SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número1Esterilização forçada, direitos reprodutivos e desigualdades estruturais no Peru de Fujimori e ToledoAs estratégias de fuga e enfrentamento frente às adversidades do trabalho docente índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.6 n.1 Rio de Janeiro jun. 2006

 

RESENHA

 

O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho

 

The snail and its shell: essays on the new morphology of the work

 

 

Carla Vaz dos Santos Ribeiro*

Universidade Federal do Maranhão

Endereço para correspondência

 

 

O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho.

Ricardo Antunes
São Paulo: Boitempo, 2005

O livro “O caracol e sua concha - ensaios sobre a nova morfologia do trabalho” é a mais recente obra do professor e sociólogo Ricardo Antunes, lançado em setembro de 2005 no Brasil pela Editora Boitempo. O autor dá continuidade à defesa de suas teses acerca da centralidade do trabalho no mundo, registradas em outros dois livros “Adeus ao Trabalho?” (1995) e “Os Sentidos do Trabalho” (1999). Apesar de, na introdução, o autor tratar a obra como “uma coletânea absolutamente despretensiosa, desdobramento livre de algumas das teses apresentadas anteriormente”, na verdade, ele atualiza e reforça argumentos sobre as transformações ocorridas nesse universo e as conseqüentes implicações nos planos social e político.

O sugestivo título do livro se refere a uma passagem de “O Capital”, onde Karl Marx afirma que a manufatura separou o trabalhador dos meios de produção, assim como quem aparta o caracol de sua concha. Assim, o grande desafio da sociedade moderna é recuperar, em bases totalmente novas, a indissolúvel unidade entre o caracol e sua concha, já que tal molusco não consegue sobreviver sem sua proteção natural.

“O caracol e sua concha” resulta de um articulado e integrado conjunto de doze ensaios escritos por Ricardo Antunes entre os anos de 2000 e 2005. Todos esses trabalhos compõem um projeto de pesquisa que se iniciou em 1992, financiado pelo CNPq, intitulado ‘Para onde vai mundo do trabalho?’.

A tese central apresentada na obra aborda a relevância do trabalho na atualidade e a não desaparição e perecimento do mesmo, como defende a corrente eurocêntrica, pautada na repercussão do progresso científico-tecnológico no capitalismo contemporâneo. Contrário à questão da finitude do trabalho, o autor lança o desafio de se compreender o mosaico de formas que configura a classe trabalhadora atual, considerando o seu caráter polissêmico e multifacetado.

Antunes evoca uma noção de classe trabalhadora mais abrangente, não restrita, como em meados do século passado, ao proletariado industrial ou ainda a idéia que reduz o trabalho produtivo exclusivamente ao universo fabril. Congrega, por conseguinte, todos aqueles que vendem sua força em troca de salário e são desprovidos dos meios de produção. Incorpora, além do proletariado industrial e rural, os assalariados do setor de serviços, os trabalhadores terceirizados, subcontratados, temporários, os trabalhadores de telemarketing e call center, os motoboys, além de incluir a totalidade dos desempregados.

A conformação da classe-que-vive-do-trabalho hoje é mais complexa, heterogênea e fragmentada, diferente da que predominou nos anos de apogeu do taylorismo e do fordismo. Tem-se, de um lado, uma minoria de trabalhadores qualificados, polivalentes e multifuncionais, com maior possibilidade de exercitar a sua dimensão “intelectual”. E, de outro lado, há um enorme incremento do subproletariado fabril e de serviços, o que tem sido denominado mundialmente de trabalho precarizado. É notório o aumento dos assalariados médios, a crescente feminização do trabalho, a expansão do terceiro setor e do trabalho em domicílio.

Constata, portanto, significativas mudanças na constituição da classe trabalhadora, sinalizadoras de um processo de metamorfose e não de dissipação e eliminação da mesma. Ricardo Antunes defende, então, que as transformações atuais implicam, na verdade, uma nova morfologia e polissemia do trabalho, opondo-se às tão propagadas teses da corrente eurocêntrica, que advogam a perda da centralidade do trabalho, a sua desconstrução como categoria sociológica-chave e o seu fim determinado pelos avanços tecnológicos e científicos dos meios de produção. Critica a limitada e equivocada visão dos teóricos da referida corrente, apontando que a análise de mundo do trabalho realizada por esses estudiosos desconsidera que mais de 2/3 da humanidade que trabalha se encontra no Terceiro Mundo, em um contexto bem distinto da realidade européia.

Uma importante sinalização diz respeito a uma crescente imbricação entre o trabalho material e imaterial, fato que se presencia, por exemplo, nas atividades industriais mais informatizadas. É apontada também a necessidade de entendermos as formas contemporâneas da agregação do valor-trabalho, já que “atualmente, a mais-valia não é extraída apenas do plano material do trabalho, mas também do imaterial”. Contudo, o autor ressalva que o trabalho material ainda é predominante, em relação ao imaterial, especialmente, quando se analisa o capitalismo em escala global.

Em síntese, o ponto crucial discutido na obra refere-se à centralidade do trabalho na sociedade atual. Distante das teorias que tentam desconstruir ou relativizar a importância desta categoria na contemporaneidade, Antunes entende o trabalho como elemento ontologicamente essencial e fundante, como condição para a existência do homem. Entretanto, não faz um culto acrítico ao trabalho e argumenta sobre a necessidade de recusa de um trabalho fetichizado e estranhado gerador de uma subjetividade inautêntica. Nesse aspecto, alerta: “uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do trabalho”.

Finalizando, o autor aborda que o processo de emancipação da classe trabalhadora não pode ficar restrito aos âmbitos institucional e político. Indica conseqüentemente a necessidade de um movimento de massas radical e extraparlamentar, que possa criar e inventar novas formas de atuação autônomas, capazes de articular lutas sociais, possibilitando o resgate em bases inteiramente novas da inseparável unidade entre o caracol e sua concha.

Este, portanto, é um livro que, pela riqueza de sua abordagem, se constitui como referência indispensável para todos aqueles interessados nos estudos sobre as transformações ocorridas no mundo do trabalho e suas possíveis repercussões.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Ricardo L. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995.

______ . Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.

 

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: carlavazribeiro@uol.com.br

Recebido em: 05/072006
Aceito para publicação em: 04/08/2006

 

 

NOTAS

* Professora da Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Creative Commons License