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Estudos e Pesquisas em Psicologia

On-line version ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.8 no.3 Rio de Janeiro Dec. 2008

 

ARTIGOS

 

Padrões de interação em famílias de adolescentes com anorexia nervosa restritiva e bulímica: semelhanças e diferenças

 

Interaction patters in families of adolescentes with anorexia nervosa restrictive and bulimic subtipes: semelhances and differences

 

 

Letícia Langlois Oliveira I; Cláudio Simon Hutz II, *

I Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS - Rio Grande do Sul, Brasil
Membro do corpo docente do Instituto Abuchaim de Porto Alegre
II Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS - Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A literatura sugere diferenças no funcionamento de famílias com adolescentes acometidos dos dois subtipos de anorexia nervosa: restritivo e bulímico. Este estudo visa a descrever e comparar padrões de interação entre duas famílias: a primeira com uma adolescente com o diagnóstico de anorexia nervosa do tipo restritivo e a segunda, do tipo bulímico. Para a coleta de informações foram utilizadas uma entrevista inicial, a Entrevista Familiar Estruturada e a Entrevista de Práticas Educativas Parentais. A coleta ocorreu nas residências dos participantes e os dados foram analisados através de uma análise descritiva. O delineamento utilizado foi o de Estudo de Caso. Os resultados indicam diferenças significativas nos padrões de interação nas duas famílias. Na primeira foram identificadas, entre outras, regras rígidas e disfuncionais, dificuldade na expressão de conflitos e submissão materna. Na segunda se observou dificuldade de individualização, manifestação destrutiva da agressividade e falta de sintonia comunicacional entre os membros.

Palavras-chave: Anorexia nervosa, Transtornos alimentares, Relações familiares


ABSTRACT

Literature suggests there are differences between the family environment of adolescents whether they suffer from the restrictive subtype of anorexia or from the bulimic subtype. The purpose of this study is to compare the interaction of the members within these two families: one of a girl diagnosed with the restrictive subtype of anorexia nervosa, and the other of a girl with the bulimic subtype. The design employed was the “Case Studies”. Information was obtained through research tools such as the Initial Interview, the Structured Family Interview and Parental Educative Practices Interview. The main observation suggests significant differences in the interaction patterns of each family. In the first family, it was observed the presence of dysfunctional and rigid rules, and tendency to avoid conflict expression. The second family showed difficulties in individualization, destructive manifestation of aggression, inadequacy of the roles and an absence of communication sintony between the members.

Keywords: Nervous anorexia, Eating disorders, Family relationship


 

 

A anorexia nervosa é uma patologia do comportamento alimentar caracterizada por limitações dietéticas auto-impostas, padrões bizarros de alimentação com acentuada perda de peso auto-induzida e mantida pelo paciente associada a um temor intenso de ganhar peso. É um distúrbio grave e de prognóstico reservado (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2003), que leva a limitações físicas, emocionais e sociais (ABREU, 2002), trazendo aos pacientes grandes prejuízos biopsicossociais e elevados índices de letalidade (DOYLE; BRIANT-WAUGH, 2000).

Os critérios diagnósticos atuais especificam dois subtipos da anorexia nervosa: restritivo e bulímico. No primeiro tipo ocorre apenas uma restrição nutricional através da evitação dos alimentos, enquanto que, no segundo, ocorrem também episódios de um rápido consumo de grandes quantidades de alimentos em um tempo limitado ou indução de vômitos e limpeza estomacal, através do uso de laxantes e diuréticos (DSM IV & TR, 2000).

Ainda hoje a etiologia da anorexia é desconhecida, mas a maioria dos especialistas trabalha com um modelo multidimensional, que reconhece fatores de risco individuais, genéticos, sociais e familiares (ABREU; CANGELLI FILHO, 2005). Em relação aos aspectos familiares, a literatura aponta padrões específicos de interação nos sistemas anoréxicos, estabelecendo características distintas para as famílias com pacientes anoréxicos restritivos e anoréxicos bulímicos (MORGAN et al., 2002).

Os estudos constatam, em famílias de pacientes com anorexia bulímica, um maior desengajamento e maior desorganização do que aquelas com pacientes restritivos. Neste sentido, buscando compreender os dinamismos familiares, Strober e Yager (apud ESPINA, 1996) descrevem dois modelos distintos típicos das famílias anoréxicas:

1)  Famílias centrípetas: caracterizam-se por intensa coesão, expressão emocional pobre, falta de permissividade e pouca socialização.

2)  Famílias centrífugas: são aquelas em que existe pouca coesão, medo do abandono, dependência extrema, falta de controle e conflito conjugal.

Ao contrário, Roijen (1992), baseado em sua prática clínica, considera que existiam tipos variados de famílias com adolescentes anoréxicas, além de distintos níveis de organização e funcionamento. Partindo do pressuposto de que essas famílias formavam um grupo heterogêneo, o autor desenvolveu um estudo com o objetivo de investigar padrões de interação familiar. Como resultado, foram identificados três grupos com características distintas de funcionamento: 53% das famílias eram predominantemente centrípetas, 24% predominantemente centrífugas e 24% mistas. Goldbloom e Garfinkel (1992) concordam que não é possível estabelecer um padrão único de relacionamento nessas famílias, nem mesmo uma tipologia familiar característica, mas sim um leque de fatores de risco que podem predispor o desenvolvimento do transtorno. Nunes e Ramos (1998) também acreditam na inexistência de uma família tipicamente anoréxica, mas postulam que alguns padrões específicos de relacionamento disfuncional podem ser identificados.

Também com o objetivo de investigar o ambiente familiar e as características sintomáticas dos transtornos alimentares, Tachi (1999) realizou um estudo com 180 pacientes, sendo 52 casos de anorexia restritiva (AR), 40 de anorexia bulímica (AB), 57 de bulimia purgativa (BP), 17 de bulimia não-purgativa (BNP) e 14 de binge eating (compulsão alimentar) (BE). Os resultados apontam que na dimensão "coesão" do instrumento, a maioria dos pacientes com AR percebia suas famílias como significantemente "emaranhadas" (alto grau de coesão) enquanto que a maioria dos pacientes com bulimia e BE percebiam suas famílias como "desengajadas" (baixa coesão). As famílias dos pacientes com AB apresentaram menor coesão do que as de pacientes com AR. A maioria dos pacientes com AB e BE viam suas famílias como rígidas, e a maioria dos pacientes com BP percebiam suas famílias como rígidas ou caóticas. Tais dados apontam para ambientes familiares típicos nos transtornos alimentares: de coesão e emaranhamento para os pacientes com anorexia restritiva, coesão intermediária para anorexia nervosa bulímica, desengajamento em pacientes bulímicos e desengajamento grave em pacientes com binge eating. Assim, pode-se pensar em uma associação entre o ambiente familiar emaranhado e a severidade da restrição alimentar e, conseqüentemente, entre o ambiente familiar desengajado e a compulsão alimentar.

Com o objetivo de encontrar associações entre a presença de histórico familiar patológico e a instalação de transtornos alimentares, Pântano et al. (1997) estudaram 79 pacientes com anorexia nervosa e 34 com bulimia nervosa.  Os autores não encontraram diferenças significativas entre os dois transtornos no que diz respeito a doenças mentais parentais. Todavia, a presença de comportamentos de purgação, que pioram o prognóstico, estava associada a ambientes familiares mais patológicos.

Com base na literatura acima revisada, reitera-se a importância da família no desenvolvimento, manutenção e tratamento da anorexia nervosa. Contudo, os estudos apresentam divergências e contradições quanto à existência de padrões de interação distintos em famílias com adolescentes com anorexia restritiva e bulímica.

Assim, este estudo visa a descrever e comparar padrões de interação entre duas famílias: a primeira com uma adolescente com o diagnóstico de anorexia nervosa do tipo restritivo e a segunda, do tipo bulímico. Para a coleta de informações, foram utilizadas uma entrevista inicial que investigou dados sócio-demográficos, histórico e evolução da anorexia nervosa, além das repercussões do transtorno para o sistema familiar, a Entrevista Familiar Estruturada (FÉRES-CARNEIRO, 1979), que avalia comunicação, regras, papéis, liderança, conflitos, afeição física, manifestação da agressividade, interação conjugal, integração, auto-estima e individualização entre os membros e a Entrevista de Práticas Educativas Parentais (OLIVEIRA, 2004), com o objetivo de investigar as práticas educativas utilizadas pelos pais (indutivas, coercitivas e negligentes).

A coleta ocorreu nas residências dos participantes e os dados foram analisados através de uma metodologia qualitativa e uma análise descritiva. O delineamento utilizado foi o de Estudo de Casos (YIN, 1993), que tem como objetivo a exposição de um fenômeno em seu contexto, dentro da vida real, através da análise profunda e exame detalhado de uma unidade, neste caso o sistema familiar.

Buscou-se realizar uma análise dos padrões de interação de cada uma das famílias, através da exposição dos dados obtidos em cada instrumento e, em seguida da discussão dos resultados, relacioná-los ao referencial teórico sistêmico. Após a apresentação dos dois casos em separado, discutiram-se aspectos comuns e discordantes entre as famílias, confrontando novamente os dados obtidos com a literatura especializada.

 

CASO 1: Família de Maria

Entrevista inicial

O primeiro contato telefônico com a família de Maria ocorreu com sua mãe, Dona Lúcia. Já neste primeiro diálogo, pôde-se perceber que se tratava de uma mulher calada e comedida, dando a impressão de tristeza e retraimento.

