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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.3 no.2 Rio de Janeiro jul. 2003

 

EDITORIAL

 

Da diversidade na psicologia

 

Psychology and diversity

 

 

Eleônora Torres Prestrelo; Ana Maria Jacó-Vilela; Ariane Patrícia Ewald; Deise Mancebo; Anna Paula Uziel*

Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

 

A Psicologia, apesar de ser um campo consolidado, ou talvez até em função disso, sustenta uma diversidade significativa sob seu nome. Cabem, neste campo de saber, desde pesquisas experimentais mais clássicas até a ousadia de utilizar metodologias que, em princípio, seriam de outras áreas de conhecimento para orientar interesses e preocupações.

Essa diversidade remete à discussão sobre a identidade da Psicologia, noção tão cara à nossa sociedade, ainda que provocando manifestações contrárias, indignações, reivindicações, acusações de amarras. Uma das principais críticas feitas ao conceito atualmente refere-se à incompatibilidade entre a definição mais tradicional e a idéia de processualidade, portanto, transformação, movimento (JACQUES, 2002). Ou, nas palavras de Hall:

está-se efetuando uma completa desconstrução das perspectivas identitárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou outra, criticam a idéia de uma identidade integral, originária, unificada. (HALL, 2003, p. 103)

A identidade do psicólogo e a delimitação de seu campo de estudo têm aparecido ultimamente no embate com outros profissionais em atividades ou formas de atuação tradicionalmente do campo da Psicologia. Ao invés de redirecionar a discussão, propor um debate e imaginar como saberes diferentes podem somar e contribuir para as instituições e os sujeitos envolvidos, o que tem acontecido, em geral, é a disputa de mercado, obedecendo a uma lógica que corre o risco de afastar os que assim se comportam das novas necessidades que surgem nesta sociedade globalizada e veloz.

Pensar no universo "psi" é se dispor a reunir posições díspares e afinidades impensadas, podendo gerar encontros fecundos. Longe de dissolver a Psicologia, como temem muitos, trata-se de ampliar seu campo de análise, fazer alianças com outros saberes, repensar velhos instrumentos, tornar viva a história.

A revista Estudos e Pesquisas em Psicologia é um retrato da diversidade e da riqueza da Psicologia. Os artigos contemplam temas distintos, com metodologias diversas, atraindo leitores variados.

Alguns textos são um convite a um mergulho na perplexidade. "Parâmetros psicométricos de instrumentos de interesse profissional", de Ana Paula Porto e Fernanda Ottati, traz um paradoxo. Trata-se de um estudo para avaliar a qualidade dos instrumentos de avaliação de interesses publicados no Brasil. No entanto, a conclusão a que chegam as pesquisadoras é a de que os instrumentos consultados não apresentam estudos sobre seus próprios parâmetros. Contradição?

Outro texto que conduz à sensação semelhante intitula-se "No ensino, quem dança? Uma análise crítica sobre a criatividade no ensino da dança", de Suselaine Serejo Martinelli, Silviane Barbato e Albertina Martinez Mitjáns. As autoras demonstram que a dança tem se tornado cada vez mais o desenvolvimento de técnicas e habilidades específicas, distanciando-se da dimensão artística que remeteria à criatividade.

O que há em comum nestes dois trabalhos, apesar de universos, referenciais e objetos tão distintos, é a impressão de que algo está fora do lugar... Em ambos é possível identificar uma aparente contradição entre o tema e a conclusão a que se chega. Não pela forma como estão escritos ou ainda pelo seu conteúdo. Sua importância, que transcende o conteúdo exposto, centra-se no questionamento do próprio objeto pesquisado, exercício raro.

O resultado da pesquisa analisada em "A vida ouvida: a escuta psicológica e a saúde da mulher de meia-idade", de Maria Elizabeth Mori e Vera Lúcia Decnop Coelho, destaca a importância da participação do psicólogo no trabalho desenvolvido por diversos profissionais de saúde com mulheres de meia idade. Significa, ao mesmo tempo, a constatação da ampliação do campo de trabalho do psicólogo e a necessidade de se investir em pesquisas sobre os serviços oferecidos à comunidade. Este trabalho reúne pesquisa e exercício profissional estrito senso, campos que em geral andam separados, dividindo academia e técnicos.

