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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.8 n.3 Rio de Janeiro dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Memória pictórica e inteligência: duas evidências de validade 

 

Pictorial memory and intelligence: two validity evidences

 

 

Fabián Javier Marín Rueda I, *; Dario Cecilio-Fernandes II; Fermino Fernandes Sisto III, **

I Doutorando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco/USF - São Paulo, Brasil
II Dario Cecílio-Fernandes é acadêmico do curso de Psicologia da Universidade São Francisco/USF - São Paulo, Brasil
III Docente do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco/USF - São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi procurar evidências de validade concorrente e por grupos extremos para o Teste Pictórico de Memória. Participaram 204 estudantes universitários do Estado de Minas Gerais, sendo 39,2% homens e 60,8% mulheres, com idades variando de 17 a 56 anos. Foram aplicados de forma coletiva o Teste Pictórico de Memória e o Teste de Raciocínio Inferencial. Quanto à validade concorrente, os resultados revelaram correlações positivas e significativas, variando de 0,34 até 0,56, sem o controle da idade, e de 0,31 a 0,54 controlando tal efeito. Em relação aos grupos extremos, os estudantes com alta e baixa pontuação no Teste de Raciocínio Inferencial apresentaram maiores e menores pontuações no Teste Pictórico de Memória respectivamente. Com base nisso, concluiu-se que foram constatadas evidências de validade concorrente e por grupos extremos para o Teste Pictórico de Memória.

Palavras-chave: Inteligência, Memória, Validade, Testes.


ABSTRACT

The purpose of his study was to search evidences of concurrent validity and for extreme groups for the Teste Pictórico de Memória. 204 students of Minas Gerais state participated, being 39,2% men and 60,8% women, aging from 17 to 56 years. The Pictórico de Memória and the Teste de Raciocínio Inferencial were collective administered. Concerning to the concurrent validity, the results showed positive and significant correlations varying from 0,34 to 0,56 and when it was controlled the age they ranged from 0,31 to 0,54. In relation to extreme groups, the students with high and low scores in the Teste de Raciocínio Inferencial had also better and lower scores in the Teste Pictórico de Memória respectively. Based on these results, it was concluded that the Teste Pictórico de Memória has a concurrent validity and extreme groups for.

Keywords: Intelligence, Memory, Validity, Tests.


 

 

Introdução

A memória é fundamental para o funcionamento intelectual humano, uma vez que sem ela a vida social de uma pessoa deixaria de existir, pois não se lembraria dos amigos ou conhecidos, além de possivelmente não se reconhecer ao se olhar no espelho. Sem memória do passado não se teria uma base para planejar o futuro, já que os planos de uma pessoa, na maioria das vezes, estão baseados em experiências anteriores. Assim, a memória não seria apenas um armazenador de lembranças do passado, mas uma base muito importante para o funcionamento e vida mental das pessoas (ELLIS; HUNT, 1995).

Tulving e Craik (2000) apontaram que Ebbinghaus, em 1885, foi o primeiro a se interessar em saber qual a quantidade de informação que as pessoas poderiam se lembrar imediatamente após a apresentação de estímulos, mais especificamente frases sem sentido, números ou monossílabas. Ainda, Ebbinghaus, para fornecer materiais de aprendizagem de dificuldade homogênea, inventou a noção da sílaba sem sentido, evitando dessa forma a variabilidade de palavras familiares. Para verificar tal homogeneidade ele leu em voz alta listas seriais de 6 a 20 sílabas enquanto utilizava um metrônomo para controlar o tempo, para depois recitar as séries da memória. Posteriormente, outros teóricos também investigaram muitas hipóteses que poderiam determinar o desempenho da memória e com isso propuseram vários paradigmas.

Nas décadas de 50 e 60 do século passado, os psicólogos cognitivistas desenvolveram diversos estudos sobre a memória, inspirados pela teoria S-R, que concebia a memória como o processo de codificar e decodificar uma informação, atribuindo à memória o conceito de “capacidade limitada” (GARNER, 1962).

