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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.8 n.1 Rio de Janeiro abr. 2008

 

COMUNICAÇÃO DE PESQUISA

 

O tratamento da histeria nas instituições psiquiátricas: um desafio para a psicanálise

 

The treatment of hysteria in the psychiatric institutions: a challenge for the psychoanalysis

 

 

Daniela Costa Bursztyn

Psicanalista
Especialista em Clínica Psicanalítica pelo IPUB/UFRJ
Mestranda e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Psicanálise/UERJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A pesquisa pretende refletir sobre o desaparecimento do diagnóstico da histeria nos manuais psiquiátricos e os resultantes impasses clínicos no manejo do tratamento de sujeitos histéricos nas instituições médicas. Por meio da interlocução entre diversos profissionais, o dispositivo analítico pode operar nas instituições psiquiátricas sustentando a escuta do sintoma histérico como algo que faz uma função importante para o sujeito, ao invés de somá-lo à variedade de nomenclaturas que tornam estes sintomas apenas uma fenomenologia dos novos manuais psiquiátricos.

Palavras-chave: Histeria, Psiquiatria, Psicanálise.


ABSTRACT

This investigation discusses the hysteria’s diagnosis disappearance in the new psychiatric manuals and thinks over the clinical consequences exposed at the treatment of hysteria in the medical institutions. Through the interlocution between different professionals, the analytical gadget can operate in the psychiatric institutions sustaining the treatment of hysteric’s symptom as something important to the unconscious subject.

Keywords: Hysteria, Psychiatry, Psychoanalysis.


 

 

O tratamento da histeria nas instituições psiquiátricas: um desafio para psicanálise

A pesquisa “O tratamento da histeria: um enigma para a medicina, um desafio para a psicanálise.”, realizada sob orientação da Profª Drª. Doris Rinaldi como exigência do Programa de Pós-graduação em Psicanálise/UERJ, pretende refletir sobre o desaparecimento do diagnóstico de histeria nos manuais psiquiátricos e os resultantes impasses clínicos no manejo do tratamento de sujeitos histéricos nas instituições médicas.

Verifica-se em manuais de diagnósticos como o DSM IV e o CID-10, que o diagnóstico de histeria foi rejeitado pela comunidade científica, dando lugar às novas classificações diagnósticas dos transtornos dissociativos, transtornos de personalidade, transtorno bipolar ou síndromes psicóticas. Essa constante mutação diagnóstica indica, ainda, um risco de abandono dos ensinamentos da psiquiatria clássica, principalmente no que tange à etiologia da neurose histérica. Comprometidos com essa lógica, os instrumentos terapêuticos, muitas vezes invasivos e ineficazes no tratamento da histeria, visam à suspensão de alguns sintomas, tornando-se inaudível o dizer do sujeito sobre seu adoecimento, sobre o sofrimento psíquico.

Novos recursos tecnológicos de mapeamentos cerebrais são empregados como terapêutica e pesquisa das “pseudocrises”, na tentativa de encontrar uma causa orgânica para o sintoma histérico. Nota-se, ainda, a perplexidade e resistência daqueles que acompanham uma encenação histérica, muitas vezes compreendida como “simulação” e tratada com altas dosagens medicamentosas. O risco de cronificação desses pacientes se amplia, assim, na medida em que a clínica médica desconsidera a causalidade psíquica que cada sintoma apresenta. Cabe salientar, que as utilizações da hipnose e de técnicas de psicoterapias diversas, também vêm sendo empregadas de modo recorrente em sujeitos histéricos nas instituições psiquiátricas. Quando não chegam ao extremo da indicação de internação e de sessões de eletroconvulsioterapia para aqueles pacientes que “não respondem” ao uso de diversos psicotrópicos.

