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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.3 no.2 Rio de Janeiro jul. 2003

 

ARTIGOS

 

Parâmetros psicométricos de instrumentos de interesse profissional

 

Psychometric parameters of professional interest instruments

 

 

Fernanda Ottati*; Ana Paula Porto Noronha**

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Testes psicológicos são uma das mais típicas técnicas de avaliação, que se caracterizam como medida objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento. Vários autores enfatizam a importância de um melhor preparo dos profissionais que utilizam testes psicológicos; outros afirmam que é necessário que os instrumentos apresentem qualidades psicométricas, pois só assim seus resultados serão confiáveis. Essa melhor qualidade diz respeito aos testes serem embasados teoricamente e passarem por estudos de padronização e aferição de sua validade e precisão. O objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade dos instrumentos de avaliação de interesses publicados no Brasil. Os manuais foram avaliados por meio de um questionário de psicólogos espanhóis, que verifica a qualidade do material, a validade, a precisão, as normas, entre outros aspectos. Os resultados não são animadores: revelaram que a maioria dos instrumentos consultados não apresenta estudos sobre os seus parâmetros psicométricos (validade e precisão).

Palavras-chave: Testes psicológicos; parâmetros psicológicos; avaliação de interesse profissional.


ABSTRACT

Psychological tests are one of the most typical techniques of evaluation that are characterized as an objective way and standardized sample of behavior. Many authors emphasize the importance of a better preparation of the professionals who use psychological tests; other authors say it is necessary that the instruments present psychometric qualities, only in this way its results will be reliable. This better quality suggests the tests must be based theoretically, undergo studies of standardization, and gauging of its validity and precision. The objective of the current study was to evaluate the quality of the evaluation instruments of interests published in Brazil. The manuals have been evaluated by a questionnaire of Spanish psychologists, that verifies the quality of the material, validity, precision, norms, among others aspects. The results are not very good, therefore they show that majority of the consulted instruments does not present studies about psychometrics parameters (validity and precision).

Keywords: Psychological tests; psychometric parameters; evaluation of professional interest.


 

 

Introdução

Testes psicológicos são instrumentos importantes para a prática profissional do psicólogo, auxiliando-o na realização de avaliação, no ensino e na pesquisa. São considerados instrumentos de medida e, por isso, devem conter determinadas características que atestem a sua confiabilidade, tais como validade e precisão.

De acordo com Andriola (1995), o auge da construção de instrumentos no Brasil se deu entre os anos 1930 e 1960. No entanto, o interesse não foi acompanhado pela atualização de conteúdos e parâmetros psicométricos, tanto pelos profissionais de Psicologia como pelas empresas responsáveis pela edição do material. Isso significa dizer que muitos testes utilizados até hoje não apresentam estudos que demonstrem sua confiabilidade.

Os instrumentos voltaram a ser valorizados a partir da década de 1980, e esse resgate da legitimidade dos instrumentos será consolidado quando houver uma maior preocupação científica com a construção, correção e interpretação dos resultados. Van Kolck (1981, p. 20) afirma que validade e precisão são exigências essenciais para um bom teste "e este deve medir exatamente aquilo que pretende, mas realizar essa medida com acuidade, sem erros".

Em âmbito internacional, a preocupação com a construção e o uso de instrumentos psicológicos é também uma realidade. Na Espanha, foi criada uma Comissão de Testes com a finalidade de promover e potencializar o uso adequado dos testes, assim como a discussão está presente na Federação Européia de Associações de Psicólogos Profissionais (EFPPA), na Comissão Internacional de Testes (ITC), nas Associações Profissionais de Psicólogos da Holanda e do Reino Unido (PRIETO; MUÑIZ, 2000).

Nos Estados Unidos, há algumas publicações anuais – como Mental Measurements Yearbooks e Test Critique do Buros Institute of Mental Measurements – que oferecem importantes informações sobre os testes, incluindo levantamentos de tipos de instrumentos, até a verificação de estudos de validade e precisão (CRONBACH, 1996; NORONHA; ALCHIERI, 2002).