Após concordar com a participação no estudo, foi necessário cerca de um mês até que Dona Lúcia definisse uma data para o encontro, visto que, sempre que contatada, solicitava uma nova ligação, alegando que ainda não havia tido a oportunidade de falar com o marido sobre o assunto ou que ainda não haviam encontrado uma data em que todos pudessem estar reunidos. 

A residência da família está localizada em um bairro nobre de uma cidade do interior. As pesquisadoras foram recebidas inicialmente por Dona Lúcia, que as parabenizou por terem chegado pontualmente. Em seguida, Maria chegou da aula de inglês juntamente com seu pai, Sr. João e, aparentemente empolgada com a participação na pesquisa, foi até o quarto de seu irmão, André, chamá-lo para a entrevista.

Maria está com 16 anos e cursa o segundo ano do ensino médio. O casal tem outros três filhos, André, de 19 anos, e duas meninas, de 21 e 22 anos de idade, que estudam no sudeste do país. Sr. João encontra-se aposentado e, há cerca de um ano, exatamente quando Maria estava internada em função da anorexia, abriu uma rede de restaurantes em supermercados na região sudeste.

No início da entrevista, Dona Lúcia comentou o quanto seria difícil falar sobre a doença de Maria, enfatizando que só havia aceitado a proposta pela insistência da filha, que queria ajudar outras meninas que enfrentam o mesmo problema. Com exceção de Maria, que demonstrava alegria, ânsia em responder às perguntas e interesse em falar sobre si, os outros participantes aparentavam certo desânimo e desejo de que o processo fosse logo encerrado.

Em relação ao modo de acomodação da família, os membros se posicionaram distantes uns dos outros. Maria sentou-se em uma cadeira e, em seguida, tirou os tênis. Demonstrava sentir-se confortável, movimentava-se constantemente, utilizava um tom de voz alto e muitos gestos. Em cada uma das extremidades de um grande sofá encontravam-se Dona Lúcia e Sr. João, separados por André. O casal apresentava-se cabisbaixo, ambos falavam pausadamente e mantinham uma postura rígida. O filho, por sua vez, adotando uma postura adolescente, embora também um tanto triste, fazia carinhos na mãe em momentos em que ela demonstrava angústia. Durante a entrevista inicial, Maria foi quem respondeu à maioria das questões, confrontando algumas idéias expostas pelos outros membros, principalmente pelo pai.

O início do emagrecimento ocorreu há cerca de dois anos. A menina conta que comia demais e que se achava gorda, horrível, “a pessoa mais feia do mundo”. Segundo Maria, o aparecimento da anorexia se deu muito repentinamente. A adolescente lembra exatamente do dia em que acordou e simplesmente parou de comer e passou a realizar exercícios físicos exaustivos. Maria acredita que o fato desencadeante de sua doença foi a saída de sua única amiga da escola.

Em relação à descoberta da doença, Dona Lúcia levava a filha anualmente ao pediatra. Em 2002, o médico constatou que ela havia perdido um quilo desde a consulta anterior, e chamou sua atenção para este fato, alegando que poderia ficar desnutrida. Naquele momento, Dona Lúcia ficou bastante assustada, visto que suas outras duas filhas já tinham desenvolvido transtornos alimentares alguns anos atrás, sendo que uma foi acometida de bulimia, e outra de anorexia nervosa e, posteriormente, de bulimia.

Dona Lúcia relata que demorou apenas um ou dois meses para descobrir que algo de errado estava acontecendo com Maria. Todavia, o pai declara que seis meses antes do emagrecimento já percebera mudanças no comportamento da filha que, ao contrário da menina alegre que sempre havia sido, tornara-se isolada e irritável. André expõe que a família percebeu rapidamente a doença da irmã porque, na época, seu pai estava se aposentando e tornou-se mais presente. O garoto conta que, ao mesmo tempo que Maria desenvolveu anorexia, ele teve problemas com drogas e o pai logo percebeu e tomou providências.

Preocupada com o emagrecimento de Maria, Dona Lúcia levou a filha a uma psiquiatra. Após comparecer a três sessões com a especialista, Maria decidiu suspender o tratamento por achar que estava saudável e que não havia motivos para preocupação, mas foi obrigada pelos pais a ir às consultas. Maria fica exaltada ao relatar sobre este período, quando, segundo ela, teve sua liberdade completamente cerceada e durante o qual odiava os pais com “toda a força”. Diz que não acreditava estar doente e, apesar de todos alegarem que estava muito magra, olhava para o espelho e se via gorda. Além disso, se sentia perfeitamente bem, saudável e animada.

Mesmo com o início do tratamento, o emagrecimento de Maria era cada vez mais intenso e a menina teve de ser internada, permanecendo no hospital por quatro meses. O relacionamento familiar ficou muito abalado neste período, especialmente entre a adolescente e o pai. As brigas eram constantes, pois Maria acreditava que Sr. João não a compreendia. No hospital, a garota solicitou à psiquiatra que suspendesse a visita de seus pais. Com o cancelamento dos encontros, Maria diz que sabe que Dona Lúcia chorou, mas desconhece a reação de seu pai, visto que ele é muito radical e não demonstra seus sentimentos.

Após a internação, Maria passou a ser acompanhada por uma equipe interdisciplinar. Embora hoje esteja se sentindo melhor, afirma que ainda não consegue se alimentar corretamente, obrigando-se a não realizar alguma refeição importante caso coma um doce. Além disso, sabe que tem “um longo caminho pela frente” e mostra-se consciente de que a anorexia não é curada de forma abrupta e que, provavelmente, vai precisar estar atenta a questões ligadas à alimentação ao longo de sua vida.

 

Entrevista Familiar Estruturada

Comunicação

Durante a entrevista, pôde-se perceber um tipo de comunicação incongruente no sistema, especialmente em função de Sr. João, que alega conversar com a família, mas na realidade, tem uma postura nitidamente autoritária. Maria confirma as atitudes autocráticas do pai, contestando-o continuamente quando este afirma estar aberto ao diálogo. A menina possui uma clara dificuldade de entendimento com a figura paterna. 

A comunicação familiar pode também ser descrita como confusa, visto que Dona Lúcia muda o foco do assunto várias vezes e utiliza uma linguagem pouco explícita e um tom de voz baixo, o que dificulta o entendimento dos receptores.  André, por sua vez, parece ser muito quieto e introspectivo. Assim, a comunicação não parece ter uma direcionalidade adequada, na medida em que nem todos os membros podem expressar o que pensam a respeito dos outros. Maria, todavia, utiliza tom de voz alto e busca interagir com todos os membros, impondo suas opiniões contrárias. Apesar de a comunicação familiar ser ainda disfuncional, é notável o esforço dos membros, especialmente do subsistema parental, para modificar tal padrão inadequado de interação.

Regras

As regras da família são explícitas e conhecidas por todos os membros. No entanto, até o início do tratamento de Maria, eram incoerentes, rígidas e não-democráticas. Mesmo com os filhos já adolescentes, as regras continuavam autoritárias e baseadas em padrões estabelecidos na infância. Dona Lúcia e Sr. João assumem que, antes da doença de Maria, os filhos não podiam dar suas opiniões e tinham que fazer tudo o que os pais determinassem. Atualmente, porém, Dona Lúcia e Sr. João estão buscando ser mais flexíveis e já conseguem ouvir as alegações dos filhos e renegociar algumas atitudes.

Papéis

Até a instalação da enfermidade de Maria, os papéis familiares eram fixos e definidos de forma rígida, não permitindo o diálogo e a troca de experiências entre pais e filhos. Além de rígidos, eram também inadequados, visto que Maria sempre se comportou como adulta e, desde a infância, tentava solucionar os conflitos de casal de seus pais. No momento, porém, a família percebe que a filha não tinha maturidade suficiente para ajudar nas brigas entre o subsistema conjugal. Atualmente, os papéis não parecem ter mais tanta rigidez, na medida em que o sistema demonstra estar um pouco mais integrado e as fronteiras mais nítidas e permeáveis.

Liderança

A liderança no sistema parece ter sido sempre conduzida de forma fixa e autocrática. Atualmente, embora a família já questione o autoritarismo que permeou o relacionamento familiar no passado, ainda é possível constatar a liderança fixa exercida por Sr. João. O pai demonstra exercer muito controle sobre André e, especialmente, sobre a esposa, que responde às perguntas sempre olhando para o marido, como se esperasse seu aval ou consentimento.

Conflitos

Durante a entrevista, Maria demonstra a capacidade de introduzir e expressar conflitos em várias das questões propostas. Os outros membros, porém, aparentam desconforto em falar sobre os problemas familiares, que são negativamente valorizados e representam uma ameaça à homeostase familiar. Apesar disso, após o início do tratamento de Maria, que inclui orientação aos demais membros, a família demonstra que, ainda de forma rudimentar, está começando a expressar conflitos e buscando, através do diálogo, soluções mais adaptativas.

Manifestação da agressividade

Percebe-se a capacidade de Maria de expressar a agressividade e a dificuldade do subsistema parental em manifestar sentimentos hostis. A menina, antes considerada a filha perfeita, hoje se comunica através de muitas gírias e palavrões e pode expressar raiva e descontentamento em relação aos pais. Tal mudança, apesar de nitidamente não ser aprovada pelos demais membros e causar nestes certo constrangimento, já é aceita na família, pois todos acreditam que esta é uma forma construtiva de Maria ser independente e expor suas idéias.