Ao contrário das condutas adotadas no tratamento psiquiátrico atual, que vem se aliando à tendência das psicoterapias de introduzirem novos procedimentos para abolirem os sintomas, no tratamento analítico este sintoma é acolhido como algo que faz uma função importante para o sujeito. Por meio da interlocução entre diversos profissionais, o dispositivo analítico pode operar nas instituições psiquiátricas sustentando a escuta do sintoma histérico como algo que representa o sujeito, ao invés de somá-lo à variedade de nomenclaturas que tornam estes sintomas apenas uma fenomenologia dos novos manuais psiquiátricos.

Aprendemos com Lacan a pensar a psicanálise como “a última flor da medicina” (ALBERTI, 2001), e diante disso se sustenta o compromisso ético de defender as descobertas freudianas sobre o sujeito do inconsciente nessas instituições. Um analista pode assegurar sua função política ao propor um retorno à histeria, no momento em que a ameaça de negligência do inconsciente é visível no manejo dos tratamentos médico e psicoterápico, sendo isto, também um modo de apartar o discurso do analista das discussões sobre a clínica. Ao abordar as manifestações psíquicas e somáticas como transtornos, a comunidade científica parece rejeitar o sujeito da histeria, o sujeito do desejo.

Subvertendo o imperativo emudecedor do discurso do mestre, a posição do analista nas instituições pode acolher a reivindicação do discurso histérico, ao invés de classificar, pedagogizar e medicalizar excessivamente esse sujeito compreendido por Lacan como “o próprio sujeito do inconsciente”. Como forma de tratamento capaz de acolher esses sujeitos, o discurso analítico nas instituições possibilita a passagem da denúncia e da demanda ao “bem dizer” de seus sintomas e ao consentimento da castração.

Estamos diante do desafio de sustentar o tratamento da histeria nas instituições, pois sem a clínica da histeria a psicanálise encontra-se ameaçada em sua prática de escuta do saber inconsciente. E ainda, sem a psicanálise, o sujeito histérico desaparece dos questionamentos e do interesse da psiquiatria e das psicoterapias na atualidade.

Na tentativa de fundamentar a importância da histeria para o trabalho analítico, serão apresentados alguns ensinamentos extraídos da clínica com os sujeitos histéricos que causaram a descoberta freudiana do inconsciente.

 

1 – O que a histeria ensinou à teoria freudiana

Para analisar o processo que envolve o nascimento da clínica psicanalítica, tornou-se necessário examinar as inovações epistemológicas do século XIX sobre o tratamento da histeria. Nas reformulações teóricas e nos atravessamentos clínicos que Freud revela em sua obra, é notável a importância da teoria de Jean-Martin Charcot para a história da histeria e para a constituição da psicanálise.

O trabalho clínico de Charcot se propôs a descrever e definir exaustivamente a manifestação do fenômeno histérico assemelhando-o às patologias neurológicas, afirmando “a autenticidade e a objetividade dos fenômenos histéricos contra os preconceitos e a suposição de que era apenas uma simulação dos doentes” (QUINET, 2003, p.9). Com isso, a psiquiatria clássica inaugura procedimentos de tratamento da histeria e a eleva ao mesmo nível de interesse acadêmico de toda e qualquer doença neurológica, referindo-lhe sintomas de paralisias, convulsões, espasmos e anestesias.

Algumas inovações no tratamento da histeria foram inauguradas no final do século XIX com as descobertas clínicas de Freud. Os fundamentos para o diagnóstico da histeria começam a se estabelecer pela etiologia da neurose histérica, e não apenas a se relacionar ao tipo previamente estabelecido e descrito. Atento ao método introduzido por Charcot, Freud começa a formular conceitos embasadores de uma nova metodologia que inaugura o tratamento psicanalítico.

