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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.7 n.3 Rio de Janeiro dez. 2007

 

COMUNICAÇÃO DE PESQUISA

 

O dispositivo psicanalítico ampliado e sua aplicação na clínica institucional pública de saúde mental infanto-juvenil

 

The amplyfied psychoanalytical device and its application in institutional public mental health clinic for children and teen agers

 

 

Luciano da Fonseca Elia

Professor Titular do Instituto de Psicologia da UERJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta comunicação de Pesquisa trata dos efeitos dos serviços territoriais infanto-juvenis no campo da Saúde Mental quanto à redução do número de internações psiquiátricas nos territórios abrangidos. Os dois serviços pesquisados situam-se na zona oeste do município do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Reforma psiquiátrica, Território, Serviços territoriais, Desmanicomialização.


ABSTRACT

This Research report presents the results of the effects of territorial services in Mental Health field in reducing hospitalization of children and teen agers mentally handicapped. The two services mentioned in this report are situated in West Zone of Rio de Janeiro.

KeyWords: Territory, Territorial services, Deshospitalization.


 

 

O objetivo da presente comunicação de pesquisa é trazer à comunidade científica dos campos da Psicologia, da Psicanálise e sobretudo do campo intersetorial da Saúde Mental alguns indicadores que revelam o impacto da pesquisa que vem sendo realizada desde 1999 até o presente momento, final de 2007, em duas unidades de saúde mental infanto-juvenil da rede municipal de saúde do Rio de Janeiro, os CAPSis (Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenis) Pequeno Hans e Eliza Santa-Roza), destacando, no conjunto de efeitos que se verificam, a significativa redução da internação psiquiátrica de crianças e adolescentes nas áreas programáticas em que esses serviços, que constituem o campo clínico da pesquisa, se inserem, e a que damos o nome conceitual de território.

Esta demonstração abrangerá os dados pesquisados no período compreendido entre os anos de 2001 e de 2004. O material colhido entre 2005 e 2007 vem sendo tratado estatisticamente e será objeto de futura comunicação.

Nos dois Gráficos que se seguem, G1 e G2, podemos observar os percentuais de internação psiquiátrica de crianças e adolescentes na AP-5.1, em dois períodos anuais subseqüentes: de agosto de 2000 a abril de 2001 (oito meses) e de janeiro a dezembro de 2002 (doze meses). Os dados dos Gráficos que se seguem referem-se ao hospital psiquiátrico que, na época, era a referência de internação de crianças e adolescentes nos territórios considerados nesta pesquisa, e que posteriormente deixou de existir, fruto dos louvavanços da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

 

GRÁFICO G1 - DISTRIBUIÇÃO DA DEMANDA AO HOSPITAL INFANTO-JUVENIL PERÍODO: AGOSTO DE 2000 A ABRIL DE 2001 POR ÁREAS PROGRAMÁTICAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

 

 

GRÁFICO G2 - TOTAL DE INTERNAÇÕES POR ÁREA PROGRAMÁTICA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
(TOTAL/MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO - 2000)

 

 

O que observamos na comparação dos dois Gráficos? Que o percentual de internação caiu, de um período a outro, de 16% para 11%. Este dado representa uma significativa redução da demanda de internação na área, e é por nós interpretado como importante indicador do impacto que, nela teve o trabalho clínico do CAPSi Pequeno Hans, que se situa na AP-5.1. O tratamento realizado sob as condições da pesquisa, ou seja, sob a forma do dispositivo psicanalítico ampliado, vem produzindo efeitos importantes que se expressam para além dos casos tomados um a um – critério insubstituível quando se trata, em psicanálise, de aferir mudanças subjetivas decorrentes do trabalho de análise – mas traduzindo-se também em termos territoriais como redução da taxa de internação e ampliação do processo de desinstitucionalização de crianças e adolescentes com distúrbio psíquico grave no território.

Se agora considerarmos outro fator, não os percentuais de internação por área programática, mas por diagnóstico, teremos os seguintes dados:

GRÁFICO G3 - JANEIRO A DEZEMBRO DE 2002
NÚMERO TOTAL DE INTERNAÇÕES, POR GRUPO DE DIAGNÓSTICOS - CID X
(TOTAL - 79)

 

 

O diagnóstico responsável pelo maior número de internações no Hospital anteriormente mencionado (ver Gráfico G1), em 2002, e portanto, de internações de crianças e adolescentes na AP-5.1, foi a esquizofrenia. Em contrapartida, o número esmagadoramente majoritário de diagnósticos nos CAPSIs é F84, (como se observará no Gráfico G4, abaixo) compreendido, no Gráfico G3, acima, entre F80 e F89, em “transtornos do desenvolvimento psicológico”, com apenas 6,3% de internações. Este dado deve ser associado ao fato de que a maioria dos casos que, na internação, recebem os mais variados diagnósticos, quase sempre esquizofrenia infantil, são na verdade crianças e adolescentes autistas. Assim, temos razões para supor que a queda do percentual de internações verificado nos Gráficos anteriores está relacionado ao fato de que esses casos estão cada vez mais sendo encaminhados aos CAPSIs.

