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IGT na Rede

versión On-line ISSN 1807-2526

IGT rede vol.13 no.24 Rio de Janeiro  2016

 

ARTIGO

 

Receios e expectativas de clientes e psicólogos acerca da psicoterapia de grupo

 

Fears and expectations of cussomers and psychologists about the group psychotherapy

 

Priscila Abdias da Silva Bolorini*

IGT - Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar - Rio de Janeiro, Brasil

 

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Este estudo aborda crenças, receios e expectativas gerais demonstrados por clientes e psicólogos em relação à psicoterapia de grupo. Tais comportamentos e sentimentos foram observados no contato com clientes (principalmente, durante o processo de entrevistas de triagem e encaminhamento e primeiras sessões do grupo terapêutico) e com psicólogos durante os períodos de graduação e pós-graduação ocorridos entre os anos de 2004 a 2012. A partir das informações obtidas por meio de consulta bibliográfica e da experiência pessoal como aluna, psicóloga e cliente de grupo terapêutico, pretende-se contribuir para ampliação da discussão e compreensão do processo terapêutico em grupo.

Palavra–chave: Psicoterapia de Grupo; Gestalt-Terapia; Receios; Expectativas.


ABSTRACT

This study deals with beliefs, fears and general expectations demonstrated by clients and psychologists regarding group psychotherapy. Such feelings and behaviors were observed by the contact with customers (mainly during the interview process of screening and referral and first sessions of group therapy) and with psychologists during periods of undergraduate and postgraduate occurred between the years 2004 to 2012. From the information obtained through bibliographic research and personal experience as student, psychologist and client of therapy group, we intend to contribute to expanding the discussion and understanding of the therapeutic group process.

Keywords: Group Psychotherapy; Gestalt-Therapy; Fears; Expectations.


 

INTRODUÇÃO

Debruçar sobre este trabalho me fez recordar o período da graduação e pós-graduação, relembrando os caminhos que reforçaram o interesse por grupos e como esse interesse culminou com o encontro com a Gestalt-Terapia1 . Esse interesse foi influenciado por diferentes fatores e acontecimentos externos, além de questões pessoais, aspectos da minha personalidade, história e cultura.

Minhas primeiras experiências teóricas e práticas como psicoterapeuta iniciaram-se na graduação, realizada entre os anos de 2004 a 2009 em instituição privada de ensino, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Nessa fase, fui apresentada a algumas abordagens teóricas e às formas de atuação clínica de cada uma no atendimento de clientes.

Percebi que, em geral, as disciplinas tinham seu foco no processo terapêutico individual, enquanto que o processo terapêutico realizado em grupo era pouco abordado. (Aqui, faço uma pausa para esclarecer que chamo de processo terapêutico individual aquele tipo de psicoterapia realizada por um psicólogo e um único cliente, enquanto que o processo terapêutico realizado em grupo refere-se à psicoterapia realizada por um ou mais psicólogos com mais de um cliente simultaneamente). Esse enfoque para o atendimento individual era comum, não somente às disciplinas teóricas, como também às práticas. A instituição oferecia, pelo menos, seis opções de estágios para atendimento individual com abordagens teóricas distintas e somente uma opção que possibilitava o atendimento de grupos. Ou seja, os alunos que desejassem ter a experiência do atendimento grupal deveriam seguir a linha de estudo daquele estágio, independentemente de suas preferências teóricas e práticas.

Ao consultar alguns autores, vi que essa não era uma situação incomum. Em seu livro Psicoterapia de grupo: teoria e prática (2006b, p. 421), Yalom chama atenção para o uso secundário da terapia de grupo, apesar dos resultados positivos desta modalidade de atendimento apontados em pesquisas. Em referência aos profissionais de saúde citados nos levantamentos, o autor considera que parte do problema se deve à falta de exposição a esta modalidade durante a formação profissional; em relação aos pacientes, considera que as preocupações podem estar associadas às dificuldades que enfrentam em seus próprios grupos de convivência.

Pinheiro da Silva (2015, p.15) também observa, com base em suas vivências como coordenador de grupos de treinamento de psicólogos, a alta frequência de alunos candidatos com pouca ou nenhuma experiência no que se refere a práticas grupais. Segundo o autor, “a experiência universitária parece não ter trazido, para muitas dessas pessoas, uma aproximação interessante em relação a esse tipo de trabalho”.

Tal situação me gerou alguns questionamentos: “as outras tantas abordagens e linhas psicológicas não tinham nada a dizer sobre o atendimento de grupos”?, “um psicólogo que acredita nos preceitos de uma dessas abordagens não pode trabalhar com grupos”? “se ele pode, pois sua habilitação em psicologia lhe dá esse direito, ele não deveria ter sido submetido a algum tipo de experiência, ainda que introdutória, sobre como atuar em atendimentos envolvendo grupos”? entre outros.

Nesse momento, o leitor pode discordar: “A faculdade nos ensina o básico. Depois, cada profissional deve se especializar para que possa desempenhar melhor sua profissão!”. Concordo, mas o conhecimento teórico e alguma experiência prática sobre a atuação com grupos são muito relevantes para nosso exercício profissional, principalmente, considerando os benefícios da psicoterapia de grupo diante das condições socioeconômicas atuais de nosso país.

Conforme apresentado por Vinogradov e Yalom (1992, p.10), uma das vantagens significativas da psicoterapia de grupo é a possibilidade de alcançar mais pessoas através do uso eficiente de tempo, espaço e outros recursos. Esses fatores são muito importantes, quando consideramos a situação atual dos serviços de saúde que, no que se refere à realidade brasileira, costumam ter uma demanda muito maior do que a quantidade de profissionais disponíveis.

“Então, qualquer cliente pode ser encaminhado para a psicoterapia de grupo? ”. Essa pergunta não é incomum e tem sido alvo de estudos. Resultados verificados em pesquisas – conforme abordados por Yalom (2006, p. 189-190) apontam muitos benefícios específicos produzidos pela terapia de grupo, como: possibilidade de ter mais aprendizagem social, desenvolvimento do apoio social e melhora nas relações sociais. De qualquer forma, o atendimento psicoterapêutico em grupo envolve um processo de seleção e entrevistas entre psicólogo e clientes, exigindo do profissional conhecimento específico desse tipo de modalidade a fim de possibilitar uma prática mais coerente e responsável. No entanto, esse detalhamento não é o foco do presente trabalho2.

Não se pretende, aqui, estabelecer qualquer tipo de escala que pretenda determinar que uma modalidade terapêutica seja mais eficaz do que outra. A psicoterapia individual, certamente, é bastante poderosa para gerar aprendizado e transformações para o cliente. Todavia, como o eixo central deste estudo gira em torno da psicoterapia de grupo, torna-se essencial expressar algumas de suas características. Nesse sentido, um importante material de trabalho são as trocas e interações realizadas pelos clientes, pois a experiência de grupo cria um contexto propício para que as características relacionais que são exercidas no dia-a-dia sejam evidenciadas no contato entre os membros.

As características interacionais tratam daquilo que é muito visceral no ser humano, daquilo que está presente nos seus primeiros segundos de vida. No momento da concepção, várias atividades são disparadas; as células embrionárias, imediatamente, iniciam esse processo de se relacionar com o meio para dele obter os materiais e realizar as trocas indispensáveis à formação do indivíduo. Essas trocas são essenciais, pois vão determinar, não somente o desenvolvimento, mas a sobrevivência do organismo.

“Para que o indivíduo satisfaça suas necessidades (...), deve ser capaz de manipular a si mesmo e ao seu meio, pois mesmo as necessidades puramente fisiológicas só podem ser satisfeitas mediante a interação do organismo com o meio”. (PERLS, 1988, p. 24).

Esse processo de interação com o ambiente acompanha o homem durante toda a sua vida, exercendo grande influência sobre seu desenvolvimento psicológico e seu estado emocional. Por meio do contato, pelo exercício de aproximação e afastamento, o ser humano vai se diferenciando e reconhecendo cada vez mais a sua identidade e a identidade do outro. E é, justamente, no contato que está o foco da Gestalt-Terapia; não naquilo que há no indivíduo ou naquilo que há no mundo, mas principalmente no contato que é, talvez, a principal característica da vida, como afirma Ribeiro (2006, p. 132): “Viver é estar em contato”.

O modo como as pessoas fazem contato revela as facilidades ou dificuldades existentes na identificação de necessidades e na discriminação dos meios para atendê-las, revela a expressão, os modos de bloqueio, de mudança e de permanência de cada ser humano, entre outros; o contato revela, em última instância, quem somos. Existe aqui um fato incontestável: somos seres de relação, seres determinados para o contato.

A noção de contato se torna particularmente importante quando se busca compreender (e trabalhar) certos sintomas ou patologias vivenciados pelo cliente. Esses, muitas vezes, são indicadores de impasses, embaraços ou até mesmo, de interrupções nos ciclos do contato, que ocorrem seja por uma fragilidade ou por uma rigidez na fronteira de contato. Como ressalta Perls (1988, p.45): “Todos os distúrbios neuróticos surgem da incapacidade do indivíduo de encontrar e manter o equilíbrio adequado entre si próprio e o resto do mundo”.

Esses distúrbios são parte de uma rede complexa que fazem sentido dentro do modo de funcionar de um determinado organismo, em determinado tempo e lugar e, apesar de indicarem entraves nas relações com os outros, também podem se constituir como a única linguagem que o organismo encontrou para não interromper totalmente o contato. Contudo, essa linguagem encontrada pelo organismo pode não estar clara para o indivíduo que, apesar de experimentar um desconforto, nem sempre se dá conta de que este é resultado de dificuldades na interação com as outras pessoas, com os variados grupos aos quais pertence ou, mesmo, aos quais deixou de pertencer.

Quando essa situação começa a incomodar e o sofrimento e a dor tornam-se cada vez mais difíceis de compreender e de suportar, muitos recorrem à ajuda e, então, somos convidados, como psicólogos, a estar ao lado do cliente nessa rica caminhada.

É nesse momento que o enquadre começa a ser delineado e que devemos estabelecer um contrato terapêutico para servir de guia e protetor dessa relação que se inicia. É no contrato que psicólogos e clientes vão discutir e decidir questões ligadas aos horários de encontro, valores do serviço, condições e (especialmente para fins deste trabalho) a modalidade de atendimento: psicoterapia individual, de família, de casal, infantil e/ou de grupo. Muitas vezes (ou, em todas às vezes), o psicólogo precisará explicar ao cliente a proposta de cada modalidade de atendimento, desconstruir certos receios e construir a confiança necessária para o bom andamento do processo3.

Durante os atendimentos realizados na época de graduação em psicologia e pós-graduação/especialização em Gestalt-Terapia4 tive a oportunidade de atender em várias modalidades e também de realizar várias primeiras entrevistas com o objetivo de compreender as queixas iniciais trazidas pelos clientes e de avaliar a necessidade e o tipo de encaminhamento, isto é, a recomendação sobre uma modalidade de atendimento mais pertinente ao caso. Conforme os atendimentos aconteciam e mais e mais encaminhamentos eram feitos, algumas situações começaram a chamar minha atenção:

• A quantidade desproporcional de ofertas de estágio para terapia de grupo na graduação (como disse mais acima, eram seis turmas que realizavam atendimento individual e somente uma que oferecia atendimento de grupo);

• Pequena quantidade de alunos da graduação que se inscreviam na modalidade de estágio que atendia grupos em comparação às outras modalidades de estágio;

• A atitude de alguns clientes que vinham para a primeira entrevista já com a expectativa de realizarem terapia individual e que apresentavam objeções ao ouvir propostas de atendimento em grupo (clientes atendidos na graduação e na pós-graduação);

• Pouco (ou nenhum) interesse por parte dos colegas (alunos da graduação em psicologia e alunos da pós-graduação em Gestalt-Terapia) em conhecer o trabalho terapêutico em grupo, encaminhando a maior parte dos clientes das instituições para os atendimentos individuais, apesar das longas filas de espera nessa modalidade.

Acerca disso, Yalom destaca:

“Os pacientes e muitos profissionais da saúde mental continuam a subestimar e temer a terapia de grupo e, infelizmente, essas mesmas atitudes influenciam os programas de formação em terapia de grupo de uma forma negativa. A terapia de grupo não costuma ter prestígio acadêmico.” (2006b, p. 421).

Essas atitudes me despertaram curiosidade e estão no cerne da discussão deste estudo.

Justificativa

A curiosidade e a inquietude são características importantes para o desenvolvimento da ciência. Particularmente para nós, psicólogos, são atitudes importantes para mantermos vivos um interesse sincero e uma disposição permanente para estarmos em contato com nossos clientes e também para revisarmos conceitos, teorias e práticas. Portanto, o presente estudo se justifica pela importância de estar em constante reflexão sobre as práticas que envolvem nossa profissão e, neste caso em particular, pela necessidade de se ampliar a compreensão acerca dos fenômenos ligados às interações presentes nos atendimentos em grupo. Além disso, embora haja muitos trabalhos envolvendo o tema da psicoterapia de grupo nas mais diversas abordagens5 , ainda há poucos trabalhos sobre a psicoterapia de grupo na abordagem Gestáltica, além de escassez de material que discuta especificamente os receios e as expectativas (crenças, ansiedades, fantasias, entre outros.) do cliente e do psicólogo diante da possibilidade de ingressar num processo terapêutico em grupo e/ou durante o percurso desse processo6.