1.1 - Validade

A validade é considerada um dos mais relevantes aspectos a ser levado em conta para a construção dos testes psicológicos e, segundo Anastasi e Urbina (2000, p. 107), "refere-se àquilo que um teste mede e a quão bem ele faz isso". Fachel e Camey (2000) complementam dizendo que um teste é válido quando mede o que o pesquisador deseja e pensa que está medindo. Assim, pode-se entender que a validade está relacionada ao que o teste mede e através de que conceito faz isso.

A verificação das evidências de validade pode ser realizada por meio de conteúdo, critério e construto. A validade de conteúdo envolve um exame do conteúdo do teste para verificar se ele abrange uma amostra representativa do domínio de comportamento a ser medido (ANASTASI; URBINA, 2000; PASQUALI, 2001; VAN KOLCK, 1981). Fachel e Camey (2000, p. 163) consideram que a validade de conteúdo também serve "para determinar se a escolha dos itens é apropriada e relevante".

Pasquali (2001) concebe que a validade de critério de um teste refere-se ao grau de eficácia que ele tem em predizer um determinado desempenho de um sujeito. Fachel & Camey (2000) consideram que o teste pode ser um preditor presente ou futuro. Isso quer dizer que se podem distinguir dois tipos de validade de critério: preditiva e concorrente. De acordo com Pasquali (2001), a diferença entre os dois é o tempo que há entre a coleta de informações pelo teste e a coleta de informações sobre o critério. Se for ao mesmo tempo, é validade concorrente. Se os dados de critério forem coletados depois das informações sobre o teste, é validade preditiva.

Por fim, a validade de construto é considerada por Pasquali (2001) como a forma mais fundamental de validade. Van Kolck (1981) afirma que esse tipo de validade visa pesquisar as qualidades psicológicas que o teste mede. Ela tem sido entendida como o "grau pelo qual o teste mede um construto teórico ou traço para o qual ele foi designado" (FACHEL; CAMEY, 2000, p. 164).

1.2 - Precisão (fidedignidade)

Anastasi e Urbina (2000, p. 84) conceituam a precisão como "consistência dos escores obtidos pelas mesmas pessoas quando elas são examinadas com o mesmo teste em diferentes ocasiões, ou com diferentes conjuntos de itens equivalentes, ou sob outras condições variáveis do exame". Como afirmam Fachel e Camey (2000, p. 160), a precisão está relacionada ao problema de estabilidade no tempo e ao problema de consistência interna do instrumento. Elas também consideram que "uma escala ou teste é fidedigno se repetidas mensurações são obtidas em condições constantes e dão o mesmo resultado, supondo nenhuma mudança nas características básicas, isto é, na atitude sendo medida".

Van Kolck (1981) acrescenta que um teste é X preciso quando seus resultados forem mais constantes e estáveis. Existem algumas formas de se verificar a precisão, tais como teste-reteste, formas paralelas e consistência interna. O teste-reteste é o cálculo do coeficiente de precisão da correlação entre os escores de um mesmo sujeito, num mesmo teste, só que em duas ocasiões diferentes. Anastasi e Urbina (2000) afirmam que o intervalo de tempo em que a precisão foi mensurada deve ser relatado no manual do teste, pois pode interferir no aumento ou na diminuição do coeficiente de precisão.

Precisão de formas paralelas ou alternativas é obtida através dos escores do mesmo sujeito em duas formas paralelas do mesmo teste. A correlação com estes dois escores constitui o coeficiente de precisão. Vale ressaltar que, nas duas formas paralelas, os testes devem conter o mesmo número de itens, sendo expressos da mesma forma e abrangendo o mesmo conteúdo. A verificação da precisão por meio da consistência interna pode ser estabelecida por algumas técnicas. Entre as mais utilizadas, estão: duas metades, Kuder Richardson e Alfa de Cronbach. Todas essas técnicas exigem uma única aplicação do teste.