Ao contrário da filha, Sr. João tenta negar qualquer manifestação de agressividade, buscando transmitir a idéia de que resolve os conflitos através do diálogo. Todavia, quando relata essa conduta indutiva é logo corrigido por Maria, que solicita ao pai que fale a verdade. Finalmente, Dona Lúcia aparenta ser incapaz de demonstrar sentimentos de hostilidade pelos demais membros.

Afeição Física

A afeição física é presente e aceita na família, embora de maneira tímida e sem carga emocional adequada. Nesse sentido, Sr. João e André parecem ser mais rígidos e não expressam afetos com freqüência. Dona Lúcia, por sua vez, é capaz de demonstrar afeto, mas também rudimentarmente. É notável também o baixo nível de afeição física entre o subsistema conjugal. Porém, ao contrário dos demais, Maria mobiliza a família e demonstra afeto e emoções durante toda a entrevista.

Interação Conjugal

O casal não se apresenta como um subsistema claro e destacado, mas sim indiferenciado e subjugado às funções parentais e laborais. Não há individualização, visto que a esposa se mostra submissa ao marido e espera aprovação deste após todas as suas falas. Sr. João, por sua vez, tenta interferir nos relatos da esposa várias vezes. Além disso, o casal não demonstra gratificação, visto que se posicionam distantes um do outro e, na tarefa da entrevista que propõe a manifestação de afeto entre os membros, Sr. João não se refere à Dona Lúcia, enquanto esta dá, no esposo, um beijo na testa, da mesma forma que fez com os filhos.

Individualização

A partir dos relatos percebe-se que, antes da anorexia nervosa, os membros da família eram superenvolvidos emocionalmente. Não havia possibilidade de independência e todos permaneciam sempre juntos sem questionar tal condição. Atualmente, porém, a família está buscando a individualização, especialmente através de André e Maria, que estão na adolescência e priorizam o convívio com o grupo de amigos.

Integração

Apesar de estar buscando novas e mais adequadas formas de interação, a família ainda não demonstra integração. Os membros enfrentam uma fase de transformação, na qual uma série de mágoas, dificuldades e conflitos adquiridos no passado os impedem de funcionar de forma coesa e integrada. No entanto, rudimentos de uma identidade grupal já podem ser percebidos no sistema.

Auto-Estima

A dupla parental transmite uma imagem de desesperança e baixa auto-estima. Sr. João, apesar de descrever alguns aspectos que considera positivos em si, o faz em um tom de voz baixo, aparentando não estar convicto de suas virtudes. Dona Lúcia, por sua vez, não é capaz de citar nada que aprecia em si mesma. Parece muito perfeccionista e exigente consigo mesma, além de muito decepcionada com todos os problemas atravessados pelos filhos. Entretanto, o subsistema fraternal apresenta uma auto-estima mais adequada, que, segundo a família, foi conquistada após o início do tratamento de Maria. A adolescente demonstra estar vivendo um processo de auto-afirmação e descoberta de suas potencialidades e qualidades, relatando, com muita empolgação, uma série de qualidades próprias.

Interação familiar

A interação familiar, no momento da entrevista, ainda pode ser considerada como disfuncional e não facilitadora do desenvolvimento sadio de seus membros. Todavia, é notável no sistema um movimento de transformação em busca de padrões mais adaptativos de funcionamento. Gradativamente, os membros parecem estar modificando aspectos insatisfatórios e tentando estabelecer novas soluções através de meios novos e mais adequados.

 

Entrevista de Práticas Educativas Parentais

A partir da análise do conteúdo das respostas emitidas pelos pais às situações componentes da Entrevista de Práticas Educativas Parentais, foram classificados três tipos de práticas: indutivas, coercitivas e negligentes.

Com base nas respostas emitidas por Dona Lúcia, classificam-se as técnicas utilizadas pela mãe como indutivas. Dona Lúcia confessa que, até pouco tempo, assumiu uma postura autoritária na educação da filha, mas hoje percebe que suas condutas não proporcionavam os resultados esperados, assim como não colaboravam para o desenvolvimento de uma relação sadia com a filha. Confirmando as concepções de Preto (1995), a mãe considera que a capacidade de favorecer independência à filha paradoxalmente colabora na construção de uma relação de proximidade entre ambas.

 As respostas do pai também foram classificadas como indutivas, visto que ele enfatiza, em todas as questões, dialogar com a filha. No entanto, ao contrário de sua esposa, que confessa ter adotado uma postura coercitiva no passado, mas atualmente se esforça para mudar tal padrão disfuncional, Sr. João tenta passar uma imagem de perfeição que certamente não corresponde à realidade. Essa percepção é confirmada por Maria, que, durante todo o processo, desmistificou os relatos indutivos do pai. Todavia, quando respondeu a esta entrevista, Sr. João encontrava-se sozinho com a pesquisadora, não podendo, assim, ser contestado pelos demais membros. Buscou, então, novamente, demonstrar um padrão ideal de relacionamento com a filha. Em primeiro lugar, não citou nenhuma situação na qual pudesse ser difícil lidar com a filha, quando na adolescência, os conflitos entre pais e filhos são normais e devem ser valorizados (CARTER; MC GOLDRICK, 1995). Ademais, em todas as situações estruturadas, quando era solicitado que comentasse suas atitudes em fatos específicos, respondeu de forma sucinta e repetitiva a todas as questões, demonstrando incerteza. Dizia apenas que conversava com Maria e que esta gostava de sua atitude.

 

Discussão: Família de Maria

Em um primeiro momento, o sistema dá a impressão de ser tradicional, harmônico e sem conflitos, conforme a descrição de Minuchin, Rosman e Baker (1978). Todavia, alguns aspectos disfuncionais comprovados ao longo do processo, mesmo antes do encontro com a família, já puderam ser identificados. A demora de um mês para que Dona Lúcia pudesse conversar com os demais membros sobre a possível participação no estudo, por exemplo, é um indício da disfuncionalidade da comunicação familiar. Além disso, o elogio feito pela mãe à pontualidade das pesquisadoras já denota suas características de organização e controle.

A concepção de que muitos familiares têm profissões relacionadas à alimentação, como donos de restaurantes ou cozinheiros (HERCOVICI; BAY, 1997) pôde ser verificada, na medida em que os pais da menina abriram uma rede de fast food exatamente na época em que esta foi internada em função da doença.

Outro aspecto importante é o fato de André ter sido dependente químico e, além de Maria, as outras duas irmãs terem sido acometidas de transtornos alimentares. Neste sentido, Hercovici e Bay (1997) afirmam que é comum a existência de doenças clínicas e psiquiátricas em famílias de adolescentes anoréxicas. Quanto à presença de transtornos alimentares nas três filhas, a literatura confirma que a prevalência de anorexia nervosa entre irmãs é de 3 a 10%, e que parentes de primeiro grau de anoréxicos apresentam um risco 10 vezes maior de apresentar a doença (CORDÁS; BUSSE, 1995).

Também conforme descrito pela literatura, Maria corresponde ao estereótipo das meninas anoréxicas, sendo considerada pelos pais como a filha perfeita, meiga, inteligente e ótima aluna (HERCOVICI, 1987). Os próprios pais assumem que nunca deram afeto à menina, pois esta se desenvolvia normalmente enquanto as duas outras filhas que eram acometidas de transtornos alimentares necessitavam de cuidados e atenção.

Com base nas idéias de Minuchin e Fishman (1984), o sistema pode ser considerado uma “família acordeão”. Neste estilo familiar, um dos progenitores passa longos períodos fora de casa e, assim, as funções parentais são concentradas no cônjuge que permanece no lar, mesmo aquelas pertencentes à figura parental ausente. Neste sentido, Sr. João sempre o foi, visto que permanecia vários meses longe do país, em função de seu cargo de gerente de uma grande empresa indiana. Dona Lúcia, então, assume ter sido sempre controladora e autoritária em relação aos filhos, como forma de manter a ordem e a educação correta das crianças, o que era cobrado pelo marido quando este voltava de viagem. .

Em relação ao subsistema parental, considera-se que a família apresenta, segundo a concepção de Selvini Palazzoli, Cirillo, Selvini e Sorrentino (1998), um tipo menos freqüente de configuração nas famílias anoréxicas: a do pai centralizador e autoritário e da esposa que assume o papel de  ser percebida como vítima. Como já exposto, o casal apresenta trocas afetivo-relacionais pobres e pouca individualização. Além disso, pode ser percebida uma triangulação da filha sintomática com seus pais, satisfazendo, assim, secretamente, os desejos e carências de cada um em relação ao seu cônjuge (SELVINI; PALAZOLLI, 1990). Este fenômeno é denominado por Minuchin (1982) como “intrusão”, ou seja, o abandono de um membro de seu papel apropriado dentro de um subsistema ou do sistema, neste caso a filha que se situa no plano adulto como confidente, aceitando uma aliança inadequada. Tal concepção pode ser comprovada na qual Dona Lúcia afirma que Maria tentava, na infância, resolver os conflitos conjugais dos pais.