A escolha por estudar o processo de psicoterapia de grupo é baseada na importância das interações sociais para o desenvolvimento humano. É sabido que o isolamento social é um aspecto de risco para a saúde mental e se constitui um fator a ser verificado pelo profissional de saúde, pois pode indicar condições clínicas relevantes, como depressão e transtornos psiquiátricos, por exemplo.

No livro “Psicoterapia de Grupo: um manual prático”, publicado originalmente em 1989, Vinogradov e Yalom já chamavam atenção para recorrentes queixas envolvendo uma crescente sensação de alienação interpessoal na vida moderna, sensação de isolamento, anonimidade e fragmentação social; e ressaltavam a falta de coesão e de experiências capazes de oferecer apoio e de favorecer a autorreflexão. Alguns anos depois, na apresentação do livro “Gestalt-terapia – O processo grupal. Uma abordagem fenomenológica da teoria do campo e holística” (RIBEIRO, 1994), Ari Rehfeld também chama atenção para a questão do isolamento e do individualismo e acrescenta: “Pensar grupo é pensar no coletivo. Toda vez que agimos coletivamente, avançamos. O “nós” é mais forte que o “eu”.” (grifos do autor). Hoje, mais de vinte anos depois, não é possível afirmar que a situação esteja diferente.

O surgimento de diversas soluções tecnológicas que procuram conectar as pessoas como, por exemplo, o sucesso das incontáveis redes sociais com seus milhões de adeptos por todo o mundo parece ser uma forma de lidar com essa sensação de isolamento e distanciamento entre as pessoas. Tal fenômeno pode ser uma tentativa da sociedade de buscar novas formas para que o indivíduo possa se expressar e se relacionar mais com outros.

Contudo, a intermediação e as facilidades trazidas pela tecnologia nem sempre são capazes de fazer com que as pessoas consigam levar para o mundo dos contatos físicos a mesma espontaneidade e intimidade que apresentam nas redes sociais. No mundo virtual, muitas pessoas se expõem se exibem e circulam com certa flexibilidade e ousadia; no entanto, no mundo do contato pessoal, face a face, muitos desses relacionamentos são superficiais, distantes e incongruentes7. O estudo da atuação dos indivíduos e grupos nas redes sociais não faz parte do escopo desse trabalho, porém, essa comparação é trazida por se tratar de um fenômeno muito marcante em nossa realidade que, frequentemente, é levantado pelos clientes nos grupos terapêuticos e que convergem para essa ideia de dificuldades nos relacionamentos sociais.

Refletir e discutir sobre temas que envolvem o ser humano são atividades essenciais visto que somos, ao mesmo tempo, pesquisadores e objetos de estudo; emissores e receptores de nossas próprias teorias e práticas profissionais. Tudo isso nos impõe um profundo senso de responsabilidade e ética no contato com o cliente e com nós mesmos. Esse sentido de ética e responsabilidade deve nortear a relação terapêutica e, portanto, no caso específico da atuação em um processo de psicoterapia de grupo, é interessante que o psicólogo considere se há no cliente e em si próprio, aspectos que possam gerar insegurança e impactar negativamente no desenrolar do processo.

Nesse sentido, Ribeiro adverte:

“Conduzir o grupo é, antes de tudo, um ato de ciência, de competência didática e metodológica. Arriscar-se a conduzir um grupo terapêutico sem o devido preparo científico e técnico é pôr em risco a sanidade das pessoas e a sua própria, sem dizer que é eticamente imoral.” (1994, p. 180).

Objetivos

O objetivo geral deste trabalho é ampliar o conhecimento sobre a psicoterapia de grupo, auxiliando o leitor a clarificar alguns sentimentos ou crenças que podem estar presentes antes do início da terapia e/ou no seu decorrer. Os objetivos específicos são: trazer à discussão, investigação e reflexão, alguns receios e expectativas sobre a psicoterapia de grupo, demonstrados por clientes e psicólogos com os quais tive contato ao longo da graduação e pós-graduação, associando esses temas à minha própria vivência. Por receios e expectativas, refiro-me a ideias, fantasias, medos, preconceitos, dúvidas, ansiedades, enfim, concepções negativas e/ou positivas em geral que, muitas vezes, antecedem a vivência do processo em si.

Considerando o conteúdo teórico já existente acerca da Gestalt-Terapia e dos trabalhos grupais, não existe aqui a pretensão de esgotar o assunto. O intuito é contribuir com o aprofundamento teórico do tema, trazendo à reflexão ideias manifestadas por clientes e psicólogos sobre o trabalho terapêutico em grupo, traçando paralelos com minhas próprias certezas e incertezas, vividas no lugar de psicóloga, aluna e também membro de um grupo terapêutico. Entendendo que a discussão desse tema é relevante para a formação do psicólogo e que pode ser particularmente útil para clientes que vivam situações análogas.

Por meio deste artigo, o leitor poderá fazer um trabalho introspectivo questionando-se se algum dos itens apresentados coincide ou já coincidiu com a sua maneira de enxergar a psicoterapia de grupo e buscando conhecer suas próprias motivações relacionadas a essas crenças.

Reforçando que cada modalidade de psicoterapia (individual, grupo, casal, família, entre outros) tem sua aplicação de acordo com a situação terapêutica específica, com a realidade e características de cada cliente e de cada psicólogo. Certamente, a melhor terapia é aquela que melhor se enquadra ao cliente e ao psicólogo. Cabendo ao psicólogo sugerir ao cliente a modalidade de atendimento mais adequada à situação, com base nos conhecimentos teóricos e práticos oriundos da Psicologia (e de outras áreas de saber relacionadas) e nas informações (explícitas e implícitas) fornecidas pelo cliente.

Metodologia

Como a experiência pessoal é fonte muito importante para a realização deste trabalho, boa parte do texto foi escrito em primeira pessoa do singular, considerando que essa forma oferece maior clareza e simplicidade ao texto. Essa decisão foi bem acolhida pela orientadora e possui também respaldo teórico, conforme exposto na dissertação de mestrado apresentada por Pinheiro da Silva (2015, p. 20). Segundo o autor, que também optou por escrever na primeira pessoa do singular, essa é uma atitude coerente com a tradição Gestáltica por levar aquele que fala a se responsabilizar, a se identificar pessoalmente com aquilo que se diz.

“Mas a palavra responsabilidade pode ser também habilidade de responder: de ter pensamentos, reações, emoções numa determinada situação. Agora, esta responsabilidade esta habilidade de ser o que se é, se expressa através da palavra ‘eu’”. (PERLS, 1977, p. 96, grifo do autor).

A presente monografia baseia-se em consultas bibliográficas de perspectiva Gestáltica8 e na experiência pessoal construída durante os períodos de graduação (2004-2009) e pós-graduação (2009-2012) realizadas em instituições de ensino privadas na cidade do Rio de Janeiro e durante o período de psicoterapia pessoal na modalidade de grupo (2012).

Do ponto de vista teórico, a base deste trabalho está na perspectiva holística, relacional e processual da existência humana afirmada pela Gestalt-Terapia e em sua crença no potencial e na sabedoria do organismo, isto é, a crença de que ele é capaz de encontrar soluções criativas e inovadoras e de mobilizar energia para seu próprio crescimento e desenvolvimento. Outra base fundamental está na consideração sobre a interdependência inseparável entre o indivíduo e o ambiente.

Em relação à perspectiva pessoal, este trabalho compreende um pouco das minhas interações com colegas e professores, com clientes em entrevistas de encaminhamento e atendimentos em grupo, das vivências surgidas nas supervisões e, também, da experiência de ser membro de um grupo terapêutico. Nesses oito anos, interagindo com pessoas tão diferentes, vivi muitas situações parecidas no que tange a receios, expectativas, fantasias, ansiedades, enfim, às ideias sobre a psicoterapia de grupo. Procurei descrever as situações da maneira como se apresentaram ao meu entendimento (sem tentar determinar as causas motivadoras desses comportamentos), numa perspectiva fenomenológica do processo grupal; como descrito por Ribeiro (1994, p. 47):

“Fenomenologia é, concisamente, uma filosofia, um processo, uma técnica, um modo de ver o mundo. Supõe uma leitura, uma descrição e uma explicação da realidade, enquanto fenômeno a ser desvendado. Fenômeno é aquilo que aparece, é o aparente da coisa. É aquilo com que me encontro; aquilo que vem ao meu encontro, que se oferece ao desvendamento.”

Algumas afirmações ou hipóteses se apoiam em como experimentei o contato e nos impactos provocados pelas relações vividas com os clientes e com outros psicólogos. Não coube no escopo deste trabalho realizar um estudo estatístico sobre a quantidade de pessoas que manifestaram receios e desconfianças sobre o trabalho psicoterapêutico em grupo ou mesmo elencar os principais temas trazidos por ordem de recorrência. Para viabilizar o desenvolvimento deste trabalho, foram selecionados alguns temas de acordo com as situações que mais me chamaram atenção ao analisar os relatórios de atendimentos, anotações de supervisão e de aula e outras memórias. Como diz Perls (1979, p. 11): “[...] o observador é sempre parte dessas observações. Ou então, seleciona o que está observando”. Os temas escolhidos serão discutidos em forma de capítulos, seguindo a ordem descrita a seguir.

O capítulo 1 – Receios e expectativas percebidos no contato com clientes – traz temas abordados por clientes com certa recorrência, envolvendo sentimentos de desconfiança ou fantasias relacionados à psicoterapia de grupo, demonstrados, principalmente, durante as entrevistas de encaminhamento e nas sessões iniciais dos grupos.

O capítulo 2 – Receios e expectativas percebidos no contato com psicólogos – aborda questões ligadas a dúvidas e receios apresentados por psicólogos e também informações prestadas por supervisores da pós-graduação acerca de como seus alunos (psicólogos, pós-graduandos) se comportavam em relação ao processo de terapia em grupo, bem como, as mudanças de comportamento desses alunos ao longo dos atendimentos.

O capítulo 3 – Experiência Pessoal – conta minha experiência de participar de um grupo no papel de aluna e psicoterapeuta9 e no papel de cliente e de como esses receios e expectativas me impactaram.

O último capítulo traz as considerações finais sobre este trabalho.

I. RECEIOS E EXPECTATIVAS PERCEBIDOS NO CONTATO COM CLIENTES

“ As pessoas necessitam de pessoas – para sua sobrevivência inicial e contínua, para a socialização, para a busca da satisfação. Ninguém – nem os moribundos, nem os excluídos, nem os poderosos – transcende a necessidade de contato humano.” (YALOM, 2006b, p. 41).

Revisitando a bibliografia, vemos que a presença de concepções erradas sobre a psicoterapia de grupo não é algo incomum. Yalom (2006b, p. 238) descreve o resultado de algumas pesquisas feitas com pacientes, com alunos de psicologia e com residentes de psiquiatria em que receios e expectativas desfavoráveis sobre a terapia de grupo são mencionados com significativa frequência. Um dos levantamentos apresentados descreve que mais de 50% dos pacientes entrevistados se recusariam a participar de uma terapia de grupo, ainda que não houvesse outra modalidade de tratamento disponível. “As preocupações citadas incluíram o medo do ridículo e da vergonha, falta de confidencialidade e o medo de piorar por alguma forma de contágio”. (YALOM, 2006b, p. 238).

Durante o período de graduação e especialização, realizei muitas entrevistas de avaliação com o objetivo de acolher e compreender as queixas trazidas pelos clientes. Ao final do encontro, discutíamos uma proposta de encaminhamento. Nessas entrevistas, pude observar a presença dessas preocupações demonstradas por meio de dúvidas, receios, fantasias e expectativas em relação à psicoterapia de grupo. Em geral, os clientes, mesmo que nunca tivessem feito terapia, esperavam serem atendidos em psicoterapia individual e ficavam surpresos ou desconfiados diante de uma proposta diferente. Acredito que tal atitude se deva à falta de conhecimento sobre o assunto, à falta de referências de pessoas de seu convívio que já tenham se submetido a um processo terapêutico em grupo e/ou, até mesmo, pela experiência malsucedida em outras situações envolvendo grupos.

A seguir, serão abordadas algumas questões que considero interessantes para serem discutidas e aprofundadas envolvendo receios, expectativas, ansiedades, crenças iniciais, entre outros, percebidos nos contatos com os clientes em relação à temática da psicoterapia de grupo.

1.1 Exposição

Embaraços para lidar com situações em público e inibição social são comuns a muitas pessoas. Não é difícil encontrar em nosso convívio pessoas que dizem sentir ansiedade ao terem que falar em público, mesmo que seja diante de uma pequena plateia. Em “Gestalt-Terapia explicada”, Perls (1977, p.57) aborda essa questão: “Agora, se você não estiver certo do papel que quer desempenhar, e for tirado do seu palco privado para o palco público, então, como bom ator, você experienciará o medo frente à audiência”.