1.3 - Padronização dos testes psicológicos

Pasquali (2001) afirma que a padronização se refere à necessária existência de uniformidade em todos os procedimentos relativos ao uso de um teste válido e preciso, que variam desde as preocupações a serem tomadas na aplicação do teste (uniformidade das condições de testagem) até o desenvolvimento de parâmetros ou critérios para a interpretação dos resultados obtidos. A padronização da testagem visa garantir o uso adequado dos instrumentos.

Vários têm sido os trabalhos que afirmam a importância de cuidados na padronização de instrumentos. Weschsler (1999) e Van Kolck (1981) enfatizam que o aplicador deve seguir rigorosamente as instruções e todo tipo de orientação que se encontra no manual do instrumento, evitando improvisações que possam comprometer a validade dos instrumentos. E Anastasi e Urbina (2000) consideram que cabe aos construtores de testes oferecer instruções detalhadas para aplicação de cada teste desenvolvido, que incluem limite de tempo, instruções orais, demonstrações preliminares, maneira de manejar as perguntas às pessoas testadas e todos os outros detalhes da situação de aplicação.

1.4 - Normatização dos testes psicológicos

A normatização de um teste "diz respeito a padrões de como se deve interpretar um escore que o sujeito recebeu num teste" (PASQUALI, 2001, p. 143). Os escores brutos de um teste devem ser convertidos em medidas relativas, com dois objetivos: indicar a posição relativa do indivíduo na amostra normativa, avaliando seu desempenho em relação a outras pessoas, e oferecer medidas comparáveis que permitam comparação direta do desempenho do indivíduo em testes diferentes (PASQUALI, 2001; ANASTASI; URBINA, 2000). Para as autoras, a normatização é uma das etapas da padronização.

Anastasi e Urbina (2000) afirmam que as normas dos testes psicológicos não são absolutas, universais ou permanentes. Elas representam apenas o desempenho no teste das pessoas que constituem a amostra de padronização. De acordo com as autoras, ao escolher esta amostra, normalmente tenta-se obter um perfil representativo da população para a qual o teste foi planejado. Figueiredo e Pinheiros (1998) também enfatizam a importância de se padronizar o teste para o grupo específico no qual será utilizado, pois sabe-se que há várias diferenças na cultura, no tecido social, na linguagem, entre outras.

Diante disso, percebe-se a necessidade de que instrumentos produzidos em países diferentes sofram estudos de normatização para cada lugar onde serão importados. Essa preocupação deve existir, já que, ao se interpretar os resultados do teste, não se pode usar as mesmas normas que foram utilizadas com populações diferentes, com culturas diferentes. Cabe aos profissionais, aos pesquisadores, às universidades e às editoras esse cuidado com o desenvolvimento científico.

 

Inventário de interesses e a orientação profissional

A orientação profissional é um campo de atuação de psicólogos que vem crescendo a cada dia e, como Pasquali (2001) afirma, tem se tornado um ramo de formação em cursos universitários. A orientação profissional tem alguns objetivos que, para Bohoslavsky (1996), podem ser resumidos à definição de uma carreira ou um trabalho e à escolha do indivíduo à promoção de sua identidade vocacional, levando à sua identidade pessoal.

Lucchiari (1993) entende que o objetivo da orientação é facilitar o momento de escolha do jovem, auxiliando-o a compreender sua situação específica de vida, na qual estão incluídos aspectos pessoais, familiares e sociais. Esse facilitar a escolha diz respeito a auxiliar o indivíduo a pensar, levando-o a descobrir quais caminhos quer seguir e, para isso, pode-se trabalhar três aspectos: conhecimento de si mesmo, conhecimento das profissões e escolha propriamente dita. Tanto os inventários de interesse como os próprios programas de orientação profissional podem ser utilizados para que os indivíduos se familiarizem com ocupações adequadas, as quais eles não teriam considerado por outros meios.

Neste sentido, Anastasi e Urbina (2000) afirmam que as atitudes e os interesses representam um importante aspecto da personalidade de uma pessoa. Assim, pode ser de fundamental importância avaliar esses dois aspectos dos indivíduos envolvidos na orientação profissional. Essa seria uma das formas de alcançar alguns dos objetivos propostos da orientação.

