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Estudos e Pesquisas em Psicologia

On-line version ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.7 no.3 Rio de Janeiro Dec. 2007

 

RESENHA

 

 

Marcelo de Almeida Ferreri

Professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe; Doutor em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio Janeiro

Endereço para correspondência

 

 

DIÁLOGOS EM PSICOLOGIA SOCIAL (155 páginas)
JACÓ-VILELA, Ana Maria & SATO, Leny (orgs.).

Porto Alegre: Abrapso Sul/ Evangraf, 2007.

 

 

O livro Diálogos em Psicologia Social apresenta os textos integrais de quase todos os simpósios e da conferência de abertura do XIV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), ocorrido durante os dias 31 de outubro e 3 de novembro de 2007, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro. No total, o livro traz vinte e sete artigos de vários autores, distribuídos segundo eixos temáticos que estruturaram a publicação e o próprio evento.

Primeiramente, é importante observar que Diálogos se inscreve de forma direta em alguns dos objetivos da ABRAPSO, associação fundada no ano de 1980 e que desde então tem desempenhado relevante papel no desenvolvimento da psicologia no Brasil. Dentre aqueles objetivos, destacamos: congregar pessoas que se interessam pela Psicologia Social; garantir e desenvolver relações entre pessoas dedicadas ao estudo, ensino, investigação e aplicação da Psicologia em uma perspectiva social no Brasil; propiciar a difusão e o intercâmbio de informações sobre esse campo de saber; promover a integração com outras áreas do conhecimento para uma visão social crítica.

As organizadoras do livro chamam atenção para dois aspectos desta iniciativa. A concepção da publicação (assim como do evento) foi pautada em um “processo paulatino de construção dialógica”, na medida em que realizaram consultas, discussões e definições participativas com os sócios da entidade e pessoas indicadas por eles. Os corpos pensantes e operantes do livro e do evento foram constituídos através de diálogos. Com isso, pretendem que entendamos como dialógico não apenas o produto, mas também seu processo de criação. O outro aspecto destacado é que os objetos de diálogos revelaram naturezas múltiplas, diversificadas, sendo, conforme afirmam, epistemológicos, metodológicos, éticos, políticos, estéticos e de políticas públicas. Essa diversidade foi aglutinada em dez eixos temáticos que estruturaram o encontro e o livro. Tais eixos são: educação; ética, violências e direitos humanos; gênero, sexualidade, etnia e geração; histórias, teorias e metodologias; infâncias, adolescências e famílias; mídia, comunicação e linguagem; política; processos organizativos, comunidades e práticas sociais; saúde e trabalho. Para o livro foi acrescentado um eixo sobre “Psicologia Social”.

É essa diversidade que salta aos olhos quando nos colocamos diante da publicação e é ela mesma merecedora de algumas considerações. Contra um sentido meramente quantitativo para a diversidade em questão, sentido no qual múltiplos seria somente muitos, e que incidiria na constatação de inúmeros temas teóricos, metodológicos e de práticas ligadas a esta Psicologia, importa observar que a diversidade encontrada em Diálogos aponta para além de uma dimensão numérica, consistindo, sobretudo, na mais fiel sinonímia de complexidade. Assim, ao proporcionar uma pequena amostra da atualidade do debate em Psicologia Social no Brasil, conforme apontam suas organizadoras, percebemos que dialogar com e sobre esse campo da psicologia é exercitar o pensamento em complexas questões que a ele se apresentam. Nesse sentido, diverso estaria mais próximo de “realidade transfigurada e que transfigura”, seguindo a inspiração de Clarice Lispector indicada no luminoso prefácio de Andréa Zanela, do que de quantidades. Uma rápida incursão através de artigos dos diferentes eixos temáticos serve para nos mostrar isso.

Logo na “entrada”, no texto da conferência de abertura, encontramos um intricado problema: o da legitimação social da ciência, tema proposto para fazer uma análise acerca do conhecimento, no que tange à permanência de concepções científicas ultrapassadas que, mesmo “banidas” do âmbito acadêmico do desenvolvimento da pesquisa, terminam por conseguir abrigo no senso comum. Mais do que atestar a durabilidade de certas perspectivas de pensamento, Kenneth Camargo Jr. (2007:17-33) nos convida, a partir deste ponto, a refletir sobre a questão dos procedimentos de validação do conhecimento, processo que se desenvolve no jogo de aferir aceitação, como válida ou não, de uma dada formulação proveniente do fazer do cientista. Pensar sobre permanências epistemológicas, tendo em vista, por exemplo, a intenção de prover um retrato atual da psicologia social como quer a proposta de Diálogos, nos arremessa imediatamente à indagação: o que seria, então, um quadro atualizado do conhecimento em Psicologia Social?

Mais adiante, já em outro texto, encontramos a afirmação da dificuldade de se estabelecer uma visão de conjunto e de “discernir as conexões existentes entre uma teoria e outra” (GUARESCHI, 2007:37), dada a multiplicidade de contribuições que perpassam hoje a Psicologia Social. Tal problema leva ao questionamento do que seria, pois, o cerne, o âmago da Psicologia Social. A coexistência de várias teorias tornaria, assim, importante um “enfrentamento teórico” – ou um diálogo - entre elas, para que se possa jogar luz sobre reducionismos que vieram agregados aos aportes teóricos. O social de reduz a isso, o indivíduo se reduz aquilo. Aqui, não somente vemos a diversidade transfigurada em complexidade, como dissemos anteriormente, como somos transfigurados pela complexidade de se pensar a diversidade.