Na situação de um processo terapêutico, essa ansiedade tende a ser maior, pois o cliente - mesmo que nunca tenha feito terapia antes - compreende que o processo terapêutico poderá fazê-lo revelar aspectos de sua intimidade e que estará exposto a um tipo de contato diferente do que costuma experimentar em seu cotidiano. Em outras palavras, o cliente pensa: “nunca disse isso para minha família ou para meus amigos, como vou me revelar assim para estranhos?!”. A possibilidade de que várias pessoas possam ter algum acesso à sua intimidade e aos seus segredos tende a ser vista com muito receio.

Acerca disso, Yalom faz considerações interessantes no capítulo 10 de seu livro Psicoterapia de grupo: teoria e prática (2006b). Como exemplo, o autor relata um sonho de uma cliente que se preparava para ingressar na psicoterapia de grupo. Ao contar sobre o sonho, a cliente descreve sentimentos de ansiedade e perturbação. Segundo o autor, essas concepções errôneas são bastante comuns no imaginário dos clientes.

“A imagem de cada membro confessando problemas para a plateia reflete um dos medos mais básicos e comuns de indivíduos que entram para grupos de terapia: o horror de ter de se revelar e de confessar transgressões e fantasias vergonhosas para uma audiência desconhecida. E mais, os membros imaginam uma resposta crítica, debochada, ridicularizante e humilhante dos outros. A experiência é fantasiada como um julgamento apocalíptico perante um tribunal inflexível e sem compaixão.” (YALOM, 2006b, p. 239).

Apesar de frases amplamente repetidas no cotidiano como “todo mundo erra” e “ninguém é perfeito” que transmitem a noção de que todas as pessoas têm imperfeições e falhas, na prática, nem sempre essa é uma postura simples de se adotar. Algumas pessoas vivenciam seus defeitos ou julgam eventos ocorridos em sua vida com muito rigor e culpa e temem serem excluídas, criticadas, rejeitadas ou perderem o respeito dos demais, caso os outros venham saber quem realmente são ou o que fazem / fizeram. Aqueles que guardam segredos antigos, com conteúdos comprometedores e dotados de carga emocional pesada, podem experimentar uma expectativa de alcançar alívio através da revelação, mas também, uma ameaça diante dos efeitos negativos que essa revelação pode causar. “Alguns podem experimentar um medo disseminado de se revelarem: cada palavra, sentem eles, pode comprometê-los com mais revelações progressivas”. (YALOM, 2006b, p. 310).

Outra face da experiência de exposição manifesta-se pela crença de que a psicoterapia obriga o cliente a falar tudo. Tal expectativa pode levar a uma sensação de perda total de controle, principalmente, quando se está no início do processo e ainda naquela fase de conhecer o grupo e de experimentar o terreno. Nessa fase, o cliente ainda não tem elementos para prever as possíveis reações dos membros do grupo diante da situação que deseja expor. Além do mais, ainda que regras de confidencialidade sejam abordadas no contrato, como apontam Polster e Polster (2001, p.135), não é possível garantir o que cada membro considerará como confidencial.

Lembro-me de uma cliente que, nas primeiras sessões do grupo, manifestava sintomas que apontavam para níveis elevados de ansiedade (alguns sintomas eram visíveis e outros eram relatados por ela mesma), como: taquicardia, sudorese, rubor facial e tremores. Tudo isso apenas ao ser citada em algum momento pelo grupo. Para ela, a hipótese de compartilhar seus pensamentos, sentimentos e aspectos de sua história para o grupo era algo muito assustador. Seus sintomas eram muito aparentes e, não por coincidência, as queixas que a trouxeram ao consultório eram justamente sobre sua dificuldade em lidar com situações de exposição, situações em que fosse notada, em que ficasse em evidência; apresentava muita ansiedade diante do outro, o que vinha atrapalhando seus relacionamentos pessoais e profissionais.

No outro extremo do que as expectativas de exposição podem gerar, o exemplo de outra cliente: alguém que tinha uma postura muito participativa e dominante sobre o grupo. Já nas primeiras sessões, desatou a falar de questões bastante íntimas sem qualquer preocupação com as pessoas ao redor. Neste momento, o leitor pode questionar tal relato, entendendo que é isso que se espera do processo terapêutico e que a cliente demonstrava auto aceitação e coragem. No entanto, o contato com ela, ao longo das sessões, demonstrou que essa atitude tinha mais relação com uma inabilidade em perceber o outro, em perceber o impacto que causava nas demais pessoas. Certa sessão, após ter exposto bastante conteúdo confidencial de sua vida, relatou um sonho em que estava na rua, sem dinheiro e vestindo roupas íntimas. O grupo trabalhou sobre esse sonho e os aspectos que ficaram mais evidentes foram: poder e vulnerabilidade. Toda vez que a cliente se expressava para o grupo, contando detalhes sobre sua intimidade, ganhava atenção e poder; mas, depois da revelação, sentia-se exposta e vulnerável. O grupo, por sua vez, tinha sentimentos contraditórios em relação à postura da cliente. Ao mesmo tempo em que ficavam envolvidos com as revelações, também havia um sentimento de invasão que dificultava com que pudessem dar suporte à cliente, já que eles próprios não tinham condições de suportar aquele conteúdo naquele momento (reforçando que estávamos nas primeiras sessões do grupo e que, portanto, ainda não havia confiança e coesão suficientes). Esse é um “dilema inevitável”, como dizem Polster e Polster (2001, p. 137), pois o processo terapêutico pode acabar levando o cliente a esse comportamento exibicionista.

Também havia outros clientes com comportamentos semelhantes, no entanto, nos grupos terapêuticos em que participei (seja como psicóloga ou como cliente), assim como nos grupos de supervisão e nas vivências de "workshops", de modo geral, o que mais vi acontecer foi um comportamento cauteloso e uma busca gradual de exposição. Especialmente no início do grupo, os clientes costumam experimentar o ambiente, falando pouco sobre seus sentimentos, trazendo questões genéricas ou contando relatos sem expressar muito envolvimento emocional com o assunto. Falar do clima, das horas, de uma pessoa famosa, do aperto do transporte público, do jogo de futebol, entre outros, pode trazer conforto, preenchendo o tempo da sessão e evitando determinados conteúdos.

A fase inicial de um grupo terapêutico é um momento de aprendizado, no qual as pessoas ainda estão se conhecendo e conhecendo o terreno comum; é natural que se sintam pouco à vontade para abordar certos temas. No entanto, um receio exagerado pode levar o cliente a adotar uma postura distante, marcada por muito silêncio e poucas expressões. Suas participações podem se constituir de comportamentos estereotipados, com frases prontas ou monossilábicas e gestos dissonantes. Há casos em que o cliente pode até revelar que não deseja falar sobre si ou que não gostaria de tocar em determinado assunto, mas tal comportamento pode afastá-lo dos demais e tende a fazer com que tire pouco proveito da experiência terapêutica. À medida que mais revelações vão se dando no grupo, o cliente tanto pode ganhar mais confiança para se revelar como pode ficar mais tenso por considerar que a qualquer momento será a sua vez.

O receio ou ansiedade pela exposição é bastante genuíno, pois o processo terapêutico em si já é um convite para a auto revelação. Daí a extrema importância de se conversar com os clientes no momento do contrato sobre a necessidade de se manter a confidencialidade dos assuntos abordados no grupo, de modo que todos possam se sentir seguros e estimulados a compartilhar.

1.2. Encobrimento

Como dito na introdução deste trabalho, ao mesmo tempo em que o avanço da tecnologia tem produzido o esmaecimento das fronteiras, disponibilizando recursos nunca antes vistos que possibilitam às pessoas superarem barreiras geográficas, linguísticas e temporais no contato com o outro, esse processo também pode gerar afastamento e perda de intimidade.

Esse distanciamento pode ser verificado ao observar como as pessoas estão cada vez mais apegadas a aparelhos eletrônicos como "smartphones e tablets". Mesmo quando estão rodeadas por outras pessoas (num restaurante, na condução, até mesmo numa festa ou outro evento social), a atenção principal, quase sempre, está direcionada para esses aparelhos. Nesse momento, o contato com as pessoas que estão no mesmo espaço físico se torna pobre no que tange a um genuíno interesse pelo outro. Essa atitude é característica de um relacionamento “Eu-Isso” 10, em que o sujeito procura o outro com uma finalidade específica, somente para atender uma necessidade individual, em que não há abertura para troca de experiências e para transformação.

Em minha experiência clínica, recebi clientes com esses traços que apresentaram expectativas bastante positivas ao ouvir a proposta de participar de um processo de terapia em grupo. Porém, nem sempre essa atitude era de fato positiva, pois, por vezes, estava baseada na crença (inconsciente ou não) de poder se esconder dentro do grupo. Nesse caso, estar sozinho com um psicólogo poderia ser experimentado como algo ainda mais invasivo, enquanto que a fantasia de poder ocultar-se nas outras pessoas do grupo trazia mais conforto e segurança.

Frequentemente, esses clientes adotavam uma postura silenciosa, aparentemente solidária e compreensiva para com os outros participantes, procurando esquivar-se de dar suas opiniões, alegando não ter questões para trabalhar ou trazendo-as superficialmente. Tudo isso pode indicar uma tentativa de não se envolver com a terapia e de fugir de temas os quais o cliente teme ter que encarar. Nutrir esse comportamento também pode ser uma estratégia para manter as pessoas afastadas e evitar envolvimento. Nesse caso, encobrir-se à sombra dos outros participantes faz todo o sentido dentro do estilo de vida dessa pessoa e, apesar de fazer com que deixe de experimentar partes importantes do processo, para o cliente, pode ser percebido como um ganho.

A expectativa de ser encoberto pelo grupo não atua somente por um possível medo da exposição e vergonha, mas também pode demonstrar uma atitude de não querer se comprometer com o processo, de não precisar assumir responsabilidades para com o grupo. Segundo Yalom (2006b, p. 314), a participação do cliente na terapia de grupo aumenta o sentido de envolvimento e valorização por parte dos outros membros. O autor adverte que a falta de participação pode impedir que o cliente tenha ganhos com o processo terapêutico, além de poder levar o grupo a abandonar essa pessoa.

O cliente pode usar esse comportamento para monopolizar o grupo, chamando atenção para si e tentando incutir a noção de que é rejeitado pelas pessoas, colocando-se como uma vítima à espera do cuidado e da tolerância dos outros membros. Ele se esforça para se mostrar demasiadamente vulnerável a fim de provocar o grupo a bajulá-lo, a pedir por sua participação, além de tentar induzir o psicólogo a protegê-lo desproporcionalmente11 . As consequências dependerão das características do grupo: pode haver um sentimento de adoção e proteção ou o grupo pode perder o interesse e abandonar esse membro.

1.3. Disputa por espaço e papéis

A figura do psicólogo costuma estar associada a muitas idealizações que incluem certo clima de mistério e uma crença de que ele é detentor de uma sabedoria capaz de responder a todo questionamento e de garantir a felicidade daquele que procura seu serviço. Pode existir uma expectativa inconsciente de que o psicólogo venha a se tornar um guru pessoal, alguém que saberá tudo do cliente, que estará integralmente disponível para atender às suas necessidades e que possa lhe garantir as respostas para as decisões que precisa tomar. Por outro lado, de modo não tão dramático, há aqueles que buscam na figura no psicólogo um pai, uma mãe, um irmão, um melhor amigo, enfim, alguém que ocupará um papel muito importante e, por vezes, central em sua vida. Em ambos os casos pode haver uma alta expectativa do cliente em relação à figura do psicólogo, fazendo com que dedique para ele um lugar especial e único em sua vida. Perls (1988, p.57) fala dessa idealização:

“Para ele, o terapeuta pode ser um par de ouvidos sem corpo, ou talvez um padrinho mágico que só tem que balançar sua varinha de condão para transformar o diabo num jovem bonito, de boa aparência, esguio, e cheio de dinheiro e charme”.

Ao ingressar na terapia individual, é bem provável que o cliente tome conhecimento de que seu psicólogo também ocupa esse papel diferenciado na vida de outras pessoas, isto é, de que ele não é o único cliente na vida do psicólogo. Mas, como o cliente não participa da interação entre o psicólogo e os outros clientes, isso pode não se constituir uma questão relevante, até porque o cliente pode criar uma fantasia de ser mais especial para o psicólogo do que os demais.

No entanto, na psicoterapia em grupo, o cliente assiste a interação do “seu” psicólogo com os outros membros, o que pode despertar sentimentos de ciúmes e rivalidades. O cliente pode se ressentir de ter que dividir a atenção do psicólogo com outras pessoas. Tal receio pode se tornar mais intenso conforme o cliente toma conhecimento sobre a quantidade de pessoas participantes do grupo ou da entrada de novos membros - que é uma situação que pode ampliar sua insegurança e ansiedade.

O cliente que percebe que precisa urgentemente se submeter a um processo terapêutico, mas que ainda tem pouco ou nenhum conhecimento sobre como funciona a psicoterapia em grupo expõe um receio de que não haverá tempo suficiente para trabalhar suas questões e de que sua individualidade será pouco considerada. O cliente que vem da terapia individual, por sua vez, receia que venha perder seu lugar especial diante dos olhos do psicólogo e fantasia que os outros membros do grupo serão seus rivais.