Dentre os vários modelos, o que mais recebeu destaque nas pesquisas foi o proposto por Atkinson e Shiffrin (1968), denominado modelo estrutural ou modelo modal, consubstanciado em três estruturas, quais sejam os registros sensoriais, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Esse processamento da informação, conhecido como forma serial, aconteceria primeiro no âmbito sensorial, posteriormente na memória de curto prazo (MCP), para depois ser ou não transferida para a memória de longo prazo (MLP). A ocorrência da passagem de informação da MCP para a MLP dependeria de alguns processos de controle, sendo eles a repetição da informação, a codificação adequada dessa informação para a MLP, a importância dessa informação para o indivíduo e as estratégias de recuperação ou pistas que auxiliariam no momento de lembrança.

Em relação à memória de curto prazo, Lloyd e Peterson (1959) atentaram que as pessoas esqueciam rapidamente letras ou palavras que não faziam sentido para elas, mesmo sendo estudadas momentos antes. Além disso, Miller (1956) mostrou que, mesmo as palavras com significado e sentido para os indivíduos, quando oferecidas em grande quantidade, também eram esquecidas em milésimos de segundo até no máximo um minuto. Por isso, o autor afirmou que a MCP seria uma estrutura cognitiva com persistência limitada (aproximadamente entre 15 segundos e um minuto) e capacidade também limitada, uma vez que armazenaria apenas a informação referente até sete unidades.

Os estudos sobre a MCP eram efetuados por meio de tarefas verbais, por ser um material fácil de ser manipulado e registrado, enquanto a avaliação por outros meios tem sido escassa. Os estudos com a memória de curto prazo, ou seja, a retenção de informações em breves intervalos de tempo, formaram o elemento principal do desenvolvimento da psicologia cognitiva durante os anos 60 do século passado (CROWDER, 1982). Entretanto, esse conceito começou a perder espaço, incorporando-se dentro de uma estrutura denominada de memória de trabalho (MT), considerada um sistema multicomponencial e utilizando o armazenamento como uma forma de facilitar atividades cognitivas complexas, tais como aprendizagem, compreensão, raciocínio (BADDELEY; HITCH, 1974).

Estudando a relação entre inteligência e memória, Conway, Cowan e Bunting (2001) e Engle, Tuholski, Laughlin e Conway (1999) identificaram uma correlação entre testes de memória com o Raven de aproximadamente 0,30. Já Conway, Cowan, Bunting, Therriault e Minkoff (2002) observaram uma correlação de 0,34 entre o teste Ospan, no qual os sujeitos solucionavam uma série de operações matemáticas enquanto tentavam se lembrar de um conjunto de palavras não-relacionadas, e o teste de Raven. Além disso, análises fatoriais mostraram que Ospan é altamente carregado em um fator de MT e o Raven teria uma alta carga no fator de inteligência fluida, com o coeficiente de área entre os dois girando em torno de 0,60. Dessa forma, os autores sugeriram que, embora existisse uma correlação moderada entre as duas medidas, uma quantidade substancial de variância pareceria ser compartilhada entre os dois construtos. Também Colom e Flores-Mendoza (2001) estudaram a memória de trabalho relacionada com inteligência. Os resultados indicaram a presença de um isoforfismo entre ambos os constructos, embora se desconhecesse a causa. Os autores defenderam que os componentes de armazenamento e velocidade de processamento poderiam explicar a relação entre os constructos.

Salthouse (1996) examinou a correlação entre cada um dos itens do Raven com a variável idade e uma medida de MT. O autor descobriu que a correlação entre precisão da solução para cada problema e uma medida composta de MT era muito constante ao longo de todos os problemas. O mesmo padrão de resultados se manteve para as correlações envolvendo idade.