"Paternidade em famílias de camadas médias", de Geraldo Romanelli, aborda uma questão que tem despertado a atenção de psicólogos, antropólogos, sociólogos, demógrafos e pesquisadores em geral. As mudanças no exercício da paternidade geram transformações não apenas nas relações familiares, mas na compreensão das relações de gênero. Estudos sobre a temática contribuem para a compreensão da família atualmente e podem ser utilizados como referência para o planejamento de intervenções.

"A noção de angústia na prática clínica: aproximações entre o pensamento de Kierkegaard e a Gestalt-Terapia", de Adriano Furtado Holanda e Manuela Bogéa Peres, convida para uma reflexão filosófica instigante. O recurso a um aprofundamento dos conceitos de que dispomos, tão imprescindível para pensar a prática clínica, contribui para o fortalecimento da teoria e para a ampliação da capacidade de compreensão do sujeito.

"Desafios para el afianzamiento de la investigacion psicologica em el Paraguay", de Jose E. Garcia, retrata a difícil realidade da pesquisa em Psicologia naquele país. A perspectiva crítica abordada, apesar de se referir a um país específico, contribui para a reflexão das circunstâncias nas quais se encontram as pesquisas em Psicologia no Brasil e nos outros países da América Latina. A reflexão sobre onde se ancora a dificuldade e o que a gera parece ser um instrumento eficaz no seu combate.

Este número apresenta a pesquisa intitulada "Saúde e trabalho nas escolas: experimentando a construção de outros modos de fazer Psicologia", de Maria Elizabeth Barros de Barros e Sônia Pinto de Oliveira. Parte-se da concepção marxista de modo de produção para fazer um mergulho histórico na transformação da educação em objeto da escola. O sucateamento da educação através das diversas faltas de investimento, seja no professor, seja na estrutura dos estabelecimentos educacionais, é analisado com o intuito de ter mais elementos para analisar as conseqüências deste fenômeno de forma ampla. Como se trata de uma pesquisa atrelada à intervenção, nota-se uma preocupação em elaborar formas de combate à situação constatada, como atuar junto aos processos de formação dos professores da rede pública. A incorporação da pesquisa no cotidiano de trabalho foi vista como uma possibilidade de pôr em movimento a formação e o desafio do professor, gerando outras formas de organização.

O tema da tese que comentamos, "O debate atual sobre a Formação em Psicologia no Brasil", de Jeferson de Souza Bernardes, relaciona-se com todos os outros tratados aqui, se considerarmos as extensões possíveis das discussões travadas por seus autores: discute a formação em Psicologia no Brasil. Neste debate, problematiza-se a relação entre a retórica científica, a lógica neoliberal hegemônica e a mercantilização do ensino no país. O trabalho analisa documentos considerados marcos na negociação do caminho da profissão e tem como pano de fundo um panorama mais amplo da sociedade, que produz valores que contribuem para o entendimento do que pretendemos com a educação.

O livro de Malvine Zalcberg, A relação Mãe e Filha, resenhado por Dóris Rinaldi, reúne, além do percurso freudiano sobre a feminilidade, a vasta experiência clínica da autora e obras de literatura, teatro e cinema, tratando a temática de forma criativa e inovadora. A autora busca ainda a grande contribuição de Lacan, descobrindo que a lógica fálica não é capaz de dar conta das particularidades da sexualidade feminina. Este livro tem servido de referência para uma série de trabalhos em curso, que tratam especificamente do tema ou que o tangenciam, pela reunião da criação, qualidade e fluidez do texto.

Que a pergunta "quem precisa de identidade?", feita por Hall (2003), nos seja útil para o desafio de ampliação do campo de saber da Psicologia em interação com áreas próximas de conhecimento, sem medo de se estender fronteiras.

 

Referências bibliográficas

JACQUES, M. G. C. (Org.). Psicologia Social Contemporânea. Livro-texto. Petrópolis: Vozes, 2002.

HALL, S. S. Quem precisa da identidade? In: SILVA, T. T. da (Org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petropolis: Vozes, 2003. p. 103-133.

 

 

Notas

*Professoras e pesquisadoras do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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