Esse tipo de inquietação era bastante comum de se manifestar na entrevista de encaminhamento12 . Muitos clientes apresentavam uma ou mais dúvidas, como: de que forma o tempo era dividido entre os membros; o tempo de a sessão ser suficiente para que o psicólogo pudesse compreender e ajudar, já que teria que cuidar de outras pessoas simultaneamente; se havia uma escolha/divisão sobre qual membro poderia tratar de suas questões no decorrer das sessões do grupo, enfim, os clientes tinham receios sobre ter que disputar por tempo e por espaço; questionavam se essa indicação seria realmente efetiva para resolver suas dificuldades.

Após o início da psicoterapia de grupo, esses receios e fantasias tendem a se transformar em atitudes reais e começam a se manifestar por meio de comportamentos de competição/agressividade ou de submissão/passividade. De acordo com as características de cada cliente, pode começar uma disputa pelos papéis: o da pessoa mais sofrida ou necessitada, a vítima, o sensível, o que tem as respostas, o sedutor, entre outros. Clientes competitivos, com alto grau de assertividade e agressividade podem atuar de maneira monopolizadora usando o tempo e o espaço da sessão de maneira egoísta, pretendendo apenas trabalhar conteúdos particulares e não dando margem para o surgimento de manifestações do grupo. Sua atitude pode ser uma tentativa de ter o controle da sessão, levando o grupo e, principalmente, o psicólogo a focalizarem a atenção em sua pessoa. Enquanto isso, os membros que não gostam de competir e que não sabem como usar sua agressividade, podem experimentar rivalidade e frustração diante do domínio do espaço pelo outro, ao mesmo tempo, que assumem uma postura passiva e submissa.

Essas ideias são também apontadas por Yalom (2006b, p. 237) como recorrentes em pesquisas. O cliente tem a concepção de que o tempo e a atenção do psicólogo são diluídos pela quantidade de membros existentes no grupo; o que, portanto, tornaria a psicoterapia de grupo menos eficaz.

1.4. Conflitos

Algum nível de conflito não só é esperado, como é inevitável num grupo terapêutico. Talvez o cliente possa saber disso por já ter feito ou por conhecer pessoas que fazem terapia em grupo ou simplesmente pode intuir que, ao compartilhar com outras pessoas um processo de tanta intimidade e exposição, diferenças provavelmente surgirão e poderão gerar conflitos. “Embora algumas pessoas apreciem o conflito, a grande maioria dos membros (e terapeutas) de grupos sente-se bastante desconfortável ao expressar e receber raiva” (YALOM, 2006b, p. 293).

Durante uma sessão de primeira entrevista realizada na pós-graduação, uma cliente demonstrou claramente a presença de expectativas negativas diante da proposta de ser atendida em grupo. O motivo de sua desconfiança era sua crença de que certamente entraria em conflitos acentuados com algum membro do grupo. Sua vida era marcada por discussões com todas as pessoas do seu convívio; o motivo que a trouxe para a psicoterapia era justamente as dificuldades que enfrentava nos relacionamentos interpessoais devido à agressividade. Daí o seu receio de que tais acontecimentos se repetissem e prejudicassem seu processo terapêutico. Ela acreditava que a psicoterapia deveria ser um espaço de compreensão total e que somente os “bons” sentimentos poderiam ser expressos, por isso, considerava que não seria uma boa candidata para a psicoterapia de grupo. Como esperado, sua agressividade apareceu logo no início das sessões do grupo e de uma maneira bastante acentuada, gerando momentos de conflito e tensão que se desdobraram ao longo da terapia.

Esse receio é pertinente, pois realmente o grupo tem a potência para exercer pressão sobre os membros. Essa pressão pode ficar muito forte, requerendo respostas do indivíduo e reações que podem ser difíceis de controlar - mesmo para aquelas pessoas que se consideram dispostas a trabalhar com qualquer conteúdo. Nesse sentido, Perls (1988, p.57) escreve que o homem pode ser “muito bom falando em problemas e muito ruim lidando com eles”.

Em geral, as pessoas sabem que uma terapia é capaz de lhe oferecer apoio e aceitação, mas especialmente para aqueles que nunca participaram de uma psicoterapia de grupo, nem sempre se sabe de que forma isso é alcançado. Ao ingressar no grupo, o cliente se depara com outras pessoas que podem ter estilos de vida muito contrários aos que ele valoriza ou que considera aceitável. Esses aspectos podem desencadear sentimentos antagônicos, tensões e impasses. Por mais que o cliente tenha facilidade em expressar sentimentos de raiva e hostilidade, um conflito declarado pode gerar desconforto, ansiedade e confusão. Esses sentimentos são experimentados como desagradáveis pelo cliente e seu desejo é o de aniquilá-los pela evitação ou outro tipo de interrupção de contato (PERLS, 1988, p.109).

Atendi clientes que faziam um esforço tão grande para serem aceitos pelo grupo, que não se permitiam discordar dos outros, temendo chocar os demais com alguma crença ou comportamento divergente. Esses clientes experimentavam qualquer nível de conflito como algo perigoso para o desenvolvimento e permanência dos seus relacionamentos. Por outro lado, havia também aqueles que, regularmente, acabavam se envolvendo em polêmicas e embates. Apesar das características distintas, ambos os clientes – o que alimenta o conflito e o que foge dele - podem manifestar receios em experimentar o processo terapêutico em grupo por terem que lidar com sua agressividade.

“Parece que a nocividade dos conflitos tem um dos seguintes significados (ou todos eles): 1) todos os conflitos são ruins porque desperdiçam energia e causam sofrimento; 2) todos os conflitos excitam a agressão e a destruição, o que é ruim; 3) alguns conflitos são ruins porque um dos litigantes não é saudável ou é antissocial, e em lugar de se permitir que participe do conflito, deveria ser eliminado ou sublimado [...]” (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN; 1997, p.163).

Não é de se estranhar que o cliente tenha esse tipo de insegurança, uma vez que, em nossa sociedade somos pouco - às vezes, nada - estimulados a trocar feedbacks intensos e genuínos, no seu lugar, aprendemos a usar frases e expressões clichês que nos ajudam a disfarçar o que de fato sentimos e pensamos e que mantêm o outro afastado.,

1.5. Contágio

Talvez a principal marca do mundo contemporâneo seja a pulverização acelerada da informação. Com isso, conceitos que antes eram exclusivos de determinados segmentos profissionais tornam-se mais facilmente populares, como, por exemplo, o uso no cotidiano de expressões e termos que remetem às ciências como Psicologia, Psiquiatria e/ou Psicanálise (ex: depressão, "stress", pânico, TOC, bipolar, hiperatividade, trauma, complexos, entre outros.). Tal ocorrência aponta para alguma aproximação desses ramos científicos para com a população; mas ainda há fantasias e bloqueios que envolvem tais saberes, especialmente, em relação ao processo terapêutico que é uma atividade promovida por essas ciências.

Ainda não é uma tarefa fácil para muitas pessoas a busca por ajuda para questões psicológicas. Essa espécie de resistência ao atendimento psicológico é manifestada nas clínicas sociais; muitos clientes só buscam a terapia porque receberam a indicação expressa de algum outro profissional ou porque já passaram por diferentes profissionais e não tiveram a demanda resolvida. Não raro o psicólogo é o último a ser acionado e constitui-se como a última esperança.

”Seja o que for, ele não pode conseguir por si só, nem por intermédio do seu meio ambiente, de outro modo, não teria recorrido ao terapeuta. Mas, certamente já tentou conseguir o apoio de que necessita (...). No entanto, uma vez que não foi bem sucedido, vem até nós frustrado (...).”. (PERLS, 1988, p.59).

Muitos são os motivos que podem estar ligados a essas dificuldades. Em alguns casos, ela se baseia na crença de que receber ajuda psicológica é um atestado de que o cliente fracassou em gerenciar seus sentimentos, emoções e comportamentos ou, até mesmo, que lhe falta sanidade mental. Tanto assim que a expressão “é psicológico” ganhou uma conotação pejorativa, sendo usada como se fosse um para conferir um diagnóstico a situações que não têm tanta importância, muitas vezes, denominadas de “frescuras”.

Além dessas concepções negativas sobre a atitude de buscar atendimento psicológico, também podem existir inseguranças sobre o processo terapêutico em si: “Mas o que dizer [...], do medo do paciente de que a terapia, ao invés de ajudá-lo, o mergulhará ainda mais profundamente numa terra de ninguém, e lhe dará uma rasteira”? (PERLS, 1988 p.57) e/ou dúvidas sobre a capacidade do terapeuta: “talvez suspeite de que o terapeuta seja apenas uma fraude e um charlatão, mas que no desespero de seu problema e no fundo de seu coração deseje proporcionar-lhe uma mudança imediata”. (PERLS, 1988 p.57).

Apesar da insegurança sobre a eficácia da terapia, é possível que a pessoa consiga aceitar ajuda na figura do psicólogo, por enxerga-lo como alguém superior, um profissional que detém os conhecimentos e as técnicas que o levarão à solução de seu problema. Por outro lado, outras crenças e preocupações podem surgir em relação ao grupo: “se aquelas pessoas também precisam de ajuda a ponto de terem buscado uma psicoterapia, são inaptas para ajudar-lhe e, ainda mais, podem até transmitir mais problemas através da exposição de suas mazelas”. Segundo Yalom (2006b, p. 238), esse é um tipo de preocupação comum dos clientes que ingressam na psicoterapia de grupo; o cliente sente medo de um contágio mental, de ficar mais doente pela associação com os outros membros.

Mesmo concordando com um encaminhamento para a terapia de grupo, o cliente que se avalia dessa maneira pode ingressar na terapia com a expectativa de que falará sobre seus problemas sem envolver-se nos conteúdos dos demais. Ele pode assumir uma característica dominadora, tentando exercer controle e pressão sobre o grupo, monopolizando o tempo e direcionando os assuntos, utilizando temas urgentes ou sedutores, entre outros, ao mesmo tempo em que tem dificuldade para ouvir empaticamente, rejeitando as influências e estímulos vindos dos outros membros. Sua atitude para com o grupo, com frequência, demonstra desdém e altivez, o grupo não é considerado como um meio suficiente para atender suas necessidades. Por mais que os outros membros se conectem a ele, sua crença é de que não precisa da intervenção de outras pessoas sobre sua vida, especialmente, se essas pessoas não atenderem ao seu nível de exigência. Trata-se de um contato coisificado (como citado no item 1.2).

Para a pessoa que está desequilibrada em relação à sua autoestima, adotando uma postura excessivamente autossuficiente, aceitar ajuda vinda de uma pessoa que não atende aos seus critérios de exigência tende a ser intolerável. Para esse cliente, a ideia de submeter-se a um grupo terapêutico pode gerar muita ansiedade e incertezas, pois ele não possui qualquer fagulha de fé no processo grupal, não entende de que maneira essa experiência possa ajudá-lo. O cliente experimenta uma ansiedade em ter que pertencer a um grupo e, de certa forma, de ser mais um, como os outros; essa experiência homogeneizadora o faz se sentir depreciado além de temer ser “contaminado” com os sintomas dos outros membros (YALOM, 2006b, p.332).

 

II. RECEIOS E EXPECTATIVAS PERCEBIDOS NO CONTATO COM PSICÓLOGOS

“...é vital que os terapeutas acreditem em si mesmos e na eficácia de seu grupo.” (YALOM, 2006b, p.26)

As crenças que cliente e psicólogo guardam sobre a eficácia da terapia são determinantes para o andamento do processo e estão presentes antes mesmo da relação terapêutica ser configurada.

Ao conversar com colegas nas fases de graduação e pós-graduação sobre a psicoterapia de grupo, era comum ouvir essa (des)crença sendo manifestada. A desconfiança quanto à eficácia do processo às vezes se dava porque o psicólogo preferia atuar com uma modalidade específica (exemplo: com terapia individual), por características particulares do psicólogo, mas principalmente, pela falta de conhecimento e contato com a psicoterapia de grupo em sua formação acadêmica. Como relatado na introdução deste trabalho, a formação acadêmica, de fato, não costuma privilegiar o aprofundamento de temas ligados à psicoterapia de grupo. Essa perspectiva é descrita por Yalom no capítulo 17 de seu livro “Psicoterapia de grupo: teoria e prática”:

“A terapia de grupo é uma planta curiosa no jardim da psicoterapia. Ela é forte: as melhores pesquisas disponíveis estabeleceram que a terapia de grupo é tão efetiva quanto a terapia individual . Mesmo assim, necessita de cuidados constantes. Seu eterno destino é ser sufocada periodicamente pelas mesmas velhas ervas daninhas: “superficial”, “perigosa”, “secundária – para ser usada apenas quando não houver terapia individual13 disponível ou esta não for acessível”. Os pacientes e muitos profissionais da saúde mental continuam a subestimar e temer a terapia de grupo e, infelizmente, essas mesmas atitudes influenciam os programas de formação [...]”. (YALOM, 2006b., p. 421, grifos do autor).

Na pós-graduação havia uma série de aulas que discutiam o trabalho com grupos. Os alunos também tinham contato com outros profissionais que traziam diferentes pontos de vista e modos de intervenção. Além disso, à medida que os alunos formavam seus grupos terapêuticos, havia uma troca de informações que enriquecia a experiência dos demais. Por diversas vezes, durante as aulas e supervisões de atendimentos, os supervisores informavam que, em geral, os psicólogos/alunos apresentavam uma tendência inicial para realizar mais encaminhamentos14 para terapia individual. Mais tarde, conforme as aulas e os atendimentos aconteciam, começavam a ampliar as modalidades de encaminhamentos, passando a indicar mais vezes a psicoterapia de grupo.