Segundos dados históricos, durante o ano de 1889, Freud decepcionou-se com o método da sugestão sob hipnose, em proveito do método catártico utilizado por Breuer. Defende o mérito de médicos como Bernheim e Janet, ao mostrar que a hipnose se articula com fenômenos normais da vigília e do sono e ao fornecer uma explicação psicológica a sugestão hipnótica. Nesse contexto, o método hipnótico foi questionado na medida em que se verificava que seus efeitos terapêuticos não se aplicavam somente aos casos de histeria, mas também a outros estados patológicos. Assim, Freud recusa a oposição psicológico-fisiológica, já que os tipos clínicos apontados por Charcot negligenciavam alguns mecanismos psíquicos que contribuíam para a formação dos sintomas histéricos, embora sustentasse a necessidade de se estabelecer com objetividade a sintomatologia histérica para que a histeria fosse concebida como doença naquele cenário científico.

No início de sua experimentação, o método catártico estava estreitamente ligado à hipnose. O hipnotismo, no entanto, deixou de ser usado por Freud como processo destinado a provocar diretamente a supressão do sintoma e passou a ser utilizado para induzir a rememoração. Por meio do método catártico, Freud percebeu a possibilidade de reintroduzir no campo de consciência experiências subjacentes aos sintomas e deu início às suas investigações psicanalíticas, trazendo a baila o conceito de recalque para fundamentar os acontecimentos esquecidos pelo sujeito histérico.

Com essa reformulação teórica, Freud renunciou rapidamente a hipnose e a sugestão, fiando-se simplesmente nas associações livres do doente. Em 1889, o dizer de Emmy von N. já indicava à Freud a importância dessa “regra fundamental” no tratamento analítico em detrimento do método hipnótico, ouvindo de sua paciente “num claro tom de queixa, que não devia continuar a perguntar de onde provinha isso ou aquilo, mas que a deixasse contar o que tinha a dizer-me” (FREUD, [1983-1895], 1996-b, p. 107).

Constitutivo da teoria psicanalítica, como é demonstrado pelos Estudos sobre a histeria, o método da associação livre evidenciou a aposta de Freud no papel desempenhado pelo paciente na direção de seu tratamento. Ao renunciar a procedimentos clínicos como o da hipnose e o da sugestão, Freud funda o método analítico cuja regra não seria outra senão a de convocar seus pacientes a associarem livremente. Nos relatos dos sintomas, chistes, lapsos, atos falhos e sonhos, Freud encontrou a via de acesso ao inconsciente e, ao mesmo tempo, a relação que o sujeito do inconsciente estabelece com a palavra falada.

Desapropriando o saber que o sujeito produz no dizer dos sintomas, a hipnose mantinha a figura do médico como a de um “guardião do saber” sobre a doença. Ao abandonar o método hipnótico, Freud supôs que algum saber havia do lado do sujeito e que os elementos inconscientes que constituem esse saber, emergidos na fala do analisante, também supõem o sujeito por eles representado. Ao instituir a associação livre, Freud lançou sua aposta para o saber que o sujeito atribui sobre o sintoma e suas causas, e viu, aí, uma nova direção clínica para o tratamento da histeria. Por isso foi levado, cada vez mais, a seguir seus pacientes no caminho que as associações livres lhe indicavam, inaugurando um método que definiu a descoberta da psicanálise.

 

2. O que o sintoma histérico ensina sobre o saber inconsciente

Na tentativa de corresponder ao método clínico que utilizara no século XIX, a teoria etiológica da neurose histérica formulada por Freud não deixou de acompanhar o que sua experiência clínica lhe trazia. Ao escutar as histéricas, Freud foi impulsionado a refletir sobre a estreita relação entre a linguagem e o sintoma no terreno da transferência. Como mencionado anteriormente, a teoria etiológica da neurose originou-se a partir da interrogação de Freud sobre os sintomas histéricos no encontro com Charcot, levando-o a postular uma causalidade psíquica e indicar o papel da representação mental no inconsciente atuando no corpo. O avanço nessa teoria constituiu um rompimento com os estudos da psiquiatria clássica, e o possibilitou descobrir a origem psíquica do sintoma histérico, sustentando a determinação simbólica e sexual figurada na fantasia histérica.