No estudo realizado por Unsworth e Engle (2004) o objetivo foi examinar o papel de diferenças individuais na capacidade de memória de trabalho e inteligência fluida. Especificamente, o objetivo foi examinar a hipótese de que a variância compartilhada entre medidas de duração de memória de trabalho e medidas de inteligência fluida ocorreria devido ao número de objetivos e sub-resultados que seriam mantidos na memória de trabalho. Com base nos seus resultados, os autores mostraram que a variância compartilhada entre capacidade de memória de trabalho e habilidades fluidas seria devido à habilidade de controlar a atenção. Essa estrutura de trabalho sugeriu que as pessoas com pontuações altas em uma medida de capacidade de memória de trabalho seriam as mais capazes de controlar a atenção, especialmente em condições de distração e interferência. Ainda segundo os autores, uma razão para a correlação entre capacidade de memória de trabalho e inteligência seria a habilidade diferencial de implementar de forma bem sucedida as estratégias de solução aprendidas em problemas que exigem estratégias de solução semelhantes. Dessa forma, não seria a quantidade que seria mantida para um dado problema, mas sim a habilidade de aprender e implementar estratégias ao longo dos problemas.

Numa pesquisa realizada por Ackerman, Beier e Boyle (2002) foram verificadas correlações de 0,70 entre MT e o fator g. Por sua vez, Süß, Oberauer, Wittman, Wilhelm e Schulze (2002) evidenciaram uma correlação de 0,58 entre MT e o fator g. Colom, Rebollo, Palácios, Juan-Espinosa e Kyllonen (2004) investigaram em seu estudo se a memória de trabalho seria importante para compreender g. A análise fatorial confirmatória forneceu estimativas consistentemente altas da carga de g sobre MT (média de 0,96). Segundo os autores, MT seria o fator latente melhor previsto por g. Esses achados foram corroborados por Kyllonen e Christal (1990).

Haavisto e Lehto (2005) objetivaram fornecer evidência sobre a maneira como os fatores de inteligência se relacionariam a tarefas de memória viso-espaciais e verbais. Para isso foi aplicada uma bateria com seis testes de inteligência e diferentes tarefas que se propunham a avaliar memória verbal e viso-espacial. A descoberta principal foi que a memória viso-espacial estava relacionada com inteligência fluida, enquanto a memória verbal com inteligência cristalizada. Entretanto, a relação entre memória viso-espacial e inteligência fluida era mais estável do que a relação entre memória verbal e inteligência cristalizada.

Seus resultados foram similares aos de outras pesquisas relatadas na literatura, de que a memória verbal estaria mais relacionada com compreensão de leitura (DANEMAN; CARPENTER, 1980; LA POINTE; ENGLE, 1990) e com desempenho escolar (GATHERCOLE; PICKERING, 2000). Ao lado disso, a memória verbal seria um melhor preditor de aprendizagem de línguas estrangeiras (MIYAKE; FRIEDMAN, 1998). Dessa forma, muitas das habilidades incluídas em inteligência cristalizada por Carroll (1993) e Cattell (1971) se correlacionariam significativamente com memória verbal.

Mackintosh (1998) informou que as correlações encontradas em sua pesquisa entre testes de inteligência e testes de memória variaram de 0,20 a 0,80. Isso significa que esses tipos de testes de habilidade mediram algo em comum, possivelmente o fator g, e como o fator g se refere à variância de componente que é comum a todos os testes de habilidade, seria esperado que um teste de memória apresentasse correlações positivas com testes de inteligência, assim como também com testes de atenção.

Por sua vez, Ribeiro e Almeida (2005) estudaram a relação entre os tempos de reação em tarefas simples e complexas e compararam os resultados de testes de inteligência que foram coletados ao longo do tempo. Os resultados observados foram uma relação entre as tarefas e os dados de inteligência coletados e, além disso, os autores assumiram que apesar dos índices de correlação oscilarem em função da natureza das tarefas e, sobretudo, no grau de homogeneidade ou heterogeneidade das amostras avaliadas, os estudos sobre essas relações apontaram de forma sistemática, correlações negativas e estatisticamente significativas.

Nesse contexto, Kyllonen e Christal (1990), fizeram uma pesquisa com uma bateria de tarefas que incluía provas de raciocínio, de memória de trabalho, de velocidade e de conhecimento geral. Os resultados indicaram altas correlações entre memória de trabalho e raciocínio (0,80 a 0,88). Isso mostrou, portanto, que o êxito nas tarefas cognitivas dependia da habilidade em manter ativa a informação e da capacidade em processá-la. Assim, os autores postularam que a MT seria o próprio fator g de Spearman.