Tais observações me levam a crer que muitos psicólogos poderiam se valer mais do trabalho terapêutico em grupo caso tivessem melhores oportunidades de experimentar essa modalidade de trabalho de forma segura. Ou seja, contando com o apoio e experiência de um supervisor. Isso seria particularmente interessante no período da graduação, em que o aluno está dando seus primeiros passos na clínica.

De todo modo, como o objetivo deste trabalho não é investigar os motivos por trás desses receios ou expectativas, o foco se concentrará na descrição e discussão de alguns desses sentimentos e crenças. Para tanto, foram eleitos alguns temas que me chamaram a atenção durante conversas, debates em sala de aula e supervisões e que refletem alguns dos receios, expectativas, crenças, medos, inseguranças, entre outros, manifestados por colegas graduandos e pós-graduandos em relação à psicoterapia de grupo.

2.1. A amplitude do grupo

O grupo é um ambiente dinâmico com impulso para o movimento. Trata-se de um campo onde podem ser encontradas forças antagônicas capazes de gerar movimentos de direções e intensidades distintas, como nos diz Ribeiro (1994, p.16): “Psicólogo e cliente se encontram em um campo de forças [...]. Esse campo tem energias negativas e positivas, que se atraem e repelem dependendo de como se encontram.” Os inúmeros fatores atuantes criam uma atmosfera de infinitas possibilidades que revelam a complexidade do "setting" grupal, exigindo bastante fluidez, humildade, atenção e sensibilidade do psicólogo.

Aos poucos, os clientes vão mostrando facetas de sua personalidade e o modo de se relacionar com as outras pessoas. Assim como na vida real, paixões, rivalidades, competições, lutas, dores, questões sexuais, luto, chegadas e partidas, enfim, comportamentos, emoções e tudo mais que possa caber na dimensão do humano se fazem presentes no campo e tendem a ser amplificados pela força do grupo. Tal cenário pode se configurar de maneira caótica para o psicólogo, deixando-o perplexo e inseguro. “Como conduzir o grupo? Como fazer as pessoas realizarem trocas e "feedbacks" produtivos? Como fazer uma pessoa parar de falar? Como conseguir que outra fale? Como concentrar os assuntos em algo que faça sentido para a dinâmica grupal? Como responder aos ataques do grupo contra o psicólogo? Como entender o que está acontecendo na sessão? Onde está a energia do grupo?” Enfim, muitos questionamentos podem acometer o psicólogo e ele pode realmente ser “encaixotado pela força das ondas” do grupo. A possibilidade de perder o controle, de não conseguir se concentrar ou de não exercer o seu papel tornam-se medos comuns dos psicoterapeutas.

“Trabalhando com grupo, temos permanentemente dois sentimentos: perplexidade e incerteza. O grupo nos surpreende a cada instante. Sua motilidade e energia ultrapassam nossa capacidade de controle. ” (RIBEIRO, 1994, p. 40).

O psicólogo deve captar a energia presente no campo e clarificá-la para o grupo, isto pode ser particularmente difícil se o grupo parece estar envolvido em vários temas e suscitando variadas emoções. É importante que o psicólogo esteja bem sintonizado com o aqui e agora e consiga discernir as necessidades e o que está acontecendo no grupo. Isto é, que seja capaz de entender qual é a figura emergente, o que está óbvio naquele momento. Ele precisa identificar o que é simples dentro de um contexto que é extremamente complexo – sem dúvida, não é uma tarefa tão fácil.

A natureza da psicoterapia envolve criar um ambiente favorável para a expressão e experimentação, o que inclui viver e/ou reviver situações negativas. Podem surgir questões que evocam reações intensas nos membros do grupo e que também podem impactar profundamente o psicólogo, especialmente, se esses temas envolverem aspectos emocionais, crenças, valores ou acontecimentos reais da história de vida do psicólogo que estejam muito sensíveis. Acompanhar o processo de crescimento de um grupo tem a ver com ter acesso a um número considerável de situações dolorosas. Se o psicólogo precisar se preocupar em lutar pela sua sobrevivência, perderá a noção do que acontece no grupo. Naturalmente, a evocação de temas que possam tocar profundamente o psicólogo também ocorre nas outras modalidades de terapia, mas a diferença principal reside na força que essas situações ganham ao serem expressas em um grupo. A dinâmica grupal com suas diferentes nuances pode produzir um contexto de maior tensão e instabilidade ao psicólogo, pois no grupo tudo se torna maior, mais ressonante, mais amplo.

Acerca dessa intensidade, Ribeiro declara:

“O grupo terapêutico é indescritível, algo que escapa à capacidade humana de descrevê-lo. A produção de um grupo terapêutico é algo como uma criação misteriosa, algo finamente sutil e forte, que tentamos entender, descrever, cuja essência escapa à nossa consciência. Pensamento e emoção, fantasia e realidade, nada e tudo, ordem e caos se misturam na beleza da criação do ato terapêutico grupal".

"Humildade é a palavra, a postura para poder abeirar-se da grandiosidade da comunicação, dos relacionamentos, das formas de contato, de amor que gera, aquece e mantém uma relação terapêutica grupal.” (1994, p. 84)

2.2. Necessidades individuais X necessidades do grupo

Um grupo é uma entidade diferente e maior que a soma dos elementos que o constituem e deve ser compreendido a partir desse conceito de totalidade. A relação vivida pelos participantes dá contorno e sentido aos eventos e qualquer mudança ocorrida em um participante afetará todo o grupo. O psicólogo, independentemente de sua abordagem teórica, deve buscar conhecer os processos que envolvem a dinâmica grupal e atuar num outro nível de compreensão e intervenção. “[...] o grupo tem uma teoria e um tipo de processo próprios que exigem uma metodologia adequada. O discurso da terapia individual, portanto, não vale, em definitivo, para o do grupo”. (RIBEIRO, 1994, p.79).

Entender o que isso significa na prática pode não ser simples, principalmente, para o psicólogo que não está habituado ao trabalho em grupo. Pode ser complicado para o psicólogo equilibrar sua atuação no contato com um membro específico e/ou com o grupo como um todo. Facilmente, ele pode favorecer o desenvolvimento de um ambiente propício para uma terapia individual em que os outros membros do grupo passam a ser meros expectadores, ansiosos por sua vez de estarem no palco. A problemática individual é trazida para o grupo, porém, o contexto grupal não é focalizado. Tellegen (1984, p.72) aborda esse tipo de prática como não sendo o modelo proposto pela Gestalt-Terapia, praticamente não sendo mais utilizado, pertencendo à história da psicoterapia de grupo. Essa atitude tem mais chance de ocorrer se houver no grupo algum cliente cujas características chamem muito a atenção do psicólogo. Ele pode acreditar que aquela pessoa, seja por qualquer razão, necessita mais de sua presença e de seu tempo e, assim, sacrifica as necessidades do grupo em seu favor.

O psicólogo pode ser levado e (dessa forma, pode levar o grupo) para uma imersão na problemática individual de determinado cliente por diversos motivos: ele pode tecnicamente e propositalmente, trazer aquele cliente ao foco para trabalhar questões específicas; mas também, pode ser que ele se sinta demasiadamente responsável pela solução dos problemas desse cliente e considere que o cliente só terá sua questão trabalhada dessa forma; ou simplesmente, pode não saber como fazer para que tais questões sejam trabalhadas no grupo. Ele pode acreditar que é sua responsabilidade fazer com que todas as pessoas do grupo tenham suas necessidades atendidas e que isso acontecerá na medida em que cada cliente puder expressar individualmente suas próprias questões. Isso certamente ocupará muito tempo da sessão e, provavelmente, o grupo terá saído sem se engajar coletivamente em nenhum tema. Por outro lado, os membros também podem entrar numa confluência15 improdutiva, isto é, numa situação (ainda que não expressa em palavras) em que todos concordam em não discordar, um ambiente em que não há espaço para manifestações de diferenças individuais. Uma pessoa que passe a expressar opiniões divergentes pode ser encarada pelo grupo como uma ameaça que deve ser banida, assumindo o papel de bode expiatório. Em determinado momento, o que pode parecer uma coesão produtiva, na verdade, pode representar uma confluência fantasiosa, uma tendência à homogeneização, em que não há espaço para as diferenças individuais.

O receio do psicólogo em ter dificuldades para identificar as necessidades individuais e as necessidades do grupo e para equilibrar o processo de atendimento e frustração de necessidades é pertinente porque muitos não receberam qualquer tipo de acompanhamento para que possam desempenhar essas atividades. Principalmente no início, quando as fronteiras de contato tendem a ser rígidas e o psicoterapeuta ainda está conhecendo qual será o ritmo do grupo. Alguma ansiedade do psicólogo sobre essa situação é compreensível, pois, de fato, ele precisará discernir esses fenômenos para que possa intervir de modo coerente. Do contrário, “[...] o descuido, por parte do terapeuta, das fronteiras grupo-indivíduos nas suas múltiplas manifestações, pode ter consequências gravemente prejudiciais [...]”. (TELLEGEN, 1984. p.82).

Como dito no início deste tópico, as teorias individuais não são suficientes para realização do trabalho terapêutico em grupo devido à complexa trama de fatores presentes. “O grupo, enquanto campo, tem leis próprias. Assim o comportamento deixa de ser uma resultante da realidade interna da pessoa para ser analisado como uma função do campo”. (RIBEIRO, 1994, p.181). A maior parte dos psicólogos conseguirá compreender isso, portanto, é natural que fiquem inseguros e receosos quanto à condução de um grupo terapêutico quando têm pouca ou nenhuma vivência sobre esse tipo de enquadre.

2.3. Definição do seu papel no grupo

A ansiedade em relação ao seu papel como psicoterapeuta é bastante provável de se manifestar dada a complexidade da dinâmica grupal – situação em que o psicólogo sofre maior exposição pública, podendo ter sentimentos de perda de controle e medo de ser sobrepujado pelo grupo, além de outras questões (YALOM, 2006b, p.421).

Embora o psicólogo também seja um membro do grupo, inegavelmente seu papel lhe impõe responsabilidades diferenciadas desde o momento da concepção, passando pelo desenvolvimento, até o término do grupo. Conforme perspectiva apresentada por Tellegen (1984, p.79-80), o papel do psicólogo é muito importante para o surgimento e manutenção do grupo. Ele precisa administrar questões que vão desde a seleção e definição dos membros, horário, local; assim como, gerenciar a dinâmica grupal, servindo como mediador e como modelo das interações; ele precisa decidir como será estruturado o trabalho e os tipos de intervenções que precisam ser aplicadas a fim de favorecer o processo grupal.

Muitas dessas decisões, para terem sentido, precisam ser tomadas no aqui-e-agora da sessão. Quanto mais complexa for essa tarefa, ou seja, quanto mais variáveis estiverem presentes no campo, mais difícil se torna discernir sobre as decisões a serem tomadas, exigindo cada vez mais flexibilidade do psicólogo. Especialmente em seu início, é o psicólogo que dará forma, selecionando os clientes e dando o “tom” das interações.

É importante que o grupo desenvolva laços afetivos, que haja um clima de confiança e abertura, e que acredite no tratamento - essa construção passa pela figura do psicólogo como a principal referência para os membros do grupo.

Na fase inicial de um grupo terapêutico, o psicólogo ocupa uma posição chave em que as relações dos participantes estão centralizadas em sua pessoa. Geralmente, esses clientes não se conhecem e o psicólogo é a figura que os une e dá sentido. Ele transmite segurança e apoio e serve como modelo para a interação aos participantes. De acordo com suas características pessoais e sua formação teórica, o psicólogo pode adotar uma postura mais distante e neutra ou uma postura mais participativa. De todo modo, é inegável que seu papel constitui-se o de uma autoridade e, por conseguinte, ele detém um poder diferenciado no grupo.

Em Gestalt-Terapia, como explicam Ginger e Ginger (1995, p.145) “O psicólogo e seu cliente são dois 'parceiros' envolvidos numa relação 'dual autêntica', mesmo que seus estatutos e seus papéis sejam diferentes” (grifos do autor). Assim, o psicólogo se coloca ao lado do cliente para explorar o sintoma e compartilhar essa aventura a dois. Portanto, ele não é um simples receptador de dados, mas assume uma posição participativa.

Essa mesma parceria ocorre no grupo, em que é preciso estabelecer relações autênticas, especialmente entre os psicólogos e os membros. O psicólogo está livre para se expressar, compartilhar situações pessoais e revelar o impacto de determinados temas em si. Tais atitudes dependem da sensibilidade do psicólogo e, obviamente, precisam estar harmonizadas e bem sintonizadas com o aqui e agora do grupo e suas necessidades terapêuticas. (Esse conceito é abordado aqui de forma superficial, pois não é o foco deste trabalho. Há um conteúdo teórico que norteia essa atitude de o psicólogo usar a si próprio como seu principal instrumento16). Quero discutir aqui o fato de que essa postura pode gerar ansiedades e receios ao psicólogo, principalmente, quando está diante de um grupo de pessoas.

