Daí eu disse: não filho, agora não vai ser mais assim, porque antes a nossa vida era assim entendeu?Tinha televisão, tinha cama, tava tudo bem. Comia ali uma marmita, mas agora não, eu já disse para ele, agora vai ter que ser diferente, tem que ter um fogão, geladeira, ali né, o principal para fazer a comida, arrumar a mesa para nós comer.

- Ele disse: A é mãe, então nós vamos demorar muito!

- Não filho, não vai demorar muito.

Como já exposto, o fundo está diretamente relacionado à figura que emerge, e percebe-se que quando Íris modifica algumas partes de sua vida, o todo se transforma, alterando o fundo, possibilitando que novas figuras surjam. Suas palavras refletem isto:

Mas assim sabe, eu vejo uma grande volta, sabe, na minha vida, porque eu, assim né, quando eu vim pra cá eu pensei né, vocês ainda pegaram, eu tava feia, acabada, meu Deus, eu tava destruída, eu tava dopada mesmo, né, como diziam lá fora, eu tava tombada. Então assim, eu não via muita solução pra mim, sabe, eu não via mesmo, e com o passar do tempo, com o passar das oportunidades, eu começo a ver uma renovação sabe, e uma luz bem grande lá no final do túnel. E o final já tá bem próximo. Então assim, pra mim isso é muito importante, seja o que eu fizer, que eu pegue serviço que seja varrer uma rua, pra mim hoje em dia é muito, vai ser muito valorizado, porque é uma chance que tão me dando (...)

Percebe-se também que a relação parte-todo é modificada, pois quando as partes se alteram o todo muda, e isto é compreensível, pois ao interagir com o todo, cada parte é superada ao ser afetada pelas outras partes que estão a se modificar pela relação entre elas, fazendo o todo superar a soma das partes que o compõe, transcendendo-as (NUNES, 2008).

CONCLUSÃO

Íris completou o tratamento na CT em Dezembro de 2011, e atualmente trabalha como cozinheira em uma residência e complementa sua renda com a venda de artesanatos que ela mesma produz. Concluiu o Ensino Médio, recuperou a guarda dos dois filhos, e com seu labor está mobiliando a casa onde residem. Novos sonhos, novos desejos, novas possibilidades, que transformam a vida das pessoas e as fazem mais felizes, e que podem encontrar na Gestalt-terapia um aliado, acolhendo, ouvindo, dividindo. Os profissionais que se embasam na Gestalt-terapia podem perceber o Ser Humano como alguém que está em constante mudança, é livre, tem a responsabilidade de construir a si mesmo e esta sempre evoluindo, o que os qualifica para acolher e aceitar o que existe de mais fantástico e complexo no universo, como uma abordagem capaz de compreender e aceitar o que existe de mais fantástico e complexo no universo: o ser humano como ele é, e no que ele pode tornar-se.
Por fim, a atividade proposta na disciplina de Gestalt-terapia que resultou neste trabalho, propiciou não somente a troca de experiências entre os alunos e a professora, mas também intensas discussões e articulações teóricas com a abordagem, possibilitando um maior aprendizado da mesma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência:

Aline Fagundes Silva

Endereço eletrônico: aline_fagu@hotmail.com

Alexandre Carbonera

Endereço eletrônico: alexandrecarbonera

Josiane Aparecida F. de A. Prado

Endereço eletrônico:iprado@univali.br"

Recebido em: 28/12/2013

Aprovado em: 10/12/2014

NOTAS

*Psicóloga, Graduada pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALE

Aluna do 2º ano de Especialização em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia Clínica Gestáltica Granzotto.

**Psicólogo, Graduado pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI

Aluno do 2º ano de Especialização em Psicologia Clínica no Instituto de Psicologia Clínica Gestáltica Granzotto

***Psicóloga, Mestre em Psicologia, Professora da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

1Trabalho de Iniciação Científica intitulado "Psicologia e cinema: um encontro possível no tratamento de mulheres dependentes em substâncias psicoativas?". 2012.
2Nome fictício

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