Ao lado disso, estudos com análise fatorial sobre a MT e MCP, esta última objeto de estudo nesta pesquisa, apontaram que elas se separavam em dois diferentes fatores (ENGLE; CANTOR; CARULLO, 1992). Essa afirmação é sustentada por Conway, Cowen, Bunting, Therriault e Minkoff (2002), Engle, Tuholski, Laughlin e Conway (1999) e Kail e Hall (2001) que afirmaram que ambos os tipos são construtos distintos, embora sejam variáveis que se correlacionam entre si. Ainda, estudos sugerem que a memória de trabalho está relacionada com a inteligência fluida ou habilidade de raciocínio, enquanto essa relação não é observada entre a memória de curto prazo e a inteligência (DEMPSTER, 1981; RUBIN, 1995, PERNER; RUFFMAN, 1995; KANE; cols, 2004).

Engle, Tuholski, Laughlin e Conway (1999) analisaram três medidas verbais de MCP, três medidas verbais de MT e os testes de inteligência Cattell’s Culture Fair Test e as Matrizes Progressivas de Raven, tidos como medidas de inteligência fluída ou Gf. Os resultados evidenciaram uma alta correlação entre MCP e MT, mas unicamente o componente específico de MT (aquele não vinculado ao armazenamento transitório) se relacionou significativamente às medidas de Gf. No caso do fator latente de inteligência cristalizada ou Gc extraído de medidas verbais e numéricas, as diferenças individuais foram preditas tanto pelo componente de armazenamento (MCP) como pelo componente específico de MT.

No contexto brasileiro, Rueda e Sisto (2007) desenvolveram o Teste Pictórico de Memória - TEPIC-M, para avaliar a capacidade do indivíduo para recuperar uma informação num curto período de tempo. O desenho ficou caracterizado como um quadro em preto e branco com uma paisagem de campo, o qual ficou composto por 51 itens.

Essa versão preliminar foi estudada por Rueda e Sisto (2006) em busca de evidências de validade relativa ao processo de resposta e mudança desenvolvimental. Os resultados mostraram que os itens relacionados aos três ambientes que compõem o desenho produziram níveis de dificuldades significativamente diferenciados, comprovando a hipótese de que esses componentes explicariam a dificuldade de recuperação da informação. Em relação à validade desenvolvimental, verificou-se que o desempenho dos indivíduos considerados adultos jovens foi superior ao das pessoas mais velhas e mais novas.

Em outro estudo sobre essa mesma versão, Rueda e cols. (2007), investigaram a relação entre o Teste Pictórico de Memória e o Teste de Raciocínio Inferencial. Os resultados revelaram correlações variando 0,19 até 0,40 em cada série do Teste de Raciocínio Inferencial com cada ambiente do Teste Pictórico de Memória, e considerando a pontuação total do teste as correlações variaram de 0,40 a 0,56. Em relação aos grupos extremos, os participantes com alta e baixa pontuação no Teste de Raciocínio Inferencial apresentaram diferenças nas quatro medidas do Teste de Memória. Dessa forma, evidências de validade de critério concorrente e por grupos extremos foram verificadas para o Teste Pictórico de Memória, que trata da memória de curto prazo.

Depois desses estudos essa versão sofreu várias reformulações sugeridas por essas pesquisas. A principal delas foi uma melhor equalização dos itens da paisagem e uma redistribuição espacial. Além disso, a versão final do teste ficou composta por 55 itens.

Com base nisso, decidiu-se por re-estudar as relações entre o TEPIC-M, agora em sua versão final, com o Teste de Raciocínio Inferencial. O pressuposto inicial foi que a magnitude e tendência das correlações se manteriam semelhantes ao estudo anterior, fornecendo dessa forma uma evidência de validade concorrente e por grupos extremos.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 204 estudantes universitários dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Desses, 39,2% eram homens e 60,8% mulheres. A média de idade dos sujeitos foi 24,91 anos (DP=8,45), variando de 17 a 56 anos.