Ao expor aspectos pessoais para o grupo, o psicólogo também pode ser alvo de sentimentos que vão ao encontro – positiva ou negativamente – das suas necessidades e limitações enquanto pessoa que é. O psicólogo, mesmo ocupando uma posição de autoridade, também precisará ser aceito e precisará sentir que faz parte do grupo.

Situações de rivalidade e ataques à figura do psicólogo não são incomuns e vão evidenciar o modo como o psicólogo lida com situações de conflito e rejeição. O psicólogo pode sentir-se impotente, ficando inseguro e ansioso quanto à sua capacidade de acompanhar o grupo, o que pode levá-lo a uma postura de passividade e timidez ou, até mesmo, a uma tentativa de dominação pelo uso da sua posição de autoridade, assume uma posição de mestre e mentor ao qual o grupo está subordinado, direcionando, intervindo, aconselhando, entre outros, fazendo com o grupo acredite que ele é o especialista que detém as respostas que todos almejam e, portanto, que deve ser seguido e amado.

Independentemente de seu modo particular de trabalho e intervenção, o psicólogo pode nutrir expectativas, receios e ansiedades quanto à definição de seu papel no grupo por ter que lidar, simultaneamente, com pessoas diferentes, que vivenciam noções próprias em relação às figuras de autoridade. Há os clientes que tratam o psicólogo como um doutor – aquele que possui o conhecimento aprofundado que poderá curá-lo - outros o tratam como um guru – um guia a quem devem seguir cegamente - há clientes que vêem o psicólogo como alguém altamente suportivo e compreensivo – alguém capaz de ouvir qualquer assunto, de qualquer forma e que estará sempre pronto a compreender - enfim, cada cliente traz em seu imaginário o modo como acredita que a relação terapêutica se dará.

Os membros sabem que o terapeuta é uma autoridade, alguém que exerce um poder diferenciado e que não pode ser deposto. Eles, frequentemente, têm relações antagônicas acerca da autoridade, como sentimentos de dependência, autonomia e rebelião. Por outro lado, também podem apresentar expectativas irrealistas sobre o terapeuta como um super-homem, usando essa sabedoria como um escudo para as dificuldades existenciais (VINOGRADOV; YALOM, 1989, p.124).

Essas representações criam um cenário em que o psicólogo precisa atuar simultaneamente com diferentes fantasias e projeções, ao passo que precisa constituir seu real papel. Apesar de também ser um membro e de fazer parte da totalidade específica que constitui determinada dinâmica grupal, o psicólogo precisa reconhecer e trabalhar com suas dúvidas, expectativas e inseguranças para que possa desempenhar efetivamente o seu papel no grupo.

2.4. Coterapia

Ter um parceiro para compartilhar o papel de acompanhar um grupo como psicólogo não é uma exigência. Em seu consultório particular, o psicólogo pode, por conveniência ou por necessidade, atender um grupo sem trabalhar com um coterapeuta. Na graduação e especialização, porém, havia uma exigência das instituições de que tal trabalho fosse desempenhado por dois psicólogos. Essa exigência costumava gerar sentimentos conflitantes nos alunos; por um lado, a possibilidade de receber apoio em trabalhar com alguém conhecido, mas também, ansiedade sobre como a coterapia impactaria a relação afetiva anterior. Se, de um lado, trabalhar com alguém com quem se tem forte amizade pode trazer segurança, a possibilidade de discordar dessa pessoa, também pode não se expressar facilmente. Ansiedade maior surgia, no entanto, quando um aluno não conseguia formar a sua dupla de coterapia.

O trabalho terapêutico pode ser solitário, pois o psicólogo – por seu compromisso ético – não pode externar livremente o que ocorre no setting; nesse sentido, ter um coterapeuta pode ser confortador, uma ótima oportunidade para dividir ansiedades, inquietações, alegrias e emoções; além de também ser útil para “cobrir” o colega caso haja algum problema de última hora.

“Entre eles é importante que haja uma grande homogeneidade de pontos de vista, que se sintam confortáveis um com o outro, que se conheçam profundamente e que não haja jogo de poder na condução do grupo. Os dois se apresentam como uma coisa só, um coterapeuta do outro, sem distinção. Os dois são terapeutas do grupo” (RIBEIRO, 1994, p.87).

Todavia, encontrar uma pessoa para estabelecer essa relação tão harmoniosa, igualitária e complementar pode não ser fácil. Aspectos práticos, como disponibilidade de tempo e local; aspectos conceituais e teóricos, como formas de intervenção e; aspectos pessoais relacionados à forma de lidar com o outro fazem parte das questões a serem avaliadas e (bastante) combinadas. Devido à importância de fazer esses ajustes, pessoas que sempre trabalharam sozinhas, seja por necessidade ou preferência, e outras que viveram situações conflituosas em coterapia anterior podem experimentar grande expectativa e receios em ter que dividir o "setting" grupal. Sentimentos de rivalidade, competição, inveja, superioridade/inferioridade, dominação/submissão, entre outros, podem aparecer, ainda que veladamente, minando a energia da coterapia e gerando impactos na dinâmica grupal. Essas eventuais dificuldades no relacionamento entre os coterapeutas é uma das principais críticas ao seu uso, conforme apontado por Yalom (2006b, p. 349).

Também pode ser estranho para o psicólogo saber o momento certo para se expressar sem destoar da comunicação de seu colega. Algumas vezes, os psicólogos presentes no campo podem ter percepções diferentes e até conflitantes o que pode gerar impasses e/ou dificultar a comunicação e o relacionamento. Como a comunicação é essencial para o bom andamento da terapia, é imprescindível que os psicólogos possam abordar honestamente tais questões.

O grupo também pode levar os psicólogos a viver algum nível de tensão por causa de comparações. Os psicólogos podem passar a competir por atenção e carinho, por tempo e espaço, ou por um papel específico diante do grupo, como: o mais inteligente, o mais sensível, o mais compreensivo e assim por diante.

Dependendo da experiência e da autoconfiança, há também o receio de que o colega possa julgar sua forma de trabalho e que seu desempenho não seja aprovado. Ao saber que precisará trabalhar em coterapia, o psicólogo pode se sentir inseguro sobre sua postura e suas intervenções no grupo, pode haver uma ansiedade de ter que ser aprovado por seu colega, em última instância, a expectativa de não poder errar.

 

2.5. Contrato e administração de situações específicas

Além das intervenções e experimentos, o psicólogo precisa dar conta de questões práticas como aquelas que fazem parte do contrato terapêutico, sem o qual o grupo não pode subsistir. Tais questões, às vezes, são novidades para o psicólogo de grupo, pois podem diferir bastante daquelas presentes no enquadre individual. A falta de experiência na elaboração e condução do contrato foi apresentada por colegas como um fator gerador de ansiedade e receios.

Como discutido em outros itens deste trabalho, essa ansiedade é aumentada pelo pouco contato que a maioria dos alunos de graduação e de outros cursos de pós-graduação tem com a psicoterapia de grupo durante a formação. Em sua dissertação de mestrado, PINHEIRO DA SILVA (2015, p.17) corrobora esse pensamento, informando que não identifica uma atenção da psicologia, enquanto classe, em promover uma divulgação da psicoterapia de grupo como uma possibilidade de atendimento.

A responsabilidade do psicólogo para com o grupo é grande e única. Conforme descrito por Yalom (2006b, p. 227), o psicólogo é responsável por definir o horário, o lugar e a duração dos encontros; tem que selecionar os clientes; delimitar o número de participantes; decidir se o grupo será aberto ou fechado; definir custos e normas iniciais; enfim, ele tem uma função reguladora e regulamentadora sobre a vida do grupo.

Apesar de o contrato ser discutido, revisado e validado com os membros do grupo (e obedecer a critérios institucionais – quando o grupo for vinculado a alguma instituição), não raramente o psicólogo se verá diante de eventos que ferem aspectos acordados anteriormente. Tellegen (1984, p.77) chama atenção para a função reguladora do psicólogo na demarcação das fronteiras contratuais em relação ao grupo e à instituição (quando houver). Explica que, embora o contrato seja acordado no início da terapia, ele é dinâmico, necessitando ser revisitado em outros momentos da existência do grupo.

Situações como a criação de subgrupos, surgimento de bodes expiatórios, interações fora da sessão, problemas persistentes com o pagamento, rotatividade dos participantes, atrasos e ausências são fatos que podem ocorrer na vida de todos os grupos. Em algum momento da vida do grupo, uma ou mais dessas situações podem surgir. O psicólogo precisa estar atento a esses e quaisquer outros fatos que possam ameaçar a estabilidade e a integridade do grupo e que, de acordo com a situação, poderão exigir ações mais enérgicas.

Recordo que, tanto no período da graduação, quanto na pós-graduação, uma situação que costumava trazer bastantes inquietações aos alunos era a formação dos grupos, isto é, encontrar membros para a composição e/ou recomposição dos grupos. Muitas vezes, havia clientes que podiam se encaixar em determinado grupo, mas que não tinham disponibilidade de horário. Essa aflição existente na formação de grupos novos ou na reconstituição de grupos após a saída de algum membro é descrita por Yalom (2006b, p.247). O autor destaca que os terapeutas podem seguir um caminho precipitado na seleção de novos membros, adotando um papel de ter que “vender” o grupo para os novos candidatos.

Nos dias atuais, ao estabelecer o contrato, é também interessante que o psicólogo trate com o grupo sobre questoes ligadas ao uso de programas de mensagens por celular e redes sociais de modo a criarem suas próprias regras de convivência. Em um dos grupos que atendi no regime de coterapia, havia uma forte interação dos clientes fora da sessão por meio do uso de redes sociais. Muitas vezes, conteúdos expostos e conversas trocadas via web se tornavam temas de sessões. “Até que ponto essas interações devem ser estimuladas ou desencorajadas pelo psicólogo?” Essa resposta depende das características do psicólogo. A todo o momento, ele precisa avaliar que nível de conforto o terreno precisa lhe oferecer para que consiga realizar seu trabalho de modo pleno e ético diante do grupo.

Outra situação contratual interessante ocorrida nos grupos que atendi na especialização referia-se aos valores pagos pelos clientes. Tais valores eram definidos individualmente durante as pré-sessões de acordo com o valor que o cliente informava ser viável. Por isso, havia no mesmo grupo pessoas que pagavam três vezes mais do que outras, além do que, algumas pagavam por sessão e outras, mensalmente. Essa peculiaridade era sabida pelos membros desde o início da terapia, evitando qualquer clima de embaraço ao grupo. É importante que o psicólogo consiga discutir o contrato levando em conta as necessidades do grupo e as suas próprias necessidades. Isto é, que regras podem ser excluídas, quais podem ser flexiblizadas e quais não podem ser negociadas. Se o psicólogo aceita eliminar, flexibilizar ou manter uma regra com a qual não está confortável, não conseguirá trabalhar de modo transparente e eficaz.

Durante as sessões de supervisão dos atendimentos na graduação e pós-graduação, o gerenciamento do contrato grupal era um assunto recorrente e costumava ser manifestado com insegurança pelos psicólogos. Não poderia ser diferente, já que acontecimentos ligados ao contrato são situações recorrentes nas sessões e, muitas vezes, ameaçam a estabilidade e integridade dos grupos.

O psicoterapeuta também pode se sentir ameaçado ao ter que lidar com a falta de estabilidade. Constantes atrasos e faltas, alta rotatividade, problemas com o pagamento, manejo de queixas dos outros membros sobre diferenças nos valores pagos por cada membro, desistências e saídas inesperadas, ingresso de novos membros e a possibilidade de ter que excluir membros do grupo eram temas que geravam ansiedade e insegurança, sendo recorrentes nas supervisões.

Esses tipos de questionamentos podem gerar ansiedade, receios e expectativas negativas no psicólogo, levando-o a acreditar que não terá condições de dar conta da administração de tantos fatores complexos. Na tentativa de suprimir tais experiências, o profissional pode acabar se afastando e desistindo da psicoterapia de grupo.

 

III. EXPERIÊNCIA PESSOAL

“Sou humano, e nada que é humano me é estranho.”(TERENCE17 , 1992 apud YALOM, 2006a, p. 36)

3.1 Experiências como aluna e psicóloga

Esses receios, expectativas, crenças, ansiedades e preconceitos sobre a psicoterapia de grupo não me são estranhos, pois, muitos deles, também ecoavam em mim. A seguir, falarei sobre como foi meu contato com essa modalidade de psicoterapia e sobre como lidei com tais questões na posição de aluna, psicóloga e cliente.

O interesse por grupos estava presente desde a graduação. Na época em que precisei escolher pela modalidade clínica em que faria meus estágios, embora já houvesse um namoro com a Gestalt-Terapia, acabei optando por uma abordagem terapêutica que tinha um foco psicanalítico porque, dentro do enquadre do curso, era a única que possibilitava o atendimento grupal (e também com famílias e casais). Assim, iniciei a experiência de ser psicóloga por meio da psicoterapia de grupo.