Em Estudos sobre a histeria (FREUD, [1893-1895], 1996-b, p.161), Freud demonstra que o sintoma histérico não é o negativo do orgânico, como considerado no campo científico. A propósito do caso de Elizabeth von R., Freud afirma a existência de uma interseção entre a dor física e a palavra falada, emitida pela própria paciente. O sintoma da paralisia da perna de Elizabeth von R. surgiu quando ela caminhava sozinha com o cunhado, marido de sua irmã, e mais adiante essa dor se tornou uma paralisia. Em tratamento analítico, Freud a diagnostica com uma expressão precisa: “Trata-se de uma paralisia funcional baseada na simbolização” (p.177), revelando a descoberta do significado da palavra Alleistehen que o sintoma simbolizava: “ficar só, ficar de pé”. A solidão de que sua analisante tanto se queixava e da qual tanto sofria, estaria inscrita na paralisia das pernas: Elizabeth não conseguia ficar só, não conseguia ficar de pé nem caminhar. Daí Freud retira mais um ensinamento precioso para o tratamento analítico da histeria: “Uma simbolização como essa pode gerar sintomas somáticos na histeria.” (p.200), ratificando que a conversão histérica não obedece à anatomia, mas a um excesso de simbolização inscrita no corpo capaz de lhe retirar a função orgânica. Ao longo do tratamento de Elizabeth, Freud esclarece: “a dor foi desfeita pela fala” (p.187), ratificando a importância do tratamento analítico da histeria, como dispositivo clínico que assume a função de fazer o sujeito falar a palavra que foi recalcada.

A teoria freudiana sobre o sintoma histérico, indicada no caso de Elizabeth von R, esclarece dois relevantes aspectos acerca da conversão histérica. O primeiro aspecto revela que o sintoma é tecido de linguagem, e o segundo, que os órgãos - ou partes do corpo - anexados pelo sintoma são conduzidos a desempenharem um papel de zona erógena para o qual não foram destinados. Esclarecendo a idéia de que uma cena traumática deixa uma marca mnêmica impressa no corpo histérico através de uma representação simbólica recalcada, a teoria freudiana possibilita considerar a função orgânica do corpo como submetida ao campo de linguagem: quando algo “não anda” ao nível do pensamento inconsciente, o sujeito histérico não consegue mais dar um passo com suas pernas.

Através da releitura dos textos freudianos, Lacan demonstra que a apreensão freudiana do fenômeno analítico dirige-se ao plano da estrutura da linguagem, como observado nos relatos dos sonhos, dos chistes, dos lapsos, dos atos falhos e dos sintomas. Retomando os escritos de Freud, Lacan elaborou a proposição de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, indicando que como ser de linguagem, o sujeito se constitui no campo da linguagem por meio de elementos simbólicos – significantes - que não portam um sentido em si constituído. Diante disso, a experiência analítica estrutura seu dispositivo clínico na fala do analisante e apropria-se metodologicamente da associação livre como via de acesso ao inconsciente.

No seminário sobre As psicoses, Lacan nos apresenta a psicanálise como “uma nova abordagem para tratar a economia da linguagem” (LACAN, [1955-1956], 2002, p.186), em contraposição às demais abordagens clínicas que se ocupam em tratar o sofrimento psíquico. A propósito do tratamento empregado nas abordagens psicológicas, Lacan demarca a diferença ética e metodológica entre estas e a experiência psicanalítica. Podendo estabelecer uma relação “de ego a ego”, as práticas psicológicas dirigem suas intervenções para o reforço do eu, e conseqüentemente, para o sentido oposto ao da dissolução dos sintomas como sustentado na proposição freudiana sobre a relação da formação dos sintomas com a fantasia inconsciente.

No capítulo sobre a questão histérica do mesmo seminário, Lacan destaca que nos entrecruzamentos funcionais do simbólico e do imaginário reside a função do eu na estruturação da neurose. Sobre a teoria freudiana do eu em relação com o caráter fantasmático do objeto, Lacan comenta:

O eu tem o privilégio do exercício da prova da realidade, ele atesta para o sujeito a realidade: o eu está como uma “miragem” (ideal do eu) e sua função de ilusão é fundamentalmente narcísica, a partir dela o sujeito dá a nota da realidade (LACAN, [1955-1956], 2002, p.199).