Ambos os pais utilizavam técnicas coercitivas (HOFFMAN, 1979) na educação dos filhos. Com base nos instrumentos respondidos pela família, percebe-se que até a instalação da enfermidade de Maria, a família tinha um funcionamento inadequado e baseado em regras estabelecidas na infância. Os padrões de autoridade e funcionamento adquiridos na infância dos filhos permaneceram mesmo estes já estando na adolescência. Neste sentido, chama a atenção o fato de Dona Lúcia continuar levando a filha anualmente ao pediatra e de os filhos serem obrigados a passar as férias na fazenda com os pais.

Em relação ao desenvolvimento da anorexia nervosa, embora Maria relacione seu adoecimento com a saída da única amiga da escola, perda típica da adolescência descrita como desencadeante do transtorno por muitas pacientes (NUNES; RAMOS, 1998), um aspecto interessante é o fato de ter acordado um dia e “simplesmente parado de comer”. Tal situação remete à idéia de Onnis (1994) de que a negação de comer consiste em uma tentativa desesperada de individuação, que se apresenta sob a forma de um "protesto mudo", visando à introdução de conflitos em famílias que evitam qualquer situação que ameace o status quo do sistema.

Depois de alguns meses de tratamento, Maria parece consciente da seriedade da doença e, apesar de ter ganhado peso e estar se sentindo melhor emocionalmente, acredita que a alimentação nunca será algo “normal” em sua vida e que não está totalmente curada. Tal idéia é confirmada por Ratnasuriya, Eisler, Szmugler e Russel (1991), que descrevem, na maior parte dos pacientes com anorexia nervosa, a manutenção, ao longo de toda a vida, de um padrão alimentar de maltrato com as refeições.

Apesar de não ter ainda uma alimentação correta, a adolescente se mostra motivada com o tratamento, faz leituras sobre o tema e até criou um blog para tratar de assuntos relacionados à anorexia nervosa. Ademais, Maria está em um intenso processo de busca de independência. Segundo Fishman (1996), o adolescente só pode adaptar-se socialmente se viver em um ambiente em que sua necessidade de autonomia seja incentivada e valorizada. Para isso, precisa do rompimento, em certo nível, dos vínculos estreitos com sua família. Neste sentido, a menina tem um grupo de amigos os quais considera como sua segunda família e que, no momento, são as pessoas mais importantes em seu dia-a-dia. Além disso, nesta etapa, é importante que sejam estabelecidas novas fronteiras que permitam ao filho ter experiências fora do núcleo familiar (MINUCHIN; FISHMAN, 1984), o que vem sendo buscado pela família. Conforme verificado, antes da doença a individualidade era inexistente e o sistema funcionava como um bloco só (MIERMONT, 1994). Hoje em dia, porém, cada membro escolhe o que quer fazer nos feriados, diferentemente de algum tempo atrás, quando todos viajavam juntos por obrigação. Mesmo André, que parece muito identificado com o pai, apresentando-se sério e quieto, demonstra estar, assim como Maria, no início de uma busca por independência e objetivos próprios. 

Segundo Cerveny (1997), a conquista da autonomia não significa a desconexão afetiva da família, mas sim a obtenção de maior controle na tomada de decisões e independência em termos psicológicos. Tal concepção é hoje confirmada pela mãe, que se considera mais próxima de Maria agora que permite que esta se manifeste e veja suas opiniões respeitadas.

Outro aspecto modificado após a doença de Maria era a impossibilidade de manifestar sentimentos hostis na família. Atualmente, a agressividade é expressa pela menina através de palavrões e da introdução de conflitos que, embora desgostem os demais membros, não são motivos de discórdia ou repúdio. Pelo contrário, Dona Lúcia afirma que desta maneira a filha pode ser uma “menina normal” e não mais idealizada como no passado.

Maria hoje possui uma boa auto-estima, demonstrando estar descobrindo suas qualidades e desejos individuais. Os demais membros, porém, especialmente o casal, ainda apresentam um baixo auto-conceito, além de um sentimento de fracasso e decepção na criação dos filhos e uma clara ausência de gratificação conjugal.

Embora o processo de mudança na interação familiar esteja sendo almejado pelo sistema, com exceção de Maria, os membros não demonstraram disposição em responder sobre seu funcionamento, fato este que, já no início do encontro, foi confirmado por Dona Lúcia, quando enfatizou que só estava participando do estudo por insistência da filha. Neste sentido, a mãe expressou, em certas situações, o desejo de encerrar a entrevista. Assim como a esposa, Sr. João demonstrou insatisfação em vários pontos da coleta de dados, questionando, várias vezes, se a pergunta que estava sendo feita no momento era a última e comentando que as entrevistas eram muito extensas.

Apesar do intuito do subsistema parental de que Maria possa ser mais independente e que não precise mais ser uma filha perfeita, Maria ainda é um pouco idealizada pela família. Neste sentido, Sr. João teve dificuldade, na Entrevista de Práticas Educativas Parentais, de citar situações difíceis de lidar com a filha, alegando que a considera uma “ótima menina”. Já Dona Lúcia diz que não saberia como reagir a algumas situações comuns aos pais de adolescentes porque acredita que a filha não “daria esses problemas”. Em outros momentos, tenta negar que a adolescente tenha aspectos imperfeitos, acreditando, por exemplo, que a filha conta mentiras exclusivamente em função da doença e, mesmo sabendo que Maria chegou embriagada de um baile, afirma que a menina não consome bebidas alcoólicas.

Segundo Elkaim (1990), a família é um sistema mutante, em transformação constante. Na mesma linha, Andolfi, Ângelo, Menghi e Nicolo-Corigliano (1984) consideram a família como um sistema ativo, um organismo complexo que se modifica com o objetivo de assegurar a continuidade e o desenvolvimento psicossocial de seus membros. Na família de Maria há um movimento sistêmico em busca dos desejos individuais e respeito à autonomia. Assim como a menina, os pais, mesmo que ainda com dificuldade, já buscam novos padrões de interação, com vias mais adequadas de resolução dos problemas, como o diálogo e a compreensão. O tratamento psicoterápico de Dona Lúcia e de Maria, este último envolvendo todos os membros, certamente colaborou para a mudança no funcionamento familiar. Neste sentido, Shugar e Krueger (1995) investigaram famílias em terapia sistêmica e perceberam importantes transformações. A agressividade que era comunicada de forma mascarada no início do processo terapêutico, passou a se dar de forma aberta, com expressão dos sentimentos agressivos que permeavam a família permitidos. Tal mudança, segundo os pesquisadores, colaborou positivamente para uma melhora dos hábitos alimentares e ganho de peso do paciente anoréxico.

Maria é responsável pela transformação familiar e demonstra incitar e coordenar as mudanças. Busca também romper com os padrões adquiridos no passado e se libertar do estereótipo de menina “certinha”. Apesar de ser o membro sintomático, a jovem apresenta-se como a mais saudável no sistema, utilizando a participação no estudo como um espaço para questionamentos, introdução de conflitos e busca de soluções, manifestando agressividade de forma construtiva e mobilizando a afeição física e o diálogo entre os membros.

 

CASO 2: Família de Caroline

O primeiro contato com a família de Caroline se deu através de Ana, mãe da paciente, que instantaneamente concordou em participar do estudo. A bela casa da família está situada em uma cidade do litoral de Santa Catarina, onde reside Caroline, de 20 anos, sua filha, Júlia, com oito meses, sua irmã Paula, de 18 anos, seu pai, Jorge, e Ana.

 Em um primeiro momento, estavam em casa apenas Caroline, Júlia e Ana. Mãe e filha aparentavam ter se arrumado para a entrevista, visto que estavam maquiadas, penteadas e utilizando muitos acessórios. Em seguida, Jorge chega com a cadela da família, que estava no pet shop tomando banho e permanece do lado oposto da sala ao que sua esposa estava sentada. Caroline acomoda-se com Júlia no colo em um sofá, separando os pais.

Jorge é ex-funcionário público, tendo sido demitido há cerca de dois anos. Hoje, divide com a esposa a administração da loja de roupas femininas da família. Caroline teve que desistir temporariamente da faculdade de psicologia, onde cursava o segundo ano, para se dedicar à filha. Atualmente também trabalha na loja com os pais. Paula faz um curso pré-vestibular e a filha mais velha do casal, Roberta, de 26 anos, é casada e exerce a profissão de nutricionista.

Em um primeiro momento, agradeceu-se a disposição de todos em conversar sobre um assunto que certamente traz sofrimento à família. Caroline descreve que a anorexia teve início quando estava com 16 anos de idade. Ana interrompe e conta que a menina apresentava problemas com o peso desde pequena. Lembra que, quando a filha era convidada para uma festinha, tinha que lhe comprar duas roupas novas, porque sabia que na hora de sair ela poderia se achar feia e não ia querer ir. Caroline concorda que já aos sete anos de idade tinha problemas com sua aparência física, pois se sentia gorda. Além disso, acredita que suas irmãs sempre foram mais magras que ela. Ana alega que este é um problema da própria Caroline, visto que todos sempre consideraram a menina a mais bonita e simpática da família.