Os instrumentos de avaliação de interesses oferecem oportunidades de o indivíduo estudar e relacionar os resultados do teste com informações ocupacionais e também oferecem uma expansão nas opções de carreiras, já que muitos inventários já trazem não só ocupações que necessitam formação universitária, mas também opções de carreiras de nível técnico (ANASTASI; URBINA, 2000; CRONBACH, 1996). Além dessas características, Anastasi e Urbina (2000) enfatizam que eles possuem ainda uma outra, muito peculiar, que diz respeito à facilidade que as pessoas têm em responder às questões. Sbardelini (2000) considera que o uso dos testes na orientação profissional deve ser realizado como um:

meio que oferece possibilidades de apreender a subjetividade do sujeito diante das condições objetivas que lhe são apresentadas. Nesse sentido, o teste visa enriquecer as informações já levantadas por outros meios, atribuindo um significado mais compreensivo e dinâmico da personalidade do sujeito e dos mecanismos que interferem no processo de escolha. (p. 90)

Primi et al (2002, p. 62) afirmam que a relação existente entre os interesses profissionais e a personalidade também foi enfatizada por John Holland, em seu modelo hexagonal, que é um dos trabalhos mais conhecidos e respeitados na literatura sobre interesses, "pois integra tipos de personalidade às áreas profissionais cujas atividades são mais motivadoras para os vários tipos".

Cabe ressaltar que o uso dos testes na orientação profissional não deve ser a única fonte de informação sobre o indivíduo, já que os programas de orientação envolvem outros métodos, como dinâmicas de grupo e entrevista psicológica. Como afirma Souza (1995), os testes têm papel instrumental na orientação profissional, ou seja, não substituem a função do psicólogo, e sim vêm somar a essa. Outro ponto que a autora destaca é que os testes devem vir para oferecer mais informações sobre os indivíduos e, portanto, o processo de orientação não se inicia a partir dos testes.

Ao utilizar testes, o profissional deve atentar para não fazer uso de forma fechada e estática, e sim dar importância a todas as dimensões do instrumento, incluindo as deficiências e limitações, até mesmo para saber como lidar com elas. Nesse sentido – ou seja, o de realizar avaliações psicológicas com mais propriedade –, o presente estudo objetivou analisar as qualidades psicométricas dos instrumentos de avaliação de interesse profissional.

 

Método

3.1 - Instrumento

Para a realização da pesquisa, foi utilizada uma adaptação do Questionário Para Avaliar a Qualidade dos Testes, os quais são aplicados na Espanha, proposto por Prieto e Muñiz (2000) e utilizado pelo Conselho Federal de Psicologia na elaboração dos critérios de análise dos dados dos testes comercializados no Brasil, nas resoluções nº. 25/2001 e nº. 002/2003. O instrumento se propõe a avaliar diversas características dos testes, como descrição geral, qualidade do material, validade, precisão e normas. A tradução e a respectiva adaptação do questionário foram realizadas pela primeira autora.

3.2 - Material

As fontes documentais da pesquisa foram os manuais dos seguintes testes de medida de interesses: Inventário Ilustrado de Interesses Geist (NICK, s.d.), Kuder Inventário de Interesses (BRAGA, 2000), Inventário de Interesses Angelini & Thurstone (ANGELINI, 2001), Teste do Catálogo de Livros Bessa-Tramer (BESSA, 1998), Teste das Estruturas Vocacionais (MINICUCCI, 1983.), Levantamento de Interesses Profissionais (DEL NERO, 1984) e Questionário Vocacional de Interesses (OLIVEIRA, 1982).

3.3 - Procedimentos

A escolha dos testes foi realizada a partir de um levantamento dos inventários de medida de interesses disponíveis em uma instituição de Ensino Superior particular do interior paulista. Todos os inventários de interesses presentes foram selecionados e, após isso, foi feita a adaptação do instrumento a ser utilizado na pesquisa, com a exclusão de alguns itens julgados pelas autoras como não pertinentes aos objetivos do trabalho, tais como: variável medida, preço do material e facilidade em compreender a tarefa.