Como aluna e psicóloga iniciante (na fase dos atendimentos de estágio da graduação) algumas das grandes preocupações e dúvidas que eu tinha versavam sobre a coterapia. Sempre considerei o "setting" terapêutico um lugar de bastante intimidade, que deveria privilegiar e estimular contatos genuínos e, portanto, me questionava se conseguiria encontrar alguém com quem estabeleceria essa relação de forma coesa, eficaz e inteira. Esse receio era agravado pela falta de qualquer experiência do tipo, além de estar fazendo uma modalidade de estágio em que o conhecimento sobre os outros alunos era bem pequeno. As duplas foram formadas aleatoriamente e, infelizmente, minhas preocupações e fantasias se materializaram.

Um estudo realizado com 42 equipes de terapia revelou que as queixas mais comuns em relação à coterapia estavam associadas a diferenças de orientação teórica entre os profissionais (PAULSON et al,1976 apud YALOM, 2006b, p. 349). Não por acaso, minha primeira relação em coterapia foi marcada por drásticas divergências teóricas e conceituais que influenciavam a visão e as intervenções de cada psicólogo em relação aos atendimentos. O impacto da qualidade do relacionamento entre a dupla de psicólogos ficou evidenciado pela dificuldade de comunicação, pela falta de um direcionamento coerente dos atendimentos e, finalmente, pela dissolução do grupo.

Além dos receios envolvendo a coterapia, também havia insegurança sobre como montar os grupos, se a escolha dos membros tinha sido adequada, como garantir que os membros não abandonariam a terapia, o que fazer se houvessem situações difíceis de conduzir, enfim, muitas fantasias e incertezas. Apesar das dificuldades e frustrações iniciais, continuei na busca por conhecer e atuar com a psicoterapia de grupo. Essa busca levou-me a me matricular em uma pós-graduação/especialização que me possibilitaria ter experiências práticas, embasadas numa teoria mais profunda sobre esse tema e com um acompanhamento mais frequente. Nessa etapa, realizava entrevistas individuais, nas quais, muitas vezes, encaminhava clientes para a psicoterapia de grupo; recebia acompanhamento por meio de supervisões semanais, nas quais também pude acompanhar supervisões de outros grupos, trocando experiência com psicólogos mais experientes e com neófitos (como eu) e, principalmente, aprendia com os clientes do grupo nos atendimentos semanais.

Pude acompanhar o desenvolvimento e amadurecimento de alguns grupos. A cada novo atendimento, novo contato, os receios iam se esvaindo (ou dando lugar a outros novos) e a crença nesse modelo de atendimento ia aumentando. Um desses grupos, em especial, me proporcionou experiências muito intensas. A dinâmica era marcada por muita exposição, disputas por espaço, confrontos, mas também, por muito apoio, aceitação, coesão e feedbacks verdadeiros. Nesse grupo, pude observar o poder da interação grupal como fator gerador de mudanças acentuadas e rápidas na vida dos membros. Relembrando os rostos, as queixas iniciais e as transformações, vejo que o grupo foi fundamental para o desabrochar de formas criativas na vida de alguns membros.

A cliente citada no capítulo I, item 1.1, aquela com grave queixa de timidez, após algumas sessões de terapia, contou ao grupo que foi capaz de participar de uma peça teatral apresentada para cerca de 300 pessoas em sua comunidade religiosa. Algum tempo depois, aceitara uma oportunidade de trabalho em que faria locução para um programa semanal de rádio. Uma cliente que apresentava um quadro de depressão com episódios de melancolia bastante longos e também crises de pânico foi ganhando coragem para revelar ao grupo suas queixas em relação à timidez, ao medo excessivo e sobre seus sentimentos de impotência. Alguns meses após a experiência da psicoterapia de grupo, a cliente foi demonstrando outras características, contava momentos em que tinha conseguido se expressar de maneira firme no trabalho e com a família, além de ter iniciado um planejamento conciso para montar seu próprio negócio e morar sozinha; passos que sempre quis dar e que foram estimulados pelas atitudes de confronto e apoio constantes geradas pelo grupo.

Apesar da insegurança inicial, dos receios e fantasias vivenciados por alguns clientes, a experiência que adquiri com meus atendimentos e com os relatos dos atendimentos de outros psicólogos demonstrou ganhos consideráveis aos membros por meio da participação da psicoterapia de grupo. Poder testemunhar a riqueza do processo e as transformações na vida dos clientes é uma responsabilidade e um privilégio.

Contudo, houve também momentos difíceis. A potência existente no grupo, capaz de provocar melhoras e mudanças positivas, também se faz presente nos momentos de tensão e estresse, amplificando as dificuldades. A seguir, quero compartilhar algumas experiências que considero interessantes e que retratam alguns desses momentos delicados.

A primeira formação de nosso grupo terapêutico18 contava com membros que vinham se empenhando e participando ativamente do processo, apesar disso, fomos surpreendidos por uma ruptura significativa. Em sessões seguidas, houve a saída de três clientes do grupo. Em pouco tempo, o grupo que era composto por quatro pessoas passou a ser um grupo de uma pessoa só19 ! Duas clientes informaram sobre a necessidade de terminar a terapia por haver novas atividades em suas rotinas que coincidiriam com o horário do grupo: uma das clientes conseguira uma oportunidade de emprego e a outra se inscrevera na faculdade. A terceira cliente, no entanto, abandonou o grupo sem dar retorno. Sobre a desistência prematura de clientes, Yalom (2006b, p. 268) aponta que em suas primeiras experiências como psicólogo de grupo, sentia bastante preocupação com esse fenômeno e, de acordo com sua pesquisa, constatou que se trata de um acontecimento comum que, muitas vezes, independe da atuação do psicólogo. Seja como for, experimentar essas saídas de modo tão repentino, me fizeram questionar sobre meu papel como psicoterapeuta e minha capacidade de poder estar diante do grupo de modo produtivo.

Esses acontecimentos súbitos exigiram uma adaptação rápida, pois representavam mudanças no enquadre e na relação terapêutica estabelecida no grupo. Ao mesmo tempo em que foi trabalhado o término da terapia com essas clientes, foi preciso dar bastante suporte ao cliente que permaneceu no grupo, além de prepará-lo para o ingresso de novos membros. Imediatamente, esse cliente passou a trazer questões relacionadas à sua auto expressão e ao modo como lidava com os outros. Acreditava que seu comportamento, suas ideias, sua maneira de estar com o outro, em geral, chocavam as pessoas e durante várias sessões relatou a crença de que fora responsável pela saída dos outros membros devido ao seu comportamento agressivo.

Sem dúvida, essas situações exigem atenção especial para o estado do grupo e para o estado dos psicólogos, enquanto pessoas. O grupo de supervisão ofereceu apoio a mim e à minha coterapeuta e nos deu sugestões de como lidar com esses acontecimentos. Essa rede de suporte forneceu a serenidade necessária para trabalhar essas questões com as pessoas que estavam saindo e com aquele que permaneceu. Coincidência ou não, essas saídas ocorreram no final de ano, data que para muitas pessoas costuma ser um momento de encerramento de certos ciclos e abertura de outros. Nós, coterapeutas, preferimos aguardar a passagem desse período, realizando as sessões do grupo com um único cliente. Logo no início do ano, o grupo recebeu novos membros, totalizando cinco pessoas. Seu desenvolvimento era bastante produtivo no sentido de apresentar coesão, aceitação e feedbacks frequentes. No entanto, ainda assim, o grupo viveu novo processo de encerramento, desta vez, em decorrência de quebras no contrato (altos índices de absenteísmo).

Foi checado com os clientes o motivo de tantas faltas e, apesar das intervenções pontuais que relembravam as normas de funcionamento do grupo acordadas no contrato terapêutico com cada membro, foi necessário remover dois membros do grupo. A notícia do desligamento gerou bastante ansiedade para mim, pois minha expectativa era de que o grupo e, principalmente, os membros faltosos não aceitariam facilmente tal decisão. De fato, esse atendimento foi bastante tenso, pois, embora, os clientes soubessem que estavam infringindo normas do contrato e que a consequência de tal atitude poderia culminar no afastamento definitivo, eles não queriam deixar o grupo. Por sua vez, o restante do grupo também experimentou bastante ansiedade e sentimentos conflitantes: de um lado, concordavam com essa medida e, de outro lado, gostariam que os membros permanecessem no grupo.

A retirada de um membro (e, neste caso, foram dois) pode interferir no sentimento de coesão e integração. Além das fantasias e medos gerados pela saída de membros, há, ainda, a insegurança sobre a nova formação (mesmo que não entre um novo membro, a saída de pessoas quebra a formação anterior e produz um novo arranjo). Ao retirar um membro do grupo, os outros membros podem ter sentimentos de rejeição, rancor e abandono, mas também, podem interpretar que o psicólogo segue e zela pelas regras contratuais acordadas por todos, agindo, portanto, para garantir os interesses do próprio grupo (YALOM, 2006b, p. 269). Dada essa complexidade, minha coterapeuta e eu discutimos e trabalhamos profundamente o tema nas supervisões, procurando avaliar os ganhos e perdas que o grupo teria com a permanência desses participantes ou com sua saída; além dos impactos aos indivíduos diretamente envolvidos. Também levamos a discussão para o grupo a fim de estimular o engajamento de todos nesse processo, inclusive, para que observassem o cumprimento das regras que garantiam a sobrevivência e o bom desenvolvimento do grupo. Em decorrência dessas reflexões, a retirada desses membros foi realizada e, em nosso ponto de vista, não causaram prejuízos ao crescimento do grupo.

Outra questão interessante na experiência com o grupo foi a necessidade de realizar algumas sessões individuais com um dos membros. Essa possibilidade foi discutida em conjunto com o grupo e analisada nas supervisões. Buscava-se, neste caso, o alívio do cliente que se descrevia constantemente como sufocado e cheio de questões urgentes. Esse cliente estava vivendo dificuldades em sua definição sexual, bem como, impasses no casamento, problemas no trabalho e situações de doenças graves, como AIDS e câncer em pessoas de seu convívio direto. O que percebemos foi uma necessidade muito grande de falar – fato que já se expressava no grupo. Após as sessões individuais realizadas pela dupla de psicólogos, houve uma singela, mas perceptível, mudança. Nas sessões seguintes, o cliente teve mais condições de ouvir empaticamente e participar das experiências trazidas pelos outros membros do grupo sem buscar, continuamente, formas de manipular a atenção do grupo para si.

De todas as situações emocionantes ou difíceis, talvez a que mais mobilizou minha energia, no sentido de gerar medos e expectativas, foi viver os términos dos grupos. Tanto na graduação como na especialização, atendi grupos durante alguns meses e outros por períodos superiores a um ano. O término desses grupos já era previsto desde o contrato inicial, pois coincidia com o encerramento de cada formação. A vivência do encerramento de cada um deles, no entanto, foi experimentada de modo diferente. No grupo de terapia que acompanhei durante a especialização, a questão do encerramento foi progressivamente trabalhada com sessões dedicadas a temas como separação, lutos, perdas e términos. Essa preparação foi importante para o grupo e para mim, pois pudemos elaborar juntos e prestar atenção sobre esse processo do fim do relacionamento.

Como psicóloga, senti um misto de orgulho e alegria, ao verificar os ganhos apresentados pelos clientes desde as suas chegadas ao grupo, mas também, certo pesar por saber que não farei mais parte daquela história e que cada um seguirá o seu caminho. “Dizer adeus a alguns pacientes é dar adeus a uma parte de nós.” (YALOM, 2006b, p. 306).

3.2 Experiências como cliente de um grupo de terapia

O grupo terapêutico do qual fiz parte surgiu por ideia e iniciativa de algumas alunas da turma de pós-graduação. Após o encerramento do curso, o grupo de alunas considerou que seria interessante termos a vivência da psicoterapia de grupo sob a ótica do cliente. Essa proposta foi aceita pelos supervisores que passaram a ser os psicólogos do grupo,

Por já ter um considerável aporte de informações e vivências devido à atuação como psicoterapeuta de grupo e por conhecer substancialmente os demais membros e os psicoterapeutas do grupo, os receios e expectativas que vivenciei foram um pouco diferentes daqueles expressos pelos clientes que atendi. Minhas maiores inquietações relacionavam-se ao tempo para abordagem de certos temas, pois éramos um grupo quinzenal composto de oito pessoas, além dos dois coterapeutas, e ao fato de como lidaríamos no cotidiano com questões levantadas no momento da terapia. Esse receio também foi compartilhado por outros colegas, por isso, buscamos construir um contrato que fosse bem particular, próprio para aquela configuração específica. Como se tratava de um grupo em que as pessoas se conheciam previamente foi preciso definir conjuntamente algumas regras e alguns pontos de atenção. Um desses pontos relacionava-se às interações fora do grupo e à necessidade de compartilhá-las caso tivessem ligação com a terapia. Outro ponto referia-se às interações com as demais pessoas de nosso convívio comum que poderiam ser citadas em algum momento da terapia. (parentes de membros do grupo que eram conhecidos pelos demais membros).