A mãe acredita que um aspecto que pode estar relacionado aos problemas da filha é o fato de que a família morava em uma casa, onde Caroline sempre teve muita liberdade, por exemplo, de brincar na rua e andar de pés descalços. Quando a menina estava com seis anos, a família precisou mudar-se para um apartamento. A partir daí, ela se tornou muito retraída e não queria mais ir à escola. Nessa época teve depressão, chorava muito e relatava dores na cabeça e na barriga. Segundo Ana: “o médico disse que era sistema nervoso, deu calmante”. Logo em seguida, a menina desenvolveu o que chama de “fobia de dormir à noite”, sintoma este que permaneceu até os 13 ou 14 anos. Caroline complementou a fala da mãe lembrando de uma época em que seus pais saíam e ela sentia pavor de ficar sozinha dentro de casa. Além disso, aos 13 anos, Caroline descreve que desenvolveu o que chama de “mania por limpeza”. Não saía de casa sem tomar banho, passava o dia inteiro limpando a casa e sentia prazer de ver as roupas limpas mesmo sem usá-las.

Na mesma época, Ana percebeu que a filha tinha dificuldades em relação a questões sexuais. Quando começou a desenvolver os seios, ninguém podia encostar no seu corpo. Além disso, a garota passou a sentir nojo do cachorro da família. Tinha também nojo, ciúmes e raiva da irmã mais velha quando esta começou a namorar. Ana conta que considerava a filha “depravada” e, portanto, levou-a a uma psicóloga. A orientação da terapeuta foi de que Ana se afastasse de Caroline para que esta pudesse ter, com o pai, o “namoro” que não havia tido na infância e para que Jorge pudesse se tornar mais presente na vida das meninas. Sem explicar nada para a filha, a mãe simplesmente afastou-se da menina. A partir daí, Caroline revoltou-se contra a mãe, não entendendo por que esta havia se tornado tão fria e ausente, muitas vezes chegando a implorar pelo carinho maternal. Essa revolta permaneceu no início da adolescência e, portanto, a família começou a brigar muito. Jorge confessa que neste período estava sempre procurando um motivo para discutir e qualquer fato simples era motivo para agredir e brigar. Para evitar discórdias, o casal chegou a trabalhar em horários distintos.

Concomitantemente, a família enfrentou uma situação financeira difícil e Caroline passou a sentir uma grande insegurança, com medo de que até os alimentos básicos pudessem faltar. Segundo Ana, nesta mesma época, quando Caroline estava com 15 anos, é que a filha desenvolveu os sintomas do que denomina “anorexia-bulimia”.

A menina começou a sair à noite e cada vez mais sentia insatisfação em relação as suas formas corporais. Foi então que começou a roubar e consumir laxantes em excesso. Com isso, a adolescente descreve que ficou “seca”. Além disso, passou a fazer musculação. Ana relembra que aconselhava a filha a suspender a musculação, pois ela passou a comer muito e estava ganhando peso e massa muscular.

Caroline conta que nessa época sentia tédio e insatisfação com o namorado e que apesar de querer emagrecer, comia cada vez mais. Algum tempo depois, passou a acreditar que o pouco que comia era muito, decidindo, portanto, apenas mastigar e depois cuspir os alimentos. Além disso, começou a vomitar com freqüência.

Só no mês de janeiro, Caroline eliminou 12 quilos. Como era verão, Ana percebeu com mais facilidade que o emagrecimento da filha não era normal e queria levá-la ao médico, mas Caroline alegou que não estava doente e que a mãe estava contra seus esforços para emagrecer. Só em março a garota consentiu em procurar ajuda especializada. Caroline começou o tratamento com um psiquiatra da cidade, que lhe prescreveu um antidepressivo e acompanhamento psicoterápico.  Até o final do ano essas orientações médicas foram seguidas, embora consideradas ineficazes pela mãe. A família lembra que, em dezembro do ano seguinte, a menina não escondia mais seus episódios bulímicos, vomitando até mesmo no meio da rua e na frente de todos.  Neste ponto da entrevista, Ana comenta com orgulho a “força”, a capacidade de “luta” e responsabilidade de Caroline, que, mesmo em estado de inanição, compareceu ao trabalho até o dia em que foi internada.

Quanto à personalidade pré-mórbida1, a jovem alega que sempre fora rebelde no que tange à mãe. Já a opinião de Ana é de que a filha sempre fora organizada, muito responsável e adulta. A mãe completa os elogios à Caroline afirmando que esta só aceitou ser internada por estar cansada e fraca.  Ana e Jorge procuraram uma psiquiatra em Florianópolis e, após relatarem o caso da filha, que continuou se agravando mesmo com o tratamento, tiveram a indicação de que ela deveria ser internada. A menina permaneceu na instituição por cerca de 20 dias, sendo que esta foi, segundo Ana, a pior experiência pela qual a família já passou. Conta que Caroline era constantemente “dopada” e a que a única atenção personalizada oferecida no local era a presença de uma enfermeira, que após as refeições permanecia por duas horas ao lado da paciente para impedi-la de provocar vômitos. Além disso, a alimentação não era controlada e não havia serviços de psicologia e psiquiatria. Outro problema residia no fato de Caroline conviver com pacientes acometidos de diversos transtornos. A jovem passou a se preocupar com os internos depressivos, que ameaçavam cometer o suicídio e a se envolver com dependentes químicos. Quando os pais iam visitá-la, implorava para que a tirassem dali, desejo este que não foi realizado porque Ana confiava na opinião dos médicos de que a menina precisava permanecer internada. Apesar disso, Ana conta que ficou apavorada de ver a filha “vivendo aquele mundo”, sem o referencial da família. Acrescenta que por ter sido “largada” entre “drogados, suicidas e loucos”, a filha teve seus valores morais invertidos. A mãe conta em um tom natural que a pior situação ocorrida na clínica foi o abuso sexual cometido por um enfermeiro. Alega que Caroline estava “dopada” e por isso não pôde negar o assédio. Neste momento, a garota interrompe a mãe e enfatiza que não gosta de falar no assunto, relembrando o quanto solicitou que os pais a tirassem daquele lugar.

Após a descoberta do episódio de abuso pelos pais, Caroline foi levada de volta para casa e a psiquiatra da clínica, apesar de conhecer o caso, não tomou nenhuma providência em relação ao empregado. Jorge afirma que a filha se tornou “outra pessoa”. Ana, por sua vez, relata que a menina ficou “com a cabeça virada” e que “se não fosse Deus” nem sabe o que poderia ter acontecido.

Após o fim da internação, Caroline conta que Ana tentava controlar sua alimentação, mas que ela desenvolveu técnicas para burlar a vigilância. Em uma das vezes em que não pôde vomitar, Caroline consumiu as duas caixas de antidepressivos e foi dormir. No outro dia acordou sentindo enjôos e tremores e, apesar disso, ainda desejava tomar laxantes. Neste sentido, Jorge lembra que a filha comprava medicamentos relacionados à perda de peso em todas as farmácias da cidade, chegando a ingerir 20, 30 ou 50 comprimidos por vez.

No período em que saiu da clínica, a adolescente conheceu um namorado e rapidamente o trouxe para o convívio familiar. Todos ficaram assustados no dia em que acordaram e o rapaz estava dormindo com Caroline, conduta esta que, segundo Ana, não era característica da filha antes da internação. A jovem foi então morar com o namorado, que passou a cuidá-la e a controlar sua alimentação. Todavia, Caroline acabou o relacionamento algum tempo depois, em busca de mais liberdade para realizar suas dietas.

Em seguida, nesta mesma época em que estava emagrecendo alarmantemente, a jovem conheceu outro rapaz, de quem engravidou. Em função da gestação, decidiu buscar um tratamento para a anorexia nervosa. Neste período, chegou a pesar 45kg e lembra de assistir doentes com câncer na televisão e perceber que estava mais magra que eles. A mãe diz que quando soube da gravidez da filha mandou-a decidir entre dois caminhos: viver e cuidar do bebê ou morrer.

Jorge comenta que hoje Caroline está melhor, pois sente vontade de se alimentar, mas não considera que a cura seja assim tão simples. Diz que a menina está decepcionada por ter vomitado no fim de semana anterior à entrevista, atitude que não tinha há cerca de15 dias. Contraditoriamente, concorda com os demais membros, que acreditam que a adolescente está curada. Para a família, que segue a religião evangélica, a melhora de Caroline é atribuída a Deus.

Nesse sentido, a garota conta que odiava os cultos, os quais costumava freqüentar forçada. Porém, em uma dessas reuniões sentiu algo especial. Descreve que percebeu que estava curada, pois não sentia mais tristeza e angústia. Chorou e agradeceu muito a Deus. Ao chegar em casa, conseguiu comer arroz, e, assim, gradualmente começou a engordar. Caroline enfatiza que atualmente está aceitando o ganho de peso com naturalidade e que sua “cura” é divina. A jovem então contou para mãe o milagre, que ocorreu cerca de vinte dias antes da entrevista. Ana lembra que nesta data, antes da notícia da cura, pensou que fosse encontrar a filha morta, pois estava se preparando para o seu óbito. Acreditava que ela “não ia durar muito tempo” e passou a se culpar por essa possível tragédia.

A mãe diz que acredita que, assim como a gravidez de Júlia, a cura da anorexia foi uma graça alcançada. A gestação foi delicada devido ao emagrecimento de Caroline e todos temiam que o bebê não fosse saudável, mas o parto correu normalmente e Júlia nasceu acima do peso esperado.

Ana afirma que, uma semana antes da “cura”, procurou uma psiquiatra especializada em transtornos alimentares, com a qual Caroline atualmente está em tratamento. Acredita que só agora, depois de buscar o auxílio de vários especialistas é que “Deus abriu o coração” de sua filha. O suposto milagre ocorreu entre as duas primeiras sessões psicoterápicas. Caroline relatou para a médica que Deus havia lhe curado e esta comentou que não podia dizer se era um milagre ou se a paciente havia “cansado” da doença e resolvido “dizer chega”. A mãe enfatiza que, na opinião da família, foi Deus que realizou a cura e que fez com que todos suportassem a doença durante cinco anos.