Todos os manuais foram lidos individualmente, para depois serem analisados pelos critérios propostos pelo questionário, também de forma individual. Os resultados foram analisados de forma qualitativa, com a construção de quadros descritivos. Os dados sobre validade, precisão, padronização e valorização das características dos testes foram descritos de acordo com as informações apresentadas nos respectivos manuais.

 

Resultados

No que se refere aos achados do presente estudo, a validade foi analisada em cada teste e os dados encontram-se organizados no Quadro 1. Os resultados indicaram que dois dos sete instrumentos apresentam informações, embora sucintas, em seus manuais, sendo que as informações dizem respeito à ocorrência da validade de construto. No Teste do Catálogo de Livros Bessa-Tramer, o autor fez um estudo estatístico calculando os coeficientes ponto-bisserais, concluindo que o teste tem itens homogêneos. No Inventário de Interesses Profissionais Angelini & Thurstone, as informações são ainda mais precárias: o autor apenas menciona um estudo realizado com 800 alunos, no qual foram computados os coeficientes de correlação ponto-bisseral Em relação aos instrumentos referidos, vale ressaltar que um deles foi produzido no Brasil, enquanto o outro foi traduzido e adaptado para a população brasileira.

 

 

Os dados referentes à precisão dos instrumentos encontram-se relacionados no Quadro 2. A apresentação revela um cenário triste, ou seja, apenas um instrumento trouxe informações sobre precisão: o Teste do Catálogo de Livros Bessa-Tramer. O instrumento traz informações sobre o estudo realizado por meio da verificação da consistência interna, apresentando coeficiente de precisão para cada uma das 35 classes de interesses. Quinze classes apresentam coeficientes entre 0,70 e 0,80; seis classes, entre 0,60 e 0,70; oito, abaixo de 0,60; e apenas duas, acima de 0,85. Esses dados indicam que a grande maioria dos itens não apresenta um coeficiente satisfatório, de acordo com os critérios do questionário usado nesse estudo, no qual Prieto e Muñiz (2000) consideram inadequado um coeficiente abaixo de 0,60, adequado com algumas carências os coeficientes entre 0,60 e 0,70, adequado entre 0,70 e 0,80, bom entre 0,80 e 0,85 e excelente os que se encontram acima de 0,85.

 

 

No que se refere à padronização dos instrumentos, assim como nos aspectos anteriores (validade e precisão), os instrumentos trazem poucas informações em seus respectivos manuais. O Quadro 3 mostra os dados de padronização e, como se observa, apenas três testes apresentam dados, a saber: Kuder Inventário de Interesses, Inventário de Interesses Profissionais Angelini & Thurstone e o Teste do Catálogo de Livros Bessa-Tramer. Os demais instrumentos não relatam os estudos realizados ou não justificam a ausência deles.

 

 

Discussão

A análise mais perturbadora encontrada nesta pesquisa relaciona-se ao fato de a maioria dos instrumentos consultados não trazer em seus respectivos manuais qualquer informação sobre seus parâmetros psicométricos, o que nos leva a pensar que muitos resultados revelados pelos instrumentos possam ser questionados, considerando a ausência de dados de validade e de precisão, além de não apresentarem estudos de padronização. Sabe-se também que esses instrumentos são bastante utilizados e é possível que muitos profissionais ignorem o fato de usar instrumentos não recomendados do ponto de vista científico. Como Noronha (2002) afirma, por trás dessa problemática da má utilização dos instrumentos psicológicos está a má formação dos profissionais de Psicologia, que ainda aprendem determinadas técnicas e instrumentos muito desatualizados e sem um mínimo de informação.