Ao participar do grupo como cliente, senti como que uma ampliação de fronteiras, pois tive a oportunidade de vivenciar alguns acontecimentos similares aos ocorridos nos grupos em que participei como psicóloga. Dois dos acontecimentos mais marcantes para mim foram as entradas e saídas de pessoas, algo que mexeu com minha capacidade de aceitação do novo e com o processo de se despedir de alguém. Essa experiência me levou a exercer um novo papel, experimentando, por outro ponto de vista, a força dos fatores presentes no grupo. Percebi, realmente, o suporte que vem dos psicólogos e a importância de atuarem com coesão entre si. A interação com os outros membros também me levou a insights extraordinários, capazes de produzir mudanças verdadeiras. O maior deles foi adquirir coragem para pôr em prática planos que estavam no papel.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas vantagens oferecidas pela psicoterapia de grupo, a perspectiva do processo grupal deveria ser mais enfatizada durante a formação do psicólogo. No entanto, apesar dos benefícios já comprovados, como discutimos ao longo deste trabalho, ainda há receios em relação à psicoterapia de grupo, não somente por parte dos clientes, como também, dos profissionais da área. A existência de receios, expectativas, fantasias, dúvidas, enfim, de ideias preconcebidas envolvendo a psicoterapia de grupo observadas a partir do contato com clientes e colegas durante os períodos da graduação (2004-2009) e da pós-graduação (2009-2012) norteou este estudo. Segundo a bibliografia apresentada, tais preocupações não são incomuns, já tendo sido alvo de pesquisas.

Sejam quais forem as raízes dessas preocupações, elas podem ser ampliadas pela falta de conhecimento adequado e falta de um contato mais direto com essa forma de atendimento terapêutico. Além desses fatores, as próprias dificuldades e impasses vividos nos contatos sociais e as dificuldades para sustentar relacionamentos interpessoais gratificantes podem gerar (no cliente ou no psicólogo) desconfiança no processo de psicoterapia em grupo. Se há dificuldade de interação e falta de confiança para com seus grupos sociais (a família, a escola, o trabalho, entre outros.), há grande chance de que a pessoa manifeste a mesma descrença para com o grupo terapêutico, pois esses grupos constituem uma importante referência para o surgimento de outros relacionamentos.

Conforme exposto neste trabalho, a psicoterapia de grupo apresenta vantagens como a possibilidade de alcançar um número maior de pessoas e de otimizar recursos. Ademais, na experiência de grupo, o cliente descobre que não está sozinho em seu sofrimento, que outras pessoas também vivenciam sentimentos como vergonha, ressentimento, arrependimentos, frustração e culpa. Essa “simples” constatação pode levá-lo a ampliar seu olhar sobre si mesmo, ajudando-o a desenvolver auto suporte e auto aceitação e, consequentemente, a melhorar sua qualidade de vida. O cliente percebe que pode aprender com seu sofrimento e também que pode influenciar positivamente o processo terapêutico de outra pessoa. Essa vivência de se sentir útil é muito importante para o desenvolvimento de uma boa autoestima, além disso, “entender a dor e fazer uso desse sinal da natureza” (PERLS, 1979, p. 205) ajuda o grupo a crescer na terapia e na vida.

Além do ato de altruísmo (em geral, presente na terapia) quando o grupo escolhe dar voz e se aproximar de uma história específica, o cliente deixa um pouco em suspenso suas próprias questões, o que torna possível a descoberta de outros pontos de interesse e até de soluções ou novas formas para lidar com antigos problemas. Isso não significa que o cliente deva negar suas questões e deixar de viver seu sofrimento, pelo contrário, a sabedoria e a dinâmica existentes no grupo como um organismo trazem uma nova forma de se relacionar com as questões. E esse fluxo que, muitas vezes, está interrompido na vida da pessoa tende a ganhar fluidez, trazendo novas perspectivas e possibilidades. A psicoterapia que extrapola o ‘um a um’ beneficia-se desse poderoso instrumento presente no setting grupal que é a força das interações pessoais como disparadoras de mudanças.

A experiência terapêutica em grupo é particularmente rica, pois permite ao cliente receber "feedbacks" nunca ouvidos e que podem ser utilizados no seu cotidiano. A partir desses retornos, o cliente pode se dar conta dos resultados que determinadas atitudes suas geram nas outras pessoas e compreender que esses resultados são, muitas vezes, diferentes dos efeitos que ele esperava ou acreditava causar. Por exemplo, um dos clientes do grupo costumava usar palavras pouco comuns e rebuscadas. Ele acreditava que com tal comportamento ganharia o respeito e admiração dos demais, no entanto, foi surpreendido quando o grupo relatou que o discurso do cliente era entediante, gerava hostilidade e não gerava vontade de se aproximar. A surpresa do cliente residia no fato de nunca ter ouvido tal coisa das pessoas do seu convívio, o que não é difícil de acreditar, pois a maioria de nós não é ensinada ou estimulada a prestar atenção em como nos sentimos em relação aos comportamentos e atitudes alheios. E, mesmo quando podemos reconhecer nossas reações, não temos o hábito de expressá-las para os outros. O "feedback" grupal honesto, claro e respeitoso é uma importante ferramenta para que os membros se deem conta dos seus pontos fortes, de suas potencialidades e de suas limitações no contato social. Como decorrência, o indivíduo pode criar novos padrões de interação e também assumir maior responsabilidade sobre suas atitudes.

Outra característica interessante dessa forma de psicoterapia, é que o grupo cria um ambiente intermediário onde o cliente pode testar certos comportamentos e intuir, a partir dos efeitos causados nos outros membros, aquilo que pode acontecer em sua vida “real”. Ou seja, ele pode ensaiar certos comportamentos até que tenha desenvolvido a confiança e o auto suporte necessários para ter aquela vivência no seu mundo extra grupo.

Para que tudo isso aconteça, existe a figura do psicólogo como aquele que vai demonstrar para as pessoas como um grupo terapêutico funciona, servindo como um regulamentador e um modelo para as interações. O psicólogo deve estimular o grupo a prestar atenção em si mesmo e no outro, facilitando a troca de feedbacks, explicando sobre a importância dessas interações para o enriquecimento e amadurecimento de todos. Naturalmente, não obstante o grupo como um todo possa alcançar bons níveis de desenvolvimento e transformações, é importante considerar as diferenças, limitações e potencialidades individuais; o ritmo de desenvolvimento vai acompanhar o que é possível para cada um, naquele momento específico.

O psicólogo é alguém que está ao lado do grupo, acompanhando-o em seu caminho, ora acolhendo, ora confrontando-o. Seu papel é essencial para emprestar confiança no processo até que o cliente desenvolva sua própria confiança.

Estar nessa posição é um privilégio, uma honra e também um grande desafio. Significa estar diante de um cenário dinâmico que exige inteireza para viver, sentir, afetar e ser afetado. Para além de toda teoria e técnica, o principal instrumento do psicólogo é ele próprio e ele só conseguirá fazer isso se, antes de tudo, tiver encontrado sua própria fé no processo.

 

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NOTAS:

* Psicóloga Clínica, graduada pela UNESA - Universidade Estácio de Sá.
Pós-graduação - IGT - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar
MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC.

1 A palavra Gestalt foi mantida do alemão por não ter uma tradução equivalente em outras línguas. Sugere as noções de totalidade (partes que convergem para um todo), de integração, de configuração, de formação (dar forma). A Gestalt-Terapia foi criada por Frederick S. Perls e colaboradores e constituiu-se sob a influência de várias correntes teóricas e filosóficas como: a Psicologia da Gestalt, a Teoria Organísmica, a Teoria de Campo, a Teoria Sistêmica, a Fenomenologia, o Existencialismo, o Humanismo, a Psicanálise, as terapias psicocorporais de inspiração Reichiana, o Psicodrama e as filosofias Orientais; além da experiência e criatividade de seus precursores. Para saber mais sobre a Gestalt-Terapia, consulte as obras citadas na bibliografia deste trabalho.
2 Recomenda-se a leitura do capítulo 8 do livro “Psicoterapia de grupo – teoria e prática” de Irving Yalom (2006).
3 Nem todos os profissionais, seja por decisão pessoal ou por viabilidade, trabalham com variadas modalidades de terapia. Em todo caso, entende-se que é importante que o profissional faça um encaminhamento que não considere somente os seus interesses pessoais, mas, principalmente, as necessidades terapêuticas do cliente.
4 Nem todos os profissionais, seja por decisão pessoal ou por viabilidade, trabalham com variadas modalidades de terapia. Em todo caso, entende-se que é importante que o profissional faça um encaminhamento que não considere somente os seus interesses pessoais, mas, principalmente, as necessidades terapêuticas do cliente.
5 Buscas feitas em indexadores como “Google”, “Google Scholar” e “Scielo” com as expressões “psicoterapia de grupo”, “terapia de grupo”, “psicologia” e “grupo” (simultaneamente).
6 Essa afirmação se baseia na busca que fizemos na bibliografia apresentada no curso de Especialização e também em páginas da internet como “Google”, “Google Scholar” e “Scielo” pelas seguintes expressões: “receios e expectativas” e “terapia de grupo”, durante o ano de 2015.
7 Tal afirmação se baseia em minha experiência profissional. Em um dos grupos que atuei, era comum os participantes falarem que se preocupavam em fazer postagens em redes sociais que pudessem indicar sua condição de vida feliz e próspera, quase sempre apresentado viagens, passeios, compras e idas a restaurantes, por exemplo. Mas, nas sessões terapêuticas, ficavam evidentes sérias dificuldades econômicas e no relacionamento afetivo.
8 A consulta bibliográfica tem sua base nos principais autores que foram estudados durante o curso de “Especialização em Psicologia Clínica - Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo e Família)” do Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar – IGT, em autores que têm grande importância para a Gestalt-Terapia e aqueles que trazem importantes considerações sobre o processo grupal.
9 Durante a graduação, atendi grupos como estagiária em psicologia e, na pós-graduação, já possuía o título de psicóloga, porém, era estudante na modalidade Gestalt-Terapia.
10 A concepção de “Eu-Tu” e “Eu-Isso” é trazida pela filosofia de Martin Buber. O “Eu-Tu” refere-se a uma situação em que o homem se dirige ao outro, sem nenhuma finalidade a priori; é um momento de presença, de totalidade. O “Eu-Isso” é uma atitude de conhecimento, de utilização de meios com finalidades específicas. Ambas são possibilidades de realização e são inerentes à condição humana. (D’ACRI, G.; LIMA, P.; ORGLER, S., 2007, p.89).
11 O psicólogo deve proteger e zelar pelos membros do grupo, garantindo um ambiente acolhedor para que o processo terapêutico possa se desenrolar sem, no entanto, agir de uma forma protecionista que impeça o crescimento do cliente.
12 Aqui, me refiro, especificamente, às entrevistas realizadas na pós-graduação. Durante o primeiro atendimento, após ouvir o motivo da busca do cliente pela terapia, avaliava-se a modalidade de atendimento mais pertinente ao caso, quando pertinente.
13 MCROBERTS, C.; BURLINGAME, G; HOAG, M. Comparative Efficacy of Individual and Group Psycotherapy: A Meta-Analytic Perspective, Group Dynamics 2 (1998): 101-1. BURLINGAME, G.; MACKENZIE, K.; STRAUSS, B. Small-Group Treatment:Evidence for Effectiveness and Mechanisms of Change, in Bergin and Garfteld’s Handbook of Psychotherapy and Behaviour Change, 5th ed., ed. LAMBERT, M. (New York: Wiley, 2004), 647-96.
14 Uma das etapas da pós-graduação consistia no atendimento aos clientes que procuravam a clínica social do instituto. Antes de definir questões contratuais (tipo de atendimento, horário, entre outros.), os clientes passavam por uma primeira sessão com os estudantes. Nessa primeira sessão (primeira entrevista), se confirmando a necessidade e/ou desejo do cliente pelo atendimento, o psicólogo que estava realizando a entrevista conversava com o cliente sobre qual modalidade de atendimento ele considerava mais interessante para acolher aquele tipo de demanda. Quando os clientes eram encaminhados para os atendimentos da própria clínica social, ele poderia ser atendimento nas modalidades de terapia individual, de casal, de família ou de grupo.
15 Uma das etapas da pós-graduação consistia no atendimento aos clientes que procuravam a clínica social do instituto. Antes de definir questões contratuais (tipo de atendimento, horário, entre outros.), os clientes passavam por uma primeira sessão com os estudantes. Nessa primeira sessão (primeira entrevista), se confirmando a necessidade e/ou desejo do cliente pelo atendimento, o psicólogo que estava realizando a entrevista conversava com o cliente sobre qual modalidade de atendimento ele considerava mais interessante para acolher aquele tipo de demanda. Quando os clientes eram encaminhados para os atendimentos da própria clínica social, ele poderia ser atendimento nas modalidades de terapia individual, de casal, de família ou de grupo.
16 Para mais aprofundamento sobre essa noção, consulte “O psicólogo é seu próprio instrumento” In: POLSTER, Erving; POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001, p. 35 a 40.
17 TERENCE. Lady of Andros, Self-tormentor & Eunnuch, vol.1, trad. John Sargeant. Cambridge: Harvard University Press, 1992.
18 Grupo atendido no Instituto de Gestalt-Terapia, iniciado no ano de 2010.
19 De acordo com as normas da instituição responsável pela pós-graduação, os grupos poderiam ser formados por até seis participantes, além de dois psicólogos.
20 De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 6023.

 

Endereço para correspondência:
Priscila Abdias da Silva Bolorini
Endereço eletrônico: priscilaabdias@gmail.com

 

Recebido em 24/08/2016
Aprovado em 24/08/2016

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