Atualmente, Caroline diz que tem muito medo de consumir laxantes e que se sente bem apesar de ter engordado cerca de dois quilos. Porém, em outro ponto da entrevista, a jovem confessa que até hoje, após o almoço, sente vontade de consumir tais medicamentos.

Diz que, apesar de não vomitar há uma semana, teme não estar realmente curada, pois se sente bem quando “pula” uma refeição e ainda deseja utilizar métodos de purga.

 Quando questionada sobre quais os ganhos de ser magra, a jovem diz que se sente mais bonita, mais confiante e com mais controle sobre sua vida. Expõe que antes da doença Jorge costumava controlar sua alimentação, pois ela comia “muita bobagem”. O pai a recriminava quando ia ingerir determinados alimentos, com a justificativa de que iria ficar “gordinha”. Lembra que, apesar dele não ser muito presente, nas raras vezes em que repreendia as filhas, Caroline sentia muito medo. Ao contrário, diz que Ana “passava gritando” e que “não dava nem bola” para a mãe.

Em relação à presença de histórico familiar de transtornos psiquiátricos, Caroline responde que não há nenhum caso, embora sua irmã realize dietas freqüentes há muitos anos. Ana, por sua vez, salienta em tom de voz alto que o marido tem depressão e transtorno do pânico, repetindo tal diagnóstico em vários pontos da entrevista.

 

Entrevista Familiar Estruturada

Comunicação

A comunicação familiar, durante a entrevista, foi percebida como confusa. As mensagens emitidas por um membro são freqüentemente contrariadas pelos demais e os relatos de um mesmo emissor se contradizem ao longo da entrevista. Além disso, não há uma sintonia comunicacional, visto que Ana em várias situações respondeu às questões no lugar da filha, e as raras opiniões emitidas por Jorge eram desvalorizadas ou desconsideradas pelos demais. Todavia, o aspecto mais disfuncional refere-se à ausência de carga emocional adequada. Ana conta situações traumáticas relacionadas à doença de Caroline como se relatasse fatos cotidianos, sem sofrimento ou tristeza.  Ao mesmo tempo, Jorge apresenta um humor distímico e um visível desânimo, respondendo apenas o que lhe era perguntado de forma breve e em um tom de voz baixo.

Regras

As regras familiares foram percebidas como implícitas, rígidas e incoerentes. Uma regra subjacente e inadequada é a de que todos devem colaborar com as tarefas domésticas seja qual for a situação que estejam enfrentando. Desde a infância, as filhas tinham que manter a casa perfeitamente arrumada e o faziam sem que os pais precisassem solicitar. Outro exemplo reside no fato de que, mesmo na época em que Caroline estava em um grave estado de inanição, durante a gravidez e após o parto, ajudou a família na mudança para um apartamento e continuou trabalhando na loja, sem questionar se tinha condições físicas e emocionais de cumprir tais obrigações.

Papéis

Desde a infância, as três filhas de Ana e Jorge desempenhavam papéis inadequados. Sempre se comportaram como adultas e tiveram funções e responsabilidades impróprias para crianças. O papel do pai é também indefinido no sistema, visto que Jorge é excluído por Caroline, permanecendo quieto e se comunicando com a filha em poucos momentos. Além disso, o subsistema conjugal não é claro e não ocupa um lugar de destaque na família. O casal permanece distante durante toda a entrevista e há uma clara desvalorização de Ana em relação ao marido, por este ter fracassado profissionalmente e ser acometido de problemas emocionais.

Liderança

Durante toda a entrevista, Ana assumiu a liderança de maneira fixa. Várias vezes desconsiderou as opiniões do marido quando este tentava tomar uma posição de destaque no diálogo e corrigiu as respostas emitidas por Caroline. Até mesmo o pai, que permanece quieto e pacífico na entrevista, demonstra, implicitamente, uma postura autoritária em relação às filhas, que temiam sua reação violenta aos brinquedos bagunçados quando voltava para casa após o expediente.

Conflitos

A família apresenta um alto grau de conflitos, que são expressos basicamente por Ana e Caroline. Todavia, os problemas são negativamente valorizados, muitas vezes expostos com o objetivo de agredir ou de demonstrar a incompetência de outro membro e não de buscar soluções adequadas. Ao contrário, durante a entrevista, nos momentos em que um conflito expresso gerava discussão e ameaçava assim a aparente harmonia familiar, Ana buscava, rapidamente, mudar o foco do assunto.

Manifestação da agressividade

A manifestação da agressividade é presente de forma muito intensa e destrutiva na família. Apesar de afirmarem que nunca houve nenhum tipo de agressão física, os membros contradizem suas afirmações. Além disso, a manifestação de conteúdos agressivos não possui uma direcionalidade adequada, visto que Ana expressa sentimentos hostis em relação ao marido e este é incapaz de reagir. Ainda neste sentido, quando Caroline tenta demonstrar hostilidade em relação à mãe, tal comportamento é rechaçado por Ana, que muda de assunto e passa a elogiar a filha, como forma de tentar manter uma imagem de mãe irrepreensível.

Afeição física

A afeição física é presente no sistema, embora voltada, na maior parte das vezes, para o bebê. Entre o subsistema conjugal, porém, os gestos afetivos são inexistentes. Ana confessa que, como sempre foi muito ocupada com as tarefas domésticas, não encontrou tempo para dar carinho às meninas. Jorge, da mesma forma, nunca dedicou atenção à família, visto que trabalhava até a noite e, quando chegava em casa, ia direto dormir.

Outro aspecto importante que pôde ser verificado foi a carga emocional inadequada que permeou os relatos e atitudes da família durante a entrevista.  A família aborda os transtornos que acometem Jorge e Caroline com uma naturalidade exagerada, sem aparentar nenhum sofrimento.

Interação conjugal

Na família, o subsistema conjugal é indiferenciado na medida em que o casal não se destaca no sistema e relata não ter uma união gratificante. Ao mesmo tempo, não há individualização entre Ana e Jorge, o que pôde ser percebido pelas inúmeras situações em que a esposa responde pelo marido e corrige suas idéias e o rechaçando.

Individualização

O sistema denota incapacidade em preservar identidades individuais e funções específicas de cada um dos membros. Jorge parece ser o membro mais prejudicado neste sentido, muito dependente das opiniões da esposa e da filha e impossibilitado de exercer uma postura ativa na família. Outro aspecto que chama a atenção é a relação aglutinada entre Ana e Caroline. A mãe parece saber de todos os detalhes da vida da filha e, muitas vezes,  responde às perguntas no lugar da adolescente.

Integração

A família tenta passar uma imagem de união e superação de conflitos, acreditando que estes são vencíveis pelo auxílio divino e amor que marca a convivência de seus membros. Em realidade, no entanto, o sistema não pode ser considerado como coeso, visto que não apresenta uma identidade grupal, nem mesmo a capacidade de atuar em conjunto e de buscar metas comuns.

Auto-Estima

É notável a baixa auto-estima da família. Com exceção da mãe, que se julga “persistente”, os outros membros expressam dificuldade em dizer o que apreciam em si mesmos. Ana assume que nunca enfatizou os aspectos positivos das filhas, discurso este que confirma a percepção, durante a entrevista, de competitividade da mãe em relação à filha. Todavia, o membro que apresenta menor auto-estima é Jorge, nitidamente abalado e decepcionado por ter sido demitido de seu emprego. Tais sentimentos de desvalia e derrota são compactuados pelos demais membros, que delegam para Jorge um papel desvalorizado no sistema. 

Interação familiar

A partir da avaliação das dimensões acima, acredita-se que a interação familiar é dificultadora de saúde emocional, impossibilitando o desenvolvimento sadio dos membros individualmente e da família como um todo.

 

Práticas Educativas Parentais

A maior parte das respostas emitidas pela mãe foi classificada como coercitiva e indutiva. Todavia, através da análise dos relatos de Ana, percebe-se, na realidade, a utilização maciça de técnicas coercitivas na educação de Caroline. A própria mãe assume que sempre utilizou estratégias de caráter autoritário com a filha, mas que, atualmente, depois de muitos conflitos, percebe que esta não é a melhor forma de lidar com Caroline. Apesar disso, durante a entrevista, sempre que Ana alega conversar com a filha, em seguida se contradiz e demonstra autoritarismo e controle intenso sobre ela.

Durante o encontro, percebeu-se o grau severo de depressão que acomete o pai de Caroline, além do quanto este se sente sozinho e tem necessidade de conversar sobre si. Jorge falou muito pouco sobre a filha, pois em todas as questões acabava contando um pouco de seu sofrimento e decepção por ter sido demitido do emprego e por ter uma relação conjugal insatisfatória.

Mesmo com poucos comentários referidos às formas com as quais lida com Caroline, pôde-se perceber claramente que o pai utiliza predominantemente estratégias negligentes. Na análise de conteúdo, classificaram-se muitas de suas respostas como indutivas, visto que Jorge alega, em todos os seus relatos, que tenta dialogar com a jovem. Todavia, sempre depois de afirmar que busca orientar ou conversar com Caroline, assume que costuma delegar essa função para a esposa e que este já é o padrão de comunicação estabelecido na família, do qual é excluído.