 

 

GRÁFICO G4

 

O diagnóstico mais freqüente em todos os CAPSIs da rede é o F84, que encabeça a legenda acima. O que a CID-10 (décima versão da Classificação Internacional das Doenças, da OMS) denomina “transtornos invasivos do desenvolvimento” consiste exatamente nos quadros de autismo e psicose infantil de que tratamos, fundamentalmente, nesta comunicação de pesquisa, e de que se trata quando se afirma a superioridade do dispositivo psicanalítico em sua modalidade ampliada em relação a outros modos de tratar. Este dispositivo é particularmente adequado a esses quadros, por sua estrutura e funcionamento psíquicos, como demonstramos no Relatório da Pesquisa (Prociência 2002-2005), do qual esta Comunicação é um excerto. Não propomos este dispositivo para quadros de neurose grave, ou mesmo de psicose, quando o sujeito se mostra disposto a falar para alguém, que, neste caso, deve ser um só. Em uma nova etapa da pesquisa, pretendemos formular como questão fundamental a relação entre a estrutura subjetiva dos pacientes, da população-alvo, e as linhas determinantes do funcionamento do dispositivo, de modo a que este seja configurado precipuamente em função da estrutura do sujeito e seu funcionamento no laço social.

Se considerarmos agora um segundo indicador, qual seja, a relação de permanência e continuidade dos pacientes em uma das duas unidades em que se realiza a pesquisa, veremos que, do ano de 2003 para 2004, o único dos cinco CAPSis do Estado do Rio de Janeiro em que a clientela teve um aumento tão expressivo que chegou a quase dobrar foi o Pequeno Hans: de 62 para 116.

 

 

Os dados do Quadro acima datam de maio de 2004. Já em dezembro de 2004, obtivemos outros dados que apontam um significativo aumento dos números de pacientes por nível de intensividade de cuidado, no Pequeno Hans. São eles: total de 129 pacientes em atendimento regular (contratados), distribuídos da seguinte forma:

 

 

Como já assinalado, a pesquisa ampliou-se, a partir de 2002, para um segundo CAPSi, o Eliza Santa-Roza. Nele verificou-se uma redução do número de pacientes (213 para 188). Esta redução tem um fundamento e deve ser aqui explicada: enquanto o Pequeno Hans já começou suas atividades com as diretrizes de trabalho que correspondem exatamente aos aspectos centrais desta pesquisa – e constituiu-se como uma unidade-clínica-e-de-pesquisa desde a sua fundação – o Eliza Santa-Roza apresenta uma trajetória completamente diferente. É o fruto da transformação de um antigo serviço de saúde mental infanto-juvenil, único na região da AP-4 (Jacarepaguá, Barra, Recreio, Vargem Grande e adjacências – área programática mais extensa do município do Rio de Janeiro), em um CAPSi, seguindo as atuais diretrizes das políticas públicas que regem a Reforma Psiquiátrica Brasileira, no que tange ao segmento infanto-juvenil (objeto de recentíssima elaboração de políticas públicas). Este serviço intitulava-se COIA – Centro de Orientação da Infância e da Adolescência. O Eliza Santa-Roza herdou um imenso ambulatório de crianças e adolescentes, e uma demanda no território que pregnantemente mantém o afluxo de pacientes a este ambulatório. A redução de 213 para 188 é positiva, se considerarmos que ela se faz acompanhar, desde que iniciamos a pesquisa neste serviço, de uma elevação significativa da parcela da clientela que, tendo permanecido ou tendo sido acolhida como nova, ingressou em regime de atendimento intensivo. Isto se verifica no Gráfico G5, abaixo, em que o número de casos em regime intensivo mais que triplicou de 2003 para 2004 (de 6 para 20). A grande maioria dos pacientes que o serviço tinha em 2003 (213) tinha tratamento ambulatorial, o que caracteriza um cuidado não-intensivo., ou, no máximo, semi-intensivo (quando além do ambulatório o paciente freqüenta uma oficina, por exemplo). Esses dados devem, portanto, ser cotejados com outros, que mostram não só o número total de pacientes e seu movimento de um ano para outro como o percentual de cada modalidade de atendimento no mesmo período temporal. Observem-se os dados dos quadros a seguir:

 

 

No caso do Pequeno Hans, verifica-se um significativo aumento do percentual de procedimentos intensivos (8 em 2003 para 39 em 2004), que se desnivela com a faixa de aumento nos outros dois tipos de procedimentos – semi-intensivo e não-intensivo, que aumentaram em 10 e 13 pacientes por modalidade, respectivamente.

 

 

Além disso, mantém-se a predominância do semi-intensivo, o que é um bom indicador, já que o dispositivo de tratamento implica intensividade e complexidade – para adequar-se à gravidade dos casos sem envolver internação – e, ao mesmo tempo, não deve manter-se nos limites nem na radicalidade da intensividade, já que isso significaria uma modalidade de tratamento cujas características se aproximariam da internação, não deixando às crianças e adolescentes outras possibilidades de laços sociais (escola, lazer e esporte) que sabemos que não podem se prioridade nesses casos (a prioridade é tratar para que os laços possam vir portanto a se estabelecer), mas que não devem ser excluídos pela demasiada absorção da criança ou adolescente no tratamento.

Os dados e indicadores apresentados e interpretados nesta Comunicação comprovam amplamente a validade da aplicação do Dispositivo Psicanalítico Ampliado (DPA) em serviços de saúde mental infanto-juvenil de base territorial e intersetorial (CAPSis) nos territórios considerados nesta pesquisa, recomendando a sua ampliação na rede. Outros aspectos que a pesquisa indicou dizem respeito a questões teórico-clínicas especificamente relacionados à etiologia e à clínica de sujeitos crianças e adolescentes autistas e psicóticos, verificando hipóteses psicanalíticas ainda não suficientemente comprovadas mas que têm, nesses dispositivos, amplas possibilidades de comprovação científica em sua eficácia clínica.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: lucianoelia@uol.com.br

Recebido em: 04/12/2007
Aceito para publicação em: 14/12/2007

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