 

Instrumentos

Teste Pictórico de Memória - TEPIC-M (RUEDA; SISTO, 2007)

O Teste é composto por uma figura com vários desenhos e detalhes que podem ser agrupados em três categorias, quais sejam itens que pertencem e podem ser encontrados na categoria Água (jet-ski, peixe, onda, dentre outros); itens referentes à categoria Céu (nuvem, sol, pássaro, por exemplo) e itens que podem ser localizados na categoria Terra (casa, cadeira, árvore, dentre outros). A aplicação pode ocorrer em pessoas de 17 a 97 anos.

Para responder o teste o sujeito deve visualizar a figura durante um minuto e, em seguida, deve lembrar a maior quantidade de desenhos e detalhes possíveis e escrevê-los na folha de resposta do teste. A pontuação pode variar de 0 a 55, sendo que é atribuído 1 ponto para cada item lembrado pelo indivíduo.

No manual, os autores relatam estudos de evidências de validade em relação ao processo de resposta, evidência de validade desenvolvimental, pelo funcionamento diferencial do item e análise de itens pelo modelo Rasch. Quanto aos índices de precisão, eles foram considerados satisfatórios.

 

Teste de Raciocínio Inferencial - RIn (SISTO, 2006)

O RIn é um teste de inteligência não verbal que avalia o fator “g” proposto por Spearman. É destinado a pessoas de 10 até 70 anos, e é composto por quatro séries (A, B, C e D), totalizando 40 itens, sendo as séries ordenadas por dificuldade crescente.

O teste consiste na pessoa identificar dentre quatro opções possíveis nas séries A e B, e dentre seis opções nas séries C e D aquela que o desenho completa de forma adequada. A aplicação do instrumento é de 25 minutos.

Em relação às propriedades psicométricas, o RIn relata no seu Manual vários estudos de evidências de validade, seja referentes à estrutura interna, seja em relação a outras variáveis. Quanto à precisão, ela foi estudada em relação às faixas etárias por meio do coeficiente alfa de Cronbach e as duas metades de Spearman-Brown. Os coeficientes encontrados foram bastante satisfatórios, variando de 0,71 a 0,93.

 

Procedimento

Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos respondentes, os instrumentos foram aplicado de forma coletiva. Para tal, no caso do Teste Pictórico de Memória, o desenho foi projetado na lousa durante 1 minuto, e após esse período de tempo foi dado aos indivíduos 2 minutos para escreverem a maior quantidade de desenhos e detalhes do desenho. Assim, o tempo total de aplicação foi de aproximadamente 30 minutos, não excedendo a 30 pessoas por grupo.

 

Resultados

Na análise dos resultados primeiramente são apresentadas as estatísticas descritivas de ambos os testes. Posteriormente podem ser observadas as correlações entre os instrumentos com e sem o controle da idade. Também se realizou uma correlação entre os quartis formados com base na pontuação do RIn com o TEPIC-M e, por fim, grupos extremos formados em função do RIn foram comparados quanto ao desempenho no TEPIC-M. Os resultados das estatísticas descritivas podem ser observados na Tabela 1.

 

Tabela 1. Estatísticas descritivas do RIn e do TEPIC-M

 

Como descrito na Tabela 1, em ambos os instrumentos não foi atingida a pontuação máxima esperada (40 pontos no RIn e 55 no Teste Pictórico de Memória). Além disso, observou-se que a pontuação média no TEPIC-M pôde ser considerada baixa, uma vez que foi inferior ao ponto médio, que seria 28 pontos. No caso do RIn esse fato não foi observado, uma vez que a pontuação média foi 25,32 e o ponto médio de acertos do teste é 20 pontos. Ainda, no caso dos agrupamentos de itens do teste de memória, nenhum indivíduo alcançou a pontuação máxima esperada. Observou-se também que no agrupamento água houve pessoas que não lembraram de nenhum item.