 

Discussão: Família de Caroline

Nos primeiros momentos de contato com o sistema, este se apresenta como uma família típica, dando idéia de um funcionamento ideal (MINUCHIN; FISHMAN, 1984). Os membros buscam estabelecer um clima agradável, mostrando interesse em saber como havia sido a viagem até Santa Catarina e qual a formação acadêmica das pesquisadoras. Em seguida, questionam se estas não gostariam de beber ou comer algo. Neste momento, a ligação da família com a alimentação já pode ser verificada. No decorrer do processo, constata-se que, além de Caroline ser acometida de anorexia bulímica, sua irmã caçula realiza dietas freqüentes e sua irmã mais velha desempenha uma atividade profissional ligada à nutrição. Conforme descrito por Miermont (1994), questões alimentares ocupam um lugar importante no sistema familiar anoréxico, sendo que geralmente a paciente não é a única pessoa que dá muita atenção à comida. Segundo os autores, algum membro pode ter manias alimentares, outro fazer dietas ou trabalhar em atividades culinárias. Hercovici e Bay (1997) concebem que, além de transtornos alimentares, é comum a existência de doenças clínicas ou psiquiátricas nas famílias anoréxicas, o que pode ser constatado em Jorge, acometido de depressão e transtorno do pânico e em Caroline, que durante a infância apresentou uma série de sintomas fóbicos e obsessivo-compulsivos.

Apesar de ter desenvolvido a anorexia nervosa a partir de uma dieta restritiva, como muitos pacientes, Caroline passou a apresentar episódios de comer compulsivo (NUNES; RAMOS, 1998) e, com o intuito de compensar tais orgias alimentares, começou a utilizar métodos de purgação, abusando de laxantes e diuréticos e provocando vômitos (WINOKUR; CLAYTON, 1986). Assim, diferentemente da primeira família estudada, em que a adolescente era acometida de anorexia restritiva, Caroline tem o diagnóstico de anorexia bulímica.

Além do desengajamento do sistema, um aspecto central que pôde ser verificado durante todo o processo é a superficialidade da interação familiar. Chama atenção a falta de afeto com que os membros, principalmente Ana, encaram a doença de Caroline. A mãe repete constantemente a expressão “anorexia-bulimia”, como se falasse de uma doença bem mais simples do que esta se constitui. Vários momentos da entrevista podem aclarar o baixo nível de envolvimento emocional existente na família.  Um deles é quando Ana relata ter levado a filha a uma psicóloga, por considerá-la “depravada” e que simplesmente tornou-se fria com a filha, pois entendeu que o afastamento sugerido não permitia nenhum tipo de carinho. 

Até mesmo quando relata sobre o possível falecimento da filha, Ana o faz como se contasse a história de outra pessoa qualquer, encarando o fato com naturalidade, sem mágoas ou ressentimentos. Além disso, a mãe fala como se Caroline tivesse sido internada, ou, segundo ela, “largada” na clínica por outrem, isentando sua responsabilidade pelo fato. A permissão de que a menina ficasse três dos cinco anos em que permaneceu acometida de anorexia nervosa sem nenhum tipo de tratamento também é um indício da negligência parental.

Como parte da desorganização descrita acima, o sistema familiar apresenta fronteiras difusas (MINUCHIN, 1982). Esta transgressão de limites é especialmente disfuncional na interação de Ana e Caroline. A mãe invade a vida íntima da filha, como pode ser verificado quando permitiu o relacionamento da adolescente somente mediante um exame de HIV do namorado. Além disso, em vários pontos da coleta de dados, respondeu às questões perguntadas à Caroline e comentava assuntos pessoais que deixavam a filha envergonhada.

Jorge e Ana correspondem ao perfil de casais de “famílias anoréxicas” descrito pela literatura, com a configuração do marido passivo, silencioso, que aceita tudo e aparenta ser incapaz de impedir os comportamentos invasivos, irritantes e controladores da esposa (SELVINI PALAZZOLI, 1990). Jorge não manifesta sentimentos agressivos por ninguém, demonstrando submissão à esposa, que conduz o sistema de forma autocrática e muitas vezes negligente. Cabe salientar que, apesar de ser ausente na família, todos os membros concordam que Jorge sempre foi muito perfeccionista e exigente em relação às filhas. Mesmo sendo muito calado e evitando brigas, impunha medo pela sua forma de ser. Ana, ao inverso do esposo, manifestava a agressividade constantemente e, segundo Caroline, “passava os dias gritando”.

Durante todo o processo, pôde-se perceber também a fragilidade de Caroline e o quanto é dominada pelas idéias e conceitos de sua mãe. Tal fragilidade pode ser relacionada às concepções de Bruch (1973), que descreve, nas anoréxicas, uma "sensação paralisante de ineficácia", atribuída à incapacidade dos pais em favorecer a autonomia e a expressão de si mesmo às filhas. Segundo a autora, a anorexia representa uma busca desesperada de tomar possessão do próprio corpo e da identidade, bem como uma tentativa de domínio de quem se sente bastante desamparada.

Outro tópico que chama a atenção durante a coleta de dados é a questão de Caroline ter uma vida sexual bastante ativa. Ana e Jorge afirmam que a jovem desenvolveu o que denominam "compulsão por sexo" após a instalação da anorexia nervosa, quando teve seus valores “invertidos”. No entanto, a mãe confessa que considerava a menina “depravada”, quando criança. Além disso, o fato de não utilizar preservativos nas relações sexuais, que levou à gravidez, somado ao suposto abuso sexual sofrido por um enfermeiro, são comportamentos típicos de bulímicas descritos pela literatura. Neste sentido, Cordás e Busse (1995) percebem estas pacientes como mais ativas sexualmente, salientando que muitas vezes apresentam condutas promíscuas.

Apesar de todos os problemas enfrentados por Caroline, percebe-se que a jovem é bastante idealizada pelo subsistema parental. Segundo Bruch (1973), os pais de meninas anoréxicas costumam considerá-las como especialmente dotadas. Na entrevista de Práticas Educativas Parentais, por exemplo, Jorge teve dificuldades em encontrar situações difíceis de lidar com a filha, elogiando-a constantemente. Ao responder o mesmo instrumento, Ana também não foi capaz de imaginar como lidaria com a filha em algumas situações, por exemplo, se esta baixasse o rendimento escolar, visto que acredita que isso nunca aconteceria porque suas filhas são exemplares. Além disso, os relatos familiares denotam a importância dada à beleza e a estética na família. Neste sentido, a família pode ser incluída nas concepções de Fasolo e Diniz (1998). As autoras percebem as figuras parentais de adolescentes com anorexia como muito exigentes e possuidoras de altas expectativas em relação às filhas, esperando que sejam passivas, carinhosas e que correspondam ao padrão estético vigente.

No decorrer do encontro, o único tópico que gera concordância e participação de todos os membros é a suposta cura de Caroline. A família atribui a melhora da adolescente a Deus, mesmo esta tendo ocorrido concomitante ao início do tratamento psicoterápico. A recuperação completa é questionável, visto que teria ocorrido há vinte dias apenas e, segundo Jorge, no fim de semana anterior à entrevista, Caroline teria tido um episódio bulímico. Entretanto, ao mesmo tempo em que a família relata a “graça alcançada” com fervor, o subsistema parental afirma que a filha ainda necessita de um longo tratamento e Caroline teme que a cura seja apenas uma fantasia.

Apesar da idealização da cura e da disfuncionalidade de todos os padrões de interação familiares estudados, acredita-se que Caroline esteja no início de uma busca pela recuperação. A gravidez parece ter ajudado a jovem a perceber que seu estado de saúde era grave, a repensar suas prioridades e lutar contra a doença. Chama a atenção a alegria do bebê, que sorri durante toda a permanência das pesquisadoras e busca, constantemente, a atenção da mãe e dos avós, provocando o envolvimento do sistema. Júlia também parece o único motivo de alegria de Jorge, que confessa que a neta o faz ter esperança e vontade de viver.

 

Famílias de Maria e Caroline: semelhanças e diferenças

A partir dos resultados expostos acima, percebe-se que muitos dinamismos comuns às famílias anoréxicas descritos na literatura podem ser identificados nos sistemas estudados. Em primeiro lugar, as pesquisadoras foram muito bem recebidas pelos participantes, que buscaram estabelecer um clima agradável de descontração. Neste contexto, Minuchin, Rosman e Baker (1978) descrevem que os sistemas anoréxicos geralmente têm aparência de uma família típica e bem organizada.

A idéia de que a anorexia nervosa tem como fator precipitante eventos vitais significativos como perdas, separações familiares, enfermidades, mudanças de escola ou modificações corporais (ABUCHAIM; SOMENZI; DUCHESNE, 1998) também pôde ser verificada.  As meninas citam como fatores desencadeantes do transtorno situações comuns ao desenvolvimento adolescente. Além disso, nos dois sistemas estudados encontra-se, em concordância com a literatura, a prevalência de transtornos psiquiátricos ou transtornos alimentares em parentes de primeiro grau das adolescentes sintomáticas (HERCOVICI; BAY, 1997).