O nível de dificuldade não se modifica quando lidamos com a prática em Psicologia Social, passeando através dos eixos temáticos de Diálogos. No eixo “processos organizativos, comunidades e práticas sociais”, por exemplo, ao sermos chamados para refletir sobre o sentido de se contar ou não com a presença de uma comunidade na solução de problemas vividos por ela, Peter Spink nos diz que os psicólogos estão cada vez mais deixando as inserções tradicionais e atuando nas políticas públicas “diretamente nos horizontes do dia a dia” (SPINK, 2007:327). Com isso, o desafio não seria mais buscar atuações “ampliadas”, conforme declara o autor, preocupados somente em se diferenciar de modelos desgastados em Psicologia, mas cuidar das “ações que produzem e reproduzem as desigualdades” (SPINK, 2007:327), reconhecendo sujeitos e vozes emancipatórias nas práticas locais, comunitárias.

Há de se considerar, entretanto, que apontar a conversão do diverso em complexo nas páginas do livro não significa meramente uma sofisticação de problemas trazidos por seus autores. A complexidade (palavra tão desgastada nos dias de hoje por um franco processo de vulgarização) peculiar a Diálogos tem um desenho específico, evidente, declarado, que não cai em um vazio de retórica. Complexidade aqui significa dialogicidade, esta uma segunda transfiguração encontrada em suas contribuições. De diverso a complexo, de complexo a dialógico.

No texto de abertura, novamente, aparece a afirmação de que o desafio epistemológico está em reconhecer o conhecimento do outro “sem perder de vista a legitimidade de uma dada comunidade, de seus métodos de validação e de seu [conhecimento de fundo não problemático]” (CAMARGO JR, 2007:32). Vemos, assim, o diálogo com o outro no(do) conhecimento como peça fundamental inclusive para se pensar processos de validação, sugestão que a tradição acadêmica certamente recusaria, mediante a alegação da prevalência do conhecimento científico sobre as outras formas de conhecimento.

No eixo “educação”, Wanda Aguiar, sob a orientação de um viés sócio-histórico inspirado principalmente em Vygotsky, acena com a possibilidade de se gerar um conhecimento potente para refletir sobre si mesmo, desde que compartilhado com os próprios professores (AGUIAR, 2007:65-72). A autora propõe isso ao tratar das armadilhas e das alternativas nos processos educacionais e na formação de professores, reflexão que começa com a argüição do significado de educação, as expectativas depositadas nos processos educacionais, no papel do professor e na avaliação da formação deles.

Vemos que o recurso ao diálogo em vários níveis e com saberes diversos é de fato um aspecto marcante do livro. A disposição para dialogar se mostra também nítida quando encontramos Mary Jane Spink buscando na teoria dos jogos caminhos para pensar as dificuldades das práticas de redução de danos na área da Saúde Coletiva. Frente ao temor do risco, situação impactante nas ações dos sujeitos envolvidos com a redução, a autora convida os agentes implicados para que considerem o lugar da aventura e do risco como uma saída para o excesso de moralização e de modelação presentes nos discursos de “estilos de vida saudáveis” dos promotores de saúde (SPINK, 2007:345-360).

Poderíamos seguir rastreando as aberturas da Psicologia Social ao diálogo presentes no livro, pois os elementos de contato são muitos (mídia, cultura brasileira, história, política, ética, sem falar em diversas disciplinas do campo das ciências). As áreas de intercessões postas para dialogar dão amplitude a essa espécie de “tomada geral de campo” realizada pela publicação. E não se pode esquecer, ainda, que a essência da atitude dialógica é a da pressuposição de algum nível de entendimento, de troca, de reciprocidade entre os que falam. Portanto, Diálogos não apresenta a diversidade da Psicologia Social no sentido de uma crescente incorporação de objetos, como se tudo fosse reduzido a um processo contínuo de captura, de devora de novos temas, novas áreas, novas abordagens, novas metodologias para oferecer ao leitor. O ponto principal que é tornado público por esses textos se encontra na disposição de “falar com” e “escutar de”, que as vozes em Psicologia Social mostram ao longo de cada escrita.

Por último, uma pergunta sobre a missão de um “livro-do-evento”: será que Diálogos ultrapassará o lugar de registro parcial dos discursos que circularam nas grandes mesas (conferências e simpósios) de um certo encontro científico, se conformando assim com uma função, muitas vezes empoeirada quando o destino lhe é infeliz, que costuma ser atribuída ao que chamamos de “anais de congressos”? Ou, ao contrário, irá na direção de se constituir em fonte duradoura, presente e falante de contribuições em Psicologia Social, estabelecendo sua maneira de apresentar e de pensar esta Psicologia, dialógica como quis seu projeto? Será que o livro conseguirá trazer à luz os desafios de uma transfigurada Psicologia Social de modo a intensificar seu debate, suas pretensões teórico-metodológicas, suas penetrações na esfera da vida em sociedade e suas expectativas de transfigurar condições da vida de muitos na realidade brasileira? Seus leitores deverão concordar que o livro tem todos os requisitos para gerar incontestáveis contribuições.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: marceloferreri@uol.com.br

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