Os profissionais responsáveis pelas disciplinas de avaliação psicológica deveriam estar conscientes de que os problemas com testes existem e não são poucos. A formação deveria pressupor uma análise crítica em relação aos instrumentos, de forma que o aluno pudesse refletir e utilizar instrumentos com mais consistência. Toda essa questão ganhou mais evidência com a Resolução nº. 25/2001 do Conselho Federal de Psicologia, que regulamentava a elaboração, a comercialização e o uso dos testes psicológicos. Em 2003, o Conselho elaborou outra resolução, a nº. 002/2003, que anula a de número 25/2001. Nesta, a ênfase é dada na revisão de todos os testes publicados no Brasil, com a publicação de um instrumento para que esse estudo seja realizado por psicólogos nomeadamente capacitados, com comprovados conhecimentos em testagem psicológica. A utilização de testes que não estejam na lista daqueles considerados em condições de uso pelos psicólogos será considerada falta ética.

As informações referentes aos parâmetros psicométricos dos testes consultados mostram que apenas o Teste do Catálogo de Livros Bessa-Tramer indica estudos a respeito da sua validade e precisão, embora não traga informações completas. Na questão da validade, somente outro instrumento, o Inventário de Interesses Profissionais, apresentou o tamanho da amostra na validade de construto. No que se refere à precisão, nenhum outro teste trouxe qualquer informação. Van Kolck (1981) considera que a validade e precisão são exigências essenciais para um bom teste. Os testes psicológicos são instrumentos de medida e, portanto, devem possuir essas duas características para que seus resultados possam ser confiáveis e legítimos (PASQUALI, 2001). Não há uma concordância entre os autores a respeito dos valores dos coeficientes de precisão, Noronha e Alchieri (2002) colocam que a partir de 0,80 o coeficiente é considerado adequado. Pasquali (2001) afirma que para um teste ser preciso é necessário um coeficiente próximo a 0,90. Para esse estudo, foram utilizados os coeficientes propostos pelos autores do questionário, Prieto e Muñiz (2000).

Em relação aos dados de padronização, como o teste foi padronizado para a população a que se destina, os dados também não são animadores. Apenas dois instrumentos trazem algum tipo de informação, como o Kuder Inventário de Interesses, que tem normas para a população e diz o tamanho da amostra utilizada no estudo. O outro instrumento que traz informações é o Teste do Catálogo de Livros Bessa-Tramer, que também tem normas para a população, mas não diz o tamanho da amostra utilizada – apenas cita o procedimento de seleção. Os testes precisam ser padronizados e normatizados, ou seja, ter informações a respeito de limite de tempo, instruções dadas aos participantes e tabelas para conversão dos escores brutos. Todos esses dados só são possíveis de serem oferecidos se o teste, antes de ser lançado, for aplicado numa amostra de padronização, a qual irá possibilitar o estabelecimento de todos esses parâmetros. Por isso, a importância de que o manual traga explícito qual foi essa amostra e o número de pessoas, até mesmo para saber se o estudo pode ser confiável e generalizado para a população.

Os achados do presente estudo mostraram que a qualidade de grande parte dos inventários de interesses disponíveis no mercado brasileiro está bem baixa. Mas esses resultados corroboram os de outros estudos já realizados, como os de Noronha (2002), Noronha, Sbardelini e Sartori (2001) e Noronha et al (2002), que também analisaram a qualidade dos testes psicológicos de inteligência e personalidade, chegando à conclusão de que precisam ser revisados.

Os achados desses estudos e de outros, como o de Alves (2002), mostram que muitos dos testes utilizados no Brasil não apresentam dados mínimos em seus manuais, como os de identificação, instrução, padronização, validade e precisão. Cabe ressaltar mais uma vez, e em concordância com as novas políticas do Conselho Federal de Psicologia, que esse tipo de informação é básica e precisa estar descrita nos manuais.

 

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Endereço para correspondência
Fernanda Ottati
Endereço eletrônico: fernanda_itb@yahoo.com.br

Recebido em: 13/03/2003
Aceito para publicação em: 17/09/2003

 

 

Notas

* Psicóloga. Aluna do Programa de Estudos Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Francisco.
** Doutora em Psicologia: ciência e profissão pela PUC-Campinas. Docente do Programa de Estudos Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Francisco.

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