Para verificar a relação entre ambos os testes foi realizada uma correlação de Pearson, assim como também foi controlado o efeito da idade, tendo como nível de significância 0,05. Os resultados podem ser observados na Tabela 2.

 

Tabela 2. Coeficientes de Correlação de Pearson (r) e parciais e níveis de significância (p) entre as medidas do TEPIC-M e a pontuação total do RIn.

 

Valendo-se desses dados, verificou-se que todas as correlações entre o TEPIC-M com o RIn foram significativas e positivas, com coeficientes variando de baixos a moderados. No caso dos baixos, eles puderam ser observados na correlação dos ambientes Água e Céu com o RIn, com e sem o controle da variável idade. Por sua vez, os coeficientes moderados apareceram entre o ambiente Terra e a pontuação total do TEPIC-M com o RIn, também com e sem o controle da idade. Ainda, pôde ser observado que no caso do teste como um todo, o coeficiente de correlação foi maior em relação a cada um dos agrupamentos, sendo que a magnitude, os níveis de significância e a tendência das correlações se mantiveram quando controlado o efeito da idade. Para uma visualização da relação existente entre ambos os testes o gráfico linear da Figura 1 representa a relação encontrada.

 


Figura 1. Médias das pontuações no TEPIC-M e no RIn.

 

Essa Figura permite interpretar que as pessoas que apresentaram mais pontos no RIn também obtiveram melhores pontuações no TEPIC-M. Deve-se destacar ainda que apesar da correlação encontrada, considerada moderada, houve uma parcela de variância que não foi explicada por essa correlação, e que indicaria que ambos os testes também estariam medindo aspectos não compartilhados.

Com vistas a pormenorizar essa relação, principalmente considerando a distribuição dos sujeitos nos intervalos de ambas as escalas, foram correlacionadas as pontuações do RIn com o TEPIC-M tendo como base a Tabela 26 do manual do RIn (Sisto, 2006, p.73). Assim, formaram-se três grupos, quais sejam, pessoas que obtiveram até 18 pontos no teste (até o percentil 30), pessoas que apresentaram entre 19 e 24 pontos (do percentil 31 ao 69) e sujeitos que tiveram 25 pontos ou mais (percentil acima de 70). As estatísticas descritivas e a correlação desses grupos com a pontuação do TEPIC-M encontram-se nas Tabelas 3 e 4 respectivamente.

 

Tabela 3. Estatísticas descritivas dos grupos formados com base na pontuação do Rin

 

Tabela 4. Coeficientes de Correlação de Pearson (r) e níveis de significância (p) entre as medidas do TEPIC-M e a pontuação total do RIn para cada grupo formado.

 

Como destacado na Tabela 3, os três grupos formados com base na pontuação do RIn apresentaram níveis de p estatísticamente significativos quando correlacionada a pontuação em ambos os testes. Quanto à magnitude das correlações, o grupo até o percentil 30 foi alta, do percentil 31 ao 69 moderada e do percentil 70 ou mais baixa. Essas corelações podem ser consideradas muito boas, principalmente no que diz respeito aos grupos com maiores pontuações, visto que as correlações, pese ao pequeno número de indivíduos, foram significativas. A tendência observada nesses resultados sugere que a magnitude das correlações entre inteligência e memória diminui conforme aumenta a pontuação obtida no RIn.

Com a finalidade de verificar possíveis diferenças nos grupos extremos formados em função do RIn em relação às pontuações do TEPIC-M em relação aos três agrupamentos e à pontuação total, realizou-se uma prova t de student, adotando como nível de significância 0,05. Para formar tais grupos foi considerado 25% de pessoas com as menores pontuações e 25% com as maiores pontuações no RIn. Os resultados podem ser observados na Tabela 5.

 

Tabela 5. Estatísticas para grupos extremos do RIn em relação aos agrupamentos e à pontuação total do TEPIC-M

 

Como observado na Tabela 5, os três agrupamentos e a pontuação total do TEPIC-M apresentaram diferenças estatisticamente significativas em função da pontuação total do RIn. Dessa forma, a tendência mostrou que pessoas com um melhor desempenho no RIn tenderam a lembrar mais itens do TEPIC-M e as com menor desempenho, menos. Esses dados podem ser interpretados como uma evidência de validade de critério por grupos extremos para as medidas fornecidas pelo teste de memória.