Diante dessa afirmativa, evidencia-se o risco de tomar a questão histérica pela rasa análise do eu, e com isso, acentuar a relação fantasmática correlativa do eu com o “imaginário do sintoma” (LACAN, [1955-1956], 2002, p.187). Tomando os exemplos da prática diagnóstica priorizada na clínica psiquiátrica e das técnicas comportamentais e pedagógicas que algumas psicoterapias empregam1, percebemos equívocos relacionados à atenção dirigida aos fenômenos imaginários do mundo subjetivo, os quais Lacan nos alerta que “não foi nesse nível que a psicanálise produziu a sua descoberta essencial” (p.187).

Em 1951, Lacan esclarece que a clínica psicanalítica não deixou de se referir ás indagações freudianas acerca da questão da linguagem. Ao formular a articulação da linguagem com o saber inconsciente enunciado no dizer da histérica, a teoria lacaniana ressalta a função do eu no seu caráter simbólico.

O caso Dora é privilegiado em se tratando de uma histérica, a tela do eu é tão transparente que em parte alguma, como disse Freud, é mais baixo o limiar entre o inconsciente e a consciência, ou seja, entre o discurso analítico e a palavra do sintoma (LACAN, [1951], 1998, p.225).

No caso Dora, Freud demonstra que o analista não deve se deixar apreender pelo saber ligado pelos significantes que se articulam coerentemente. Tomando o exemplo do quadro sintomático de Dora, percebemos a importância de uma escuta atenta à duplicidade revelada na relação do sujeito com o significante.

Em Intervenções sobre a transferência, Lacan caracteriza a psicanálise como uma “experiência dialética” (p.214), que deve permitir o reconhecimento do lugar que o sujeito ocupa em sua queixa por meio de uma retificação subjetiva. Não importando o que a incoerência ou as convenções de regra venham instaurar no discurso, o movimento dialético provocado pelo tratamento analítico deve permitir a formulação da verdade do sujeito no terreno da transferência.

“Qual é a sua parte na desordem de que você se queixa?” (FREUD, 1905-d apud LACAN, [1951], 1998, p.218), por meio dessa pergunta, Freud evoca a forma de uma série de inversões dialéticas no discurso de Dora, percebendo a posição subjetiva que sua analisante ocupava na relação com seus objetos de identificação. E enfatiza adiante que na transferência são aparentes os modos permanentes em que o sujeito constitui seus objetos: “O investimento libidinal introduzirá o médico em uma das séries psíquicas que o paciente já formou” (FREUD, [1912], 1996-e, p.100). Com essa leitura, Freud demonstra que somente no terreno da transferência analítica, a escuta do sintoma histérico produz importantes avanços ao longo de um tratamento.

Permitindo que o sujeito se aproprie do saber que produz no dizer dos sintomas, Freud provocou um movimento dialético que o retirou da posição de mestre e lançou para o lado do saber inconsciente o lugar de mestria. Subvertendo o modo como o saber era produzido no cenário científico de sua época, Freud mostrou que o analista não deveria encarnar a figura do mestre, mas apontar para a sentença que o inconsciente enuncia no discurso da histérica.

Essa é a principal contribuição da psicanálise para o tratamento da histeria nas instituições psiquiátricas: a escuta dos significantes que representam um sintoma e um sujeito. Não se trata, porém, da escuta de uma palavra dita pelo analista ou pelos variados diagnósticos médicos, e sim pelo sujeito em análise no terreno da transferência.

 

3- O desafio do tratamento da histeria

O sujeito histérico continua a fazer de seu sintoma um “bête a noire” (FREUD, [1988], 1996-a, p.77) da Medicina, como Freud já havia considerado em 1888. Nos serviços psiquiátricos, em que se desenvolvem pesquisas e novos métodos de tratamento, a histeria continua sendo um enigma para a ciência.