Outra característica proposta por Minuchin, Rosman e Baker (1978) para as famílias anoréxicas, o aglutinamento ou emaranhamento também foi averiguado nos sistemas, especialmente entre as mães e filhas. Tal característica é referente a uma proximidade interacional intensa, dificultando assim as percepções de si mesmo e dos outros e impedindo o funcionamento autônomo dos membros. Neste contexto, Kaplan (1992) enfatiza que os vínculos familiares dos sistemas anoréxicos são emaranhados, embora eles se apresentem como normais e bem organizados. Mesmo na família de Caroline, onde há um desengajamento entre os membros, o aglutinamento pode ser identificado através da transgressão de limites na interação de Ana com a filha. Em relação a esta transgressão, Minuchin (1982) postula que, para um funcionamento familiar adequado, é fundamental a existência de fronteiras bem definidas, que protegem a diferenciação do sistema, definem os subsistemas e permitem a autonomia dos membros. Desta forma, as fronteiras são um parâmetro adequado para avaliação familiar. Nas famílias estudadas, conforme apontado por Miermont (1994), observam-se fronteiras rígidas (família de Maria) e difusas (família de Caroline), onde não há espaço para a autonomia e para os desejos individuais.

A comunicação também se apresenta bastante prejudicada nas famílias estudadas. Os relatos são muitas vezes confusos, contraditórios e sem direcionalidade adequada, especialmente as mensagens emitidas pelas figuras maternas. Já as regras são incoerentes e não-democráticas, baseadas em padrões de autoridade desenvolvidos quando os filhos ainda estavam na infância, os quais, com a chegada da adolescência, tornam-se disfuncionais. Cabe salientar que, pelos relatos de Maria, Sr. João, Dona Lúcia e André, o funcionamento descrito acima permeou a interação da família até o início do tratamento da menina.

Assim como a comunicação e as regras, os papéis são classificados como inadequados nos sistemas analisados. Maria e Caroline desde a infância se comportaram como adultas, demonstrando subsistemas inadequados.

Outra dimensão estudada entre os participantes é a liderança, que ocorre de forma fixa e autocrática. Conforme exposto por Kaplan (1992), a família de Caroline pode ser considerada como "matriarcal". Assim como no estudo de Telerant, Kronenberg, Rabinovitch e Elman (1992), as figuras maternas assumem o papel central no sistema e transgridem as fronteiras intergeracionais. Neste sentido, apesar de, na família de Maria, o Sr. João conduzir a liderança durante todo o processo, Lúcia, assim como Ana, assume uma postura autoritária na relação com a filha.

Em relação às figuras paternas, o presente estudo corrobora os achados de Telerant, Kronenberg, Rabinovitch e Elman (1992), segundo os quais os pais demonstram um baixo nível de envolvimento emocional com o sistema familiar. Jorge e Sr. João confessam, nas entrevistas, que sempre foram ausentes em função de suas atividades profissionais. A concepção de Miermont (1994), de que nas famílias anoréxicas há uma desqualificação das ações e pensamentos do pai/cônjuge, pode ser observada através dos relatos de Ana. Dona Lúcia, ao contrário, mostra-se muito dependente das opiniões do marido e incapaz de criticá-lo.

Outra característica descrita por Minuchin, Rosman e Baker (1978) que pode ser constatada na amostra é a baixa tolerância e a falta de resolução de conflitos. As estruturas familiares apresentam formas disfuncionais de resolver problemas e pouca capacidade de negociação. Dos sistemas investigados, a família de Caroline é a que expressa os conflitos com menor dificuldade. Entretanto, os problemas são negativamente valorizados e sem busca adequada de soluções.

Em relação à agressividade, na família de Caroline essa é manifestada basicamente pela figura materna, de forma destrutiva e sem direcionalidade adequada. Já na família de Maria, que vem buscando padrões de interação mais funcionais, os sentimentos hostis ainda não são expressos adequadamente pelos membros. Dona Lúcia, neste sentido, não parece capaz de ser agressiva com nenhum dos membros. A menina, porém, já consegue manifestar sentimentos de raiva e ressentimento de uma maneira construtiva, buscando diálogo e entendimento.

Quanto à interação marital, Selvini Palazzoli (1990) considera o subsistema conjugal como o mais prejudicado e empobrecido. Nos dois casais estudados (pais de Maria e Caroline), é notável a insatisfação em termos afetivos e sexuais.

Minuchin, Rosman e Baker (1978) descrevem um superenvolvimento emocional entre os membros de famílias psicossomáticas. Contrariamente a esta idéia, na família de Caroline detecta-se uma total falta de demonstração de afeto dos pais em relação à filha acometida de anorexia nervosa. Este resultado confirma os dados encontrados por Dare, Grange, Eisler e Rutheford (1994), que apontam para um baixo índice de expressão de emoção e de superenvolvimento emocional entre os membros.

Ao mesmo tempo em que as famílias não apresentam manifestação de afeto, há, nos sistemas, além da transgressão de fronteiras anteriormente descrita, um alto índice de controle parental, gerando uma grande dificuldade de individualização. Até mesmo na família de Maria, que hoje busca incentivar a autonomia dos membros, o funcionamento familiar ocorria, como denominado por Miermont (1994), em forma de "um bloco só".

Em relação à auto-estima das famílias, com exceção de Maria e André, que estão em um processo de busca de independência e descoberta de suas potencialidades e qualidades, os demais membros dos sistemas estudados demonstram um baixo auto-conceito. Tiveram dificuldade em citar seus aspectos positivos e os subsistemas parentais, mesmo descrevendo algo que apreciassem em si, o fazem com um tom de voz baixo e duvidoso ou como forma de auto-afirmação.

Por outro lado, acredita-se que os tratamentos psicoterápicos de Maria e Dona Lúcia, além das freqüentes sessões de orientação à família, estejam contribuindo para um funcionamento mais adequado do sistema. A família demonstra empenho em modificar padrões inadequados de interação que ainda estão presentes. Neste sentido, Maria enfrenta as tarefas básicas da adolescência, como a busca pela consolidação da identidade e pelo estabelecimento da autonomia fora do sistema familiar, o que antes da instalação do transtorno não era permitido (RIOS GONZÁLEZ, 1984). Assim como a filha, o subsistema parental também parece capaz de realizar mudanças e se adaptar aos novos elementos trazidos pelos filhos do convívio social (FISHMAN, 1996).

Embora possam ser apontadas algumas semelhanças no funcionamento das duas famílias de adolescentes anoréxicas, os resultados demonstram diferenças significativas nos padrões de interação nos sistemas estudados. Várias características das famílias de adolescentes com anorexia restritiva apontados pela literatura podem ser identificadas na família de Maria. Em relação à personalidade pré-mórbida das adolescentes, estas correspondem ao padrão típico descrito por Bruch (1973). As meninas são consideradas exemplares e lembradas pelo subsistema parental como crianças perfeitas, obedientes, meigas e especialmente dotadas. São idealizadas pelos pais, que as consideram ótimas alunas e acreditam que estas só contam mentiras em função da doença (NUNES; RAMOS, 1998). Alguns traços de personalidade característicos de meninas anoréxicas citados por Hercovici e Bay (1997), como busca pela aprovação externa, falta de respostas às necessidades internas e perfeccionismo também são encontrados na história de Maria. Cabe também salientar as fronteiras rígidas, o aglutinamento e a superproteção entre os membros (MINUCHIN; ROSMAN; BAKER, 1978).

A literatura aponta, em famílias de pacientes com anorexia bulímica, um maior desengajamento e maior desorganização do que aquelas com pacientes restritivos (HERCOVICI; BAY, 1997). O estudo de Fornari et al. (1999) indica que sujeitos com bulimia nervosa demonstram um funcionamento familiar mais disfuncional do que indivíduos com anorexia nervosa restritiva. Pântano et al. (1997) e Tachi (1999) concordam que os comportamentos bulímicos estão relacionados a ambientes familiares mais patológicos e desengajados.

Neste trabalho, tal concepção é confirmada, visto que a família de Caroline apresenta mais conflitos e um ambiente mais patológico do que a família de Maria. Destacam-se também um maior nível de conflitos e desconexão entre os membros, menor coesão, maior expressão destrutiva da agressividade, papéis indefinidos e fronteiras difusas.

 

Considerações finais

Em função dos índices crescentes de transtornos alimentares nas últimas décadas (HAY, 2002), considera-se fundamental o desenvolvimento de novas pesquisas na área. Salienta-se a importância de um maior número de estudos especificamente sobre a dinâmica familiar na anorexia nervosa, tema pouco explorado nas pesquisas nacionais e que, conforme constatado neste trabalho, demonstra ter um papel relevante no desenvolvimento e manutenção do transtorno. Em relação a futuros estudos, sugere-se a investigação do subsistema composto pela mãe e a filha anoréxica, visto que este apresenta uma interação muito complexa e que, portanto, merece ser analisado de forma mais aprofundada.

 

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Endereço para correspondência
Letícia Langlois Oliveira
E-mail: leticiaufrgs@yahoo.com.br
Cláudio Simon Hutz
E-mail: hutzc@terra.com.br

Recebido em: 19/03/2008
Aceito para publicação em: 16/07/2008
Acompanhamento do processo editorial: Anna P. Uziel

 

 

Notas

* Cláudio Simon Hutz possui graduação em Psicologia pela Universidade de Haifa (1973), mestrado em Psicologia - University of Iowa (1979) e doutorado em Psicologia - University of Iowa (1981).
1 Definição de personalidade pré-mórbida: Personalidade do paciente antes da instalação da doença.

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