 

Discussão

As estatísticas realizadas num primeiro momento evidenciaram que no Teste de Raciocínio Inferencial (SISTO, 2006) os estudantes obtiveram uma pontuação média acima do ponto médio do teste, enquanto que no Teste Pictórico de Memória (RUEDA; SISTO, 2007) a média de pontos ficou consideravelmente abaixo desse ponto. Já em relação às evidências de validade procuradas, quais sejam, concorrente e por grupos extremos para o TEPIC-M, os resultados se mostraram satisfatórios.

Quanto às evidências de validade procuradas, os resultados mostraram correlações positivas e significativas entre ambos os testes, com magnitudes variando de baixas a moderadas, sendo que aproximadamente 25% de ambos os testes estaria medindo o mesmo construto. Com base nisso, a evidência de validade concorrente foi verificada.

Esse resultado confirmou os achados de Rueda e cols. (2007), quando comparado o Teste de Raciocínio Inferencial e uma versão preliminar do Teste Pictórico de Memória, embora as idades dos indivíduos estudados seja diferente. Além disso, as correlações encontradas vão ao encontro dos estudos propostos por Conway, Cowan e Bunting (2001), Engle, Tuholski, Laughlin e Conway (1999), Salthouse (1996), Unsworth e Engle (2004), dentre outros, que afirmaram que as correlações entre testes de memória e inteligência tendem a variar entre 0,30 e 0,70 aproximadamente. Por sua vez, se contrapuseram às pesquisas de Kane e cols. (2004), Perner e Ruffman (1995), por exemplo, que afirmaram que não existiria relação entre a inteligência e a memória de curto prazo em particular.

Quando verificado quais os grupos formados com base no desempenho obtido no RIn estaria mais relacionado com a memória, observou-se que as pessoas com menos inteligência apresentam também uma menor pontuação em memória. Destaca-se que com o aumento da inteligência a correlação com a memória apresenta valores menores, porém continuando sendo razoáveis e estatísticamente significativos. Esse tipo de análise parece ser um diferencial dentre os estudos sobre tal relação, uma vez que são encontrados apenas relatos que apresentam dados sobre os construtos de forma geral, isto é, sem separar os participantes por níveis de inteligência. Não foi encontrado na literatura qualquer resultado para possível comparação.

Por fim, a evidência de validade por grupos contrastantes também foi verificada, já que os três agrupamentos de itens do Teste Pictórico de Memória, assim como a pontuação total do teste, diferenciou as pessoas que apresentaram altas e baixas pontuações no RIn. Assim sendo, pôde-se concluir pela evidência de validade pretendida. Destaca-se que embora os resultados do estudo estejam de acordo com os achados da literatura, novas pesquisas devem ser realizadas para compreender melhor a relação existente entre os construtos, uma vez que a memória estaria embutida no chamado fator g de Spearman, embora até o momento os estudos que descreveram essa relação não conseguiram explicar por completo essa configuração.

Como salientado anteriormente, os resultados deste estudo não amparam o que a literatura tem trazido, no sentido da memória de curto prazo não se relacionar com a inteligência. Os resultados indicaram uma boa relação, e que ela se dá principalmente nos níveis mais baixos de inteligência. Em decorrência, sugerem-se novos estudos para aprofundamento dessa análise.

 

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Endereço para correspondência
Fabián Javier Marín Rueda
E-mail: marinfabian@yahoo.com.br
Fermino Fernandes Sisto
E-mail: fermino.sisto@pq.cnpq.br

Recebido em: 25/09/2007
Aceito para publicação em: 01/10/2008
Acompanhamento do processo editorial: Eleonôra T. Prestrelo

 

 

Notas

* Psicólogo, Mestre em Avaliação Psicológica.
** Doutor pela Universidad Complutense de Madrid, Livre-docente pela UNICAMP.

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