Destituída das atuais categorias nosológicas, pouco se aprende sobre os fatores etiológicos da sintomatologia histérica no âmbito das clínicas médica e psicológica. Quadros histéricos como os descritos no século XIX: a histeroeplepsia, os delírios de possessão demoníaca, as alucinações visionárias, as contraturas, paralisias, cegueiras e amnésias tornam-se cada vez mais enigmáticos aos psiquiatras. Ainda que notadas a súbita regressão dos sintomas sem qualquer intervenção clínica ou, por outro lado, a manutenção destes após terem sido esgotados todos os recursos “mais modernos” da medicina, nas instituições psiquiátricas são utilizadas terapêuticas que desconsideram o sujeito histérico e suas particularidades. Como objeto de investigação e de interesse dos profissionais que se ocupam de seu caso na instituição, a histérica com seus “novos sintomas” ou com as “crises” já descritas no século XIX, produz um discurso capaz de protestar um novo significado que venha fazer de seu caso uma exceção e uma produção de novo saber. E com isso, revelam a importância de uma escuta não remetida apenas ao sentido dado pelos variados diagnósticos da medicina.

O desaparecimento da neurose histérica dos manuais diagnósticos acentua o risco de abandono das proposições conceituais que fundamentam uma prática clínica para a histeria e, com isso, dificultam a interlocução entre os campos da psiquiatria e o da psicanálise. Como efeito de tal problemática, a prática diagnóstica dos manuais de psiquiatria visa apreender o sintoma numa objetividade fenomenológica e isolá-lo a partir de categorias que visam eliminar os efeitos subjetivos caros à tradição clínica da psiquiatria.

A contribuição freudiana acerca da importância da escuta analítica para o tratamento da histeria vem sendo descartada na medida em que a clínica psiquiátrica reduz o sentido dos ditos do sujeito àquilo que é passível de ser inscrito em seus manuais. A fala do sujeito é, então, transformada em signos médicos, visando o estabelecimento da identidade diagnóstica em detrimento da alteridade revelada nos sintomas.

Um grande equívoco desfeito pela psicanálise de Freud, demonstra que histeria não é apenas um tipo de sintoma, cujos vestígios encontramos nos transtornos conversivos e dissociativos. A clínica psicanalítica não se baseia nas definições funcionais de um “órgão psíquico” a tratar e curar, mas na escuta do saber inconsciente que cada sujeito revela em análise. O desafio para os psicanalistas nas instituições psiquiátricas implica, portanto, a importante tarefa de trazer ao discurso médico contribuições na escuta do sintoma histérico, este entendido não necessariamente como sinal de doença, mas como a marca do sujeito do inconsciente. Comprometidos com esse desafio, o dispositivo analítico não deve ceder às condutas silenciadoras do saber científico, mas promover a proliferação da fala do sujeito histérico para implicá-lo na direção de seu tratamento nas instituições.

Constatando que às histéricas é oferecido um tratamento universalista e classificatório indicado pelos novos manuais diagnósticos, esse artigo pretendeu revelar que para além do imperativo emudecedor do discurso científico, marcamos a posição de analistas nas instituições médicas e deixamos o sujeito histérico falar. E aprendemos com ele, que no terreno da transferência analítica a escuta do sintoma histérico produz importantes avanços no tratamento realizado nas instituições psiquiátricas.

 

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Endereço para correspondência
Daniela Costa Bursztyn
E-mail: danielaoliver@ig.com.br

Recebido em: 12 de dezembro de 2006.
Aceito para publicação em: 6 de junho de 2007.

Acompanhamento do processo editorial: Deise Mancebo e Sonia Alberti

 

 

Notas

1 Exemplo retirado de nossas considerações. Lacan dirige seu comentário, em particular, para a abordagem da Psicologia do Ego.

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